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governo militar

Carlos de Azeredo Ornelas Camacho Ribeiro de Andrade. 20.02.1976. Arquivo Rui Carita. A designação específica de governo militar foi aplicada na Madeira para o topo da estrutura militar entre 1926 e 1973. Ao longo da história da Madeira, o governo militar foi inicialmente da responsabilidade dos capitães do donatário, dos capitães-donatários e, depois, dos governadores e capitães-generais (Governadores e capitães-generais), até à instalação do governo liberal (Governo civil). Já se havia, inclusivamente, ensaiado a constituição de gabinetes e órgãos para o governo militar, com postos e funções ligados ao governador para o assessorar nessa área, como tinham sido os sargentos-mores (Sargento-mor), o tenente-general (Tenente-general), os engenheiros militares, etc. Uma das preocupações dos políticos liberais era a perfeita separação dos poderes, subordinando o poder militar ao político. No entanto, a instabilidade vivida durante as primeiras décadas não deixou muita margem de manobra para tal separação. O facto de que se recrutava, a maior parte das vezes, o quadro superior político do arquipélago dentro do grupo dos militares liberais, e a experiência sofrida pelo primeiro governo liberal sediado nos Açores, que não tinha conseguido submeter a Madeira, também não favoreceu a separação dos poderes. Assim sucedeu com o primeiro prefeito, o coronel de engenharia Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque (1792-1847), e viria depois a acontecer com outros governadores civis, igualmente militares, chegando a ser objeto de pedido de parecer do então marquês de Saldanha ao antigo prefeito da Madeira, situação que se manteve ao longo de quase todo o séc. XIX e mesmo do séc. XX, inclusivamente após o pronunciamento militar de 25 de abril de 1974 e até o país constituir uma democracia parlamentar. A imposição de uma nova ordem institucional no território nacional foi, desde o início do liberalismo, como nos governos seguintes, acompanhada por profundas contradições dentro do Exército, herdeiro de um antigo papel nacional, que participara ativamente, embora nem sempre de forma consciente, na transformação da situação política do país. Na transição do séc. XVIII para o séc. XIX, tentara-se evoluir de uma estrutura senhorial militar para uma efetiva institucionalização de forças armadas nacionais, o que um certo caciquismo regional nem sempre acompanhou e que a corte de Lisboa, a braços com outras dificuldades políticas, também não foi capaz de impor. Com a instalação do liberalismo, institucionalizou-se uma figura complexa de militar-político, herdada da guerra civil, que veio a desempenhar um papel político nacional de excecional importância, embora depois sem especial recorte na instituição castrense propriamente dita. [caption id="attachment_15051" align="aligncenter" width="717"] Parecer pedido por Saldanha a Mouzinho de Albuquerque. 1835. Arquivo Rui Carita.[/caption] A instituição militar passou, ao longo do séc. XIX, por várias reformas, tentando enquadrá-la e adaptá-la aos novos processos e métodos internacionais de combate. A primeira reestruturação data de 1836 e 1837, quando decretos sucessivos dividiram o território em 10 divisões militares, sediando a 9.ª divisão no Funchal, estabelecendo um novo plano de divisão regimental das diversas armas, regularizando o uso de uniformes e diferenciando apenas as armas em causa. Nessa reforma, decretaram-se, ainda, novas regras, mais claras, de progressão na carreira, por antiguidade nas armas de infantaria e de cavalaria, e através de provas de exame nas armas científicas, como a de artilharia e a de engenharia, assim como se criou a Escola do Exército em Lisboa e se lançou, novamente, a instalação de escolas regimentais para a aprendizagem das primeiras letras, estrutura que voltou a funcionar no Funchal, no velho aquartelamento do Colégio dos Jesuítas. Os marechais das campanhas liberais, como os duques de Saldanha (1790-1876), Terceira (1792-1860) e Sá da Bandeira (1795-1876), nunca entregaram verdadeiramente a política aos políticos e, quando tal aconteceu, por absolutos imperativos da idade e com a Regeneração, seriam substituídos por um outro militar, o Gen. Eng. António Maria Fontes Pereira de Melo (1819-1887). As Forças Armadas, através dos seus quadros de engenharia militar, teriam ainda um papel decisivo na organização das Obras Públicas durante todo o liberalismo (Azevedo, António Pedro de e Blanc, Tibério Augusto) e, muito especialmente, na época da Regeneração, quando foi encontrado um certo equilíbrio nas contas públicas, que possibilitou a construção de uma série de acessibilidades, entre outras obras de fomento público. Oriundos os seus quadros superiores dos vários estratos sociais que igualmente forneciam as altas esferas dos quadros políticos, participariam ambos, logicamente, na mesma luta. Assim, vamos encontrar militares no ativo em todas as frentes políticas, inclusivamente na formação dos altos quadros que deram origem ao Partido Republicano (Partido RepublicanoRepública). Voltariam depois a encabeçar os sentimentos e paixões nacionais nas campanhas coloniais de pacificação em África, onde participaram ativamente na tentativa de construção de um outro império colonial, que o trauma da perda do Brasil ainda não invalidara. O Exército representou, ainda, durante quase todo o período liberal, uma certa “reserva patriótica nacional” contra os caminhos sinuosos da política, embora configurasse, ao mesmo tempo, também uma forma romântica de participação na vida coletiva, que entraria depois pelo séc. XX. Poderemos, nessa sequência, estender a sua participação, embora num outro enquadramento, à subida ao poder do Maj. Sidónio Pais e, na Madeira, com a nomeação do Cor. Vicente José de Freitas (1869-1952) para governador civil, à implantação do Estado Novo, e ainda, num quadro mais internacional, aos finais do séc. XX e ao pronunciamento militar de abril de 1974, só então sendo definitivamente excluídos os militares da cena política portuguesa, configurando-se assim nas figuras de um comandante militar e um comandante-chefe, que até 2015 eram a mesma pessoa, assessorada por quartéis-generais diferenciados. Não foi por acaso que uma larga percentagem dos governadores civis da Madeira do séc. XIX foi recrutada nos quadros militares nacionais e mesmo regionais, embora, e progressivamente, se tentasse que as Forças Armadas tivessem cada vez mais um verdadeiro enquadramento nacional.     Rui Carita (atualizado a 13.12.2017)

História Militar História Política e Institucional

fortes

A defesa e a fortificação da Madeira foram várias vezes revistas ao longo da sua história, tendo ficado, das inúmeras edificações levantadas, grande parte do sistema construído na área do Funchal, com várias fortalezas e com pequenos apontamentos das muralhas e fortes de apoio, tanto para nascente como para poente. Do vasto conjunto de fortes, fortins ou redutos levantados ao longo das costas, dependentes das estruturas militares ali levantadas, como eram as companhias de ordenanças, também subsistem muitas construções. Palavras-chave: arquitetura militar; defesa; ordenanças; património edificado.   Fortaleza do Ilhéu A defesa e a fortificação da Madeira foram várias vezes revistas ao longo da história (Defesa), tendo ficado, das inúmeras edificações levantadas, grande parte do sistema construído na área do Funchal, com várias fortalezas – i.e., sistemas defensivos quase autónomos –, tal como pequenos apontamentos das muralhas e fortes de apoio às mesmas e à defesa geral da cidade, tanto para nascente como para poente, nem todos guarnecidos em permanência. Do vasto conjunto de fortes, fortins ou redutos levantados ao longo da costa, dependentes das estruturas militares ali levantadas (Guarnição Militar) (Ordenanças), subsistem muitas construções. De uma forma geral, o sistema defensivo fixo ao longo da costa da Madeira, representado pela rede de fortes e fortins, nasceu do “Regimento de vigias”, emitido a 22 de abril de 1567 e enviado na sequência do ataque corsário francês de 1566. Este regimento mandava montar vigias em todos os portos, “calhetas, praias ou pedras, em que parecesse que os inimigos poderiam desembarcar” (ABM, Câmara Municipal do Funchal, Registo Geral, t. 3, f. 142v.), avançando ainda com outras diretivas que diziam respeito à montagem de artilharia nesses locais em caso de perigo, tendo assim sido a base de muitos, senão de quase todos os pequenos fortes ou fortins levantados pela Ilha (Arquitetura Militar).   A defesa do Funchal envolvia, para além das fortalezas, que tinham autonomia própria, alguns fortes de apoio ao conjunto das muralhas do Funchal, como os pequenos fortes de S.ta Catarina ou de S. Lázaro, que deram depois lugar à bateria das Fontes (Muralhas do Funchal), articulando-se ainda com a defesa das praias e desembarcadouros para poente e para nascente. Com o prolongamento da muralha para nascente, surgiram ainda fortificações no remate da mesma e depois um pequeno forte na foz da ribeira de Gonçalo Aires, o forte dos Louros, tal como, mais tarde, ao meio da praia do calhau de Santa Maria Maior, o forte Novo de S. Pedro. Desde os primeiros anos do povoamento, quando Zarco se abrigou nos dois ilhéus da baía, ao executar o primeiro grande reconhecimento à volta da Ilha, que se reconheceu o interesse desses ilhéus para a defesa do porto do Funchal (Fortaleza do Ilhéu). Com o desenvolvimento do porto e, principalmente, depois da passagem do Funchal a cidade (20 de agosto de 1508), esse interesse terá sido ainda mais notório, estendendo-se aos arrifes fronteiros. A primeira fortificação a surgir fora do perímetro da cidade, quase contemporânea da nova fortaleza de S. Lourenço, senão mesmo anterior a ela, terá sido levantada nestes arrifes, sendo depois devotada a N.ª Sr.ª da Penha de França, e articulando-se depois com outra levantada no chamado ilhéu Pequeno, quando nos meados do séc. XVIII se fez o molhe da Pontinha, o forte de S. José. As praias e desembarcadouros da área do Funchal também vieram a ser dotados de pequenos fortes, muitas vezes de iniciativa particular, como o referido forte dos Louros, na foz da ribeira de Gonçalo Aires, mas já antes tinha sido levantado o forte do Gorgulho e fortificada a praia Formosa, que chegou a ter uma rede de 5 fortes (Fortes da Praia Formosa), o mesmo vindo a acontecer com a foz da ribeira dos Socorridos (Fortes da Ribeira dos Socorridos). Com o desenvolvimento das vilas da capitania do Funchal, também as mesmas vieram a construir pequenos fortes, como Câmara de Lobos (Fortes de Câmara de Lobos), Ribeira Brava (Fortes da Ribeira Brava), Ponta do Sol (Fortes da Ponta do Sol) e Calheta (Fortes da Calheta). Escavações da Fortaleza de São Filipe do Pelourinho Idêntica situação se passou na capitania de Machico, cuja vila, tal como o Funchal, chegou a possuir uma muralha ao longo da praia e também a ser dotada de um conjunto de fortes (Fortes de Machico), à semelhança da vila de Santa Cruz (Fortes de Santa Cruz), embora somente um deles tenha chegado até nós. Os portos e ancoradouros entre Santa Cruz e o Funchal também tiveram pequenos fortes, como os que subsistem nas praias e arribas dos Reis Magos, no Caniço, e na foz da ribeira do Porto Novo (Fortes do Porto Novo e Caniço), o mesmo acontecendo pontualmente na costa norte da Madeira, como na baía do Porto da Cruz, no calhau de S. Jorge e na praia do Porto Moniz. Como mirante romântico, ainda será de referir o forte do Faial (Fortes do Norte da Ilha), que, embora não tenha sido uma construção militar, veio a ser dotado de um largo conjunto de bocas-de-fogo de ferro inglesas, entretanto abandonadas nas praias do Funchal (Artilharia), que tradicionalmente salvam nas festas religiosas locais. A situação do Porto Santo foi mais complexa, dado o abandono a que a ilha foi votada pelos seus capitães-donatários e o isolamento a que sempre esteve sujeita, chegando a sofrer vários assédios corsários, alguns de graves consequências. Esta ilha não deixou, no entanto, de ter os seus fortes (Fortes do Porto Santo), mas estes não obstaram aos assédios sofridos. A definição da superintendência sobre a capitania arrastou-se ao longo do séc. XVIII, pelo que somente com a vigência do gabinete pombalino a situação foi ultrapassada e se pôde organizar a defesa e construir uma fortificação moderna. Se, ao longo do séc. XVIII, se assistiu ao aumento quase exponencial destas pequenas construções defensivas, o interesse militar da maior parte dessas construções, algumas muito precárias, decaiu francamente ao longo de todo o séc. XIX. Acresce que a importância do antigo património militar foi logo reconhecida por parte das câmaras municipais no início do liberalismo, como forma de ampliação das suas áreas de interesse, de expansão do tecido edificado e de reformulação das acessibilidades, sendo então muito do mesmo património militar edificado demolido na Ilha, o que igualmente aconteceu nos grandes centros urbanos continentais. Situação diferente voltou a ocorrer na Madeira com o advento da autonomia, mas já num quadro mais informado, sendo a arquitetura militar objeto de várias exposições, como a de 10 de junho de 1981 – ano em que o Dia de Portugal foi comemorado no Funchal –, exposição remontada em Lisboa, na Fundação Calouste Gulbenkian, em 1982, bem como no Porto e em Vila Viçosa. Foi depois solicitada a sua passagem à tutela da Região Autónoma da Madeira, com vista à instalação de instituições culturais e de apoio às atividades do turismo, nomeadamente os fortes do Ilhéu, de S. Tiago e do Pico, no Funchal, e o Amparo de S. João, no Machico (Arquitetura militar).   Rui Carita (atualizado a 07.12.2017)

Arquitetura História Militar Património

forte dos louros

Deve datar da primeira metade do séc. XVII a construção da pequena fortificação particular que o comerciante Diogo Fernandes Branco mandou levantar nas suas propriedades dos Louros e que o capitão Diogo Fernandes Branco, seu filho homónimo, ampliou ao longo da segunda metade do século. Para proteger o desembarcadouro particular das propriedades dos Louros, construiu-se uma pequena fortaleza retangular com uma esplanada capaz de cinco peças de artilharia ligeiras. A construção deve ter tido a direção do mestre das obras reais Bartolomeu João. Palavras-chave: fortes; arquitetura militar; comércio internacional; defesa.   Mateus Fernandes (c. 1520-1597), de acordo com apontamentos que deixou em Lisboa, ainda nos finais do séc. XVI realizara obras na foz da Ribeira Gonçalo Aires. As primeiras obras nesse local, que Mateus Fernandes refere terem sido feitas no governo do conde de Lançarote, D. Agostinho de Herrera y Rojas (1537-1598), eram para “levante”, constando de uma série de trincheiras e traveses, nas quais se fazia “vigia todas as noites” e que “têm casa”. O mestre Mateus Fernandes pedia, então, que fossem reforçados, dada a força da ribeira no inverno, com “um espigão”, ou seja, um baluarte, rebocado a cal por dentro e por fora (ANTT, Antigo Regime, Arquivo da Casa da Coroa, Cartas Missivas, mç. 2, n.º 53). A opção tomada para o que que ficaria com o nome de forte dos Louros, cerca de 50 anos depois, foi no sentido da construção, na margem oposta, de uma nova estrutura muito mais elevada, composta por um baluarte quadrangular, rematado nos cunhais por elegantes guaritas e com casa da guarda e paiol para norte. A construção deve datar da primeira metade do séc. XVII e talvez tenha continuado ainda durante o período filipino na encosta que domina a pequena praia de desembarque, mandada levantar por Diogo Fernandes Branco (c. 1600-1652), pai, como uma pequena fortificação particular. Este comerciante e armador construiu um pequeno empório comercial ao longo da primeira metade do século, que o Cap. Diogo Fernandes Branco, seu filho homónimo, ampliou ao longo da segunda metade, com a montagem de armadas para comércio geral e, especificamente, de escravos, que circulavam entre as costas de África, os arquipélagos atlânticos e o Brasil (Pernambuco). Esta família tornou-se uma das mais poderosas casas comerciais da Madeira da segunda metade do séc. XVII. Para proteger o desembarcadouro particular nas suas propriedades dos Louros, cruzando fogos com a fortaleza de S. Tiago, construiu-se, então, uma pequena fortaleza retangular, com uma esplanada capaz de 5 peças de artilharia ligeiras, em que, por carta de 9 de dezembro de 1649, afirma, para um dos seus correspondentes, ter de gastar mais 2$000 cruzados, “além de 1$580 que nele estão gastos” (VIEIRA, 1996, 133-134). Com a construção da bateria da Alfândega (Reduto da Alfândega) e as medidas de controlo do contrabando determinadas por D. João IV, a família Fernandes Branco oficializou a situação da sua fortaleza, colocando-a sob as ordens do Rei, mas pedindo a sua capitania. O Rei, por portaria de 4 de setembro de 1647, concedeu a capitania do forte dos Louros a Diogo Fernandes Branco, pai, enquanto fosse vivo, e determinou que, por sua morte, nela sucederia o seu filho (ANTT, Chancelaria de D. João IV, Portarias do Reino, liv. 2, fl. 245). Não temos informações sobre a construção do forte dos Louros, por certo sob direção do então mestre das obras reais Bartolomeu João (c. 1590-1658), pois, embora muito simples como construção de defesa, possui as mais bonitas e elegantes guaritas que existem na Ilha. Perto dos finais do séc. XVII e falecido o Cap. Diogo Fernandes Branco sem herdeiros diretos, o controlo passou para o governador e a sua guarnição foi constituída com base em reservistas, assim sendo os seus artilheiros. Temos informações de artilheiros na situação de reserva, se assim se pode dizer, a transitarem dos fortes de primeira linha, como o do ilhéu, nos finais do séc. XVII a fortaleza mais importante, para o então denominado fortim dos Louros. Aconteceu assim, em 1690, com o velho tanoeiro Manuel Martins, que chegou depois a ser condestável do ilhéu, honorário, com certeza, pelo falecimento do seu irmão Simão Fernandes Forte, em 1698. A nomeação de 1690 de Manuel Martins para o fortim dos Louros especifica que havia servido mais de 20 anos na fortaleza de N.ª Sr.ª da Conceição do Ilhéu, pelo que se lhe dava mais uma pipa de vinho por ano. Atendia-se ainda ao facto de “se dar incapaz”, “já velho”, com “falta de vista” (ANTT, Provedoria e Junta…, liv. 966, fls. 139v. e 284). A capitania do forte dos Louros, no entanto, deve ter continuado na família, e a sua propriedade efetiva também, pois tanto os tenentes-coronéis Paulo Dias de Almeida (c. 1778-1832), em 1817, como António Pedro de Azevedo (1812-1889), entre 1841 e 1860, nas suas “descrições”, quase não referem este forte. No final do séc. XIX, o procurador-geral da Fazenda pública do Funchal, António Leite Monteiro, no tombo deste forte, datado de 7 de outubro de 1892, cita a sua construção pelo morgado e capitão Nicolau Geraldo de Atouguia Freitas Barreto, “que o ofereceu para poder obter a patente de capitão da sua guarnição auxiliar” (ABM, Arquivos Particulares, Tombo Militar n.º 11, n.º 109), o que não é verdade, pois a construção é anterior. O Cap. Nicolau Geraldo de Freitas Barreto foi escudeiro e fidalgo da Casa Real, com mercê do hábito da Ordem de Cristo, e foi capitão do forte de N.ª Sr.ª da Encarnação dos Louros, por nomeação de 28 de maio de 1715, tendo tido armas concedidas em 1731, registadas na Câmara do Funchal (VERÍSSIMO, 1992, 152), que mandou pintar nas suas casas à rua do Esmeraldo, palacete onde se encontra instalado o Tribunal de Contas do Funchal (Arquitetura Senhorial). Nos inícios do séc. XVIII, segundo o Livro de Carga da Fortificação, era condestável deste forte António de Freitas, que recebeu, em 1724, cinco peças de artilharia de ferro montadas, de pequeno calibre, uma teria até oito libras, e alguns apetrechos de artilharia. Em 1729, era condestável do forte Bernardo de Sousa e, em 1730, Paulo Pereira de Lordelo. No final do século, o Gov. Diogo Pereira de Forjaz Coutinho, reconhecendo o pouco valor militar do forte dos Louros, pretendeu ali instalar uma fábrica de seda, mas a ideia não passou da documentação oficial. No entanto, todos os documentos seguintes são unânimes na necessidade da sua alienação, a tal ponto que Paulo Dias de Almeida já não o refere na sua descrição de 1817. No já citado Tombo Militar, onde o forte dos Louros tem o n.º 109, não consta a descrição de 1862, quando foi levantado pelo Ten.-Cor. António Pedro de Azevedo, que desenhou o forte e a área envolvente; e, em 1892, o forte é descrito como “insignificante”, situado a 1 km da cidade, para leste, junto à estrada geral de Santa Cruz e Machico. Encontrava-se levantado sobre a escarpa da ribeira de Gonçalo Aires, a 61 m de altura sobre o nível do mar e o Lazareto do Funchal. Havia então duas casas à carga do forte: uma dentro, com quatro quartos ladrilhados, um assoalhado e uma cozinha; outra fora, encostada ao muro do forte, mas totalmente em ruínas, e de que nada restou. São interessantes as confrontações do forte: pelo norte, com terras das freiras de S.ta Clara, “benfeitorizadas” por M.ª Rosa e Manuel de Gouveia; pelo sul, com a rocha sobranceira ao Lazareto; a leste e oeste, outra vez com terras das freiras de S.ta Clara. Saliente-se que os conventos haviam sido extintos em 1834; no entanto, as propriedades em causa não eram do convento, mas das freiras de S.ta Clara. António Leite Monteiro refere, em nota à descrição do tombo, que o forte dos Louros não tinha qualquer valor como defesa militar e, em face da sua má situação, já tinha sido proposta a sua venda, de que se poderia obter 200$000 réis, calculados pelo aluguer que a casa poderia alcançar. A sua alta localização não permitia bater-lhe o mar, o que aumentava o seu valor comercial e, dado que se encontrava dominado por toda a parte, quer de oriente, ocidente, ou norte, o seu valor militar era quase nulo, pelo que o melhor era vendê-lo. Por outro lado, com a situação do Lazareto na sua parte baixa, se se quisesse mantê-lo “naquela mal escolhida localidade”, teria o governo de despender algum dinheiro com o forte, pois não poderia, para o policiamento interno do Lazareto, deixar-se de incluir nele o mesmo forte. Haveria, então, que se estudar a localização da estrada para Santa Cruz e Machico, que teria de passar acima do forte e assim construir-se a nova ponte. A estrada passou efetivamente para cima da escarpa e o Lazareto fechou-se com um portão de ferro ao largo, encimado com as armas reais, hoje no jardim da Q.ta das Cruzes. Mas o forte acabou por ser entregue pelo Exército ao Ministério das Finanças, embora com inquilinos descendentes do antigo guarda-fiscal Henrique Marcelino de Nóbrega, de família ali residente há quase 100 anos e que somente dali saiu em 2014. O tombo seguinte, com o n.º 110, corresponde à “Casa da guarda da foz da ribeira de Gonçalo Aires” e é assinado por António Pedro de Azevedo, a 17 de setembro de 1862, data em que procedeu ao levantamento da área. A casa é descrita como ocupando uma superfície de 29 ca, com 7 x 4 m, tendo porta e janelas com grades. António Pedro de Azevedo cita que foi “primitivamente destinada a alojar a guarda noturna encarregada de vigiar o contrabando neste porto”. Acrescenta que confrontava em todos os lados com terrenos do Lazareto do Funchal e o seu valor seria de 1000 réis, em virtude de a sua proximidade com o mar tornar insegura a sua situação. Em 1892, António Leite Monteiro reitera que o prédio “devia ser vendido”, parecendo que a venda se processou a 31 de janeiro de 1896, mas parte do documento encontra-se ilegível (ABM, Arquivos Particulares, Tombo Militar n.º 11, n.º 110). A localização alcantilada do forte dos Louros inspirou inúmeros artistas, desde Andrew Picken (1815-1845), Funchal from the East, em 1840 e 1842, a William Gore Ouseley (1766-1866), por volta de 1850, Isabella de França (1795-1880), em 1853, etc., assim como o lazareto depois instalado no porto, por debaixo do forte, e onde era a antiga casa da guarda da foz da ribeira, que foi utilizado também como prisão militar, v.g., dos monárquicos da Revolta de Monsanto, em 1918, e dos elementos envolvidos na Revolta da Madeira, em 1931. Vista do Funchal com Forte dos Louros. Andrew Picken. 1840.   Imagens Arquivo Rui Carita. Rui Carita (atualizado a 07.12.2017)

Arquitetura História Militar Património

junta de planeamento 1975

A transição da Madeira para o processo democrático foi de certa forma calma, se comparada com a agitação vivida no continente ou nas antigas colónias portuguesas de África. As forças militares e militarizadas não colocaram especiais problemas ao Movimento das Forças Armadas (MFA), e a primeira agitação, aliás vaga, decorreu na manifestação do 1.º de Maio, quando apareceu um cartaz a colocar em causa a presença no Funchal dos ex-governantes Américo Thomaz (1894-1987) e Marcello Caetano (1906-1980), com os dizeres “A Madeira não é caixote de lixo”. A notícia chegou a António de Spínola (1910-1996), que presidia à Junta de Salvação Nacional e se comprometera com Marcello Caetano, no quartel do Carmo, a fornecer-lhe proteção pessoal, pelo que poucos dias depois se encontrava na Madeira um delegado do Movimento, o Ten.-Cor. Carlos de Azeredo Pinto Melo e Leme (1930-) (Azeredo, Carlos de). A função do delegado do Movimento era a segurança das altas figuras do final do Estado Novo, mas, embarcadas as mesmas para o Brasil, a 20 de maio, teve de aguardar a nomeação do governador civil do Funchal (Governo civil), Fernando Rebelo (1919-2002) (Rebelo, Fernando Pereira), somente exarada a 7 de agosto. O novo governador tomou posse em S. Lourenço a 8 de agosto e, nesse mesmo dia, Carlos de Azeredo regressou ao continente, fixando-se no Porto. A 13 de setembro de 1974, o novo governador civil do Funchal – em consequência do pedido de exoneração de Rui Vieira (1926-2012), pedido que nunca fora aceite por Carlos de Azeredo – nomeava nova presidência para a Junta Geral. A 10 de outubro, a Junta Geral é dissolvido e é nomeada uma comissão administrativa, que também não resistiu muito tempo. As nomeações que se seguiram, essencialmente de elementos sem impacto político e social nas restantes estruturas locais, que não haviam sofrido especiais alterações, tornariam a situação geral insustentável a curto prazo. A instabilidade que se viria a desenvolver depois na Ilha levou a que, por solicitação dos elementos do Movimento na Madeira, o Ten.-Cor. Carlos de Azeredo, então graduado em brigadeiro, regressasse no final desse ano de 1974 ao Funchal. A 11 março de 1975, em Lisboa, entretanto, registava-se novo pronunciamento militar. O grupo mais moderado de forças políticas e militares ligadas ao Gen. António de Spínola, que não tinha aceitado o seu afastamento, a 30 de setembro, na sequência do falhanço da manifestação da “maioria silenciosa” de dois dias antes, nem, essencialmente, o acelerado processo de descolonização e de politização progressiva da sociedade portuguesa, movimentou-se. Os grupos mais politizados e a Comissão Coordenadora estavam, no entanto, atentos à movimentação, pelo que a mesma se saldou por um novo fracasso, sendo o Gen. Spínola definitivamente afastado, e tendo tido, inclusivamente, de abandonar o país. As notícias chegadas ao Funchal levaram à realização de manifestações de rua em apoio ao MFA. O processo foi acompanhado pelos comandos militares madeirenses, não tomando o Brig. Carlos de Azeredo qualquer posição, dependente, até certo ponto, que estava ainda do governador civil, Fernando Rebelo. Carlos de Azeredo encontrava-se nessa manhã numa cerimónia de distribuição de diplomas e condecorações na sede da Polícia de Segurança Pública do Funchal, à R. dos Netos, e, tendo sido informado pelo Maj. José Manuel Santos de Faria Leal (1936-2015) do que se passava em Lisboa, não interrompeu a distribuição. Escreveria mais tarde que continuou “calmamente na cerimónia” (AZEREDO, 2004, 205), mas, regressado ao palácio de S. Lourenço, acompanhou a situação, como os vários oficiais do seu gabinete, com a máxima apreensão. Com o pronunciamento de 11 de março, as forças mais à esquerda desenvolveram o que ficou conhecido por Processo Revolucionário em Curso e popularizado como PREC. No dia seguinte, a Junta de Salvação Nacional e o Conselho de Estado eram extintos e substituídos pelo Conselho da Revolução, a que se seguiria um plano de nacionalização da Banca, dos Seguros, dos Transportes, etc. Este período constituiu a fase mais marcante da tentativa de revolução portuguesa, durante o qual as tensões políticas e sociais atingiram uma virulência nunca experimentada. Principalmente o verão desse ano de 1975, o chamado “verão quente”, prestou-se a todo o tipo de violências numa sociedade considerada até então de brandos costumes e que nesse período parecia ter querido deixar de o ser. As forças madeirenses ligadas ao velho Movimento Democrático mostraram-se completamente incapazes de fazer face à situação e, a 20 março, Fernando Rebelo deixava o cargo de governador civil. Nesse mesmo dia, em Lisboa, onde fora chamado, desconhecendo o motivo e tendo tido então as mais sérias reservas e apreensões, Carlos de Azeredo tomava posse desse cargo, por despacho do ministro da Administração Interna. A nomeação de um elemento dado como próximo do Gen. António de Spínola não foi bem aceite nos sectores militares e civis continentais ligados ao PREC, que preferiam a nomeação do Maj. José Manuel Santos de Faria Leal (1936-2015), mas representou uma vitória para os sectores mais moderados e marcaria, na Madeira, o início da progressiva demarcação em relação ao processo continental. O Brig. Carlos de Azeredo, como governador civil – mas sempre fardado –, quase de imediato, a 25 de março, dava posse no Funchal à Junta de Planeamento para a Madeira, criada pelo dec.-lei n.º 139/75, promulgado no polémico dia 11 de março, pelo Presidente da República, Gen. Francisco da Costa Gomes (1914-2001), e publicado a 18 seguinte. O dec.-lei já considerava este órgão com um cariz transitório, mas com forte poder de decisão, sendo composto pelo governador civil, que presidia, com voto de qualidade, e por três vogais. Este órgão vinha um pouco na sequência do grupo criado alguns anos antes no âmbito da Junta Geral, a comissão regional de planeamento, mas já com funções deliberativas mais amplas, superintendendo, inclusivamente, sobre a mesma Junta Geral que, embora dissolvida, continuava em exercício. Foram então empossados como vogais João Abel de Freitas (n. 1942), Virgílio Higino Pereira (n. 1941) e José Manuel Paquete de Oliveira (1936-2016), que dirigia o Diário de Notícias. A presença de João Abel de Freitas, ligado à comissão do salário mínimo, e mesmo dos restantes elementos, pois que a sua nomeação fora acordada em Lisboa, não reunia o consenso alargado que alguns sectores locais requeriam, pelo que a Junta de Planeamento foi alvo de críticas no Jornal da Madeira, o que levou Carlos de Azeredo a convocar a S. Lourenço Alberto João Jardim (1943-), recentemente colocado à frente daquele jornal pelo bispo do Funchal, D. Francisco Antunes Santana (1924-1982), embora tal não tenha refreado os ataques daquele periódico à nova estrutura governativa regional. As críticas ainda aumentaram com o dec.-lei de 2 de julho de 1975, que alargava os poderes da Junta de Planeamento para proceder ao saneamento dos serviços do Estado e dos corpos administrativos, podendo suspender por 90 dias os funcionários desses organismos e nomear comissões para efetuarem reclassificações dos mesmos. Foi por esse diploma que se acrescentou um quarto elemento à Junta de Planeamento, dado como representante do comando militar, Faria Leal, que desde o início participava já em todas as reuniões. A Junta de Planeamento sofreria uma contínua contestação, não só local, dado que, como o governador Carlos de Azeredo anunciara na sua formação, tinha sido escolhida de cúpula, por decisão autocrática, logo sem a consulta das forças políticas já sumariamente colocadas no terreno, como igualmente dos círculos mais à esquerda do MFA nacional, que a consideravam não revolucionária. Poucos dias depois, comemorando-se o segundo 1.º de Maio em liberdade, deslocar-se-iam à Madeira dois conselheiros da revolução, o Com. Carlos de Almada Contreiras e o Maj. José Manuel Costa Neves, que participariam na manifestação, mas que quase não contactaram os elementos das forças armadas de S. Lourenço, limitando-se o Brig. Carlos de Azeredo a depois os acompanhar ao aeroporto. Ao contrário do ano anterior, também nenhum dos elementos militares da Madeira participou na mesma manifestação que, inclusivamente, levou a alguns incidentes na baixa da cidade, o que não acontecera no ano precedente. A Junta de Planeamento começou a conhecer dificuldades de articulação interna a partir das eleições de 25 de abril de 1975 (Eleições Autonomia), que elegeram a Assembleia Constituinte (sendo a organização dessas eleições a mais importante missão de que a referida Junta estava incumbida). Assim, se até então a sua nomeação de cúpula, como havia sido referido por Carlos de Azeredo na sua apresentação pública, era defensável por não ter havido eleições na Região, a partir daquela data, tal já não era sustentável. Acrescia a isto o desgaste do “verão quente” de 1975, que começara a 11 de março, e logo a 4 de abril registara uma tentativa de assalto ao palácio de S. Lourenço por uma manifestação de produtores de cana-de-açúcar – situação geral à qual Carlos de Azeredo deu uma resposta que não foi entendida como correta, nem pela esquerda, nem pela direita, tentando limitar a sua atuação a uma gestão negociada de crise, que nunca fora bem aceite por alguns elementos da Junta de Planeamento. A cisão foi iniciada pelo pedido de demissão de João Abel de Freitas, a 5 de agosto de 1975, pois que o mesmo não poderia ter sido feito pelo Maj. Faria Leal, dada a sua condição militar, pretendendo ambos a detenção de alguns empresários madeirenses por sabotagem económica. A demissão de João Abel Freitas foi imediatamente aceite pelo Brig. Carlos de Azeredo, e seguiu-se-lhe a demissão dos restantes membros. Estava assim aberto o caminho para a constituição de um novo órgão de gestão governativa da futura Região Autónoma da Madeira, que, embora ainda não democrático nem verdadeiramente representativo das forças políticas com representação no terreno, caminhava já nesse sentido: a Junta Governativa e de Desenvolvimento de 1976. Levaria, no entanto, mais de seis meses para ser negociada e tomar posse.     Rui Carita (atualizado a 09.06.2017)

Direito e Política História Militar História Política e Institucional

energia elétrica

Antes de se poder usar eletricidade para a iluminação, o azeite era o combustível mais utilizado para esse fim. Até ao final do séc. XIX, os madeirenses utilizaram velas ou candeeiros alimentados a azeite (e posteriormente a petróleo) para a iluminação. À noite, as ruas e os espaços públicos mergulhavam numa completa escuridão. “De longe em longe, um traço de luz coado pelas vidraças das habitações ou uma lanterna guiando algum transeunte noctívago, vinham quebrar momentaneamente as trevas em que a cidade [do Funchal] se achava sepultada” (SILVA e MENESES, 1998, II, 268). A iluminação pública do Funchal surgiu em 1846, numa iniciativa do governador civil José Silvestre Ribeiro, que mandou colocar alguns candeeiros a azeite em pontos centrais da cidade, como forma de melhorar a segurança da população madeirense. A esta iniciativa juntaram-se outras de carácter privado, de pessoas abastadas e de alguns britânicos estabelecidos no Funchal, que contribuíram para a iluminação das ruas com candeeiros instalados nas suas próprias habitações. Os candeeiros teriam dois ou três bicos e tinham como combustível o azeite, o óleo de peixe ou de purgueira. Em 1849, chegaram a existir cerca de 70 candeeiros para a iluminação da cidade do Funchal. Mais tarde, em 1870, a Câmara do Funchal assumiu os encargos com a iluminação e instalou candeeiros em mais alguns pontos da cidade. “Da extremidade de umas hastes de ferro horizontais, de pouco mais de um metro de comprimento, pendiam os candeeiros, sendo os mais antigos amarrados a uma corrente, que, ao longo da haste e da parede, se vinha prender numa fechadura que era aberta para fazer subir ou descer o depósito do combustível e assim proceder-se à sua limpeza e também acender-se ou apagar-se o candeeiro. Depois passaram a estar fixos na extremidade de varas de ferro, sendo preciso o auxílio de escadas para todo o serviço de iluminação” (SILVA e MENESES, 1998, II, 138). Por esta altura, o petróleo começou a ser utilizado como alternativa ao azeite, por gerar uma chama mais intensa. Acompanhando o desejo de progresso que se verificava noutras cidades europeias, houve algumas tentativas, aliás sem sucesso, de mobilização para a implementação da iluminação pública do Funchal a gás. No entanto, o passo decisivo, em termos de progresso, deu-se com a instalação da luz elétrica. A 22 de maio de 1895, a Câmara fez uma concessão ao engenheiro portuense Eduardo Augusto Kopke para a iluminação pública do Funchal. Passado um ano, este engenheiro transferiu o seu contrato para a empresa inglesa The Madeira Electric Lighting Company Limited, conhecida na Madeira como Companhia da Luz Elétrica. Esta empresa implementou a primeira rede de iluminação elétrica e procedeu à instalação da Central Térmica do Funchal, para a produção de energia elétrica. Em 1897 inaugurava-se a luz elétrica no Funchal. A primeira central tinha apenas um grupo gerador a vapor, com potência de 35 cv. No período de 20 anos que se seguiu à inauguração da Central Térmica do Funchal, o uso da energia elétrica foi-se tornando essencial no quotidiano dos madeirenses. O objetivo do contrato de concessão com a empresa inglesa foi totalmente cumprido. Existiam “em toda a cidade e subúrbios 14 arcos voltaicos e 1400 lâmpadas, estendendo-se a mesma iluminação até o Lazareto, quinta Reid, no Caminho do Meio, Conceição, em S. Roque, Quinta do Leme, em Santo António, Nazaré, em São Martinho, e Confeiteira, no Monte” (SILVA e MENESES, 1998, II,269). Para dar resposta às exigências do crescente consumo de eletricidade, a empresa inglesa ampliou, por diversas vezes, a pequena central elétrica do Funchal, já conhecida como Casa da Luz. Em 1925, foi alargado o prazo do contrato de concessão à Madeira Electric Light Company, de 45 para 50 anos. A empresa construiu uma nova central, num espaço contíguo ao anterior, onde foram instalados, ao longo de 11 anos, 6 grupos eletrogéneos. A potência total nominal era, então, de 1890 kW. Mas a Segunda Guerra Mundial trouxe muitas dificuldades à empresa inglesa no que diz respeito ao abastecimento de combustível. Um pouco por toda a Ilha, nasciam iniciativas privadas para a produção hidroelétrica, com vista a responder às necessidades de energia elétrica em locais mais remotos. Entretanto, o Governo português enviou à Madeira uma missão técnica, liderada pelo Eng.º Rafael Amaro da Costa, para estudar o aproveitamento das águas da Ilha para rega e energia elétrica. Foi aprovado em 1943 o plano dos novos aproveitamentos hidráulicos da Madeira e constituída a Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira (CAAHM), que se instalou no Funchal em 1944 e deu imediatamente início à execução do novo plano. Findo o prazo do contrato de concessão à empresa inglesa, e apesar do seu manifestado interesse em não a renovar, aquele foi novamente alargado por mais cinco anos. Em abril de 1949, o município do Funchal assumiu a substituição das funções da Madeira Electric Lighting Company pelos Serviços Municipalizados de Eletricidade. A produção e o fornecimento de energia elétrica do arquipélago, essenciais para o seu desenvolvimento, são assim transferidos para o sector público. Nos anos 50, foram atribuídas à CAAHM as funções de produção, transporte e distribuição de energia elétrica em toda a Ilha. Em 1953, começaram a funcionar as centrais hidroelétricas da Serra de Água e da Calheta, que garantiram energia elétrica a zonas rurais. A Ribeira Brava foi a primeira vila a receber energia elétrica. A aprovação do plano de eletrificação rural, que se veio a estender à ilha do Porto Santo, alargou a rede elétrica a todo o arquipélago. No Funchal, foi construída a sede da CAAHM, na Av. do Mar, e reequipou-se a sua central térmica com novo grupo eletrogéneo de 1000 kW. Edificou-se a Central Térmica do Porto Santo, que foi inaugurada a 9 de agosto de 1954. O consumo crescente de energia elétrica esteve na origem da construção de uma nova sala de máquinas, que ficava localizada a leste da anterior, onde foram colocados três grupos, um de 5145 e dois de 4320 kW. Na déc. de 70, conquistada a autonomia para a Madeira, o Governo regional transformou a CAAHM, então responsável pela produção, transporte e distribuição de eletricidade, numa empresa pública, a Empresa de Electricidade da Madeira (EEM). A EEM lançou-se a grandes obras com vista à eletrificação de toda a ilha da Madeira: foi construída a Central da Vitória, em 1980; a rede de baixa tensão estendeu-se por 456 km; e foram instalados 786 postos de transformação e 8498 focos de iluminação pública. Foram também criados mais três grupos de 5145 e 4329 kW para dar resposta à maior necessidade de consumo derivada do acelerado ritmo de desenvolvimento socioeconómico da Região. A produção de energia hidroelétrica, a partir de 1951, e a produção de outras energias renováveis, em finais do séc. XX, fizeram do arquipélago da Madeira um exemplo de inovação na diversificação de fontes de energia e de sustentabilidade energética. Nos anos 90, a EEM passou a sociedade anónima de capitais exclusivamente púbicos (dec. leg. regional n.º 14/94/M, de 3 de junho).   Casa da Luz O edifício sede da EEM, situado na Av. do Mar, foi sempre conhecido pelos madeirenses como Casa da Luz. Este edifício foi construído em 1956, tendo sido projetado pelo Arqt. Chorão Ramalho. Nele funcionam os serviços administrativos e técnicos da EEM e a subestação do Funchal. É frequente ouvir a população falar da necessidade de ir à Casa da Luz para tratar de demandas administrativas relacionadas com a conta da eletricidade. Neste edifício estava situada a Central Térmica do Funchal, que foi desativada em 1989, após um século de funcionamento. Para não deixar cair no esquecimento o esforço de muitos madeirenses que, desde o fim do séc. XIX, se empenharam nos primeiros passos da eletrificação da ilha da Madeira, foi inaugurado o Museu Casa da Luz, a 24 de novembro de 1997, por altura das celebrações do centenário da introdução da eletricidade na Ilha. Este Museu, situado no antigo espaço da Central Térmica do Funchal, ocupa cerca de 2000 m2 de exposição e concentra uma valiosa coleção de materiais e equipamentos, que contam a história da eletricidade na Madeira.     Ana Londral Cátia Teles (atualizado a 23.03.2017)

Física, Química e Engenharia

clima e meteorologia

O arquipélago da Madeira situa-se na região subtropical do Atlântico oriental, centrado aproximadamente a 32 ° 45 ’ de latitude norte e 17 ° 00 ’ de longitude oeste, a cerca de 900 km de Portugal continental (Sagres) e dos Açores (Santa Maria). É formado pelas ilhas da Madeira e de Porto Santo, com áreas da ordem dos 730 km2 e 23 km2, respetivamente, e pelos ilhéus das Desertas e das Selvagens, estes últimos a cerca de 300 km a sul da Madeira. A orografia é bastante acidentada, com as formações de maior altitude na parte oriental (pico Ruivo, com 1862 m) e na parte ocidental (planalto do Paul da Serra, com altitude da ordem dos 1300 m). De acordo com a classificação climática de Köppen-Geiger, as ilhas da Madeira e de Porto Santo apresentam clima temperado húmido, com zonas de verão seco e quente e outras zonas de verão seco e suave, dependendo da proximidade ao mar, da exposição solar e principalmente da altitude. Em intervalos de tempo regulares, com base em instrumentos específicos, é feita no arquipélago a observação à superfície dos principais descritores meteorológicos, designadamente a pressão atmosférica, o vento, a temperatura e a humidade relativa do ar. A respetiva difusão sincronizada aos níveis regional, nacional e internacional constitui a informação primária para a descrição do tempo presente e, por acumulação sucessiva, do conhecimento do clima. As primeiras observações meteorológicas à superfície, executadas com regularidade e de forma continuada no Funchal remontam a meados do séc. XIX, tendo sido executadas até meados do séc. XX no Palácio de S. Lourenço, e posteriormente no sítio dos Louros, na orla costeira leste da cidade, onde foi instalado o Observatório Meteorológico do Funchal. Graças à observação regular efetuada, no mínimo diariamente, às 09.00 h, estava disponível, em 2015, uma série longa de dados para o Funchal, o que permitia conhecer, e.g., a variação da temperatura média do ar e da quantidade de precipitação dos 151 anos anteriores e da temperatura da água do mar à superfície dos 65 anos anteriores, executada no porto do Funchal. Fig. 1 – Gráfico com a média anual da temperatura do ar à superfície, registada no Funchal entre 1865 e 2015 (151 anos) (Palácio de S. Lourenço e sítio dos Louros); e a média anual da temperatura da água do mar registada na Pontinha entre 1951 e 2015 (65 anos). Fonte dos dados: Instituto do Mar e da Atmosfera. Dos registos anuais, destaca-se a subida da média anual da temperatura do ar a partir do início dos anos 70 do séc. XX. Desde 1971 até 2015, a temperatura média anual subiu cerca de 2,2 °C, o que corresponde a um valor médio da ordem de 0,5 °C por década. No entanto, entre 1996 e 2015, período em que as observações foram feitas sempre com o mesmo equipamento, devidamente calibrado, verificou-se que a temperatura do ar subiu cerca de 0,3 °C, o que corresponde a um valor da ordem de 0,15 °C por década, tendo a subida sido mais acentuada entre 1996 e 2004 (8 anos) do que entre 2005 e 2015 (11 anos). À semelhança da temperatura média do ar, a temperatura média da água do mar começou a subir no início da déc. de 70 do século XX, embora de forma menos significativa entre 1995 e 2015. Desde o início da déc. de 70, a diferença entre a temperatura média do ar e da água do mar variou entre 1,3 °C e 0,5 °C, embora nos últimos anos do intervalo essa diferença se tenha mantido próxima dos 0,5 °C. Entre 1995 e 2015, a temperatura média anual do ar variou entre 20,0 °C e 20,4 °C, e a temperatura da água do mar entre 20,4 °C e 21,1 °C. Fig. 2 – Gráfico com a evolução da precipitação média anual registada no Funchal entre 1865 e 2015, desde 1865 no Palácio de S. Lourenço e desde 1951 no sítio dos Louros (Observatório Meteorológico do Funchal). Fonte dos dados: Instituto do Mar e da Atmosfera. A partir de uma análise simples da fig. 2, conclui-se que a quantidade de precipitação apresenta variabilidade interanual significativa. No 65 anos que medeiam entre o momento em que começou a haver registos no Observatório Meteorológico do Funchal e 2015, a precipitação anual mais baixa foi registada em 2015 (299,5 mm), correspondendo ainda ao quarto valor mais baixo desde 1865 (em 151 anos). O maior valor da quantidade de precipitação anual ocorreu em 2010 (1477 mm) e um valor próximo deste foi registado em 1895 (1420 mm). Entre 2010 e 2015, registou-se o maior período de anos consecutivos com os valores mais baixos da quantidade de precipitação no Funchal. Rede de observação A rede meteorológica do Funchal começou a ser construída em meados dos anos 30 do séc. XX, com a instalação de vários postos meteorológicos. Nos anos 50, a rede meteorológica era constituída por 15 postos, tendo 7 sido desativados durante a déc. de 80; restaram as estações do Funchal (1865), do Areeiro (1936), de Santana (1937), do Porto Santo (1939), do Lugar de Baixo (1941), do Santo da Serra (1942), da Bica da Cana (1950) e de Santa Cruz/Aeroporto (1958). No acompanhamento da modernização tecnológica registada particularmente durante a déc. de 80 do séc. XX, iniciou-se em 1995 a modernização da rede meteorológica do arquipélago da Madeira, com a instalação de duas estações meteorológicas automáticas em Porto Santo/Aeroporto (78 m) e no Funchal/Observatório (58 m); em 2002, foram instaladas cinco estações: Funchal/Lido (25 m), São Jorge (257 m), Chão do Areeiro (1590 m), Lugar de Baixo (40 m) e Ponta do Pargo (298 m); em 2009, e para reforçar a melhoria da previsão meteorológica, foram ainda instaladas duas estações automáticas no Caniçal/Ponta de São Lourenço (133 m) e nas Achadas da Cruz/Lombo da Terça (931 m). Posteriormente, e após o violento temporal de 20 de fevereiro de 2010, reconheceu-se a necessidade de aumentar a densidade de estações, pelo que foram instaladas, em finais de 2010, mais cinco estações automáticas em Quinta Grande (580 m), São Vicente (97 m), Santana (380 m), Bica da Cana (1560 m) Santo da Serra (660 m), tendo as três últimas substituído as estações clássicas existentes, das quais havia apenas uma observação diária, às 09.00 h. Posteriormente, e para completar a rede planeada em 2010, foram instaladas, em 2013, uma estação no Pico do Areeiro (1799 m), e em 2014 três estações: Porto Moniz (35 m), Pico Alto (1118 m) e Santa Cruz/Aeroporto (58 m), aqui para substituir a estação clássica. Estas 18 estações estão equipadas com instrumentos de observação da temperatura e humidade relativa do ar, precipitação e radiação solar global, estando 12 – Funchal/Observatório, Funchal/Lido, São Jorge, Areeiro, Lugar de Baixo, Ponta do Pargo, Caniçal/Ponta de São Lourenço, Santo da Serra, Porto Moniz, Pico Alto, Santa Cruz/Aeroporto e Porto Santo/Aeroporto – equipadas com instrumentos de medição do vento. Três destas estações estão ainda equipadas com instrumentos de medição da pressão atmosférica: Funchal/Observatório, Santa Cruz/Aeroporto e Porto Santo/Aeroporto. Assim, para a Madeira, a densidade de estações meteorológicas é da ordem de uma estação por cada 45 km2 para a temperatura e humidade relativa do ar e radiação solar global, e uma estação por 65 km2 para o vento. Para ilustração, apresenta-se na fig. 3 a distribuição e a localização das estações meteorológicas no arquipélago da Madeira, em 2015. Fig. 3 – Mapa com a distribuição e localização das estações meteorológicas no Arquipélago da Madeira em 2015. A redução na densidade de estações decidida para o arquipélago da Madeira resultou, em particular, da necessidade de melhoria da vigilância meteorológica, sentida após vários episódios de tempo rigoroso, em particular associados a precipitação forte, registados a partir do início de 2009, dos quais se apresentam alguns mais significativos: 27 fevereiro 2009: Funchal 82,7 mm/Areeiro 145,1 mm; 18 de dezembro de 2009: Funchal 36,7 mm/Areeiro 130,1 mm; 2 de fevereiro de 2010: Funchal 42,5 mm/Areeiro 184,7 mm; 20 de fevereiro: Funchal 144,3 mm/Areeiro 389,6 mm; 21 de outubro de 2010: Funchal 82,7 mm/Areeiro 147,0 mm; 26 de novembro de 2010: Funchal 155,1 mm, tendo sido o maior valor diário registado desde sempre/Areeiro 185,2 mm; 28 de dezembro de 2010: Funchal 50,7 mm/Areeiro 95,7 mm; 26 de janeiro de 2011: Funchal 103,4 mm/Areeiro 321,0 mm; 30 de outubro de 2012: Funchal 55,7 mm/Areeiro 258,1 mm; 6 de novembro de 2012: Funchal 19,3 mm/Areeiro 201,1 mm; 3 de março de 2013: Funchal 40,9 mm/Areeiro 274,4 mm; e muitos outros episódios em toda a ilha da Madeira, sendo de registar também os da Ribeira da Janela no dia 5 de novembro de 2012: 186 mm no Lombo da Terça/Porto Moniz; e de Porto da Cruz a 29 de novembro de 2013: 325 mm no Santo da Serra durante dois dias.   Fig. 4.1 – Fotografia de balão meteorológico com radiossonda. A rede de observação no arquipélago da Madeira inclui ainda um sistema de radiossondagens para observação da pressão atmosférica, do vento, da temperatura e da humidade relativa do ar, desde a superfície até cerca de 30 km de altitude, recorrendo ao lançamento de balão com radiossonda (fig. 4.1), executado uma vez por dias às 12.00 h, e ainda quatro estações de tempo presente, instaladas no Funchal/Observatório Meteorológico, em Chão do Areeiro, Pico do Areeiro e São Jorge, para observação da visibilidade horizontal e identificação do tipo de meteoros (chuva, chuvisco, granizo, saraiva e neve).   Fig. 4.2 – Estação meteorológica automática, em teste no Observatório Meteorológico do Funchal, para ser instalada nas Selvagens. Para completar a rede do arquipélago da Madeira, foi instalada uma estação meteorológica automática nas ilhas Selvagens no verão de 2016 (fig. 4.2), a qual permitirá essencialmente acompanhar a evolução de sistemas meteorológicos que se formem a sul da Madeira, para além de que os dados registados nestes ilhéus permitirão o estudo do clima local e o apoio de estudos científicos nos domínios dos ecossistemas locais.     Condições meteorológicas caraterísticas na região da Madeira Fig. 5.1 – Imagem de aproximação de superfície frontal fria As condições meteorológicas predominantes na região do arquipélago da Madeira são principalmente determinadas pela intensidade e localização do anticiclone dos Açores e pelas perturbações da superfície frontal polar que se fazem sentir especialmente de novembro a março, quando se deslocam do Atlântico Norte em direção à Europa, vindas de oeste. Durante o inverno, o anticiclone dos Açores está geralmente deslocado para sul da sua posição média, a sudoeste dos Açores. Importantes também na determinação das condições meteorológicas nesta época do ano são as depressões frontais que se deslocam sobre o Atlântico, que dão origem à aproximação e passagem de superfícies frontais, em particular de superfícies frontais frias (fig. 5.1), mais frequentes e mais ativas do que as superfícies frontais quentes, as quais dão origem a grande nebulosidade, chuva e aguaceiros por vezes fortes, em particular nas zonas montanhosas, e a ventos fortes dos quadrantes de sul. Fig. 5.2 – Imagem de localização do anticiclone dos Açores em dia de verão. Durante o verão, o anticiclone dos Açores, desloca-se frequentemente para nordeste relativamente à sua posição média anual, a sudoeste dos Açores, fortalece-se e estende-se com uma crista de altas pressões, que atinge o Nordeste da Europa (fig. 5.2). Fig. 5.3 – Imagem de depressão estacionária centrada entre Portugal Continental e os arquipélagos dos Açores e da Madeira. Também de outubro a março, estabelecem-se por vezes, entre a Península Ibérica, os Açores e a Madeira, depressões frias estacionárias que afetam as condições meteorológicas nesta região e podem permanecer cerca de uma semana, dando origem, na região da Madeira, a grande nebulosidade com ocorrência de períodos de chuva ou aguaceiros por vezes fortes (fig. 5.3). Importantes são também as situações em que se observa um anticiclone muito desenvolvido, centrado a norte da latitude da Madeira, e orientado na direção oeste-leste, por vezes associado a baixas pressões sobre o continente africano, e em que a região da Madeira é atingida por vento de leste, muito quente e seco, vindo do deserto do Sahara, com poeira fina que dá origem a bruma. Nesta situação, a temperatura do ar na Madeira pode chegar aos 35 °C e a humidade relativa do ar descer para valores da ordem de 5 % nas regiões montanhosas. O clima da Madeira Para a caraterização do clima da Madeira, recorreu-se à classificação climática de Köppen-Geiger, a qual divide os climas em cinco grandes grupos, identificados por letras maiúsculas, e na qual o arquipélago da Madeira se integra no grupo [C], definido como clima temperado húmido. Para cada grande grupo, o tipo de clima é ainda especificado através de uma letra minúscula que refere o regime da precipitação, que para o arquipélago da Madeira, definido como húmido, é [s]; e uma segunda letra minúscula, que está relacionada com a temperatura média mensal, que para o arquipélago da Madeira é [a] ou [b], correspondendo a verão seco e quente (VSQ) ou verão seco e suave (VSS). No fig. 6, apresenta-se a metodologia utilizada com os limites relativos às temperaturas e precipitações mensais, de acordo com a classificação climática de Köppen-Geiger. [table id=88 /] Recorrendo à série de dados de 1971-2000 (30 anos), em particular às normais climatológicas, da temperatura do ar e da precipitação média mensal, para as estações do Funchal (costa sul, 58 m), do Areeiro (montanha, 1590 m), de Santana (costa norte, 380 m) e da ilha de Porto Santo (78 m), representadas graficamente na fig. 7, e aplicando a classificação de Köppen-Geiger, temos para o Funchal e para Porto Santo clima do tipo Csa (temperado húmido com verão seco e quente) e para o Areeiro e Santana clima do tipo Csb (temperado húmido com verão seco e suave). Fig. 7 – Gráficos com a temperatura do ar e a precipitação média mensal no período de 1971-2000, registadas nas estações meteorológicas do Funchal (58 m), do Areeiro (1590 m), de Santana (380 m) e de Porto Santo (78 m). Aplicando a mesma classificação para as estações que se apresentam na fig. 8, com séries de dados de cinco anos (2011-2015), verifica-se que no Funchal (58 m), no Lugar de Baixo (40 m), na Ponta do Pargo (298 m), em São Vicente (97 m), no Caniçal (133 m) e em Porto Santo (78 m) o clima é Csa (temperado húmido com verão seco e quente) e nas estações de Quinta Grande (580 m), São Jorge (257 m), Santana (380 m), Santo da Serra (660 m), Areeiro (1590 m), Bica da Cana (1560 m) e Lombo da Terça (931 m) o clima é do tipo Csb (temperado húmido com verão seco e suave). [table id=89 /] Legenda: H – Altitude T1 – Temperatura média do ar do mês mais frio I1 – Grupo climático R1 – Precipitação no mês mais seco R2 – Precipitação no mês mais chuvoso I2 – Indicador de tipo T2 – Temperatura média do ar do mês mais quente I3 – Indicador de subtipo TC – Tipo de clima Csa – Clima temperado húmido com verão seco e quente Csb – Clima temperado húmido com verão seco e suave   Na fig. 9 apresenta-se de forma gráfica, para nove das estações indicadas na fig. 8, os valores médios mensais da temperatura do ar e da precipitação para o período 2011-2015. Fig. 9 – Gráficos com a temperatura do ar e a precipitação média mensal no período de 2011-2015, registadas nas estações meteorológicas de São Vicente (97 m), São Jorge (257 m), Ponta do Pargo (295 m), Bica da Cana (1560 m), Santana (340 m), Lugar de Baixo (40 m), Funchal (58 m), Caniçal (133 m) e Porto Santo (78 m). Dos resultados anteriores, conclui-se que, para além da latitude, os fatores determinantes do clima da Madeira são a altitude e a proximidade ao mar. Assim, toda a faixa costeira sul até à cota de 500 m (a avaliar pelos valores da Quinta Grande), a faixa costeira norte até à cota de 100 m, aproximadamente (a avaliar pelos valores de São Vicente e de São Jorge), e o Porto Santo apresentam clima temperado húmido com verão seco e quente, e as restantes regiões clima temperado húmido com verão seco e suave. Resumo de apuramentos estatísticos (1971-2000) A fim de se conhecer com mais detalhe a variação dos vários parâmetros climáticos, apresenta-se uma descrição dos apuramentos estatísticos, também conhecidos por normais, para o período 1971-2000, relativos às estações do Funchal (58 m, costa sul), do Areeiro (1590 m, montanha), de Santana (380 m, costa norte) e do Porto Santo (78 m). (Todos estes dados foram recolhidos no Instituto do Mar e da Atmosfera.)   Temperatura do ar Nas regiões costeiras da ilha da Madeira e em Porto Santo, a temperatura mínima do ar raramente desce abaixo de 10 °C no inverno e a temperatura máxima poucas vezes ultrapassa 30 °C no verão. No entanto, nas terras altas da ilha da Madeira, consideradas acima dos 1000 m, observam-se com frequência valores da temperatura mínima do ar inferiores a 0 ºC. A região do Lugar de Baixo, na vertente sul, a jusante dos ventos dominantes, é a mais quente da ilha da Madeira. Os valores médios anuais da temperatura do ar na ilha da Madeira são maiores na costa sul do que na costa norte e diminuem para o interior da ilha, com a altitude. A temperatura média anual é de 19,0 °C no Funchal (58m), 8,8 °C no Areeiro (1590 m), 15,5 °C em Santana e 18,6 °C na ilha de Porto Santo (78 m). A temperatura média mensal varia pouco ao longo do ano, sendo maior no verão – 22,6 °C no Funchal, 14,3 °C no Areeiro, 19,0 °C em Santana e 22,5 °C em Porto Santo – e menor no inverno: 16,1 °C no Funchal, 4,9 °C no Areeiro, 12,8 °C em Santana e 15,6 °C em Porto Santo. As amplitudes térmicas diárias são pequenas, com valores médios mensais que variam de 5,7 °C a 6,5 °C no Funchal, de 5,9 °C a 8,5 °C no Areeiro, de 4,8 °C a 6,2 °C em Santana e de 4,8 °C a 6,1 °C em Porto Santo. O número médio de dias de verão, definidos como dias em que a temperatura máxima do ar é superior ou igual a 25 °C, é de 72 no Funchal, 7 no Areeiro, 7 em Santana e 39 no Porto Santo; o número de noites tropicais, ou seja, dias de temperatura mínima do ar superior ou igual a 20 °C, é de 28 no Funchal, 1 no Areeiro, 1 em Santana e 37 em Porto Santo. Os dias quentes, com temperatura máxima do ar superior ou igual a 30 °C, podem ser registados tanto nas regiões costeiras como nas regiões montanhosas da ilha da Madeira e também em Porto Santo, mas são bastante reduzidos; em média, inferiores a um dia por ano. As temperaturas máximas absolutas registadas foram 38,5 °C no Funchal, 30,6 °C no Areeiro, 34,1 °C em Santana e 35,3 °C em Porto Santo; e as temperaturas mínimas absolutas foram 7,4 °C no Funchal, -7,0 °C no Areeiro, 5,1 °C em Santana e 6,4 °C no Porto Santo. O número médio de dias do ano com temperatura mínima inferior a 0 ºC é praticamente nulo, exceto no Areeiro onde é de cerca de 40 dias. Precipitação De todos os elementos climáticos, a precipitação é a que apresenta maior variabilidade, existindo um contraste significativo entre a vertente norte e as zonas mais altas, onde ocorrem valores muito elevados de precipitação, e a vertente sul e o Porto Santo, com valores baixos de precipitação. No inverno, a precipitação ultrapassa os 1000 mm nas zonas mais altas, enquanto na costa sul é inferior a 300 mm. Nos meses de verão, a quantidade de precipitação varia entre os 150 mm nas zonas mais altas e menos de 50 mm na costa sul da ilha. O facto de chover mais na parte norte da Madeira durante o verão está claramente associado à direção dominante do vento do quadrante norte nesta estação do ano, e ao facto de a precipitação ser essencialmente de origem orográfica. Os valores médios anuais da precipitação na ilha da Madeira são maiores na costa norte do que na costa sul, aumentando com a altitude, sendo em regra maiores nas encostas voltadas a norte do que nas encostas voltadas a sul para regiões da mesma altitude. Os valores variam de 596 mm no Funchal a 2620 mm no Areeiro, com 1383 mm em Santana. No Porto Santo, o valor médio anual da quantidade de precipitação é 361 mm. Os valores médios mensais da quantidade de precipitação variam muito durante o ano, sendo os meses de outubro a março os mais chuvosos, com valor médio mensal mais elevado nos meses de novembro a janeiro. As maiores quantidades de precipitação diárias variam de local para local, desde o máximo de 215,0 mm no Areeiro, passando por 194,0 mm em Santana, até aos 97,7 mm no Funchal; em Porto Santo, o maior valor diário registado foi 73,0 mm. O número médio anual de dias em que a quantidade da precipitação é igual ou superior a 10 mm é máximo no Areeiro (70) e mínimo em Porto Santo (9), sendo 19 dias no Funchal e 40 dias em Santana. A assimetria norte-sul do número anual de dias com precipitação (≥0,1 mm) é muito significativa. Com efeito, na região do Funchal e noutros pontos da costa sul, ocorrem menos de 90 dias com precipitação por ano, enquanto na costa norte se observam mais de 150 dias por ano. Por outro lado, nas zonas mais altas registam-se mais de 200 dias por ano com precipitação, dos quais mais de 70 são dias com precipitação elevada, superior a 10 mm. Insolação A insolação (número de horas diárias de exposição solar) mensal varia durante o ano com bastante regularidade, Fig. 10 – Gráfico da insolação mensal no Funchal, no Areeiro e em Porto Santo.Fonte dos dados: Instituto do Mar e da Atmosfera. tendo o valor mínimo em dezembro: 134 h no Funchal, 102 h no Areeiro e 133 h na Ilha de Porto Santo. O máximo mensal é 231 h em agosto no Funchal, 241 h em agosto no Porto Santo e 285 h em julho no Areeiro. A insolação apresenta uma ligeira descida em junho no Funchal e em Porto Santo, mas que não se observa no Areeiro. A insolação mensal média tem assim, para o Funchal e para Porto Santo, uma distribuição bimodal, com máximos em maio e em agosto (fig. 10). Anualmente, o Porto Santo totalizou, neste período, 2157 h de sol e o Funchal 2057 h, estando o maior número de horas de sol em Porto Santo associado à menor orografia, que não favorece tão fortemente a formação de nebulosidade local. O Areeiro totaliza 2053 h de insolação, apresentando uma amplitude mensal de 183 h; o Funchal, com um número anual de horas de sol quase igual ao do Areeiro, tem uma amplitude mensal de 96 h. O número anual de dias sem insolação é de 11 no Funchal, 9 em Porto Santo e 42 no Areeiro; para este valor, contribui essencialmente o número de dias com muita nebulosidade que se registam nos meses de outubro a março. Evaporação (mm) Os valores médios mensais da evaporação nas regiões costeiras da ilha da Madeira e em Porto Santo variam pouco e com bastante regularidade durante o ano. Em geral, os máximos ocorrem em julho e agosto. A quantidade média anual de evaporação é maior em Porto Santo, com 1423 mm, seguindo-se, por ordem decrescente, na ilha da Madeira, o Funchal, com 1109 mm, o Areeiro, com 970 mm, e Santana, com 753 mm. A amplitude mensal é de 23 mm no Funchal, 117 mm no Areeiro, 19 mm em Santana e 36 mm em Porto Santo, sendo de concluir que a evaporação é máxima nas regiões montanhosas.   Humidade relativa do ar A humidade relativa do ar é em regra maior na costa norte do que na costa sul da ilha da Madeira, sendo a variabilidade mensal maior nas regiões montanhosas. Fig. 11 – Gráfico dos valores médios mensais da humanidade relativa do ar no Funchal, no Areeiro e em Porto Santo.Fonte dos dados: Instituto do Mar e da Atmosfera.   Nas regiões costeiras da ilha da Madeira, os valores médios mensais da humidade relativa do ar apresentam pequena variação durante o ano, sendo menores no inverno do que no verão. Com efeito, o mês mais seco é abril no Funchal, com 69 %, e fevereiro e março em Santana, com 80 %. No Areeiro, os valores médios são mais altos no inverno, 85 %, do que no verão, 64 %. Também na ilha de Porto Santo a humidade relativa é maior no inverno, com 80 %, sendo nos meses de abril a julho da ordem dos 76 %. Na fig. 11, apresentam-se os valores médios mensais da humidade relativa do ar no Funchal, no Areeiro e em Porto Santo.   Vento O regime anual do vento é diferente na costa norte e na costa sul da ilha da Madeira, sendo os ventos predominantes de NE (10 %) e SW (10 %) no Funchal, de NE (38 %) no Areeiro, de WNW (14 %) e SE (10 %) em Santana/São Jorge, e de N (20 %) em Porto Santo. A frequência de calma é de 13,4 % no Funchal, 1,7 % no Areeiro, 4,0 % em Santana/São Jorge, e 2,3 % no Porto Santo. As rajadas superiores a 40 km/h ocorrem no Funchal com frequência de 1 % e muito raramente são registadas rajadas superiores a 70 km/h. Rajadas superiores a 70 km/h são registadas no Areeiro em 5 % das observações, em Santana/São Jorge em 0,6 % das observações e em Porto Santo em 0,2 %. Entre 1995 e 2015, a maior rajada do vento no Funchal foi de 86 km/h, em março de 2010; no Areeiro, foi de 160 km/h, em Santana/São Jorge, de 159 km/h e em Porto Santo, de 104 km/h, todas no mês de fevereiro de 2010. Assinale-se que os ventos fortes e muito fortes a que por vezes correspondem temporais, particularmente nas terras altas da Madeira e em Porto Santo, estão associados normalmente aos valores mais baixos da pressão atmosférica que em regra ocorrem entre novembro e março.   Temperatura da água do mar Os valores médios mensais da temperatura da água do mar à superfície variam com regularidade durante o ano. Os valores máximos ocorrem em agosto ou em setembro e os mínimos em fevereiro ou março. A temperatura média mensal é relativamente alta ao longo do ano, variando entre 17,8 °C em março e 23,3 °C em setembro no Funchal, e entre 17,3 °C em fevereiro e março e 22,4 °C em setembro no Porto Santo. A temperatura média anual é 20,2 °C no Funchal e 19,5 °C em Porto Santo. A amplitude média da variação mensal é 5,5 °C no Funchal e 5,1 °C em Porto Santo. Os valores observados na região raramente descem abaixo dos 15 °C e raramente ultrapassam os 25 °C.   Ondulação A ondulação na região da Madeira é geralmente fraca ou moderada, com rumos predominantes de NW a NE, exceto junto ao litoral sul da ilha da Madeira, em que predominam rumos de SE a SW. As situações que ocorrem mais frequentemente nos meses de inverno, e que correspondem à ocorrência de depressões no Atlântico Norte em latitudes entre 35° e 55° N, conduzem à geração de ondulação do quadrante NW na região da Madeira. A ondulação do quadrante NE é proveniente, em geral, de áreas de geração localizadas no bordo SE do anticiclone dos Açores, quando este se estende sobre a Europa Ocidental. Durante os meses de verão, cresce a importância desta situação relativamente à anterior, quer pela localização habitual nestes meses do anticiclone dos Açores, quer pelo menor número de depressões a atravessar o Atlântico Norte a latitudes suficientemente baixas para que a ondulação por elas provocada atinja a Madeira.   Pressão atmosférica Os valores da pressão atmosférica ao nível da estação apresentam diferenças quase constantes de local para local, resultantes das diferenças de altitude. Os valores médios mensais reduzidos ao nível médio do mar, registados no Funchal e em Porto Santo, variam pouco durante o ano – 3 hPa no Funchal e 3,3 hPa no Porto Santo –, sendo maiores no inverno e no verão, com diferença de cerca de 1 hPa, e menores na primavera e no outono. A variabilidade interanual dos valores médios mensais nos vários anos é maior durante o inverno e menor durante o verão: 15,0 hPa em janeiro e fevereiro e 2,4 hPa em agosto. Os valores mínimos ao nível médio do mar observados em anos recentes foram 985,9 hPa no Funchal, em 20 de fevereiro de 2004, e 985,8 hPa em Porto Santo, em 4 de março de 2013; os valores máximos foram 1037,2 hPa no Funchal, em 1 de janeiro de 2007, e 1039,3 hPa, em 25 de Janeiro de 2014, em Porto Santo.   Trovoada, granizo, neve e nevoeiro O número de dias com trovoada é de 7 no Funchal, 4 no Areeiro, 4 em Santana e 5 em Porto Santo, sendo a frequência maior no outono e na primavera. O número de dias com precipitação de granizo e saraiva é de 1 no Funchal, 14 no Areeiro, 2 em Santana e inferior a 1 no Porto Santo; a frequência é maior desde meados do outono até à primavera. O número médio de dias do ano com precipitação de neve e com geada é praticamente nulo na Madeira, exceto no Areeiro, em que são registados 7 e 16 dias, respetivamente, com maior frequência em janeiro e março. O número de dias com nevoeiro tem valores desde 1 no Funchal e em Porto Santo, 8 em Santana e 227 no Areeiro, sendo pouco nítida a variação ao longo do ano. É muito nítida e acentuada a variação em altitude. Victor Prior (atualizado a 29.01.2017)

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