leme, joão frederico da câmara
Filho do morgado homónimo, que também usava o apelido Homem de Sousa, e de D. Maria Carolina Correia, filha dos viscondes de Torre Bela, nasceu no Funchal, a 18 de março de 1821. Teve como irmãos o Ten. D. Jorge da Câmara Leme (1807-1889), que colaborou ativamente nas lutas liberais, o deputado e general D. Luís da Câmara Leme (1817-1904), ministro da Guerra e D. José da Câmara Leme (c. 1823-1883), capitão do estado-maior. Descendiam do ramo dos Câmara da linha de Garcia Homem de Sousa e de uma das filhas de Zarco, descendência que se cruzou com os Leme (Genealogias), nos inícios do séc. XVII e de que a principal figura foi, nos meados e finais de Seiscentos, o Ten.-Gen. Inácio da Câmara Leme (1630-1694) (Tenente-general). D. João Frederico da Câmara Leme seguiu, como os irmãos, a carreira militar, assentando praça, como voluntário, no batalhão de infantaria 16, em Évora, a 3 de outubro de 1842, já com alguma idade para a época. Aí serviu “2 anos, 5 meses e 16 dias” (AHM, Processos individuais, João, 6-19), até 18 de março de 1845, data em que foi promovido a alferes, por decreto, passando a porta-bandeira do regimento de granadeiros da rainha, em Lisboa. Promovido a tenente, por dec. de 1 de agosto de 1849, integrou o batalhão de caçadores 6, a 18 de outubro de 1850 e, no ano seguinte, por dec. de 5 de julho, foi promovido a capitão graduado, contando antiguidade desde 29 de abril. Por razões que se desconhecem, muito provavelmente para assumir o controlo das propriedades da família e entrar na vida política, algo que seu irmão D. Luís começara a ensaiar em Lisboa, optou por ser colocado na disponibilidade, por dec. de 15 de janeiro de 1852, passando para ajudante do corpo de artilheiros auxiliares da ilha da Madeira, por dec. de 27 de julho de 1856, ano em que o irmão foi eleito deputado pela Madeira; D. João Frederico tornou-se ainda capitão do corpo auxiliar, por dec. de 25 de novembro de 1861. Nos anos de 1857 a 1862 decorreu um conflito político, com aspetos anticlericais, envolvendo a presença das ordens religiosas em Portugal e que levou as irmãs de S. Vicente de Paulo a abandonarem o Hospício Princesa D. Maria Amélia e até o país. Nos meados de março de 1859, o gabinete do duque de Loulé, que formava a nova corrente progressista histórica, caiu, perante a dissidência de alguns dos seus próprios apoiantes. O novo governo, então constituído pelo Partido Regenerador e com o qual voltava, novamente, António Maria Fontes Pereira de Melo, terá tentado fazer outras alterações, mas a sua vigência durou pouco tempo. Assim, foi nomeado governador civil do Funchal, por dec. de 21 de maio de 1860, o Cap. D. João Frederico da Câmara Leme, que comunicou a tomada de posse a 27 de maio, através de um impresso dirigido às autoridades superiores do distrito. Mas, em breve, a correspondência continuaria a ser assinada pelo anterior governador, o 2.º conde do Farrobo (1823-1882), genro do duque de Saldanha (1790-1876), como se nada se houvesse passado. Não deixa de ser curioso que, nos documentos do processo militar individual de D. João Frederico da Câmara Leme, não conste qualquer documentação desta sua primeira nomeação para governador civil, nem haja referência a ela nos registos biográficos de Luiz Peter Clode ou no Elucidário Madeirense. Os inícios de 1868 foram marcados, no Funchal e uma vez mais, pela tentativa de tomada do palácio de S. Lourenço pelo antigo administrador do Porto Santo, João de Santana e Vasconcelos Moniz de Bettencourt (1825-1892). Como membro, à data, do conselho de distrito, porque era chefe do Partido Regenerador, e tendo sido exonerado o anterior governador e conselheiro, Jacinto António Perdigão, por dec. de 16 de janeiro, passado este a governador civil de Bragança, a 30 desse mês, João de Santana de Vasconcelos enviou uma circular a todas as autoridades insulares a informar que tinha tomado posse nesse dia. Porém, desta vez, ficou em S. Lourenço apenas cerca de 10 dias. Com efeito, a 10 de fevereiro, tomou posse o Cap. D. João Frederico da Câmara Leme, nomeado por dec. de 25 de janeiro de 1868. D. João Frederico deparou-se com uma situação muito difícil e à qual, nesta sua segunda permanência no Governo Civil, não conseguiu responder da melhor maneira, até porque não teve cobertura política do governo do central. Os finais de 1867 tinham sido marcados por uma subida generalizada dos preços, motivada pela situação de difusão geral da crise no país e agravada pelo imposto da sisa, ou imposto sobre o consumo, na ordem dos 6,5 %. Este valor, decretado em dezembro, que deu origem a graves tumultos por todo o continente, em breve se espalhava à ilha da Madeira. O movimento ficou conhecido como janeirinha, dado ter decorrido nos primeiros dias de janeiro de 1868, resultando em vários motins, tendo sido um, no Funchal, designado por pedrada, o responsável por ter impedido o desembarque de Jacinto de Santana e Vasconcelos (1824-1888). O capitão e governador civil D. João Frederico da Câmara Leme, depois do sucedido no Funchal e, especialmente, na Câmara de São Vicente, onde, entretanto, se deslocou, devido a novos tumultos (Tumultos populares), deve ter sentido uma profunda insegurança no palácio do governo de S. Lourenço. Assim, em abril desse ano, requisitou mesmo uma força militar para ficar em permanência nas imediações do palácio, “não só para defesa do cofre central, como dos arquivos que existem no mesmo edifício” (Alfândega do Funchal) (ARM, Alfândega do Funchal, liv. 680, 18 abr. 1868). A força ficou aquartelada nos armazéns de bagagens da Alfândega, de forma algo provisória. E, com o decorrer dos acontecimentos, depois de 1870, tomou mesmo assento definitivo, quando D. João da Câmara Leme ocupava já o lugar de governador civil. Para o efeito, por proposta do próprio governador e após a aprovação da Junta Geral, foram adquiridas, em Lisboa, 30 camas “e seus pertences”, transportadas para a Madeira no vapor Maria Pia. D. João Frederico da Câmara Leme foi exonerado pelo novo executivo, do açoriano conde de Ávila (1806-1881), que lhe ofereceu o lugar de governador civil de Santarém, para o que teve decreto de nomeação, a 25 de janeiro de 1868, “dada a desistência do coronel Francisco de Mello Breyner” (AHM, Processos individuais, João, 6-19), mas não aceitou o lugar. No entanto, só veio a ser exonerado a 9 de setembro e, a 14 de outubro, dado que “frequentara o tirocínio para oficial superior em Lisboa” (Id., Ibid.), foi de novo colocado no batalhão de caçadores 12 do Funchal, como regista o despacho do rei D. Luís e do marquês de Sá da Bandeira, tendo tido ordem de embarque para o Funchal, a 9 de outubro do mesmo ano. O periódico A Revolução de Setembro, por essa altura, transcrevia uma série de notícias da ilha da Madeira: “Dizem-nos cartas dali, que foi muito mal recebida a notícia ‘encapotada’ da transferência para Santarém do governador civil D. João da Câmara Leme. Não ajudou também a notícia de que o Frade [deverá tratar-se do bispo de Viseu, D. António Alves Martins (1808-1882), que fora franciscano e era então um dos elementos proeminentes do Partido Reformista] apresentara e premeditara impor como deputado governamental pelo círculo da Ponta do Sol o ex-deputado Lampreia”; “Dizem também, que o marquês de Sesimbra, novo governador, não será bem recebido. ‘O Direito’ e ‘A Ordem’, jornais de mais confiança na Ilha, passaram à oposição. Já o esperávamos: Quem tem Razão Direita, não podia andar por muito tempo desviado do Bom Caminho” (A Revolução de Setembro, 26 set. 1868). O Governo do marquês de Sesimbra (1839-1887), décimo quarto filho do duque de Palmela (1781-1850) e o Governo seguinte, do visconde de Andaluz, que viera como secretário-geral do marquês de Sesimbra, foram de vaga gestão da crise motivada pela oposição dos duques de Loulé e Saldanha, que se alternaram à frente do gabinete ministerial de Lisboa. A situação manteve-se até às eleições de julho de 1870, mas configurava-se uma nova nomeação para o Funchal. O governo cessou funções a 26 de outubro, mas, já então, o Cap. D. João Frederico da Câmara Leme estava novamente nomeado governador civil do Funchal, voltando a tomar posse, então com um Te Deum na sé do Funchal, a 31 de outubro de 1870, tal como comunicou às restantes entidades superiores da Ilha, em informação impressa. A nomeação fora bastante anterior, pois fora mandado “marchar para Lisboa”, por “ordem telegráfica” do ministério da Guerra de 20 de maio desse ano, como refere o comandante do batalhão de caçadores de Tomar, onde estava colocado (AHM, Processos individuais, João, 6-19). No dia seguinte, 21 de maio, foi colocado no seu lugar, em Tomar, o Cap. Alexandre Magno de Campos, perguntando o comandante se o mesmo também ficava na situação de “supranumerário”, como estava Câmara Leme (Id., Ibid.). As eleições e as nomeações eram acordadas, muitas vezes, entre os quadros madeirenses, em Lisboa e no Funchal, como expressa uma carta de 15 de março de 1869, onde o diplomata Agostinho de Ornelas e Vasconcelos (1836-1901) voltava a dar instruções ao irmão, o então cónego D. Aires de Ornelas e Vasconcelos (1837-1880), ainda não sabendo se concorreria às eleições de 1870, estando dependente do número de deputados a eleger por cada círculo eleitoral na Madeira. Equacionava, assim, as posição dos irmãos D. João Frederico e D. Luís da Câmara Leme, adiantando uma situação interessante, que era o ministro do Reino ter “muita repugnância a aceitar o João Câmara, porque o Luís tem feito e faz aqui uma guerra terrível ao ministério, procurando excitar contra ele os militares que estão geralmente descontentes com as reformas que feriram os seus interesses” (GOMES, 1997, 98-99). D. João Frederico da Câmara Leme, desta vez, estaria à frente dos destinos da Madeira durante mais de cinco anos, o que foi um verdadeiro recorde para o tempo, só ultrapassado pelo conselheiro José Silvestre Ribeiro (1807-1891), que esteve seis anos em S. Lourenço. Entre outros apoios, pois fora nomeado por um gabinete “histórico” e o seguinte, “regenerador”, confirmou-o, contando com uma certa estabilidade governativa por parte dos novos gabinetes de Fontes Pereira de Melo, gozou de um muito especial auxílio: o do bispo do Funchal então nomeado, uma das mais interessantes personalidades da Igreja da Madeira: D. Aires de Ornelas e Vasconcelos (1837-1880). Confirmado bispo titular de Gerasa, em 1871, nos inícios e meados de 1872, foi governador da diocese do Funchal e a 27 de outubro de 1872, tomou posse efetiva do bispado. Familiar, em certa medida próximo, do governador civil, como todos os grandes morgados insulares, e vindo a sofrer, à frente da diocese, os mesmos problemas que D. João da Câmara Leme enfrentava no governo civil, estabeleceu-se uma discreta, mas profícua colaboração entre ambos, apoiados nos irmãos deputados em Lisboa, embora não ao mesmo tempo: D. Luís da Câmara Leme e o diplomata Agostinho de Ornelas e Vasconcelos. O governador civil procurou outros apoios ao longo do seu mandato, nomeadamente, no Conselho do Distrito, cujo vogal era Diogo Berenguer de França Neto (1812-1875), elevado a visconde de São João a 3 de maio de 1871 (São João, visconde), e na nova Junta Geral do Distrito. Nas eleições de 1874 ocorreram alguns distúrbios, nomeadamente, no Porto Moniz, para onde o governador teve de destacar uma força militar, mas essas eleições elegeram de novo o seu irmão general, D. Luís da Câmara Leme, pelo Partido Popular. Ao longo desse ano, instalou-se progressivamente o telégrafo submarino, com o qual o governador foi comunicando oficialmente às restantes autoridades superioras da Ilha. D. João Frederico da Câmara Leme começou a acusar algum desgaste pelos cinco anos de governação, que, inclusivamente, lhe haviam afetado a saúde. Por isso, nos inícios de 1876, pediu a sua exoneração, concedida a 1 de maio desse ano. Entretanto, também nos começos de 1876, já estaria indigitado um novo governador civil para o Funchal, Francisco de Albuquerque Mesquita e Castro, cuja comunicação de nomeação terá chegado a 7 de abril. Levando este algum tempo em Lisboa, tomou posse do lugar interinamente, a 18 do mesmo mês, o novo secretário-geral Joaquim Curado de Campos e Meneses. A 8 de maio, tomou posse o antigo morgado das Cruzes, Nuno de Freitas Lomelino (1820-1880), membro do Conselho do Distrito, segundo o art. 223.º do Código Administrativo. E, a 10 de junho, finalmente, o novo governador Francisco de Albuquerque Mesquita e Castro. O ex-governador D. João Frederico da Câmara Leme casara, a 30 de julho de 1854, com D. Maria Carlota da Gama Freitas Berquó, filha do militar e político brasileiro marquês de Cantagalo (1794-1852). Do matrimónio resultou uma descendente, D. Maria Teresa da Câmara Leme, nascida a 10 de maio de 1854 e falecida em 1942, mas que não casou, não havendo, assim, sucessão, como aconteceu a todos os outros três irmãos de D. João Frederico. D. João Frederico estava, então, colocado em Tomar, embora essa colocação não conste na sua folha de matrícula militar. Foi daí que partiu, em 1870, para ser governador civil do Funchal, vindo a faleceu na mesma cidade, como Ten.-Cor., a 6 de fevereiro de 1878. Foi cavaleiro da Ordem Militar da Torre e Espada (1847) e da de Avis (1862), comendador da de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa (1867), possuindo ainda as medalhas de Valor Militar, Bons Serviços e Comportamento Exemplar (1866 e 1867). Rui Carita (atualizado 14.12.2017)
kassab, braheem abdo
Braheem Abdo Kassab nasceu em Damasco (Síria), a 18 de novembro de 1891, e faleceu no Funchal, a 26 de junho de 1980. Era filho de Abdo Kassab, comerciante, natural de Damasco, e de Mareeta Rais, professora na escola da missão protestante inglesa na Síria, natural dos montes Hasbaya, no Líbano. O pai de Mareeta foi morto pelos drusos, muçulmanos, no massacre de cristãos de 1860. Nessa altura, ela fugiu com a família e refugiou-se na Missão Protestante, em Beirute, onde estudou. Social e comercialmente, era conhecido por B. A. Kassab e dedicava-se à exportação de bordados, adquiridos em Itália, para os Estados Unidos da América (EUA). A Kassab Brothers, instalada no n.º 303 da 5.ª avenida de Nova Iorque, foi constituída pelos sócios Najeeb Kassab, Braheem Kassab e Farid Haddad (sobrinho). Najeeb Kassab iniciou o negócio dos bordados em Florença (Itália) e, depois, a Kassab Brothers teve loja em Beirute e manteve negócios em Londres, Palestina e no Cairo, até ser dissolvida em 1973. Em novembro de 1916, B. A. Kassab fez uma viagem de Nova Iorque para Southampton à procura de novos mercados. Quis o destino, ou o mero acaso, que o vapor em que viajava tivesse de aportar ao Funchal para escapar a uma violenta tempestade. Ao deambular pela cidade, despertaram-lhe a atenção a quantidade de lojas de embroideries e, por coincidência, os cerca de doze industriais sírio-libaneses que se dedicavam a esse ramo de negócio. Os bordados, made in Italy, eram idênticos, mas o preço de aquisição no Funchal era incomparavelmente mais barato. Afável e de bom trato como era, B. A. Kassab rapidamente estabeleceu contacto com esses industriais, com quem aprendeu os segredos daquela atividade. Assim, formou a Mallouk & Kassab e, logo de seguida, a casa B. A. Kassab. A 30 de abril de 1920, o Correio da Madeira anunciava que a casa Mallouk & Kassab, então à R. da Rochinha, no Funchal, iria mudar para umas instalações mais amplas, e, em 1921, Braheem A. Kassab instalou-se, sozinho, na R. de João Tavira. A 20 de fevereiro de 1922, B. A. Kassab mudou o seu estabelecimento comercial para a R. do Dr. Vieira, n.º 13 (a dada altura, R. da Carreira e hoje, naquele trecho, R. Câmara Pestana), onde permaneceu 50 anos. Em 1972, aquele escritório foi trespassado. Em finais dos anos de 1920, B. A. Kassab abriu uma loja no Quebec, Canadá, denominada Madeira Embroideries Importing Company, que encerrou em 1934 devido a questões fiscais. Na Madeira, com o aumento exponencial da atividade, fabrico e exportação de bordados para os EUA, em finais de 1934, princípio de 1935, verificou-se uma tremenda falta de mão-de-obra. Pelo ano de 1938, B. A. Kassab abriu nos Açores a B. A. Kassab – Açores. Aí, bordavam relativamente bem, nunca atingindo, porém, a perfeição das profissionais madeirenses. Ao ser procurador dos príncipes polacos Jerzy Ignacy Lubomirski (1882-1945) e sua esposa, Anna Lubomirska, Kassab teve oportunidade de comprar para eles, em 1928, a casa mandada construir por Henry Veitch na Madeira (Qt. Calaça), que em 1952 foi vendida para aí se instalar o Clube Naval do Funchal. Foi esta proximidade do mar que levou B. A. Kassab a adquirir os terrenos para mandar edificar um complexo balnear, a que deu o nome de Lido, por si inaugurado em junho de 1933, numa perspetiva de negócio muito avançada para a época. B. A. Kassab foi um empresário de sucesso e muito ativo, valendo-lhe a condecoração com a medalha de mérito da Exposição Agrícola, Pecuária e Industrial de 1930 no Funchal. Como garantia de sustentabilidade das suas iniciativas, B. A. Kassab investiu também em vários negócios, esporadicamente, na aquisição de lotes de vinho raro da Madeira, oportunidade que surgiu resultante da crise bancária madeirense dos anos 30, entre outras. Fruto da diversificada atividade comercial deste negociante sírio, há ainda no mercado madeirense reduzidos lotes de vinho Madeira lacrados com sinete B. A. K., extremamente valorizados na última década. A 12 de dezembro de 2014, por exemplo, num leilão da firma inglesa Christie’s, em Nova Iorque, uma garrafa da sua coleção, datada de 1715, rendeu $26.950 dólares. De notar o financiamento, por parte de Kassab, da construção das obras da Estrada Nacional n.º 1, lanço de S. Vicente – Fajã da Eira, Seixal, durante a Segunda Grande Guerra. A obra foi adjudicada a 24 de maio de 1941, mas o contrato cessou devido à morte trágica do empreiteiro, Frederico da Silva, e de três trabalhadores numa derrocada ocorrida na Fajã da Pedra a 22 de setembro de 1942. Foi nessas andanças que conheceu Maria Clara. Durante aquele período, adquiriu cerca de 2.000.000 m2 (c. 2 km2) no montado da Rocha Vermelha, que integrava parte do Fanal e confrontava com as 25 Fontes (Rabaçal), e, depois, o montado dos Pessegueiros (freguesias do Seixal e S. Vicente), com cerca de 6.000.000 m2 (c. 6 km2), onde fabricou carvão e manteiga, explorou madeiras, gado e vinhas. Este montado foi expropriado pelo Governo Regional em 1976 por ser a mancha mais importantes do Parque Natural da Madeira. No Fanal, estava em curso um importantíssimo projeto de captação, exploração e distribuição de águas, por levadas de heréus, que era o principal ativo da casa bancária Reid, Castro & Companhia, que, com a crise de 1930, faliu, levando os seus ativos à praça, os quais foram depois adquiridos por B. A. Kassab. Noutro contexto, um tio de B. A. Kassab, Iskandar Kassab, fez parte da administração pública na Palestina, função proeminente, e, a 8 de setembro de 1926, adquiriu uma bayara (termo palestino que significa “pomar”, neste caso, de laranjas), sendo curioso registar que “laranja”, em árabe, é porturral. Os ditos laranjais estavam localizados num quarteirão da cidade de Haifa denominado Basateen al Ramel, e Iskandar Kassab adquiriu-os por $15.000.00 dólares americanos, tendo-os depois vendido ao sobrinho. Aqueles prédios viriam a ser ocupados em 1948 e confiscados pelo Estado israelita em 1954. Assim, pela déc. de 1960, B. A. Kassab foi forçado a defender os seus direitos, recorrendo aos tribunais israelitas, e obteve vencimento em 1977. Nessa mesma década, teve de iniciar outra ação judicial para garantir os seus investimentos nas herdades que adquirira no que é hoje o Parque Natural da Madeira. B. A. Kassab comprou e explorou, também, a Fábrica de Sabão e Velas Conceição, fabricando ali velas, sabão, água-de-colónia, limpa-metais, polimentos e detergentes para cozinha, e adquiriu a Electro Reparadora, à R. do Carmo, onde representava importantes marcas, como a Philco – Philadelphia Storage Battery Company, pioneira no fabrico de baterias, rádios, televisão, etc., hoje pertencente à Philips; a Kelvinator, companhia americana que, ainda hoje, produz os famosos frigoríficos; e a Sylvania, famosa companhia americana que produz lâmpadas (Osram Sylvania) e materiais elétricos. Por princípio, Braheem Abdo Kassab nunca renunciou à nacionalidade síria, mas adotou, de todo o coração, a Madeira, onde viveu 64 anos, como sua terra de eleição. Numa descrição apoiada no seu passaporte de 1926, B. A. Kassab era de porte atlético, com 1,60 m de altura, tez morena, olhos esverdeados, nariz forte, queixo redondo e cara oval. Tinha cabelo castanho, sobrancelhas espessas, bigode e boca pequena. Kassab casou em The Little Church Around the Corner, Nova Iorque, em 1949, com Maria Clara de Andrade, nascida a 23 de agosto de 1925, em São Vicente. Era filha de Manuel Joaquim de Andrade e de Maria Pereira Andrade, naturais da mesma freguesia. Faleceu em Wallingford (Pennsylvania, EUA) a 1 de junho de 1982, dois anos após o marido, que falecera a 26 de junho de 1980, no Funchal. A sua descendência ficou garantida através de dois filhos (Braheem Alexander Kassab e Edward Michael Kassab) e de dois netos (Jaqueline Clara e Eduardo Miguel), todos naturais da ilha da Madeira. O relacionamento familiar continua com a regularidade própria dos entes queridos. Ora chegam à Madeira os tios, ora se revezam as visitas do sobrinho (Eddie) à América do Norte. Alexander Kassab, ou Alex (tratamento familiar), optou por viver no estrangeiro quando foi estudar para os EUA, onde terminou o curso liceal e se licenciou. Em Nova Iorque, por volta de 1910, Braheem Abdo Kassab havia tentado fazer carreira na ópera, mas, apesar de ser um razoável cantor, não teve sucesso. Foi isso que transmitiu a Alex, o filho mais velho, que foi músico e cantor profissional de grande qualidade técnica. Ainda estudante universitário na Flórida, Alex ficou em segundo lugar numa audiência a nível nacional para a Metropolitan Opera Company. Depois, gravou um disco na Flórida e participou num programa televisivo americano, onde foi entrevistado por Ronald Reagan, então governador da Califórnia. Anos mais tarde, radicou-se na Venezuela, onde faleceu a 10 de janeiro de 2016. José Luís Ferreira de Sousa (atualizado a 11.02.2017)
júnior, antónio félix pita
Filho de António Félix Pita Júnior e de Maria da Conceição Góis Pita, nasceu a 3 de dezembro de 1895 na freguesia da Sé, concelho do Funchal. Depois de completar o liceu, no Funchal, faz o curso de Medicina, que inicia na Universidade de Coimbra em 1912-13. É mobilizado para a I Grande Guerra sem que tivesse chegado a ser incorporado, facto que o leva a interromper os estudos, retomados em Lisboa assim que é desmobilizado. Casa-se aos 28 anos, a 3 de janeiro de 1925, com Maria da Conceição Ferreira Mesquita Spranger, em cerimónia civil seguida da religiosa na igreja de Santa Maria Maior, no Funchal. Por esta época, reside na avenida Miguel Bombarda, freguesia de São João da Pedreira, Lisboa, continuando a viver na capital após o matrimónio. Tem três filhas e um filho. Desde cedo revelara tendência para a cirurgia, especialização que conclui, tendo trabalhado durante dois anos como assistente livre da Faculdade de Medicina e do Hospital de Santa Maria de Lisboa na equipa do conceituado médico-cirurgião Professor Dr. Custódio Maria de Almeida Cabeça. No retorno à Madeira, instala consultório à rua Carvalho Araújo, n.º 61, 1.º (posterior rua do Aljube), no Funchal. Dedica-se a várias especialidades: “Clínica Geral, Partos, Cirurgia e Operações”, como anuncia no Diário de Notícias (DNM, 27 mar. 1927, 3). Será, nesta qualidade, um dos sócios da Casa de Saúde da Vila Guida, assim como cirurgião do quadro clínico do Hospital da Santa Casa da Misericórdia, sendo numerosa a sua clientela nesta cidade, segundo afirma o referido periódico na nota biográfica que publica na sequência do seu falecimento. A 8 de abril de 1931, domingo de Páscoa, encontra-se no Palácio de São Lourenço, na qualidade de dirigente do Partido Republicano Nacionalista (PRN), entre outros representantes partidários locais participantes na sublevação política da Madeira contra a Ditadura. Estes são nomeados responsáveis de diversos organismos públicos (Junta Geral, Câmara do Funchal e administradores dos diferentes concelhos), cabendo-lhe, por nomeação do comandante militar da Madeira, general Adalberto Gastão de Sousa Dias, em conjunto com João Maximiano de Abreu Noronha e Carlos Fernandes Correia, a comissão administrativa da Junta Geral do Distrito do Funchal. Os nomeados para esta comissão tomam posse a 6 de abril. No dia seguinte, António Félix Pita é eleito presidente em votação por escrutínio secreto, à qual concorrem duas listas. Esta situação, apesar da resistência exercida pelo regime ditatorial, dura 28 dias, entre 4 de abril e 2 de maio, data em que o movimento é definitivamente controlado. Encontra-se entre os muitos intervenientes políticos envolvidos no movimento retidos no Lazareto, de onde partirão para os seus destinos de deportação, cabendo-lhe, primeiro, a ilha do Sal e, depois, a cidade da Praia, em Cabo Verde, lugar onde está em julho de 1931, quando vão ao seu encontro a sua esposa e filhos. Em Cabo Verde, é chamado a prestar serviço como médico numa urgência de saúde pública relacionada com a debelação de uma epidemia. Em outubro de 1932, o ministro do Interior, em nota abreviada e pouco explicativa registada no seu cadastro da Direção Geral de Segurança, dá “por finda a sua fixação em Cabo Verde”, autorizando-o a regressar à Madeira (ANTT, PIDE/DGS, Serviços Centrais, cadastro 4015, NT 737). Assim, por ter cessado a sua condição de deportado político, regressa ao Funchal acompanhado da sua esposa e filhos, sendo anunciado pelo Diário de Notícias, no dia 26 de novembro, que retomaria na semana seguinte a sua prática clínica. No entanto, a 10 de dezembro, o mesmo matutino faz notícia de primeira página de um “jantar de despedida e homenagem” “ao ilustre clínico”, iniciativa do jornal republicano O Povo, a realizar-se no Savoy Hotel, estando as inscrições abertas na sede daquele periódico, na Fotografia Perestrelos e na Maison Blanche, contando já com um elevado número de inscritos entre os amigos pessoais que dele se querem despedir, uma vez que partiria na terça-feira seguinte para a colónia de Moçambique. O jantar não se realiza “por motivos da vida particular do homenageado” (DN da Madeira, 11 dez. 1932, 1). Parece ficar claro ter sido forçado, pelas condições políticas adversas então existentes, a partir de novo, desta vez para a África Oriental Portuguesa, Lourenço Marques, protegendo-se a si e à sua família com a saída da ilha e distanciando-se da atividade política anterior. Parte para a província de Moçambique a 13 de dezembro, no vapor Kenilworth Castle, por acabar de “ser contratado para a Companhia da Zambézia”, tendo o distinto cirurgião “tanto no cais de embarque como a bordo, uma afetuosa despedida” (DN da Madeira, 14 dez. 1932, 2). Será médico contratado da empresa agroindustrial Sena Sugar Estates Ltd., empresa de capitais privados, essencialmente britânicos, dedicada à produção de açúcar de cana sacarina, para onde é levado pelo amigo Dr. João Sabóia Ramos, que ali se encontrava a trabalhar. Exerce também clínica particular paralelamente aos serviços de cirurgião que presta na missão de São José. Em 1942, com o fim das companhias comerciais, integra-se no quadro de saúde da Companhia de Moçambique e passa ao quadro de província. Exerce cirurgia no hospital da Beira e, depois, no Hospital Miguel Bombarda, em Lourenço Marques, até ao seu falecimento. Em África, viverá duas décadas de realizações, pois parece ter encarado este território como auspicioso. Aí, ao desenvolvimento de uma carreira de prestígio na área da Medicina, associará, no decurso da déc. de 40, nos últimos anos da sua curta mas promissora vida, o mundo empresarial, revelando-se um empreendedor fora da sua área de formação. Funda uma indústria, no espaço empresarial da Matola, que se dedica à moagem do trigo daquela província. Situado a cerca de 10 km de Lourenço Marques, este complexo industrial (fábrica de massas e bolachas de linha e conceito modernos) é construído faseadamente, vindo a incluir um bairro para o pessoal. A Companhia Industrial da Matola comercializará os seus produtos sob a marca Polana e iniciará a sua laboração na comemoração do 28 de maio, no ano de 1952, após o falecimento do seu fundador, conforme concluímos pela informação colhida no Livro de Ouro do Mundo Português – Moçambique, publicação de 1970, de modelo típico do Estado Novo, em edição que reúne alguns dos sucessos empresariais nesta província. As imagens nele incluídas revelam a grandiosidade do complexo fabril que construiu, à entrada do qual é colocado o seu busto, retirando qualquer margem de dúvida sobre a importância deste empreendimento e do seu empreendedor na economia colonial portuguesa. No curto período em que viveu na Madeira, é também professor do 7.º grupo do Liceu do Funchal, lugar de que toma posse a 9 de outubro de 1929. Está ainda ligado ao desporto, dedicando algum do seu tempo à organização associativa, incluindo-se na lista dos presidentes da direção do Club Sport Marítimo, entre 21 de julho de 1927 e 3 maio de 1928. A 26 de fevereiro de 1930, passa a pertencer aos novos corpos gerentes da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Funchal, eleitos em assembleia geral, presidindo à sua direção. As atas desta associação mostram que, apesar de ter tomado posse, deixa de estar presente nas reuniões logo a partir de 19 de janeiro de 1931. Faleceu em Lourenço Marques, a 18 de dezembro de 1951, na sequência de forte comoção resultante da morte de um grande amigo, Augusto Adida de Gouveia, a quem, como médico, não consegue salvar dos efeitos de um violento desastre de automóvel. O seu funeral realizou-se na vila da Ponta do Sol, para onde foi trasladado o seu corpo, a 11 de abril de 1952. Maria de Fátima Vieira de Abreu (atualizado a 18.12.2017)
jorge, antónio vitorino castro
Dr. António Vitorino Castro Jorge. Foto: Dicionário Corográfico de Câmara de Lobos Nascido em Santa Maria Maior, no Funchal, em 1913, filho de Luís Jorge e Josefina Antónia de Castro e Jorge, casou-se, em 1944, com Matilde Martins da Silva Castro Jorge; deste casamento nasceram três filhos. Faleceu, com 91 anos, no Estreito da Câmara de Lobos. Depois de ter completado o liceu no Funchal, inscreveu-se no 1.º ano da Faculdade de Ciências de Coimbra, da qual desistiu para tirar Medicina na Universidade de Lisboa, cuja licenciatura foi concluída em 1938. Mobilizado para a Madeira em 1942, como médico da Marinha, pediu, pouco tempo depois, a passagem à vida civil, tendo sido médico municipal de Porto Santo (durante seis meses) e de Câmara de Lobos e Curral das Freiras (de 1944 a 1983), ao mesmo tempo que exercia medicina privada como clínico geral. Foi sócio fundador da Sociedade Portuguesa de Reumatologia e da Sociedade da Língua Portuguesa. Na freguesia do Estreito, desenvolveu, desde 1953, várias iniciativas de alcance popular, como a festa das cerejas, o desfile da freguesia na festa das vindimas no Funchal, a festa dedicada a S.to Isidro, padroeiro dos animais, e a fundação da Casa do Povo. Como político, foi admirador de Salazar, apesar dos defeitos que apontou ao seu regime nas rubricas “Papagaio” e “Giz na Parede”, do Diário da Madeira, antes de 25 de abril de 1974; apresentou-se como candidato à Câmara Municipal de Câmara de Lobos (1976), tendo sido eleito vereador na lista do CDS; foi fundador e primeiro presidente do Partido Democrático do Atlântico (PDA), em 1978, e diretor do semanário Zarco, órgão oficial deste partido, fundado em 1984; foi mandatário da lista de cidadãos pela desanexação de Jardim da Serra da freguesia do Estreito, em 1993, e mandatário da lista do PS à Câmara de Lobos em 1997. Como jornalista, foi proprietário e diretor do Diário da Madeira (1961-1982), após ter exercido as funções de diretor do Eco do Funchal (1959-1961). Os artigos “Com Quem Vivemos”, “Na Madeira Vitória da Social-Democracia, uma Razão para a Independência” e a carta aparecida na secção “Correio da Madeira”, publicados no Diário da Madeira, valeram-lhe a prisão política, em Caxias, a 15 de maio de 1975, ordenada pelo brigadeiro Carlos Azeredo, governador civil na Madeira, sob a acusação de independentista. Foi também presidente da Associação Política do Arquipélago da Madeira (APAM). Publicou uma brochura sobre Salazar no centenário do seu nascimento (1989), e o livro Casos do Acaso da Minha Vida e do meu Tempo. Obras de António Vitorino Castro Jorge: Casos do Acaso da Minha Vida e do meu Tempo. António Manuel de Andrade Moniz (atualizado a 13.04.2018)
jesus, joão joaquim de
Professor, matemático e poeta, nasceu na freguesia de São Pedro, no Funchal, a 3 de outubro de 1904 e veio a falecer em Lisboa, no dia 8 de novembro de 1974, com 70 anos. Era filho de João Joaquim de Jesus e de Pacífica Conceição de Jesus e tinha um irmão, Américo Joaquim de Jesus. Com tenra idade, cerca de dois anos e meio, sendo atacado pela varíola, que lhe causou graves problemas de visão, deu entrada no Lazareto de Gonçalo Aires. Com 11 anos, decidiu partir para o continente, formando-se no Instituto Branco Rodrigues, em São Pedro do Estoril. Nesta instituição, onde permaneceu durante nove anos, concluiu o ensino primário e o 5.º ano singular de Português e Francês, tendo obtido o diploma de professor primário, autorizado pelo Ministério da Instrução. Começou, depois, a exercer magistério no Asilo de Cegos de Nossa Senhora da Esperança, situado em Castelo de Vide, onde ensinou durante três anos. Mais tarde, já no Funchal, fundou o entretanto extinto instituto para cegos Luz nas Trevas, onde também deu aulas. Na altura, o diretor era o seu irmão Américo Joaquim de Jesus. Para além de insigne professor, era um amante da ciência e um poeta. Nesse sentido, publicou poemas na revista Pérola do Atlântico e nos jornais locais Diário da Madeira, Diário de Notícias e Eco do Funchal, e deixou-nos a obra poética Frutos da Mocidade (1971). Dedicou-se também ao estudo e difusão do esperanto, tendo o projeto de traduzir para esse idioma internacional o poema épico Os Lusíadas, de Luís de Camões. Segundo Luís Marino, em Musa Insular, o Prof. Feliciano Soares considerava que os seus versos tinham uma nítida influência lírica, mas também elevação espiritual. São exemplo deste caráter da sua poesia as composições transcritas na obra Musa Insular de Luís Marino, nomeadamente o soneto “Fé e Esperança” e o longo poema “Feia”, dividido em 12 estrofes de sextilhas laboriosamente trabalhadas. Obras de João Joaquim de Jesus: Frutos da Mocidade (1971). António José Borges (atualizado a 18.12.2017)
ribeiro real, visconde do
Visconde do Ribeiro Real. 1885. Arquivo Rui Carita João Bettencourt Araújo Carvalhal Esmeraldo nasceu no Funchal, a 21 de dezembro de 1841, filho do morgado Francisco António de Bettencourt Araújo de Carvalhal Esmeraldo e de Júlia Henriqueta de Freitas Esmeraldo. Casando-se, a 24 de junho de 1882, já com mais de 40 anos, com Teresa da Câmara Carvalhal, filha do 2.º conde de Carvalhal, recebeu o título de visconde do Ribeiro Real. Passara, entretanto, pela Junta Geral e depois pela presidência da Câmara do Funchal, onde defendeu o caminho de ferro do Monte e acabou a construção do Teatro Municipal D. Maria Pia. Na sua vereação camarária ainda se fundou o corpo de bombeiros voluntários e procedeu-se a reformas urbanas na área do cemitério britânico, tendo hoje o seu nome o largo que fica mais a sul. Foi ainda cônsul de França e elevado a conde do Ribeiro Real, título que parece não ter usado. Faleceu em 1902. Palavras-chave: bombeiros voluntários; Câmara Municipal do Funchal; cemitério britânico; caminho de ferro do Monte; Teatro Municipal. João Bettencourt Araújo Carvalhal Esmeraldo nasceu no Funchal, a 21 de dezembro de 1841, filho do morgado Francisco António de Bettencourt Araújo de Carvalhal Esmeraldo, de São Pedro, no Funchal, e de Júlia Henriqueta de Freitas Esmeraldo, de Ponta Delgada. Casando-se, a 24 de junho de 1882, com Teresa da Câmara Carvalhal (1857-c. 1925), filha do 2.º conde de Carvalhal (1831-1888), recebeu o título de visconde do Ribeiro Real por decreto de 23 de março desse ano, sendo depois elevado a 1.º conde, por decreto de 16 de fevereiro de 1899, após a sua passagem pelo governo civil do Funchal, em 1897, como interino. Para além do cargo que ocupou na Junta Geral e da presidência da Câmara do Funchal, onde defendeu o caminho de ferro do Monte e acabou a construção do Teatro Municipal D. Maria Pia (Teatro Municipal), ocupou também o lugar de cônsul de França. O futuro visconde do Ribeiro Real deveria ser uma figura muito discreta e reservada, não sendo fácil recuperar o seu percurso político e social. Casou-se bastante tarde para a época, já passando dos 40 anos, não havendo descendência do seu casamento. A primeira referência política a seu respeito é como procurador da Junta Geral, quando se pronuncia sobre a lei de 13 de maio de 1872, que criara as bases da nova regulamentação. Como vogal, João Bettencourt Araújo de Carvalhal Esmeraldo esteve na reunião de 11 de março de 1874 e na de 11 de abril seguinte, aprovando as alterações que o vogal do conselho de distrito, visconde de S. João, Diogo Berenguer de França Neto (1812-1875) mandou imprimir a 14 de abril desse ano. A sua ação mais relevante foi à frente da Câmara Municipal do Funchal, onde sucedeu ao sogro, 2.º conde de Carvalhal, que somente ocupara o lugar no quadriénio de 1882-1885 por ser, ainda, o maior proprietário latifundiário do Funchal, mas cujas funções tinham sido desempenhadas pelo vice-presidente, morgado João Sauvaire da Câmara e Vasconcelos (1828-1890). A partir de 1886, a Câmara do Funchal teve uma interessante atividade, entre outras coisas, acabando as obras do Teatro Municipal, apresentado aos funchalenses a 29 de julho de 1887, e inaugurado oficialmente a 11 de março de 1888. Nessa altura, teve o visconde de se defrontar com o primo, João da Câmara Leme Homem de Vasconcelos (1829-1902), conde de Canavial e então governador civil, que queria ocupar o camarote da presidência, o que veio a acontecer, mas como convidado, pois o Teatro era propriedade da Câmara. A questão do camarote do Teatro ocupou então as primeiras páginas da imprensa da cidade. Foi durante a presidência do visconde do Ribeiro Real, quando tinha o pelouro dos incêndios o Dr. José Joaquim de Freitas (1847-1936), então também médico do hospital da Santa Casa da Misericórdia do Funchal, que se fundaram os bombeiros voluntários do Funchal, serviço inaugurado oficialmente a 24 de setembro de 1888. A apresentação pública do inúmero material adquirido para esse serviço, de que existe abundante documentação fotográfica, foi feita junto à fachada do referido hospital, a 7 de abril de 1889. O primeiro quartel foi construído na antiga R. do Príncipe (assim designada em homenagem ao príncipe, depois D. João VI (1767-1826)), posteriormente R. 31 de Janeiro, passando, duas décadas depois, para a R. da Princesa (em referência a D. Carlota Joaquina (1775- 1830)), posteriormente R. 5 de Outubro. José Joaquim de Freitas era um republicano de arreigadas convicções (República), mas tal não obstou ao apoio que sempre lhe foi dado pelo visconde do Ribeiro Real, tendo-se registado, inclusivamente, um forte apoio das mais destacadas famílias funchalenses à criação dos bombeiros voluntários, existindo fotografias destes anos de inúmeros dos seus elementos fardados de bombeiros, independentemente da sua filiação partidária e, inclusivamente, nacionalidade; há mesmo fotografias de comerciantes britânicos, o que só se explica pelo apoio dado à iniciativa pelo visconde. João Bettencourt Araújo Carvalhal Esmeraldo foi igualmente um dos principais impulsionadores do projeto do caminho de ferro do Monte, numa altura em que o projeto poderia ter sucumbido ao conflito de interesses entre os comerciantes britânicos radicados na Ilha e os financeiros alemães, que o apoiavam. Ao nível do Governo central, o apoio ao projeto não foi muito evidente, exceto na isenção de impostos que concedeu à Companhia do Caminho-de-Ferro do Monte, aquando da entrada na Alfândega do Funchal do material fixo e circulante para a via-férrea. O grande apoio partiu da Junta Geral, que adquiriu algumas ações, e, especialmente, da Câmara do Funchal, através do vereador João Luís Henriques e do presidente, o visconde do Ribeiro Real, tendo a Câmara adquirido 250 obrigações. As transformações ocorridas na malha urbana da cidade permaneceram e decorrem da urbanização envolvente do traçado da via-férrea e da montagem de uma série de instalações turísticas de apoio, como o Hotel do Bello Monte, e depois das instalações do Terreiro da Luta, consolidando a estruturação da freguesia de Santa Luzia e a ligação da cidade à freguesia do Monte, e contribuindo para a visão geral de anfiteatro que da encosta do Funchal. Foi também a vereação do visconde de Ribeiro Real que permitiu e apoiou a ampliação do cemitério britânico (Cemitério britânico), como contrapartida pela expropriação de uma faixa do terreno do mesmo. Foram então demolidas duas das vielas anexas entre aquele espaço e a R. dos Aranhas, do que resultou a R. 5 de Junho, depois R. Major Reis Gomes, onde viria a ser construído o largo com o seu nome. Os viscondes do Ribeiro Real habitaram o palácio de S. Pedro que, desde 1883, era partilhado com o Colégio de S. Jorge, dirigido pela futura M.e Mary Jane Wilson (1840-1916). Também ali faleceu, a 4 de fevereiro de 1888, o 2.º conde de Carvalhal, António Leandro Carvalhal Esmeraldo e, em 1897, ainda se instalou em parte do palácio o Clube Internacional. O visconde do Ribeiro Real seria elevado a conde do Ribeiro Real, a 16 de fevereiro de 1899, mas parece nunca ter usado o título, falecendo a 22 de março de 1902, altura em que se encontrava já retirado da vida pública, não havendo, por exemplo, qualquer referência a seu respeito na visita régia de junho de 1901. A condessa do Ribeiro Real, em 1921, deu início ao processo de venda do palácio, mas a mesma foi contestada pelos coproprietários, conde de Resende e família de Eça de Queiroz, descendentes de sua irmã, Maria das Dores Carvalhal (1855-1910). A a 20 de janeiro de 1923, a condessa mandou vender em leilão o recheio do palácio, momento em que se dispersou aquele importante espólio. Deverá ter falecido pouco depois dessa data. O espadim de honra do visconde do Ribeiro Real, como fidalgo da Casa Real, deve ter sido logo entregue à Câmara Municipal do Funchal, por legado do mesmo. A sua liteira, no entanto, com as armas de visconde envolvidas pelos atributos utilizados pela Câmara, um ramo de videira e outro de cana-de-açúcar, tal como o seu monograma, encimado por coroa de visconde, deve ter ido então a leilão, tendo passado a mãos particulares e depois ao Museu Quinta das Cruzes, sendo dos poucos exemplares deste tipo de transporte que sobreviveu. É provável que do leilão de 1923 tenha sobrevivido uma fotografia, onde aparece um dos dois óleos de Tomás da Anunciação (1818-1879), encomendados pelo 2.º conde de Carvalhal em 1865, e que fazem igualmente parte do acervo do Museu Quinta das Cruzes. No mesmo leilão deve ter sido vendido o retrato das duas filhas do 2.º conde de Carvalhal, depois depositado na Fundação Eugênia de Canavial. Rui Carita (atualizado a 17.12.2017)