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santos, josé vitorino dos

Engenheiro civil madeirense, nasceu em S. Pedro (Funchal) a 29 de dezembro de 1863. Obteve o curso de Engenharia Civil nas escolas Politécnicas e do Exército, em Lisboa. No desempenho das suas funções, foram-lhe confiados trabalhos de responsabilidade na Madeira, em Portugal Continental e nas colónias portuguesas, nomeadamente em Angola, onde foi diretor das Obras Públicas Municipais de Luanda e engenheiro-chefe da Secção das Obras Públicas da Província de Angola. Aliás, como homenagem aos serviços prestados na capital angolana, a Câmara Municipal da cidade atribuiu o seu nome a uma das ruas da urbe. No Funchal, depois de regressar de África, foi professor desde 1902, e diretor da Escola Industrial e Comercial António Augusto de Aguiar (futura Escola Industrial e Comercial do Funchal) a partir de 1903, sucedendo a Cândido Pereira, o primeiro diretor. Esta instituição escolar, instalada inicialmente na rua de Santa Maria em 1889, privilegiava o desenho e a pintura, designando-se inicialmente por Escola de Desenho Industrial Josefa de Óbidos, e tinha como finalidade ministrar o desenho com aplicação à indústria regional. Gradualmente, o ensino alargou-se a outras áreas do saber, tendo Vitorino José dos Santos experimentado e implementado diversas reformas, pelo que este estabelecimento de ensino técnico muito lhe ficou a dever pelo modo como o impulsionou. Exerceu ainda os cargos de vogal da Junta Geral do Distrito, Administrador do Concelho do Funchal, Comissário da Polícia do referido distrito e atingiu o auge da sua carreira de engenheiro civil na Madeira como chefe da 7.ª Circunscrição Industrial da Direção-Geral da Indústria, no Funchal. No exercício desta função, redigiu vários relatórios, entre 1907 e 1914, publicados nos diversos números do Boletim do Trabalho Industrial, órgão editado pela Direção Geral do Comércio e Indústria de Lisboa, em que estudou e analisou as indústrias da Madeira, instituições de beneficência, associações de classe, entre outros temas. Assim, por exemplo, no n.º 5 deste boletim, caracterizou a classe das bordadeiras, a sua distribuição pela Região, o seu rendimento salarial, a qualidade e os horários do trabalho, as casas de bordado, o papel desta profissão na economia local, as técnicas do bordado e a influência das casas alemãs que entretanto se tinham fixado no Funchal. Num número posterior, analisou os efeitos da Primeira Guerra Mundial na indústria dos bordados. Analisou igualmente a indústria de artefactos de verga na Ilha, descrevendo as suas origens, o papel dos estrangeiros (como William Hinton) no incremento desta produção, a cultura do vime, os processos de fabrico e a exportação. Também se debruçou sobre a caracterização da indústria de embutidos na Madeira, descrevendo a produção, o trabalho dos operários embutidores, as questões da formação qualificada e as lacunas que ainda se registavam, como a falta de cultura intelectual e gosto artístico, que limitava a progressão dos operários e a qualidade dos trabalhos. Abordou ainda as questões referentes à comercialização e exportação destes materiais. No n.º 95 do referido boletim, ocupou-se do estudo das Misericórdias na Madeira, num artigo intitulado “Instituições de Beneficência e Associações da Classe”. Num número posterior, o 97, de 1914, analisou os efeitos da Primeira Guerra Mundial na indústria dos bordados. Além destes trabalhos técnicos, é ainda conhecida a sua coautoria no estudo “Parecer Technico sobre as compensações a fazer a quando captadas as Nascentes dos Tornos” (presumivelmente de 1905). Os seus relatórios não eram meros documentos técnicos, mas apresentavam análises minuciosas, com uma preocupação relativa ao futuro e alguns eram “notáveis […] e magníficas peças literárias”, na opinião dos críticos da época (PORTO DA CRUZ, 1953, 33). Manteve outra atividade cívica relevante, por exemplo prestando serviços à Liga das Levadas, criada em 1903, na condução de negócios e na organização de um arquivo importante para o estudo das águas e levadas da Madeira. Colaborou ainda na publicação intitulada V Centenário do Descobrimento da Madeira, lançada para comemorar a efeméride. Também desempenhou alguma atividade política, pois pertencia ao partido regenerador local, mas ter-se-á afastado, em 1901, devido a polémicas relativas à vinda de D. Carlos e D. Amélia à Madeira. Ainda apoiou, em 1907, a política do conselheiro e estadista João Franco, tendo militado no Partido Franquista e feito parte da sua Comissão Distrital, mas a morte de D. Carlos fez com que João Franco abandonasse o poder e os franquistas não executaram o seu projeto. Com a queda da monarquia, afastou-se definitivamente das lides políticas. No campo literário, publicou um livro de poemas intitulado Lágrimas, dedicado à memória da sua filha Marieta da Cunha Santos, que faleceu muito jovem. O livro teve uma primeira publicação no Funchal (1916) e uma segunda em Coimbra (1918). O semanário A Verdade refere, na sua edição de 27/03/1919, que Lágrimas é um “livro de sentidos sonetos”, “um poema dedicado à memória santa duma adorada filha”. Ressalva ainda que o autor reflete “todas as recordações, todos os anceios [sic] e todas as saudades que lhe vão na alma pela ausencia [sic] do ente querido”. Segundo a nota do redator, não identificado, é um livro “que todos os corações tristes devem procurar ler” e o produto das vendas foi destinado a fins solidários (“Lágrimas…”, A Verdade, 27 mar. 1919, 1). Na opinião de Eduardo Pereira, este livro revela a dor de um poeta “sangrando no coração”, a alma de um desventurado pai que transmite também saudade. Nos 19 sonetos do livro, “canta a voz estrangulada da Dor, geme a saudade inconsolável do Amor e ora a resignação piedosa da Fé” (MARINO, 1959, 237). De facto, analisando dois dos sonetos da obra, é visível o reflexo da dor nas diversas marcas autobiográficas, como a imagem da Morte que separa uma avó da sua neta (poema “Recordando”) e expressões como “A sofrer, resignado, a minha cruz”, “o meu penar” e “anjo d’amor que me confortas”, referindo-se à filha falecida (soneto “A cor dos teus olhos”). Além do livro Lágrimas, Vitorino José dos Santos colaborou igualmente, com as suas poesias, no Diário da Madeira. Faleceu no Funchal, a 1 de outubro de 1928, com 64 anos. Obras de Vitorino José dos Santos: “Instituições de Beneficência e Associações da Classe” (1914); “Parecer Technico sobre as compensações a fazer a quando captadas as Nascentes dos Tornos” (coautoria) (1905?); Lágrimas (1916).   João Carlos Costa

Personalidades

reis, manuel pestana dos

Nasceu no sítio de São Tiago, freguesia dos Canhas, concelho da Ponta do Sol, no dia 1 de abril de 1893, filho de José Pestana dos Reis e de Maria da Silva Gaspar. Iniciou a instrução primária em Canhas, com o médico e professor Augusto Camacho, que então lecionava numa dependência da sua casa, concluindo aqui o 1.º grau, ou seja, a 3.ª classe; o 2.º grau, ou 4.ª classe, foi terminado no Funchal, na R. das Pretas, com um professor particular de nome Joaquim Augusto Polónia. Frequentou, de seguida, o Seminário Diocesano do Funchal até ao 4.º ano, concluindo o ensino secundário no Liceu do Funchal, em 1913. Neste mesmo ano, matriculou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, integrando-se na elite católica conservadora e convivendo com o P.e Manuel Gonçalves Cerejeira (1888-1977), futuro cardeal patriarca de Lisboa (1929-1971), e com o António de Oliveira Salazar (1889-1970), empenhando-se activamente na luta anti-republicana e em defesa dos direitos da Igreja Católica, chegando mesmo a dirigir o semanário O Imparcial (22/02/1912-12/05/1919), do Centro Académico da Democracia Cristã, de 17/06/1915 a 22/02/1917. Foi entretanto, em janeiro de 1917, mobilizado para a Primeira Guerra Mundial, integrando o 3.º grupo de metralhadoras pesadas do Corpo Expedicionário Português, como alferes miliciano. A 19 de abril de 1918, foi um dos feridos na Batalha de La Lys. Desmobilizado da guerra, regressou à Madeira, tendo desempenhado as funções de administrador do concelho do Funchal até o fim da ditadura de Sidónio Pais, assassinado a 14/12/1918. Voltou depois à Universidade de Coimbra, para concluir o curso, mas acabou fazendo os exames finais na Universidade de Lisboa. Em maio de 1922, estreou-se como advogado, com escritório no Lg. do Município, no Funchal. A 2 de janeiro de 1923, toma posse do cargo de vereador da comissão executiva da Câmara Municipal do Funchal e algum tempo depois, de procurador à Junta Geral. A 27 de fevereiro de 1925, tomou parte no Congresso Municipalista do Porto, em representação destes dois organismos administrativos da Madeira. Entretanto, o seu empenhamento como católico militante ganha um novo vigor, através da palavra e da escrita. Profere conferências nas associações católicas, nomeadamente na Juventude Católica do Funchal, na Juventude Católica de Santa Maria Maior e no Círculo Católico de Santa Maria Maior, e colabora na revista católica A Esperança (1919-1938). No número de 1 de junho de 1926, publicou, nesta revista, um artigo intitulado “Os Judeus”, onde revela a matriz nacionalista do seu pensamento político, conjugando-o com o empenhamento na causa católica: alerta para o perigo do domínio judaico do mundo que, segundo afirmava, estava já presente nas casas comerciais, na banca, nas editoras, nas grandes companhias, nos teatros, na maçonaria e na Sociedade das Nações, e associando maçonaria, bolchevismo e judaísmo como sucursais da mesma empresa apostada em derrubar a unidade e a tradição católica das nações. Considerando a expulsão dos judeus de Portugal, no final do séc. XV, como um “facto político de defesa e saneamento social” (REIS, 1926, 122), face ao “mercantilismo sem escrúpulos de usura e de baixa venalidade” (REIS, 1926, 123), justifica a desconfiança e animosidade dos povos, ao longo dos séculos, relativamente aos judeus, devido à persistência do seu ideal messiânico, e da sua coesão rácica e religiosa, bem como à sua vontade de supremacia religiosa e política. O seu combate mais visível e empenhado em prol da causa católica foi porém desenvolvido no diário Correio da Madeira, surgido em março de 1922. Um dos cavalos de batalha de Pestana Reis será a defesa do modelo tradicional de família cristã, condenando o divórcio, a emancipação da mulher e o feminismo; no campo político, condena o sufrágio universal e a democracia, propondo, em alternativa, o corporativismo. Em 1925, é um dos vogais da comissão diocesana do Centro Católico. Em 1928, quando, após a queda da Primeira República, foi revitalizada a Santa Casa da Misericórdia do Funchal, pertenceu à administração da mesma, de que era então provedor o Cón. Manuel Francisco Camacho. Uma outra luta em que Manuel Pestana Reis se envolveu empenhadamente durante a Primeira República foi em prol da autonomia da Madeira. Um momento alto desta reivindicação foi o final do ano de 1922 e princípio de 1923. A 9 de outubro de 1922, o Presidente da República, António José de Almeida, de passagem pela Madeira, no regresso duma viagem ao Brasil, teve uma receção entusiástica na Junta Geral, onde o então presidente da comissão executiva deste órgão autonómico, Fernando Tolentino da Costa (1874-1957), no discurso de boas-vindas, aproveitou para reivindicar mais autonomia para o arquipélago. No dia 16 de novembro teve lugar, no salão nobre da Junta Geral, uma assembleia com representantes das correntes políticas, da imprensa e das forças vivas do Funchal, dela saindo a deliberação de se constituir uma comissão de estudo a quem caberia apresentar um projecto ao Congresso da República, a partir duma proposta genérica redigida pelo Manuel Pestana Reis. O texto, sem negar a ligação a Portugal, justificava a reivindicação de maior autonomia para a Madeira nos pressupostos da existência duma fisionomia própria, com interesses coletivos específicos, e da dificuldade de desenvolvimento face à descontinuidade geográfica, à instabilidade governativa no continente e ao esquecimento por parte do Governo central. A proposta de Manuel Pestana Reis apontava para a criação de um conselho legislativo, eleito pelas Câmaras Municipais e pelas associações de classe, que concentraria todas as atribuições dos diferentes órgãos de poder até aí constantes no estatuto autonómico e a quem competiria elaborar leis no âmbito de interesses locais, e de um conselho executivo, eleito por aquele. Com o advento da Ditadura Militar, a 28 de maio de 1926, a adesão de Manuel Pestana Reis ao novo regime foi um ato natural e lógico, decorrente da sua formação política já anteriormente revelada e assumida e, ao mesmo tempo, um ato de confiança em Salazar, comum a muitos católicos do seu tempo. Em 1930, faz parte da 1.ª comissão distrital da União Nacional. A 11 de julho de 1931, casa-se com Ana de Lurdes Novita Teixeira, filha de António Marques Teixeira, proprietário duma fábrica de massas na Vila da Ponta do Sol. O casamento realizou-se na capela de N.ª Sr.ª da Conceição, na Tabua, propriedade do sogro. Neste mesmo ano, passou a residir em Lisboa, lecionando no Liceu Camões. De 1 de abril de 1936 a 22 de março 1943, desempenhou o cargo de diretor do Diário da Manhã (1931-1971), jornal oficial da União Nacional. Como membro da comissão de propaganda da União Nacional, proferiu vários discursos e conferências e colaborou na Emissora Nacional, redigindo durante vários anos as “Notas do dia” (curtas referências a acontecimentos que a direção da rádio considerava relevantes, e a pretexto dos quais aproveitava para emitir doutrina política). Foi deputado na Primeira e Segunda Legislaturas, em 1935-1938 e 1938-1942. Neste último ano, foi chamado a assumir os cargos de diretor do colégio principal da Casa Pia, em Belém, e Pina Manique, e ainda o de provedor adjunto da Casa Pia, desempenhando estas funções até outubro de 1953, quando, por motivos de saúde, se aposentou. A partir de 1953, passou a residir na Madeira, ora no Funchal ora na Ponta do Sol, dedicando-se a gerir negócios da família. Faleceu a 4 de julho de 1966, no Funchal.   Obras de Manuel Pestana Reis: “Em Louvor do Povo e da Terra” (1922); “Palavras que o vento leva” (1922); “Regionalismo / A Autonomia da Madeira / Falou Já o Sentimento; Fale Agora a Razão” (1922); “Os Judeus” (1926).     Gabriel Pita

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quintal, luís de ornelas nóbrega e

Advogado, jornalista e poeta, Nóbrega e Quintal nasceu no Funchal a 18 de junho de 1895 e faleceu com 69 anos, em Lisboa, no dia 5 de abril de 1965. Os seus pais foram Francisco de Nóbrega Quintal e Elisa de Ornelas Pinto Coelho. Era irmão de Francisco Ornelas Nóbrega Quintal, um oficial da marinha mercante. Estudou no Liceu do Funchal e, mais tarde, licenciou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Foi ministro da Instrução, deputado pela Índia em 1919 e, nesse mesmo ano, foi nomeado chefe da 3.ª repartição da Direção Geral da Administração Política e Civil do Ministério das Colónias. Na altura do alto-comissariado de Norton de Matos em Angola, em 1921, tendo então apenas 27 anos, foi governador do distrito de Quanza do Sul. Foi diretor do periódico Gente Nova, que contou com um número único (fev. 1913), comemorativo do primeiro aniversário da Caixa Escolar do Liceu do Funchal. Para além de textos da sua autoria, esta publicação reuniu contributos de Eugénia Rego Pereira, Jaime Câmara, Manuel Ribeiro e João Cabral do Nascimento. Colaborou também no Almanaque de Lembranças Madeirenses, bem como noutros jornais: O Povo, A Voz do Povo, Diário de Notícias, Heraldo da Madeira, Diário da Madeira e República, jornal de Portugal continental de que foi um dos redatores. Quer como jornalista, quer como poeta, Nóbrega e Quintal assumiu uma vocação romântica, evidenciada na sua linguagem sentimental e melodiosa. Assinava os seus textos como Nóbrega-Quintal. Consta que terá deixado inéditos três livros de poesia: Alvoradas, Luar de Sonho e Novas Alvoradas. Luís Marino fixou, na sua obra Musa Insular, três sonetos que permitem aflorar o estilo poético de Nóbrega e Quintal: “Noivados”, “Contraste” e “Excerto dum Poemeto”.   António José Borges (atualizado a 16.12.2017)

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leme, luís da câmara

Filho do morgado D. João Frederico da Câmara Leme e de uma das filhas dos viscondes de Torre Bela, D. Maria Carolina Correia Pinto, nasceu no Funchal a 26 de março de 1819, sendo irmão do Ten. D. Jorge da Câmara Leme (1807-1889), que ainda entrara nas lutas liberais, do Ten.-Cor. e governador civil do Funchal D. João Frederico da Câmara Leme (1821-1878), e ainda de D. José da Câmara Leme (c. 1823-1883), capitão do estado-maior. Descendiam do ramo dos Câmara da linha de Garcia Homem de Sousa e de uma das filhas de Zarco, descendência que se cruzara, entretanto, com os Leme (Genealogias) e de que a principal figura fora, nos meados e finais do séc. XVII, o Ten.-Gen. Inácio da Câmara Leme (1630-1694) (Tenente-general). D. Luís da Câmara Leme assentou praça em 1836, sendo despachado alferes de Caçadores 5 em 1837 e enviado, a 18 de outubro de 1838, para servir no comando da 9.ª Divisão Militar, com sede no Funchal, ordem assinada pelo então ministro da Guerra, conde do Bonfim (1787-1862), que fora governador da Madeira. Pouco tempo depois, no entanto, terá estado em Lisboa, pois, em 1844, concluiu com distinção a Escola do Exército, sendo promovido a tenente em 1845 e a capitão em 9 de abril de 1851, referindo-se na nomeação definitiva como capitão do corpo do estado-maior, de 4 de agosto desse ano, assinada pela Rainha e pelo duque de Saldanha (1790-1876), que frequentara o curso preparatório da extinta Academia de Marinha e da também já extinta Academia de Fortificação, Artilharia e Desenho, onde fizera os cursos de Engenharia e Artilharia, tal como frequentara, na Escola do Exército, o curso de estado-maior. É possível que tenha sido mobilizado para Lourenço Marques, mas não conseguimos confirmar a informação, nem a sua estadia em Moçambique, que, a ter ocorrido, teria sido por pouco tempo. Na déc. de 50, entretanto, D. Luís da Câmara Leme entrava decididamente na política. Havendo terminando a legislatura de 1853 a 1856, mandou o alvará de 18 de agosto de 1856 convocar as comissões de recenseamento para procederem à eleição dos quatro deputados que competiam à Madeira. A realização das eleições teria apresentado dificuldades fora do Funchal, mas, em dezembro desse ano, foram eleitos o antigo governador, José Silvestre Ribeiro (1807-1891), D. Luís da Câmara Leme, Sebastião Frederico Rodrigues Leal, então redator do periódico O Funchalense, e António Correia Herédia (1822-1899). D. Luís da Câmara Leme voltaria a concorrer às eleições de 1860, que uma vez mais conheceriam algumas dificuldades de realização. A 7 de janeiro de 1860, e.g., só existiam as nomeações para as comissões do Funchal e do Porto Santo e, no mesmo dia, oficiava-se para a Ponta do Sol, para que fossem tomadas as devidas providências para “a completa liberdade dos eleitores”, colocando-se a hipótese de se ter de enviar uma força armada para o concelho, dadas as manifestações de violência ocorridas (ABM, Governo Civil do Funchal, liv. 8, fls. 114-115). O figurino mudara entretanto, passando a existir círculos e, sendo a primeira vez que tal ocorria, parece ter sido esse o motivo das dificuldades, embora a acusação recaísse quase sempre sobre os Herédia da Ribeira Brava. Vieram a ser eleitos pelo círculo do Funchal Luís Vicente de Afonseca (1803-1878), pelo da Calheta D. Luís da Câmara Leme, pelo de Santa Cruz Luís de Freitas Branco (1819-1881), e pelo da Ponta do Sol António Gonçalves de Freitas (1827-1875). Sendo dissolvido o Parlamento por decreto de 27 de março de 1861 e mandando-se proceder a novas eleições ordinárias de deputados às Cortes, que decorreram a 20 de maio desse ano, foram eleitos os mesmos deputados das eleições de 1860. Em 1853, D. Luís da Câmara Leme servira sob as ordens do Mar. Saldanha, que muito o considerava e de quem se tornaria muito amigo, justificando-se a dedicatória de “súbdito e obrigadíssimo amigo” no seu primeiro grande trabalho de fundo: Elementos da Arte Militar, em que se não assume como autor, mas somente como coordenador, editado em 1862 com “juízo crítico” do Ten. José Maria Latino Coelho (1825-1891), então secretário da Academia Real das Ciências. Este trabalho ainda teve uma II parte, em 1863; e III e IV partes em 1864, recolhendo logo os melhores elogios, como na Gazeta de Portugal, tendo tido edições aumentadas nos anos seguintes. Por estes anos era chefe da 3.ª secção da secretaria da direção-geral de Engenharia e, em 1864, teve a nomeação de subchefe da 3.ª repartição do Ministério da Guerra, sendo promovido a major em 1866. Nos inícios desse ano de 1866 foi nomeada uma comissão par dar parecer acerca do armamento com que deveria ser dotado o exército português, “visto que a época das armas de carregar pela boca tinha acabado como o último tiro de espingarda de agulha do soldado prussiano nos campos de Sadowa” (LEME, Diário de Lisboa, 19 set. 1866). Luís da Câmara foi o redator dessa comissão, que manifestou a opinião de que se adotasse a carabina do sistema Westley-Richards de carregar pela culatra e do cano Whitworth, como sendo o modelo mais perfeito para os caçadores. Em vista disso ordenou o ministro da Guerra que se fizesse um contrato provisório para a compra de 8000 carabinas desse sistema para caçadores e 2000 clavinas para a cavalaria. O “Relatório apresentado a sua excelência o ministro da Guerra…”, datado de 10 de setembro de 1866, saiu no Diário de Lisboa, de 19 do referido mês, sendo reproduzido no dia seguinte na Gazeta de Portugal. Nessa sequência, Luís da Câmara, então chefe interino do gabinete do ministro da Guerra, teve ordem de ir a Londres ratificar esse contrato, a 25 de outubro desse ano, com ordem de embarque e ajudas de custo despachadas por António Maria Fontes Pereira de Melo (1819-1887), também oficial de engenharia. A deslocação a Londres terá corrido muito bem e, a 18 de julho de 1867, foi nomeado para ir estudar na Exposição Universal de Paris, realizada nesse ano, “tudo o que se faz relativo às artes e ciências militares, formulando depois um relatório das suas observações para ser presente ao Governo” (AHM, Processos Individuais, cx. 1097, n/catalog.). O “Relatório a S. Ex.ª o ministro da Guerra…” de 1867, na sequência da visita à exposição de Paris, saiu no Diário do Governo de 24 de dezembro desse ano, continuando nos números seguintes, e foi depois impresso em separado com data do referido ano, mas, por certo, já no ano seguinte. Face aos contatos estabelecidos em Londres e, depois, em Paris, o Maj. Câmara Leme publicaria novo trabalho em 1868, sob o título Considerações Gerais acerca da Reorganização Militar de Portugal, que o confirmava como um dos militares portugueses mais bem informados do seu tempo. Nesses anos, como chefe da repartição de gabinete da Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra, interessou-se especialmente pela situação económica dos militares, o que granjeou então profunda gratidão e reconhecimento. Entre as várias ações desenvolvidas contam-se os contactos com a congénere Secretaria dos Negócios da Fazenda e o facto de ter levado os militares a seu cargo a aderirem ao Montepio Oficial. Em 1870, quando se deu a revolta de 19 de maio, promovida pelo Mar. de Saldanha, o Maj. Câmara Leme foi chamado ao ministério que o referido marechal organizou, a 22 desse mês, como “antigo deputado da Nação Portuguesa” (AHM, Processos Individuais, 3.ª div., sec. 23.ª, cx. 1097, dec. 22 jun. 1870), tendo sido encarregando da pasta da Marinha e Ultramar, com nomeação datada de 20 de julho, sendo então agraciado com a carta de conselho. Com data de 1 de agosto, ainda seria nomeado interinamente para a pasta das Obras Públicas, Comércio e Indústria, substituindo o marquês de Angeja. O gabinete de Saldanha, entretanto, teria muito curta duração, pois, a 29 de agosto do mesmo ano de 1870, outro golpe levou à queda do ministério, sendo provisoriamente substituído por outro, formado pelo marquês de Sá da Bandeira e o velho marechal teve de aceitar retirar-se para Londres, para onde foi como ministro plenipotenciário e onde veio a falecer com 86 anos, a 20 de novembro de 1876. Nos meados de 1874 era dado por terminado o período legislativo de 1871 a 1874, sendo fixadas para 12 de julho seguinte as eleições, que passariam a partir daí a ocorrer no mesmo dia que no “continente do reino” (ABM, Governo Civil do Funchal, liv. 8, fls. 188v.-189). Nestas eleições foram então eleitos D. Luís da Câmara Leme (irmão do então governador civil), pelo Partido Popular, e Ricardo Júlio Ferraz (1824-1880), pelo Partido Regenerador. Este era sócio da firma açucareira Ferraz & Irmão, sucessora das várias firmas fundadas por seu pai, pelo que juntamente com Câmara Leme viria a apresentar um projeto de lei para a extinção do direito que o açúcar madeirense pagava no continente e nas restantes ilhas – projeto esse que a Comissão da Fazenda veio a aprovar em 22 de março de 1875 pelo prazo de cinco anos. D. Luís da Câmara Leme seria promovido a tenente-coronel em 1874, e a coronel, em 1876. Em 1878 foi eleito par do reino, tomando posse na respetiva Câmara a 10 de janeiro de 1879. Neste ano também exerceu o cargo de governador civil do distrito de Lisboa, sendo promovido a general de brigada em 1883 e reformando-se, como general de divisão, a 4 de junho de 1884. General de divisão reformado, do conselho de Sua Majestade, ministro de Estado, par do reino, deputado, sócio correspondente da Academia Real das Ciências e da Sociedade Literária Almeida Garrett, etc., tratou sempre com conhecimento das questões ligadas aos militares, com que também se salientou na imprensa, em artigos dispersos por vários jornais e revistas militares. Câmara Leme foi um propagandista acérrimo da responsabilidade ministerial e das incompatibilidades entre cargos políticos e, nos últimos tempos, já alquebrado pelos anos mas ainda com admirável lucidez de espírito, renovava em quase todas as sessões legislativas o seu antigo projeto de lei nesse sentido, fazendo sempre largas considerações sobre o assunto, para provar a conveniência da sua aprovação, que nunca viu realizada, e cujas principais linhas ainda veio a publicar em 1893. Nos últimos anos, e quando já muito afastado da política partidária ativa, a sua voz era ainda ouvida no Parlamento com atenção e respeito. A oficialidade do exército português, que sempre lhe consagrou a maior veneração pela defesa dos seus interesses ao longo de muitos anos, cotizou-se, nos finais do século, para lhe oferecer uma comenda especialmente executada num dos melhores ourives da capital. Para esse efeito foi aberta subscrição, que num curto espaço de tempo excedia os 8.000$000 réis. O Gen. D. Luís da Câmara Leme aplicou então metade dessa quantia em esmolas para as viúvas pobres dos oficiais do exército, ficando o resto para custear a comenda. Faleceu em Lisboa, a 27 de janeiro de 1904, sendo cavaleiro da Ordem da Torre e Espada e da de N.ª S.ra da Conceição de Vila Viçosa e comendador da de S. Bento de Avis, em 1866; tal como das de Cristo e de Santiago da Espada; de S. Maurício e de S. Lázaro, de Itália; grã-cruz de Isabel “a católica” e de Carlos III, de Espanha; grande oficial da Legião de Honra, de França; e da de Leopoldo, da Bélgica. Era ainda condecorado com as medalhas militares de ouro de bons serviços, e de prata de comportamento exemplar. Elemento especialmente combativo, já se encontrava envolvido, em finais de 1838, num processo por desacato no passeio público de Lisboa, cujos contornos não conseguimos determinar corretamente, mas que sugere que Câmara Leme era já um nome de certa importância, dado ter sido especificamente nomeado pelo então ministro da Guerra. A referência consta da documentação do seu processo individual e, em princípio, teria sido a razão para o conde do Bonfim lhe passar ordem, a 18 de outubro desse ano, para que regressasse “a servir às ordens do comandante da 9.ª Divisão Militar” no Funchal (Ibid., Processos Individuais., 3.ª div., sec. 23, cx. 7, n.º 9, Minuta de ofício…, 1867). O seu espírito combativo e de defesa da classe militar é referido numa carta de Lisboa, de 15 de março de 1869, do diplomata Agostinho de Ornelas e Vasconcelos (1836-1901) para o irmão, o então Cón. D. Aires de Ornelas e Vasconcelos (1837-1880), onde refere estar em causa a nomeação de governador civil do Funchal para D. João Frederico da Câmara Leme. Escreve o diplomata Agostinho de Ornelas, que era o ministro do Reino, que tinha “muita repugnância a aceitar” a nomeação do “João Câmara, porque o Luís tem feito e faz aqui uma guerra terrível ao Ministério, procurando excitar contra ele os militares que estão geralmente descontentes com as reformas que feriram os seus interesses” (GOMES, 1997, 98-99). Pelos meados da déc. de 40, D. Luís era dado como muito próximo da célebre artista Emília das Neves e Sousa (1820-1883), filha do açoriano Manuel de Sousa, tal como o irmão mais velho de D. Luís, um dos “bravos do Mindelo” (Leme, D. Jorge da Câmara). A “bela Emília” fez a sua estreia nos palcos de Lisboa em 1838, data dos referidos desacatos no passeio público de Lisboa do então Alf. Câmara Leme, e teria sido a primeira grande vedeta feminina a surgir em Portugal, tendo atuado, inclusivamente, no Brasil. Um texto anónimo, Emília das Neves, Documentos para a sua Biografia, por um dos seus Admiradores, editado em 1875, é atribuído a Câmara Leme. Alguns biógrafos citam um primeiro casamento de D. Luís da Câmara com Emília das Neves e que a mesma, falecendo em 1883, o teria feito herdeiro da sua apreciável fortuna, então avaliada em 80 contos de réis. Contudo, à data do seu falecimento, em 1883, Emília é sempre mencionada como solteira, tal como então o seu possível biógrafo. O Gen. D. Luís da Câmara Leme casou-se mais tarde, na freguesia dos Mártires de Lisboa, a 5 ou 15 de outubro de 1887, com D. Ana de Albuquerque (1858-1924), que foi escritora e também atriz no teatro de D. Maria II e que, nascida em São Tomé e Príncipe e filha de Luís Maria do Couto de Albuquerque da Costa, fidalgo e cavaleiro da casa real, bem como sócio correspondente da Academia Real das Ciências de Lisboa, era igualmente senhora de apreciável fortuna, tal como uma das mulheres mais cultas do seu tempo.   Obras de Luís da Câmara Leme: Elementos de Arte Militar (1862-1864) (atr.); “Relatório apresentado a sua excelência o ministro da Guerra em desempenho de uma comissão concernente à aquisição das novas armas de fogo portáteis” (1866); “Relatório a S. Ex.ª o ministro da Guerra acerca dos objectos militares mais notáveis apresentados na exposição universal de Paris em 1867” (1867); Considerações Gerais acerca da Reorganização Militar de Portugal (1868); Emília das Neves, Documentos para a sua Biografia, por um dos seus Admiradores (1875) (atr.); Incompatibilidades Políticas sob o Aspecto Histórico, Jurídico, Político e Moral (1893).   Rui Carita (atualizado a 14.12.2017)

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leme, joão frederico da câmara

Filho do morgado homónimo, que também usava o apelido Homem de Sousa, e de D. Maria Carolina Correia, filha dos viscondes de Torre Bela, nasceu no Funchal, a 18 de março de 1821. Teve como irmãos o Ten. D. Jorge da Câmara Leme (1807-1889), que colaborou ativamente nas lutas liberais, o deputado e general D. Luís da Câmara Leme (1817-1904), ministro da Guerra e D. José da Câmara Leme (c. 1823-1883), capitão do estado-maior. Descendiam do ramo dos Câmara da linha de Garcia Homem de Sousa e de uma das filhas de Zarco, descendência que se cruzou com os Leme (Genealogias), nos inícios do séc. XVII e de que a principal figura foi, nos meados e finais de Seiscentos, o Ten.-Gen. Inácio da Câmara Leme (1630-1694) (Tenente-general). D. João Frederico da Câmara Leme seguiu, como os irmãos, a carreira militar, assentando praça, como voluntário, no batalhão de infantaria 16, em Évora, a 3 de outubro de 1842, já com alguma idade para a época. Aí serviu “2 anos, 5 meses e 16 dias” (AHM, Processos individuais, João, 6-19), até 18 de março de 1845, data em que foi promovido a alferes, por decreto, passando a porta-bandeira do regimento de granadeiros da rainha, em Lisboa. Promovido a tenente, por dec. de 1 de agosto de 1849, integrou o batalhão de caçadores 6, a 18 de outubro de 1850 e, no ano seguinte, por dec. de 5 de julho, foi promovido a capitão graduado, contando antiguidade desde 29 de abril. Por razões que se desconhecem, muito provavelmente para assumir o controlo das propriedades da família e entrar na vida política, algo que seu irmão D. Luís começara a ensaiar em Lisboa, optou por ser colocado na disponibilidade, por dec. de 15 de janeiro de 1852, passando para ajudante do corpo de artilheiros auxiliares da ilha da Madeira, por dec. de 27 de julho de 1856, ano em que o irmão foi eleito deputado pela Madeira; D. João Frederico tornou-se ainda capitão do corpo auxiliar, por dec. de 25 de novembro de 1861. Nos anos de 1857 a 1862 decorreu um conflito político, com aspetos anticlericais, envolvendo a presença das ordens religiosas em Portugal e que levou as irmãs de S. Vicente de Paulo a abandonarem o Hospício Princesa D. Maria Amélia e até o país. Nos meados de março de 1859, o gabinete do duque de Loulé, que formava a nova corrente progressista histórica, caiu, perante a dissidência de alguns dos seus próprios apoiantes. O novo governo, então constituído pelo Partido Regenerador e com o qual voltava, novamente, António Maria Fontes Pereira de Melo, terá tentado fazer outras alterações, mas a sua vigência durou pouco tempo. Assim, foi nomeado governador civil do Funchal, por dec. de 21 de maio de 1860, o Cap. D. João Frederico da Câmara Leme, que comunicou a tomada de posse a 27 de maio, através de um impresso dirigido às autoridades superiores do distrito. Mas, em breve, a correspondência continuaria a ser assinada pelo anterior governador, o 2.º conde do Farrobo (1823-1882), genro do duque de Saldanha (1790-1876), como se nada se houvesse passado. Não deixa de ser curioso que, nos documentos do processo militar individual de D. João Frederico da Câmara Leme, não conste qualquer documentação desta sua primeira nomeação para governador civil, nem haja referência a ela nos registos biográficos de Luiz Peter Clode ou no Elucidário Madeirense. Os inícios de 1868 foram marcados, no Funchal e uma vez mais, pela tentativa de tomada do palácio de S. Lourenço pelo antigo administrador do Porto Santo, João de Santana e Vasconcelos Moniz de Bettencourt (1825-1892). Como membro, à data, do conselho de distrito, porque era chefe do Partido Regenerador, e tendo sido exonerado o anterior governador e conselheiro, Jacinto António Perdigão, por dec. de 16 de janeiro, passado este a governador civil de Bragança, a 30 desse mês, João de Santana de Vasconcelos enviou uma circular a todas as autoridades insulares a informar que tinha tomado posse nesse dia. Porém, desta vez, ficou em S. Lourenço apenas cerca de 10 dias. Com efeito, a 10 de fevereiro, tomou posse o Cap. D. João Frederico da Câmara Leme, nomeado por dec. de 25 de janeiro de 1868. D. João Frederico deparou-se com uma situação muito difícil e à qual, nesta sua segunda permanência no Governo Civil, não conseguiu responder da melhor maneira, até porque não teve cobertura política do governo do central. Os finais de 1867 tinham sido marcados por uma subida generalizada dos preços, motivada pela situação de difusão geral da crise no país e agravada pelo imposto da sisa, ou imposto sobre o consumo, na ordem dos 6,5 %. Este valor, decretado em dezembro, que deu origem a graves tumultos por todo o continente, em breve se espalhava à ilha da Madeira. O movimento ficou conhecido como janeirinha, dado ter decorrido nos primeiros dias de janeiro de 1868, resultando em vários motins, tendo sido um, no Funchal, designado por pedrada, o responsável por ter impedido o desembarque de Jacinto de Santana e Vasconcelos (1824-1888). O capitão e governador civil D. João Frederico da Câmara Leme, depois do sucedido no Funchal e, especialmente, na Câmara de São Vicente, onde, entretanto, se deslocou, devido a novos tumultos (Tumultos populares), deve ter sentido uma profunda insegurança no palácio do governo de S. Lourenço. Assim, em abril desse ano, requisitou mesmo uma força militar para ficar em permanência nas imediações do palácio, “não só para defesa do cofre central, como dos arquivos que existem no mesmo edifício” (Alfândega do Funchal) (ARM, Alfândega do Funchal, liv. 680, 18 abr. 1868). A força ficou aquartelada nos armazéns de bagagens da Alfândega, de forma algo provisória. E, com o decorrer dos acontecimentos, depois de 1870, tomou mesmo assento definitivo, quando D. João da Câmara Leme ocupava já o lugar de governador civil. Para o efeito, por proposta do próprio governador e após a aprovação da Junta Geral, foram adquiridas, em Lisboa, 30 camas “e seus pertences”, transportadas para a Madeira no vapor Maria Pia. D. João Frederico da Câmara Leme foi exonerado pelo novo executivo, do açoriano conde de Ávila (1806-1881), que lhe ofereceu o lugar de governador civil de Santarém, para o que teve decreto de nomeação, a 25 de janeiro de 1868, “dada a desistência do coronel Francisco de Mello Breyner” (AHM, Processos individuais, João, 6-19), mas não aceitou o lugar. No entanto, só veio a ser exonerado a 9 de setembro e, a 14 de outubro, dado que “frequentara o tirocínio para oficial superior em Lisboa” (Id., Ibid.), foi de novo colocado no batalhão de caçadores 12 do Funchal, como regista o despacho do rei D. Luís e do marquês de Sá da Bandeira, tendo tido ordem de embarque para o Funchal, a 9 de outubro do mesmo ano. O periódico A Revolução de Setembro, por essa altura, transcrevia uma série de notícias da ilha da Madeira: “Dizem-nos cartas dali, que foi muito mal recebida a notícia ‘encapotada’ da transferência para Santarém do governador civil D. João da Câmara Leme. Não ajudou também a notícia de que o Frade [deverá tratar-se do bispo de Viseu, D. António Alves Martins (1808-1882), que fora franciscano e era então um dos elementos proeminentes do Partido Reformista] apresentara e premeditara impor como deputado governamental pelo círculo da Ponta do Sol o ex-deputado Lampreia”; “Dizem também, que o marquês de Sesimbra, novo governador, não será bem recebido. ‘O Direito’ e ‘A Ordem’, jornais de mais confiança na Ilha, passaram à oposição. Já o esperávamos: Quem tem Razão Direita, não podia andar por muito tempo desviado do Bom Caminho” (A Revolução de Setembro, 26 set. 1868). O Governo do marquês de Sesimbra (1839-1887), décimo quarto filho do duque de Palmela (1781-1850) e o Governo seguinte, do visconde de Andaluz, que viera como secretário-geral do marquês de Sesimbra, foram de vaga gestão da crise motivada pela oposição dos duques de Loulé e Saldanha, que se alternaram à frente do gabinete ministerial de Lisboa. A situação manteve-se até às eleições de julho de 1870, mas configurava-se uma nova nomeação para o Funchal. O governo cessou funções a 26 de outubro, mas, já então, o Cap. D. João Frederico da Câmara Leme estava novamente nomeado governador civil do Funchal, voltando a tomar posse, então com um Te Deum na sé do Funchal, a 31 de outubro de 1870, tal como comunicou às restantes entidades superiores da Ilha, em informação impressa. A nomeação fora bastante anterior, pois fora mandado “marchar para Lisboa”, por “ordem telegráfica” do ministério da Guerra de 20 de maio desse ano, como refere o comandante do batalhão de caçadores de Tomar, onde estava colocado (AHM, Processos individuais, João, 6-19). No dia seguinte, 21 de maio, foi colocado no seu lugar, em Tomar, o Cap. Alexandre Magno de Campos, perguntando o comandante se o mesmo também ficava na situação de “supranumerário”, como estava Câmara Leme (Id., Ibid.). As eleições e as nomeações eram acordadas, muitas vezes, entre os quadros madeirenses, em Lisboa e no Funchal, como expressa uma carta de 15 de março de 1869, onde o diplomata Agostinho de Ornelas e Vasconcelos (1836-1901) voltava a dar instruções ao irmão, o então cónego D. Aires de Ornelas e Vasconcelos (1837-1880), ainda não sabendo se concorreria às eleições de 1870, estando dependente do número de deputados a eleger por cada círculo eleitoral na Madeira. Equacionava, assim, as posição dos irmãos D. João Frederico e D. Luís da Câmara Leme, adiantando uma situação interessante, que era o ministro do Reino ter “muita repugnância a aceitar o João Câmara, porque o Luís tem feito e faz aqui uma guerra terrível ao ministério, procurando excitar contra ele os militares que estão geralmente descontentes com as reformas que feriram os seus interesses” (GOMES, 1997, 98-99). D. João Frederico da Câmara Leme, desta vez, estaria à frente dos destinos da Madeira durante mais de cinco anos, o que foi um verdadeiro recorde para o tempo, só ultrapassado pelo conselheiro José Silvestre Ribeiro (1807-1891), que esteve seis anos em S. Lourenço. Entre outros apoios, pois fora nomeado por um gabinete “histórico” e o seguinte, “regenerador”, confirmou-o, contando com uma certa estabilidade governativa por parte dos novos gabinetes de Fontes Pereira de Melo, gozou de um muito especial auxílio: o do bispo do Funchal então nomeado, uma das mais interessantes personalidades da Igreja da Madeira: D. Aires de Ornelas e Vasconcelos (1837-1880). Confirmado bispo titular de Gerasa, em 1871, nos inícios e meados de 1872, foi governador da diocese do Funchal e a 27 de outubro de 1872, tomou posse efetiva do bispado. Familiar, em certa medida próximo, do governador civil, como todos os grandes morgados insulares, e vindo a sofrer, à frente da diocese, os mesmos problemas que D. João da Câmara Leme enfrentava no governo civil, estabeleceu-se uma discreta, mas profícua colaboração entre ambos, apoiados nos irmãos deputados em Lisboa, embora não ao mesmo tempo: D. Luís da Câmara Leme e o diplomata Agostinho de Ornelas e Vasconcelos. O governador civil procurou outros apoios ao longo do seu mandato, nomeadamente, no Conselho do Distrito, cujo vogal era Diogo Berenguer de França Neto (1812-1875), elevado a visconde de São João a 3 de maio de 1871 (São João, visconde), e na nova Junta Geral do Distrito. Nas eleições de 1874 ocorreram alguns distúrbios, nomeadamente, no Porto Moniz, para onde o governador teve de destacar uma força militar, mas essas eleições elegeram de novo o seu irmão general, D. Luís da Câmara Leme, pelo Partido Popular. Ao longo desse ano, instalou-se progressivamente o telégrafo submarino, com o qual o governador foi comunicando oficialmente às restantes autoridades superioras da Ilha. D. João Frederico da Câmara Leme começou a acusar algum desgaste pelos cinco anos de governação, que, inclusivamente, lhe haviam afetado a saúde. Por isso, nos inícios de 1876, pediu a sua exoneração, concedida a 1 de maio desse ano. Entretanto, também nos começos de 1876, já estaria indigitado um novo governador civil para o Funchal, Francisco de Albuquerque Mesquita e Castro, cuja comunicação de nomeação terá chegado a 7 de abril. Levando este algum tempo em Lisboa, tomou posse do lugar interinamente, a 18 do mesmo mês, o novo secretário-geral Joaquim Curado de Campos e Meneses. A 8 de maio, tomou posse o antigo morgado das Cruzes, Nuno de Freitas Lomelino (1820-1880), membro do Conselho do Distrito, segundo o art. 223.º do Código Administrativo. E, a 10 de junho, finalmente, o novo governador Francisco de Albuquerque Mesquita e Castro. O ex-governador D. João Frederico da Câmara Leme casara, a 30 de julho de 1854, com D. Maria Carlota da Gama Freitas Berquó, filha do militar e político brasileiro marquês de Cantagalo (1794-1852). Do matrimónio resultou uma descendente, D. Maria Teresa da Câmara Leme, nascida a 10 de maio de 1854 e falecida em 1942, mas que não casou, não havendo, assim, sucessão, como aconteceu a todos os outros três irmãos de D. João Frederico. D. João Frederico estava, então, colocado em Tomar, embora essa colocação não conste na sua folha de matrícula militar. Foi daí que partiu, em 1870, para ser governador civil do Funchal, vindo a faleceu na mesma cidade, como Ten.-Cor., a 6 de fevereiro de 1878. Foi cavaleiro da Ordem Militar da Torre e Espada (1847) e da de Avis (1862), comendador da de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa (1867), possuindo ainda as medalhas de Valor Militar, Bons Serviços e Comportamento Exemplar (1866 e 1867).   Rui Carita (atualizado 14.12.2017)

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kassab, braheem abdo

Braheem Abdo Kassab nasceu em Damasco (Síria), a 18 de novembro de 1891, e faleceu no Funchal, a 26 de junho de 1980. Era filho de Abdo Kassab, comerciante, natural de Damasco, e de Mareeta Rais, professora na escola da missão protestante inglesa na Síria, natural dos montes Hasbaya, no Líbano. O pai de Mareeta foi morto pelos drusos, muçulmanos, no massacre de cristãos de 1860. Nessa altura, ela fugiu com a família e refugiou-se na Missão Protestante, em Beirute, onde estudou. Social e comercialmente, era conhecido por B. A. Kassab e dedicava-se à exportação de bordados, adquiridos em Itália, para os Estados Unidos da América (EUA). A Kassab Brothers, instalada no n.º 303 da 5.ª avenida de Nova Iorque, foi constituída pelos sócios Najeeb Kassab, Braheem Kassab e Farid Haddad (sobrinho). Najeeb Kassab iniciou o negócio dos bordados em Florença (Itália) e, depois, a Kassab Brothers teve loja em Beirute e manteve negócios em Londres, Palestina e no Cairo, até ser dissolvida em 1973. Em novembro de 1916, B. A. Kassab fez uma viagem de Nova Iorque para Southampton à procura de novos mercados. Quis o destino, ou o mero acaso, que o vapor em que viajava tivesse de aportar ao Funchal para escapar a uma violenta tempestade. Ao deambular pela cidade, despertaram-lhe a atenção a quantidade de lojas de embroideries e, por coincidência, os cerca de doze industriais sírio-libaneses que se dedicavam a esse ramo de negócio. Os bordados, made in Italy, eram idênticos, mas o preço de aquisição no Funchal era incomparavelmente mais barato. Afável e de bom trato como era, B. A. Kassab rapidamente estabeleceu contacto com esses industriais, com quem aprendeu os segredos daquela atividade. Assim, formou a Mallouk & Kassab e, logo de seguida, a casa B. A. Kassab. A 30 de abril de 1920, o Correio da Madeira anunciava que a casa Mallouk & Kassab, então à R. da Rochinha, no Funchal, iria mudar para umas instalações mais amplas, e, em 1921, Braheem A. Kassab instalou-se, sozinho, na R. de João Tavira. A 20 de fevereiro de 1922, B. A. Kassab mudou o seu estabelecimento comercial para a R. do Dr. Vieira, n.º 13 (a dada altura, R. da Carreira e hoje, naquele trecho, R. Câmara Pestana), onde permaneceu 50 anos. Em 1972, aquele escritório foi trespassado. Em finais dos anos de 1920, B. A. Kassab abriu uma loja no Quebec, Canadá, denominada Madeira Embroideries Importing Company, que encerrou em 1934 devido a questões fiscais. Na Madeira, com o aumento exponencial da atividade, fabrico e exportação de bordados para os EUA, em finais de 1934, princípio de 1935, verificou-se uma tremenda falta de mão-de-obra. Pelo ano de 1938, B. A. Kassab abriu nos Açores a B. A. Kassab – Açores. Aí, bordavam relativamente bem, nunca atingindo, porém, a perfeição das profissionais madeirenses. Ao ser procurador dos príncipes polacos Jerzy Ignacy Lubomirski (1882-1945) e sua esposa, Anna Lubomirska, Kassab teve oportunidade de comprar para eles, em 1928, a casa mandada construir por Henry Veitch na Madeira (Qt. Calaça), que em 1952 foi vendida para aí se instalar o Clube Naval do Funchal. Foi esta proximidade do mar que levou B. A. Kassab a adquirir os terrenos para mandar edificar um complexo balnear, a que deu o nome de Lido, por si inaugurado em junho de 1933, numa perspetiva de negócio muito avançada para a época. B. A. Kassab foi um empresário de sucesso e muito ativo, valendo-lhe a condecoração com a medalha de mérito da Exposição Agrícola, Pecuária e Industrial de 1930 no Funchal. Como garantia de sustentabilidade das suas iniciativas, B. A. Kassab investiu também em vários negócios, esporadicamente, na aquisição de lotes de vinho raro da Madeira, oportunidade que surgiu resultante da crise bancária madeirense dos anos 30, entre outras. Fruto da diversificada atividade comercial deste negociante sírio, há ainda no mercado madeirense reduzidos lotes de vinho Madeira lacrados com sinete B. A. K., extremamente valorizados na última década. A 12 de dezembro de 2014, por exemplo, num leilão da firma inglesa Christie’s, em Nova Iorque, uma garrafa da sua coleção, datada de 1715, rendeu $26.950 dólares. De notar o financiamento, por parte de Kassab, da construção das obras da Estrada Nacional n.º 1, lanço de S. Vicente – Fajã da Eira, Seixal, durante a Segunda Grande Guerra. A obra foi adjudicada a 24 de maio de 1941, mas o contrato cessou devido à morte trágica do empreiteiro, Frederico da Silva, e de três trabalhadores numa derrocada ocorrida na Fajã da Pedra a 22 de setembro de 1942. Foi nessas andanças que conheceu Maria Clara. Durante aquele período, adquiriu cerca de 2.000.000 m2 (c. 2 km2) no montado da Rocha Vermelha, que integrava parte do Fanal e confrontava com as 25 Fontes (Rabaçal), e, depois, o montado dos Pessegueiros (freguesias do Seixal e S. Vicente), com cerca de 6.000.000 m2 (c. 6 km2), onde fabricou carvão e manteiga, explorou madeiras, gado e vinhas. Este montado foi expropriado pelo Governo Regional em 1976 por ser a mancha mais importantes do Parque Natural da Madeira. No Fanal, estava em curso um importantíssimo projeto de captação, exploração e distribuição de águas, por levadas de heréus, que era o principal ativo da casa bancária Reid, Castro & Companhia, que, com a crise de 1930, faliu, levando os seus ativos à praça, os quais foram depois adquiridos por B. A. Kassab. Noutro contexto, um tio de B. A. Kassab, Iskandar Kassab, fez parte da administração pública na Palestina, função proeminente, e, a 8 de setembro de 1926, adquiriu uma bayara (termo palestino que significa “pomar”, neste caso, de laranjas), sendo curioso registar que “laranja”, em árabe, é porturral. Os ditos laranjais estavam localizados num quarteirão da cidade de Haifa denominado Basateen al Ramel, e Iskandar Kassab adquiriu-os por $15.000.00 dólares americanos, tendo-os depois vendido ao sobrinho. Aqueles prédios viriam a ser ocupados em 1948 e confiscados pelo Estado israelita em 1954. Assim, pela déc. de 1960, B. A. Kassab foi forçado a defender os seus direitos, recorrendo aos tribunais israelitas, e obteve vencimento em 1977. Nessa mesma década, teve de iniciar outra ação judicial para garantir os seus investimentos nas herdades que adquirira no que é hoje o Parque Natural da Madeira. B. A. Kassab comprou e explorou, também, a Fábrica de Sabão e Velas Conceição, fabricando ali velas, sabão, água-de-colónia, limpa-metais, polimentos e detergentes para cozinha, e adquiriu a Electro Reparadora, à R. do Carmo, onde representava importantes marcas, como a Philco – Philadelphia Storage Battery Company, pioneira no fabrico de baterias, rádios, televisão, etc., hoje pertencente à Philips; a Kelvinator, companhia americana que, ainda hoje, produz os famosos frigoríficos; e a Sylvania, famosa companhia americana que produz lâmpadas (Osram Sylvania) e materiais elétricos. Por princípio, Braheem Abdo Kassab nunca renunciou à nacionalidade síria, mas adotou, de todo o coração, a Madeira, onde viveu 64 anos, como sua terra de eleição. Numa descrição apoiada no seu passaporte de 1926, B. A. Kassab era de porte atlético, com 1,60 m de altura, tez morena, olhos esverdeados, nariz forte, queixo redondo e cara oval. Tinha cabelo castanho, sobrancelhas espessas, bigode e boca pequena. Kassab casou em The Little Church Around the Corner, Nova Iorque, em 1949, com Maria Clara de Andrade, nascida a 23 de agosto de 1925, em São Vicente. Era filha de Manuel Joaquim de Andrade e de Maria Pereira Andrade, naturais da mesma freguesia. Faleceu em Wallingford (Pennsylvania, EUA) a 1 de junho de 1982, dois anos após o marido, que falecera a 26 de junho de 1980, no Funchal. A sua descendência ficou garantida através de dois filhos (Braheem Alexander Kassab e Edward Michael Kassab) e de dois netos (Jaqueline Clara e Eduardo Miguel), todos naturais da ilha da Madeira. O relacionamento familiar continua com a regularidade própria dos entes queridos. Ora chegam à Madeira os tios, ora se revezam as visitas do sobrinho (Eddie) à América do Norte. Alexander Kassab, ou Alex (tratamento familiar), optou por viver no estrangeiro quando foi estudar para os EUA, onde terminou o curso liceal e se licenciou. Em Nova Iorque, por volta de 1910, Braheem Abdo Kassab havia tentado fazer carreira na ópera, mas, apesar de ser um razoável cantor, não teve sucesso. Foi isso que transmitiu a Alex, o filho mais velho, que foi músico e cantor profissional de grande qualidade técnica. Ainda estudante universitário na Flórida, Alex ficou em segundo lugar numa audiência a nível nacional para a Metropolitan Opera Company. Depois, gravou um disco na Flórida e participou num programa televisivo americano, onde foi entrevistado por Ronald Reagan, então governador da Califórnia. Anos mais tarde, radicou-se na Venezuela, onde faleceu a 10 de janeiro de 2016.   José Luís Ferreira de Sousa (atualizado a 11.02.2017)

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