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collett, robert

Robert Collett é um dos pioneiros da investigação zoológica norueguesa, tendo nascido em Christiania (depois Oslo) a 2 de dezembro de 1842 e falecido na mesma cidade a 27 de janeiro de 1913. Entre 1854 e 1859, Collett e a família viveram em Lillehammer, pequena cidade rural no condado de Oppland, Noruega, rodeada de montanhas e à beira do lago Mjøsa. Aqui, Robert apurou o seu gosto pela natureza. Completou os seus estudos em Christiania e começou a trabalhar para o Museu Zoológico, tornando-se assistente do Prof. Halvor Rasch. Em 1874 tornou-se conservador do museu e em 1885 professor de Zoologia na Universidade de Christiania, cargo que ocupou até à sua morte. O seu interesse inicial foram as aves, tendo estudado as aves da Expedição Polar Norueguesa, dirigida por Fridjof Nansen, de 1893 a 1896. Contudo foram os peixes que proporcionaram a Collett o seu reconhecimento internacional. A sua relação com a Madeira faz-se precisamente através destes. Em 1886, com base num exemplar capturado nos mares da Madeira em 1877, descreveu um género e uma espécie novos, Linophryne lucifer, peixe batipelágico da subordem Ceratioidei. A descrição e respetiva ilustração são muito detalhadas, atestando o carácter muito minucioso de Collett. Mais tarde, em 1890, Collett publicou um trabalho sobre alguns peixes capturados na Madeira pelo príncipe Alberto I do Mónaco, no qual identifica nove espécies, uma das quais, o tubarão de profundidade Chlamydoselachus anguineus, é reportado pela primeira vez para o oceano Atlântico. Durante a sua vida, Robert Collett publicou, entre muitos outros, 32 trabalhos sobre peixes, contendo descrições originais de muitas espécies novas para a ciência.   Obras de Robert Collett: “Lycodes sarsii, n. sp. ex ordine Anacanthinorum Gadoideorum, descripsit” (1871); “On two apparently new species of Gobius from Norway” (1874); The Norwegian North-Atlantic Expedition, 1876-1878, Zoology, Fishes (1880); “On a new pediculate fish from the sea off Madeira” (1886); “Sur quelques poissons rapportés de Madère par le Prince de Monaco” (1890), Poissons Provenant des Campagnes du Yacht "L'Hirondelle" (1885-1888). Résultats des Campagnes Scientifiques Accomplies sur Son yacht par Albert I, Prince Souverain de Monaco (1896); “On some fishes from the sea off the Azores” (1905).     Manuel Biscoito (atualizado a 27.10.2017)

Biologia Marinha Ciências do Mar

bowdich, thomas edward

Thomas Edward Bowdich, escritor e viajante inglês, nasceu em Bristol a 20 de junho de 1791 e faleceu em Banjul, capital da Gâmbia, a 10 de janeiro de 1824. Na sua juventude estudou em escolas públicas em Bristol, demonstrando maior inclinação para as letras do que para as ciências. Inicialmente pensou em seguir advocacia, mas seu pai, fabricante de chapéus e comerciante, colocou-o como sócio na firma. Em 1813 casou-se com Sarah Wallis, com a qual partilhava o interesse pela natureza, as viagens e a aventura. Inscreveu-se ainda em Oxford, mas não concluiu os estudos aí. Em 1814 conseguiu um lugar de escriturário na Royal African Company e partiu para a cidade de Cabo Corso, no Gana. Em 1816 integrou uma missão, que acabou por chefiar, ao Império Asante na Costa do Ouro, tendo obtido um acordo com o Rei no qual se assegurava a paz e se preservavam os interesses ingleses na região. Regressado a Inglaterra em 1818, Bowdich denunciou a corrupção e a ineficiência na Royal African Company. Mudou-se, dois anos depois, para Paris, onde estudou matemática, física e história natural. Aí tornou-se íntimo do barão Georges Cuvier, assim como de Alexander von Humboldt e outros eminentes sábios, que o receberam muito bem e o ajudaram na consolidação da sua cultura científica. Durante a sua estada em Paris publicou diversos trabalhos científicos, incluindo de história natural. Ficou famoso o seu ensaio sobre as superstições, os costumes e as artes comuns aos egípcios, abissínios e asantes, que constitui o primeiro grande estudo da cultura e história da África ocidental. Em 1822 viajou com a mulher para Lisboa, onde esteve pouco mais de um mês, consultando aí arquivos públicos e privados, e escrevendo um trabalho sobre as descobertas dos Portugueses em Angola e Moçambique que viria a ser publicado em 1824. De Lisboa seguiu para o Funchal, onde chegou no dia 14 de outubro de 1822. Permaneceu na Madeira um ano, tendo sido hóspede do comerciante e cônsul inglês Henry Veitch. Efetuou várias viagens pela Ilha visitando também Porto Santo. Durante esta estadia, efetuou observações meteorológicas assim como colheitas de plantas e animais. Observou os costumes da população e anotou as suas impressões sobre a política e a sociedade madeirenses. Todas estas observações ficaram registadas numa obra cuja publicação se deveu à sua mulher, a qual também a ilustrou, sendo editada em 1825, um ano após a sua morte. Este trabalho inclui também listagens, ou simples referências, de plantas, insectos, moluscos, aves e peixes. Neste último caso, incluiu a descrição original do chicharro, Seriola picturata, posteriormente chamado Trachurus picturatus, com a respetiva ilustração, da autoria de sua mulher. Neste trabalho Bowdich denota um grande interesse pelas medições de temperatura, pressão, humidade relativa e altitude durante as suas excursões pela Madeira, uma característica que lhe foi sem dúvida incutida por Humboldt durante a sua estada em Paris. Embora detalhado na descrição e até ilustração de aspetos da geologia da Madeira e do Porto Santo, não soube contudo, interpretá-los e determinar a origem das ilhas, negando a sua origem vulcânica submarina. Contudo, esta e outras incorreções não desmerecem o valor desta obra, pela riqueza e diversidade de observações registadas, não só de âmbito natural, mas também cultural, social e político da Madeira do primeiro quartel do séc. XIX. Bowdich, a mulher e os três filhos deixaram a Madeira no dia 26 de outubro de 1823, num brigue americano, em direção a Cabo Verde, dada a inexistência de navios com destino à Serra Leoa, o objetivo desta sua terceira viagem a África. Em Cabo Verde, onde chegou por volta de 10 de novembro, fez observações idênticas às que tinha feito na Madeira na ilha da Boavista, onde permaneceu algumas semanas. Visitou ainda a ilha de Santiago durante um dia, tendo prosseguido para Banjul, à época Bathurst, na Gâmbia, onde chegou no início de dezembro de 1823. Aí iniciou de imediato um trabalho de colheita de plantas e animais e o levantamento topográfico da foz do rio Gâmbia. Atacado pelo paludismo, morreu no dia 10 de janeiro de 1824. Sarah Bowdich e os três filhos regressaram a Inglaterra e um ano depois da morte do marido foi publicado o livro sobre a sua derradeira viagem a África.     Obras de Thomas Edward Bowdich: Mission from Cape Coast Castle to Ashantee, with a Statistical Account of that Kingdom, and Geographical Notices of Other Parts of the Interior of Africa (1819); Essay on the Superstitions, Customs, and Arts Common to the Ancient Egyptians, Abyssinians, and Ashantees (1821); An Introduction to the Ornithology of Cuvier (1821); Elements of Conchology Including the Fossil Genera and the Animals (1822); An Account of the Discoveries of the Portuguese in the Interior of Angola and Mozambique (1824); Excursions in Madeira and Porto Santo (1825).   Manuel Biscoito (atualizado a 27.10.2017)

Biologia Marinha Ciências do Mar

borges, joão gonçalves

João Borges nasceu a 22 de setembro de 1922, na freguesia do Monte, concelho do Funchal, e faleceu nesta cidade a 26 de novembro de 2008. Empresário, desportista náutico e governante, destacou-se sobretudo nos sectores do turismo e do mar. A sua paixão pelo mar vem de muito novo quando, sendo asmático, encontra no mar alívio para a sua maleita. Ficaram célebres os seus mergulhos no Lido, pelo tempo que permanecia imerso. Foi pioneiro na caça submarina na Madeira, tendo ganho o primeiro lugar no primeiro concurso desta modalidade organizado pelo Clube Naval do Funchal, no Paul do Mar, em 27 de setembro de 1953. Foi também pioneiro no mergulho com escafandro autónomo, tendo acompanhado a equipa do Com. Cousteau (Cousteau, Jacques-Yves) durante a sua visita à Madeira em agosto de 1956. Em julho de 1966, acompanhou também os mergulhos do batiscafo francês Archimède na Madeira, tendo promovido uma conferência proferida no Funchal pelo Com. Georges Houot e pelo Eng. Henri-Germain Delauze, responsáveis pelo batiscafo. No plano associativo, pertenceu aos corpos dirigentes do Clube Naval do Funchal desde 1962 até 1988, tendo sido comodoro, vice-presidente e presidente da respetiva Assembleia-Geral. O entusiasmo pelo mar levou-o a interessar-se pela colónia de lobos marinhos, Monachus monachus, das ilhas Desertas, que nos anos 80 do séc. XX estiveram muito perto da extinção. Fruto deste interesse e das suas observações, participou na 1.ª Conferência Internacional sobre o Lobo Marinho, realizada em Rodes em 1978. Nesta apresentou uma comunicação intitulada “The monk seals of Madeira”, na qual deu conta da situação precária em que estes mamíferos marinhos se encontravam. Efetuou também várias deslocações às ilhas Selvagens, na companhia do seu amigo Paul Alexander Zino, tendo colaborado nos estudos das aves marinhas realizados por este ornitólogo amador. A sua capacidade de comunicação, as suas áreas de interesse e a fluência em línguas estrangeiras fizeram de João Borges um relações-públicas nato, levando-o a contactar com inúmeras personalidades que visitaram a Madeira. Em 1953, o realizador de cinema John Houston deslocou-se à Ilha para realizar algumas cenas do seu filme Moby Dick, tirando partido da existência, nessa época, de atividade baleeira. João Borges participa no filme, vestindo a pele de uma baleia branca. João Borges, na sua qualidade de “homem dos sete ofícios”, foi também um técnico de precisão muito conceituado, tendo fundado a relojoaria Big Ben em 1947, na então recentemente aberta Av. de Zarco. Na sua oficina, reparou muitos equipamentos náuticos de precisão, não só de desportistas locais, como também de iatistas que escalaram a Madeira. Esta sua aptidão levou-o a ser cronometrista de muitas provas náuticas, entre elas a Regata Oceânica Lisboa-Madeira, cuja primeira edição teve lugar em 1950. O seu talento para os contactos pessoais conduziu-o inevitavelmente ao sector do turismo. Assim, em 1969, ingressa na Delegação de Turismo da Madeira, ao lado de José Ribeiro de Andrade e António Bettencourt da Câmara, ficando responsável pelos sectores da promoção e das relações públicas. Torna-se assim o primeiro promotor oficial do turismo da Madeira, cargo que desempenhará por muitos anos, e que o levará aos principais países de onde são originários os turistas que visitam a Madeira. Na sequência da Revolução de 25 de abril de 1974, foi nomeado membro do Gabinete de Informação situado no Palácio de S. Lourenço e encarregado de dar informações aos jornalistas estrangeiros presentes, assessorando a primeira conferência de imprensa dada pelas novas autoridades no Funchal. Já na Direção Regional de Turismo, foi nomeado em 1981 diretor dos serviços de promoção, relações públicas e publicidade, e recebeu nesse ano o Golden Helm, galardão atribuído pela Associação Internacional de Relações Públicas. A 10 de janeiro de 1984, foi nomeado diretor regional de Turismo, cargo que ocupou até à sua aposentação, em 1992. A 18 de maio de 1986, o Governo regional da Madeira atribuiu-lhe a Medalha de Ouro de Mérito Turístico, e em 1987 recebeu a Medalha de Mérito Turístico instituída pela Associação Portuguesa das Agências de Viagem e Turismo, no decurso do seu XIII Congresso, em Marraquexe. Aquando da sua aposentação, os diretores dos centros de turismo de Portugal, reunidos no Funchal, homenagearam João Borges oferecendo-lhe uma placa na qual se lê a seguinte inscrição: “Ao ilustre embaixador da Madeira em todo o mundo, João Gonçalves Borges, como homenagem pelos relevantes serviços prestados ao turismo português”. A 10 de junho de 1993, é agraciado com o grau de comendador da Ordem de Mérito pelo Presidente da República, Mário Soares. João Borges foi casado com Deirdre Mary Isabella Shanks Borges, e teve dois filhos.   Obras de João Gonçalves Borges: “The Monk Seals of Madeira” (1978).   Manuel Biscoito (atualizado a 27.10.2017)

Biologia Marinha História Económica e Social Ciências do Mar

abreu, jaime césar de

Filho do Dr. José Sabino de Abreu, Jaime César de Abreu (1899-1967) nasceu na freguesia do Estreito de Câmara de Lobos. Licenciou-se em Medicina pela Universidade de Coimbra, em 1922, com a tese Infecção Puerperal, vindo a fixar-se no Funchal. Ocupou as funções de radiologista e de médico no antigo Hospital da Santa Casa da Misericórdia. Palavras-chave: Associações de Socorros Mútuos; Hospital da Misericórdia do Funchal; Medicina; Trabalhos científicos.     Filho de José Sabino de Abreu, médico natural de Lisboa, e de sua mulher, Augusta Matilde Figueira César de Abreu, Jaime César de Abreu nasceu na freguesia do Estreito de Câmara de Lobos, a 16 de fevereiro de 1899. Licenciou-se em Medicina pela Universidade de Coimbra, curso que terminou em 1922, fixando-se no Funchal, onde casou com Cecília Tolentino da Costa, filha de Lúcio Tolentino da Costa (1870-1939) e de Maria Assunção Pereira. Deve ter sido o sogro, médico pela Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa e antigo capitão médico do Exército, entretanto afastado por ter aceitado a presidência da Câmara Municipal do Funchal na sequência da Revolução da Madeira de 4 de abril de 1931 (Revolução da Madeira), que lhe abriu alguns caminhos profissionais no Funchal. Embora fosse oftalmologista, Lúcio Tolentino da Costa tinha sido o impulsionador e o responsável pela montagem de um aparelho de raios X na Associação de Socorros Mútuos 4 de Setembro de 1852, onde era médico, vindo aquela associação mutualista, através desta aparelhagem, a prestar relevantes serviços à comunidade naquela área. Jaime César de Abreu começou por ajudar o sogro na Associação e, em breve, ali desempenharia as funções de radiologista e de médico. Durante vários anos, foi também médico e diretor dos serviços de radiologia do Hospital da Santa Casa da Misericórdia (Santa Casa da Misericórdia do Funchal), no edifício que seria depois sede da Junta Geral e mais tarde do Governo regional. Durante alguns anos, foi igualmente presidente da comissão administrativa do Recolhimento do Bom Jesus e professor provisório do Liceu Nacional do Funchal  então chamado Jaime Moniz, em homenagem a Jaime Constantino de Freitas Moniz (1837-1917). Do seu casamento teve quatro filhos: José Tolentino da Costa César de Abreu, capitão da Marinha Mercante; Nicolau Tolentino da Costa César de Abreu, casado com Maria Dulce Leal Moniz César de Abreu; Maria Cecília Tolentino da Costa Cesar de Abreu, casada com João Tolentino da Costa César de Abreu, empregado bancário, com descendência. Escreveu e publicou Infecção Puerperal, tese de licenciatura que o Visconde do Porto da Cruz, Alfredo de Freitas Branco (1890-1962) regista como “indubitavelmente um trabalho de especialidade, mas [que] está escrito com elegância e clareza de frase” (PORTO DA CRUZ, 1953, 126). Foi sócio da Sociedade Portuguesa de Radiologia Médica e faleceu no Funchal, a 31 de dezembro de 1967, com 68 anos. Obras de Jaime César de Abreu: Infecção Puerperal (1922).   Rui Carita (atualizado a 14 de julho de 2017)

Ciências da Saúde

vasconcelos, joão da câmara leme homem de, visconde e conde do canavial

A vida política, económica e social madeirense foi marcada no último quartel do séc. XIX pela personalidade conflituosa do futuro conde do Canavial, Dr. João da Câmara Leme Homem de Vasconcelos. Filho do morgado António Francisco da Câmara Leme Homem de Vasconcelos e de Carolina Moniz de Ornelas Barreto Cabral, nasceu no Funchal a 22 de junho de 1829, foi simultaneamente clínico, professor, funcionário público, homem de ciência, jornalista e escritor, político e industrial, em todas essas ocupações revelando interessantes qualidades e capacidade e de trabalho, mas também uma personalidade algo conflituosa. Foi autor de uma vastíssima produção literária, quer científica, quer política, que é difícil trabalhar de forma científica, pois nem sempre se consegue separar o que era polémica científica e industrial do que eram atitudes políticas e pessoais. Concluídos os estudos secundários no Funchal, veio a formar-se em medicina pela Universidade de Montpellier, em França, bacharelando-se em 1852 e doutorando-se em 1857, colaborando ali em vários periódicos, fazendo traduções e tendo obtido o lugar de membro da Academia das Ciências e Letras daquela cidade. Começou assim logo por desenvolver um notável trabalho científico na sua área de especialidade a que, regressado à Madeira, juntou também a de investigador da área científico-industrial de tratamento do vinho da Madeira, de que era um dos mais importantes produtores. O Dr. João da Câmara Leme, regressado de França, fez em 1859 repetição dos seus atos académicos na Escola Médica de Lisboa, sendo no ano seguinte nomeado demonstrador de anatomia da Escola Médico-Cirúrgica do Funchal e, em 1867, professor proprietário. No ano seguinte, editava logo um Relatório e Projecto de Regulamento para a Escola Médico-Cirúrgica do Funchal (1868), entrando de imediato em conflito com o Dr. António da Luz Pita (1802-1870), então deputado em Lisboa, polémicas que se prolongaram pelos anos seguintes. Escrevem os autores do Elucidário Madeirense, que o conheceram pessoalmente, que “teve de sustentar algumas lutas com os seus colegas no magistério, publicando a tal respeito dois grandes volumes, que, apesar da parcialidade com que possam porventura estar escritos, são trabalhos de incontestável valor” (SILVA e MENESES, 1998, I, 232). Paralelamente à sua atividade como médico e diretor da Escola Médico-Cirúrgica do Funchal, promoveu ainda a fundação da Companhia Fabril de Açúcar Madeirense (CFAM), com sede junto à ribeira de São João, onde introduziu notáveis aperfeiçoamentos nos processos destinados ao fabrico da aguardente, essencialmente no sentido de um melhor aproveitamento da matéria-prima empregue. Registou de imediato patente da sua invenção, o que deu lugar a uma série de contestações e polémicas, voltando a, sobre esse assunto, publicar inúmeros folhetos. Na polémica viria a entrar outra das grandes figuras da Madeira do seu tempo, o depois comendador William Hinton (1817-1904), a qual polémica, embora não só, veio a inviabilizar alguns anos mais tarde a Companhia da ribeira de São João. A constituição e vida da CFAM, liderada pelo futuro visconde do Canavial, foi um bom exemplo do quadro geral em que se desenvolveu a atrasada revolução industrial na Madeira. Beneficiando do inegável espírito empreendedor do promotor, mas também da sua teimosia e, inclusivamente, de um experimentalismo algo deslumbrado, sempre à procura de uma nova tecnologia, e sem bases técnicas e científicas para tal, a vida da Companhia foi confrontada com a concorrência feroz dos comerciantes britânicos instalados na Madeira. A todo este quadro, juntaram-se as dificuldades de associação e de entendimento dos proprietários madeirenses, muito provavelmente ainda politicamente agudizadas pelos antigos morgados, entretanto radicados no espaço continental. Os estatutos da CFAM só foram aprovados em 1867, arrastando-se a constituição da Companhia por mais de 10 anos, o que implicou que a fábrica de São João só entrasse em funcionamento em 1871. O futuro visconde apetrechou-a com sofisticada aparelhagem, a que ainda associou outros aperfeiçoamentos da sua autoria, de que imediatamente registou a patente. No entanto, não só William e o filho Harry Hinton (1859-1948) vieram a contestar o registo dessa patente, como a sofisticada aparelhagem acabou por não se mostrar rentável. A 26 de agosto de 1878 foi solicitada a intervenção do Banco de Portugal por insolvência financeira da CFAM. A ideia voltou a aparecer em 1892, tomando como exemplo a Real Companhia Vinícola do Norte de Portugal, chegando-se mesmo a propor em reunião camarária, de 11 de outubro desse ano, um subsídio anual de 100 mil réis e que a nova associação fosse presidida pelo conde do Canavial. Mas tal como já se inviabilizara o anterior projeto da fábrica de São João, também a associação se extinguia em 1902. Em 7 de setembro de 1876, organizava-se a partir do Pacto da Granja, no continente, uma nova fusão, então entre elementos das antigas formações histórica e reformista, de que nasceu o Partido Progressista, de Anselmo José Braamcamp, que foi o primeiro partido no sentido moderno do termo com programa, apresentando um regulamento interno, com assembleia geral e centros locais. O líder na Madeira viria a ser o Dr. João da Câmara Leme Homem de Vasconcelos, depois visconde do Canavial, aderindo ao partido parte dos antigos membros do Partido Fusionista e do Regenerador. O Partido Fusionista teve como órgão o Correio do Funchal, substituído depois pelos periódicos A Fusão, A Voz do Povo e A Imprensa Livre. Em meados de 1879, com a queda do executivo, saía da Madeira o governador e conselheiro Afonso de Castro, logo assinando, a 21 de julho, a correspondência do governo civil, como membro do conselho do distrito, João da Câmara Leme, como visconde do Canavial, embora a 28 de agosto já não o faça, só voltando a assumir-se como visconde a partir de agosto do ano seguinte. Estranhamente, não se encontra qualquer documentação oficial da sua nomeação como visconde, mas apenas o dec. de 22 de abril de 1888, que o nomeia como conde, citando-se ainda a carta de 28 de março e o alvará de “mercê nova” de 15 de dezembro de 1888 (CLODE, 1983, 107), não havendo contudo confirmação alguma na chancelaria régia. A partir de então, desenvolveu o futuro visconde uma verdadeira campanha para vir a ocupar o lugar de governador civil do Funchal, assim como para passar a utilizar o título de visconde do Canavial. A luta política deve ter sido terrível, a avaliar logo pelos membros do conselho do distrito que assinam alternadamente a correspondência como governador substituto: o visconde do Canavial a 21 de julho e o morgado Nuno de Freitas Lomelino (1820-1880) a 30 do mesmo mês. Luta que deve ter tido eco também nos corredores do poder em Lisboa, até pela utilização então intensiva do telégrafo submarino, através da Madeira Station no Funchal da Brazilian Submarine Telegraph Company Limited. A nomeação de João da Câmara Leme Homem de Vasconcelos como governador substituto para o distrito do Funchal só viria a ser assinada a 30 de julho de 1879. O decreto terá chegado ao Funchal poucos dias depois e o futuro visconde, a 8 de agosto, logo emite proclamação impressa e inflamada ao sabor de alguns dos governadores anteriores, que eram, no entanto, efetivos, pois nenhum até então tinha feito especial alarido com o facto de ser “governador substituto” (ARM, Alfândega do Funchal, liv. 683). O novo governador substituto teria alguns curtos meses de estado de graça, pois em breve O Direito o acusava de se encontrar a receber três ordenados: o de governador substituto, o de professor da Escola Médico-Cirúrgica do Funchal e o de delegado de Saúde. A 15 de fevereiro, o governador distribuía um comunicado com um desmentido atestado pelo delegado do Tesouro em como, passando a receber o ordenado de governador substituto, suspendera os outros. O futuro visconde do Canavial não seria confirmado naquela altura, pois, caindo o gabinete progressista em Lisboa, o novo gabinete regenerador demitiu de imediato os governadores civis progressistas e, a 26 de abril de 1881, já assina a correspondência do Funchal o vogal do Concelho do Distrito servindo de Governador Civil, João Maria Curado de Vasconcelos (1825-1896). A breve trecho, um autêntico terramoto político varreria o país, com epicentro na Madeira: a eleição do Dr. Manuel de Arriaga, candidato pelo Partido Republicano às cortes, a 26 de novembro de 1882, em eleições suplementares, dado o falecimento do deputado madeirense Dr. Luís de Freitas Branco (1819-1881). Ainda antes do anúncio oficial do apoio dos regeneradores ao líder do Partido Progressista, já O Direito alardeava não poder haver qualquer compromisso com os progressistas, temente, talvez, de ver candidatar-se pela Madeira o visconde do Canavial, até há pouco governador civil substituto do Funchal. Numa intensa campanha ao longo do ano entre os partidos monárquicos, acabou por ser eleito na Madeira o candidato republicano. Nos inícios do ano 1886, o presidente do ministério Fontes Pereira de Melo propunha um adiamento das eleições, para poder organizar uma série de diferendos, o que se estava a tornar um crescente motivo de tensão entre governo e oposição. O rei D. Luís não acedeu à proposta do chefe do governo, pelo que Fontes se viu na contingência de ter de pedir a demissão do gabinete. Foi então chamado ao governo o Partido Progressista, liderado por José Luciano de Castro, mas o início do novo governo progressista foi ocupado com as complicadas negociações que levaram ao casamento do príncipe herdeiro D. Carlos, atrasando uma série de nomeações. Teria sido o caso da nomeação do governador civil do Funchal, para o então líder dos progressistas, visconde do Canavial, lugar que só foi preenchido por dec. de 1 de julho de 1886. Após as eleições de março de 1887, o governador civil, visconde do Canavial, iniciou a convocação das eleições das juntas de paróquia, que somente ocorreram no Funchal e em Machico. O visconde do Canavial insistiu nas convocatórias por três vezes, sem resultado, essencialmente pelos custos que mais uma estrutura política acarretava, mas também por causa da conotação com a divisão eclesiástica tradicional e da ideia rural de que a paróquia era dirigida pelo “senhor pároco” ou “senhor vigário” e não por um elemento eleito entre os “senhores morgados”. A pressão do visconde do Canavial conduziu a um levantamento geral na ilha, que, começando nos meios rurais, quase envolveu o Funchal: a Parreca. Perante a contestação geral, mas só depois de muito pressionado, o visconde do Canavial veio a apresentar demissão a 26 de março de 1888, tendo sido entregue o governo ao visconde da Calçada, Diogo de Ornelas de França Carvalhal Frazão e Figueiroa (1812-1902). Apesar das dificuldades do seu governo e dos resultados da comissão de inquérito à Parreca, seria elevado a conde do Canavial no final desse ano de 1888, embora se desconheça a documentação oficial, como mencionámos acima. O conde do Canavial viria a falecer na sua residência, à rua da Carreira, a 13 de fevereiro de 1902. Quase 20 anos depois, surgiu a ideia de se levantar um monumento à sua memória, iniciativa de Abel Capitolino Batista; o trabalho foi entregue ao jovem escultor macaense Raul Xavier (1894-1964) e erguido sobre plinto de mármore branco, projeto do arquiteto Fernando Pires. A primeira pedra foi lançada a 1 de dezembro de 1921 e o monumento inaugurado a 2 de março de 1922, no passeio público, frente à sé do Funchal, tendo usado da palavra Horácio Bento de Gouveia (1901-1983), em nome dos alunos do liceu (Diário de Notícias, 22 fev. 1922). A inauguração do monumento naquela altura e naquele local levantou enorme celeuma, dado o seu enquadramento monárquico, vindo a ser transferido para o Campo da Barca, a 6 de dezembro de 1932.     Rui Carita (atualizado a 31.12.2016)

Ciências da Saúde História Económica e Social História Política e Institucional Personalidades

energia elétrica

Antes de se poder usar eletricidade para a iluminação, o azeite era o combustível mais utilizado para esse fim. Até ao final do séc. XIX, os madeirenses utilizaram velas ou candeeiros alimentados a azeite (e posteriormente a petróleo) para a iluminação. À noite, as ruas e os espaços públicos mergulhavam numa completa escuridão. “De longe em longe, um traço de luz coado pelas vidraças das habitações ou uma lanterna guiando algum transeunte noctívago, vinham quebrar momentaneamente as trevas em que a cidade [do Funchal] se achava sepultada” (SILVA e MENESES, 1998, II, 268). A iluminação pública do Funchal surgiu em 1846, numa iniciativa do governador civil José Silvestre Ribeiro, que mandou colocar alguns candeeiros a azeite em pontos centrais da cidade, como forma de melhorar a segurança da população madeirense. A esta iniciativa juntaram-se outras de carácter privado, de pessoas abastadas e de alguns britânicos estabelecidos no Funchal, que contribuíram para a iluminação das ruas com candeeiros instalados nas suas próprias habitações. Os candeeiros teriam dois ou três bicos e tinham como combustível o azeite, o óleo de peixe ou de purgueira. Em 1849, chegaram a existir cerca de 70 candeeiros para a iluminação da cidade do Funchal. Mais tarde, em 1870, a Câmara do Funchal assumiu os encargos com a iluminação e instalou candeeiros em mais alguns pontos da cidade. “Da extremidade de umas hastes de ferro horizontais, de pouco mais de um metro de comprimento, pendiam os candeeiros, sendo os mais antigos amarrados a uma corrente, que, ao longo da haste e da parede, se vinha prender numa fechadura que era aberta para fazer subir ou descer o depósito do combustível e assim proceder-se à sua limpeza e também acender-se ou apagar-se o candeeiro. Depois passaram a estar fixos na extremidade de varas de ferro, sendo preciso o auxílio de escadas para todo o serviço de iluminação” (SILVA e MENESES, 1998, II, 138). Por esta altura, o petróleo começou a ser utilizado como alternativa ao azeite, por gerar uma chama mais intensa. Acompanhando o desejo de progresso que se verificava noutras cidades europeias, houve algumas tentativas, aliás sem sucesso, de mobilização para a implementação da iluminação pública do Funchal a gás. No entanto, o passo decisivo, em termos de progresso, deu-se com a instalação da luz elétrica. A 22 de maio de 1895, a Câmara fez uma concessão ao engenheiro portuense Eduardo Augusto Kopke para a iluminação pública do Funchal. Passado um ano, este engenheiro transferiu o seu contrato para a empresa inglesa The Madeira Electric Lighting Company Limited, conhecida na Madeira como Companhia da Luz Elétrica. Esta empresa implementou a primeira rede de iluminação elétrica e procedeu à instalação da Central Térmica do Funchal, para a produção de energia elétrica. Em 1897 inaugurava-se a luz elétrica no Funchal. A primeira central tinha apenas um grupo gerador a vapor, com potência de 35 cv. No período de 20 anos que se seguiu à inauguração da Central Térmica do Funchal, o uso da energia elétrica foi-se tornando essencial no quotidiano dos madeirenses. O objetivo do contrato de concessão com a empresa inglesa foi totalmente cumprido. Existiam “em toda a cidade e subúrbios 14 arcos voltaicos e 1400 lâmpadas, estendendo-se a mesma iluminação até o Lazareto, quinta Reid, no Caminho do Meio, Conceição, em S. Roque, Quinta do Leme, em Santo António, Nazaré, em São Martinho, e Confeiteira, no Monte” (SILVA e MENESES, 1998, II,269). Para dar resposta às exigências do crescente consumo de eletricidade, a empresa inglesa ampliou, por diversas vezes, a pequena central elétrica do Funchal, já conhecida como Casa da Luz. Em 1925, foi alargado o prazo do contrato de concessão à Madeira Electric Light Company, de 45 para 50 anos. A empresa construiu uma nova central, num espaço contíguo ao anterior, onde foram instalados, ao longo de 11 anos, 6 grupos eletrogéneos. A potência total nominal era, então, de 1890 kW. Mas a Segunda Guerra Mundial trouxe muitas dificuldades à empresa inglesa no que diz respeito ao abastecimento de combustível. Um pouco por toda a Ilha, nasciam iniciativas privadas para a produção hidroelétrica, com vista a responder às necessidades de energia elétrica em locais mais remotos. Entretanto, o Governo português enviou à Madeira uma missão técnica, liderada pelo Eng.º Rafael Amaro da Costa, para estudar o aproveitamento das águas da Ilha para rega e energia elétrica. Foi aprovado em 1943 o plano dos novos aproveitamentos hidráulicos da Madeira e constituída a Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos da Madeira (CAAHM), que se instalou no Funchal em 1944 e deu imediatamente início à execução do novo plano. Findo o prazo do contrato de concessão à empresa inglesa, e apesar do seu manifestado interesse em não a renovar, aquele foi novamente alargado por mais cinco anos. Em abril de 1949, o município do Funchal assumiu a substituição das funções da Madeira Electric Lighting Company pelos Serviços Municipalizados de Eletricidade. A produção e o fornecimento de energia elétrica do arquipélago, essenciais para o seu desenvolvimento, são assim transferidos para o sector público. Nos anos 50, foram atribuídas à CAAHM as funções de produção, transporte e distribuição de energia elétrica em toda a Ilha. Em 1953, começaram a funcionar as centrais hidroelétricas da Serra de Água e da Calheta, que garantiram energia elétrica a zonas rurais. A Ribeira Brava foi a primeira vila a receber energia elétrica. A aprovação do plano de eletrificação rural, que se veio a estender à ilha do Porto Santo, alargou a rede elétrica a todo o arquipélago. No Funchal, foi construída a sede da CAAHM, na Av. do Mar, e reequipou-se a sua central térmica com novo grupo eletrogéneo de 1000 kW. Edificou-se a Central Térmica do Porto Santo, que foi inaugurada a 9 de agosto de 1954. O consumo crescente de energia elétrica esteve na origem da construção de uma nova sala de máquinas, que ficava localizada a leste da anterior, onde foram colocados três grupos, um de 5145 e dois de 4320 kW. Na déc. de 70, conquistada a autonomia para a Madeira, o Governo regional transformou a CAAHM, então responsável pela produção, transporte e distribuição de eletricidade, numa empresa pública, a Empresa de Electricidade da Madeira (EEM). A EEM lançou-se a grandes obras com vista à eletrificação de toda a ilha da Madeira: foi construída a Central da Vitória, em 1980; a rede de baixa tensão estendeu-se por 456 km; e foram instalados 786 postos de transformação e 8498 focos de iluminação pública. Foram também criados mais três grupos de 5145 e 4329 kW para dar resposta à maior necessidade de consumo derivada do acelerado ritmo de desenvolvimento socioeconómico da Região. A produção de energia hidroelétrica, a partir de 1951, e a produção de outras energias renováveis, em finais do séc. XX, fizeram do arquipélago da Madeira um exemplo de inovação na diversificação de fontes de energia e de sustentabilidade energética. Nos anos 90, a EEM passou a sociedade anónima de capitais exclusivamente púbicos (dec. leg. regional n.º 14/94/M, de 3 de junho).   Casa da Luz O edifício sede da EEM, situado na Av. do Mar, foi sempre conhecido pelos madeirenses como Casa da Luz. Este edifício foi construído em 1956, tendo sido projetado pelo Arqt. Chorão Ramalho. Nele funcionam os serviços administrativos e técnicos da EEM e a subestação do Funchal. É frequente ouvir a população falar da necessidade de ir à Casa da Luz para tratar de demandas administrativas relacionadas com a conta da eletricidade. Neste edifício estava situada a Central Térmica do Funchal, que foi desativada em 1989, após um século de funcionamento. Para não deixar cair no esquecimento o esforço de muitos madeirenses que, desde o fim do séc. XIX, se empenharam nos primeiros passos da eletrificação da ilha da Madeira, foi inaugurado o Museu Casa da Luz, a 24 de novembro de 1997, por altura das celebrações do centenário da introdução da eletricidade na Ilha. Este Museu, situado no antigo espaço da Central Térmica do Funchal, ocupa cerca de 2000 m2 de exposição e concentra uma valiosa coleção de materiais e equipamentos, que contam a história da eletricidade na Madeira.     Ana Londral Cátia Teles (atualizado a 23.03.2017)

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