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prego, joão da mota

João da Mota Prego nasceu em Guimarães, em 1859. Foi engenheiro agrónomo e residiu temporariamente no Funchal. Escreveu um importante artigo sobre a agricultura, a indústria e o comércio na Madeira e no Porto Santo, o qual foi publicado no volume Notas sobre Portugal, apresentado na exposição nacional do Rio de Janeiro em 1908. Segundo o Elucidário Madeirense, os estudos e as experiências deste engenheiro agrónomo, aquando da sua estadia na Madeira, contribuíram para o aperfeiçoamento do fabrico do queijo. Além de diversas publicações relacionadas com o seu trabalho de engenheiro agrónomo, João da Mota Prego foi também autor de romances, sendo, enquanto tal, estimado pelos escritores vimaranenses. Morreu em 1931.   Ana Londral (atualizado a 03.02.2017)

Biologia Terrestre Física, Química e Engenharia

frança

À partida, a França não está nos horizontes da Ilha, não fora o seu empenho no comércio do açúcar e no processo de partilha do mundo com a expansão europeia, através de ações de pirataria e corso. Assim, nos primórdios da sociedade madeirense, foi evidente a presença dos mercadores franceses, que assumiram um papel destacado na partilha do comércio e dos lucros do açúcar produzido na Madeira. Essa possibilidade foi favorecida pelo facto de a Coroa portuguesa facilitar a atividade e circulação dos Franceses, bem como dos Italianos, flamengos e bretões. Tudo isto aconteceu porque o Funchal se transformou rapidamente num centro de negócios que os atraía. Em 1530, Giulio Landi refere que é o vinho e açúcar que traz à Ilha os “mercadores de países muito distantes: de Itália, França, Flandres, Inglaterra e da Península Ibérica” (ARAGÃO, 1981, 83). Atente-se que, a partir do séc. XVII, mais precisamente em 1626, mesmo ainda antes dos Ingleses, a França passou a poder ter representação consular na Ilha. O primeiro interesse dos Franceses é o comércio do açúcar da Madeira que, de acordo com os valores determinados para a produção deste produto em 1496, correspondia, no máximo, a 9000 arrobas, i.e., 13 % do valor total das exportações estipuladas pela Coroa portuguesa. No decurso da centúria, os mercadores franceses são referenciados no negócio do açúcar em 1503, 1526 e 1534. Depois, nos sécs. XVII e XVIII, estão interessados no comércio de conservas de casca e de cidra para Rochela e S. Malo. Este interesse pelo açúcar madeirense perdura no tempo, de modo que Francisco Pyrard de Laval afirmava, em princípios do séc. XVII, que “não se fala em França senão no açúcar da Madeira e da ilha de S. Tomé, mas este é uma bagatela em comparação do Brasil, porque na ilha da Madeira não há mais de sete ou oito engenhos a fazer açúcar e quatro ou cinco na de S. Tomé” (PYRARD, 1944, I, 228). O retorno de mercadorias vindas de França, embora ocasional, acontece e incide naquilo de que a Ilha mais precisa a partir do séc. XVI, os cereais. Há referências à importação de trigo deste país em 1610, 1617 e 1647, para acudir aos momentos de dificuldade, referindo-se para o último ano a quantia de 300 moios de trigo. Em 1669, testemunha-se a importância destas transações comerciais de Franceses, na Ilha. Quem o diz é o cônsul francês: “As nações que frequentam esta Ilha são os Franceses que trazem algumas vezes trigo, panos de toda a sorte, tecidos e sarjas de St. Messant, lã para colchões, cobertas, papel, ferro, azeite, breu, tafetás e outros estofos de seda. Para as conservas só pequenas embarcações de 30 a 40 tonéis e que não levam mais que seis a oito homens as quais correm grandes riscos por causa dos pequenos corsários de Salé. […] Para os navios da companhia e outros particulares que vêm carregar vinhos para as ilhas da América não correm nenhum risco porque são grandes barcos e fortes” (SILBERT, 1997, 113). Em 1689, porém, a situação mudara, pois “o comércio que os súbditos de Sua Majestade aqui fazem de ordinário são os açúcares para o Levante e cascas de limão. Mas como estas duas espécies de mercadorias dão prejuízo em França rejeitam este negócio e sempre vai de mal a pior. Antigamente carregavam-se vinhos para a América de que se tirava algum pouco proveito mas como foi proibida a exportação, o negócio acabou” (Id., Ibid., 114). Em 1716 a situação ainda não era favorável pois: “O comércio que os senhores franceses fazem nesta ilha é de pouca importância por causa de não terem aqui bons produtos para poderem dar em troca de suas fancarias e outras mercadorias que poderiam trazer de França, vendo que nesta ilha não há nenhum género que lhes possa interessar senão as cascas de limões e isto não vai todos os anos quando muito 400 caixas das ditas cascas, e este ano até ao presente nenhum navio francês carregou alguma para França”. De forma que, em 1717, “por ordem de Sua Majestade não é também permitido aos franceses como outrora transportar vinho deste país para as ilhas da América. Se isto é o comércio da França não se poderá restabelecer nesta Ilha, também não encontro no Funchal senão dois franceses casados que constituem toda a nação, dos quais um que era marinheiro começou a negociar e o outro que era criado de um português faz também algum pequeno comércio” (Id., Ibid.). Excecionalmente, a Madeira ainda recebeu pipas de vinho e de cerveja de França para abastecimento da comunidade britânica, tendo-se autorizado, em 1763, a importação de duas pipas de vinho e de igual quantia de cerveja. Note-se que, no decurso do séc. XVIII, foi constante a presença de navios franceses no porto do Funchal, de forma que, entre 1727 e 1802, passaram por este porto 226 embarcações, número que deverá no entanto considerar-se algo diminuto em relação aos 15.798 navios ingleses. Tudo isto porque está definitivamente assente a hegemonia britânica e a fama, a partir de 1735, dos Franceses como burlões. A opinião negativa alarga-se ao trigo francês, considerado o pior da Europa; não obstante, quer as embarcações, quer o trigo, reaparecerem em 1765. É um regresso muito saudado, que se afirma em 1777, mas que a Guerra da Independência dos Estados Unidos da América vai travar, pois, como refere Albert Silbert, “as guerras da Revolução e do Império levam os ingleses a dominar definitivamente” (Id., Ibid., 120). As relações comerciais com a França mantiveram-se nos sécs. XIX e XX, embora não com o mesmo fulgor e a importância de épocas anteriores. Para o séc. XX, destaca-se a importância do vinho, que ganhou grande peso na culinária, a exportação de bordados e o turismo de pessoas oriundas desse país. O contributo francês era variado e, segundo informação de 1961, tanto podia ser de bacalhau, como do trigo, óleos alimentares, tecidos, seda, fio de algodão, ferro e aço. Ao comércio, contudo, alia-se a cobiça pelo domínio e a partilha dos espaços e das rotas comerciais, que se expressa pela pirataria e o corso. D. João III, em carta de 2 de maio de 1534 dirigida a Rui Fernandes, referia que “os mares que todos devem e podem navegar são aqueles que sempre foram sabidos de todos, mas os outros que nunca foram sabidos, nem parecia que se podiam navegar e foram descobertos com tão grande trabalho por mim, esses não” (ALBUQUERQUE, 1938, 167). A resposta foi dada no desagravo de Francisco I ao Cardeal de Toledo: “O sol quando brilha é para todos; gostaria muito de ver a cláusula do testamento de Adão que me exclui da partilha do mundo” (WILLIAMS, 2012, 30), justificando assim as ações de corso, que se sucedem. No séc. XVI, a primeira ação conhecida relacionada com França é a de um corsário biscainho, em 1518, e alguns reflexos da pirataria e corso exercidos no estreito de Gibraltar e na costa portuguesa, que, por vezes, atingia embarcações saídas ou destinadas à Madeira. Estes piratas e corsários e geram uma situação de instabilidade para o comércio madeirense. Veja-se o célebre assalto francês de outubro de 1566: Bertrand de Montluc, ao comando de uma armada composta de três embarcações, perpetrava um dos mais terríveis assaltos à vila Baleira e à cidade do Funchal. Durante 15 dias, o Funchal ficou a mando deste pirata, que roubou os produtos agrícolas (vinho e açúcar), profanou igrejas (a Sé do Funchal) e roubou alfaias, e fez muitos escravos. Parte da presa foi leiloada no momento da partida entre os residentes, e outra parte vendida na ilha de La Palma, onde os navios fizeram escala depois da saída do Funchal. Com o dealbar dos conflitos que sucederam às revoluções americana e francesa, surgem novas ações de corso na Madeira, que marcam, de forma clara, os períodos entre 1793-1801 e 1804-1811. O final do séc. XVIII é particularmente importante, uma vez que foi o período em que a guerra naval britânico-francesa assumiu maior dimensão, com reflexos evidentes na estabilidade da economia marítima da Ilha. A França, molestada nos seus intentos de ocupação do continente americano, foi a primeira nação a reconhecer o novo país, assinando com ele, em 1778, um tratado de comércio; na sequência da Revolução Francesa (1789), os EUA seriam o preferencial aliado dos Franceses. O novo estado de coisas não foi favorável à Madeira, sendo natural a apreensão do governador da Ilha, em 1793, quanto a um possível ataque dos Franceses, a exemplo do que sucedera em Nápoles. O cônsul americano no Funchal, João M. Pintard, não nega o seu apoio à República Francesa pelo que a apreensão nas autoridades locais era evidente. O papel dos cônsules era fundamental, pois, por seu intermédio, divulgavam-se as informações e solucionavam-se problemas e conflitos; podiam mesmo assumir o papel de agitadores políticos, como sucedeu com os cônsules americano e francês. O francês, Nicolau de La Tuellierie, é considerado pelas autoridades madeirenses um agitador. Aliara-se ao comerciante José Pedro Monteiro, sendo casado com uma filha sua, Ana Carlota; é o sogro que ocupa o cargo consular na sequência da sua morte. A Revolução Francesa repercutiu-se de diversas maneiras na Ilha e criou as condições para uma afirmação hegemónica dos Ingleses. Estes, com medo de perderem a sua posição privilegiada, acabaram por ocupar a Madeira, por dois momentos, em princípios do séc. XIX, o que contribuiu para um reforço da posição e dos interesses ingleses na Ilha. Os problemas da segurança nos mares continuaram e o corso ganhou nova dimensão na conjuntura internacional, assumindo a Madeira um papel de centro dessa ação no mundo atlântico, o que implicava efeitos claros na sua vida. Assim, os mares do Funchal eram constantemente invadidos por corsários franceses e castelhanos que andavam em busca da sua principal presa, os navios ingleses. Em 1803, em face da tomada da galera espanhola por um comissário inglês, no porto de Ponta Delgada, nasce uma viva polémica, em razão de o ato se ter praticado em águas territoriais portuguesas. Uma das justificações avançadas no momento, e que legitimava aquela atitude, era a apresentação das ordens que o comissário inglês possuía para tomar navios franceses e holandeses. O caso repetiu-se, no mesmo ano, com o corsário Gordon, que tomou a galera espanhola N.ª Srª das Mercês dentro do porto. O governador da Ilha, em carta ao corsário, solicita a apresentação de uma prova do estado de guerra e da ordem de corso, pois, caso contrário, seria considerado pirata. O corso acontecia de forma permanente e estava sempre justificado. Bastava o navio pertencer a uma nacionalidade neutral em face dos conflitos para se justificar uma ação de corso. Outras vezes, era o facto de o navio transportar mercadorias de uma nação inimiga. A atuação, em face destas situações, bem como a organização e o apoio ao corso estavam regulamentados pelas respetivas ordenanças, das quais temos notícia, em França, para 1584, 1778, 1881; na Holanda, em 1597, 1622, 1705; em Inglaterra, apenas em 1707; na Dinamarca, em 1720; e em Espanha, nos anos de 1718, 1762, 1779, 1802. A questão da legitimidade jurídica destas ações de corso prende-se com várias noções difusas de direito internacional que marcaram os primórdios da expansão europeia. Parece nunca ter havido a possibilidade de entendimento, não obstante a criação de tribunais arbitrais para o efeito. As duas décadas finais do séc. XVI são marcadas por inúmeros esforços da diplomacia europeia, no sentido de conseguir a solução para as presas do corso. Para isso, Portugal e França haviam acordado, em 1548, a criação de dois tribunais de ar­bi­tragem, cuja função era anular as autorizações de represália e cartas de corso. Mas a sua existência não teve reflexos evidentes na ação dos corsários. Há ainda uma permuta pacífica de pessoas e conhecimentos, que estreitam as ligações da Ilha com França e que vão ao encontro de interesses comuns. Partilham-se produtos, mas também conhecimentos e técnicas. Na segunda metade do séc. XVIII, reforçam-se os contactos comerciais entre a Ilha e França, por força da grande demanda que tinham as aguardentes de França, para fortificar os vinhos da Ilha para exportação. Em 1704, W. Bolton refere que se fazia a adição de aguardente de França aos vinhos de exportação, tendo recebido, desde Londres, 10 pipas. A maior parte deste comércio não se fazia de forma direta, mas através dos Ingleses, que o controlavam. As relações e as influências culturais francesas reforçaram-se também através de muitos jovens que faziam os seus estudos universitários em França. Entre estes destacou-se o médico João da Câmara Leme, que manifestou especial atenção aos assuntos enológicos, tendo oportunidade de conhecer, em França, os sistemas de aquecimento usados desde o primeiro quartel do séc. XIX, nomeadamente os realizados em vaso fechado de Appert, Ervais, Verguette, Cemotte e Pasteur. No regresso à Madeira, ao ser confrontado com o processo de estufagem em uso, notou que o sistema de aquecimento lento com comunicação com o ar ambiente dava ao vinho um sabor a queimado muito desagradável, ao mesmo tempo que lhe retirava as propriedades essenciais; daí as tentativas de adaptação dos sistemas franceses, que o levaram à criação de um novo sistema de estufagem dos vinhos. As relações vitivinícolas com a França persistem no tempo e anunciam tanto inovações como problemas para a Ilha. Em fevereiro de 1851, ocorreu a doença da vinha, conhecida como o oídio, que deverá ter chegado à Ilha em castas trazidas de França. O oídio, também vulgarmente conhecido como “mangra da vinha”, surgiu em Inglaterra em 1845, alastrando depois a França e a outras regiões vinícolas da Europa. As soluções para esta doença tardaram e, por isso mesmo, os efeitos fizeram-se sentir, de forma prolongada, na produção. João da Câmara Leme, à altura em Paris, de imediato enviou à Ilha os esclarecimentos necessários sobre a doença e o modo de a atacar. Em de 30 de novembro de 1852 apresentou os meios usados em França para combater a mangra por meio de pó de enxofre. Ainda em França, o barão de Ornelas deu conta de um novo processo de tratamento com sulphur, que só começou a ser utilizado a partir de 1861. O desenvolvimento da indústria de construção de equipamentos para o fabrico de açúcar, seja de cana ou de beterraba, aconteceu em países onde a produção de açúcar assumia um lugar significativo na economia. Deste modo, a França e a Inglaterra assumiram a posição pioneira no desenvolvimento da tecnologia açucareira. À sua posição, no início da indústria do açúcar de beterraba, junta-se a colonial: os Franceses detinham importantes colónias açucareiras nas Antilhas. No âmbito tecnológico, não devemos descurar o papel do engenho do Hinton no quadro da tecnologia açucareira de princípios do séc. XX. Há uma evidente relação entre o que acontece em França e a evolução da tecnologia de produção de açúcar, acompanhada de perto por João Higino Ferraz. Por seu lado, da parte dos Franceses, havia interesse em conhecer o caso particular da Madeira, que poderia ser um meio para a penetração da tecnologia francesa usada para o fabrico do açúcar de beterraba no processo de laboração do açúcar a partir da cana doce. João Higino Ferraz, encarregado do engenho do Hinton, afirma-se como um perfeito conhecedor da realidade científica do entorno do engenho, opinando tanto sobre agronomia como sobre mecânica e química e mantendo-se sempre atualizado sobre as inovações e experiências na Europa, nomeadamente em França. Da sua lista de contactos e conhecimentos fazem parte personalidades destacadas do mundo da química e da mecânica, com estudos publicados. Assim, para além dos contactos assíduos com Naudet, refere-nos frequentemente os estudos de Maxime Buisson, E. Barbet, Saillard, F. Dobler, D. Sidersky, Luiz de Castilho, H. Bochet, Effort e Gualet. No sentido de dar continuidade ao processo de modernização da fábrica do Torreão, esteve de visita aos complexos industriais franceses que laboravam a beterraba para o fabrico de açúcar. A visita foi proveitosa, refletindo-se nas modernizações do sistema do engenho do Hinton. Certamente esta experiência terá sido importante para a visita que fez, em 1930, a Ponta Delgada (São Miguel), para dar alguns ensinamentos sobre o processo de fabrico de açúcar, nomeadamente a fermentação do melaço. Por outro lado, o engenho do Hinton acolhia especialistas de todo o mundo, na condição de visitantes ou como contratados para a execução dos trabalhos especializados. Para o fabrico de açúcar contrataram-se em França afamados cuisieurs, por forma a manter as orientações de Naudet. A partir de 1905, J. H. Ferraz, a exemplo do que sucedera com o fabrico do açúcar, manteve-se permanentemente atualizado sobre a tecnologia francesa de fabrico de todo o tipo de bebidas fermentadas e destiladas, adaptando a tecnologia às condições do empreendimento que havia montado, à sua curiosidade e às suas experiência. São frequentes as referências a equipamentos franceses, bem como a inúmera literatura sobre o tema de que Ferraz era possuidor. Na déc. de 20, construiu uma loja de vinho onde foi possível montar um aparelho de evaporação Barbet e um moderno sistema de refrigeração. Ao nível da destilaria, devemos assinalar a sua presença em Almeirim, em 1916, para montar um aparelho francês. As experiências levaram-no a produzir cidra; cerveja; malte; vinho branco; xarope de uva; vinho de mesa e espumoso, que dizia de “fantasia” para não se confundir com o francês; vinagre; cidra; licores finos; anis escarchado; genebra, que vendia localmente e exportava para alguns mercados como a Alemanha. Tentou, ainda, imitar os vinhos franceses sauterne e o champanhe. Quanto à presença francesa na Ilha, note-se que, aos que foram diretamente de França, se devem acrescentar outros, chegados por via indireta, como a família Betencourt, originária da Normandia e chegada à Madeira por via das Canárias, com Jean de Betencourt (1362-1425). Estes Betencourt estabeleceram ligações com a família dos capitães do Funchal, através de Maria de Betencourt, que se casou com Rui Gonçalves da Câmara, proprietário da Lombada na Ponta de Sol, que trocou pela capitania da ilha de São Miguel, nos Açores. Acerca da presença de madeirenses nas universidades de França, destacam-se Gregório Joaquim Dinis (1863-1931), de São Vicente, que cursou Medicina em Paris, e João da Câmara Leme (1829-1902), que estudou em Montpellier. Não há muitos registos sobre a emigração de madeirenses para França, nem dados que permitam avaliar a importância da comunidade francesa, ao longo dos tempos, no Funchal. Para o período de 1872 a 1915, o livro de registo de passaportes assinala que saíram da Ilha para França 37 madeirenses, maioritariamente no séc. XIX. Estes eram oriundos maioritariamente de freguesias do Funchal, mas também do Estreito de Câmara de Lobos, de Câmara de Lobos, do Porto da Cruz e de São Vicente. No séc. XIX, aparecem na Ilha muitos Franceses, alguns acompanhados de criados e governantas, o que denota que viajariam em turismo. Outros, ainda, servem-se do Funchal para rumar a outros destinos, como Inglaterra, África e as Canárias. Embora haja referências sobre a emigração para França na déc. de 60 do séc. XX, nunca os madeirenses tiveram este país como um destino de relevo, pois tinham o caminho mais facilitado para outros destinos. Desta forma, podemos afirmar que as relações entre o arquipélago e França pautaram diversos momentos da história da Ilha e daquele país, sendo evidentes intercâmbios de diversa índole, que favoreceram a Madeira.     Alberto Vieira (atualizado 31.01.2017)

Madeira Global

azevedo, jaime boaventura de

Jaime Boaventura de Azevedo (1887-1944) nasceu no Funchal mas muito novo viajou para Lisboa, onde fixou residência. Licenciou-se em 1916 em Agronomia, foi responsável pela reconstrução do Horto de Química Agrícola, e integrou o Instituto Superior de Agronomia, onde foi docente das disciplinas de Química Geral e Análise e de Química Agrícola, esta última, a partir de 1929. Ao longo da sua carreira, desenvolveu investigação na área da análise química agrária, que era indispensável para o cálculo da adubação. Não desenvolveu de forma direta a divulgação dos adubos em Portugal mas contribuiu para o estudo científico destas substâncias. A sua investigação surgiu no momento do início do fabrico de superfosfatos em Portugal e do começo da comercialização de diversos adubos minerais elementares, que estavam a ser importados. Boaventura de Azevedo criou o Curso de Aperfeiçoamento de Química destinado a engenheiros agrónomos que exerciam a sua atividade no campo químico da investigação agronómica, cujo principal objetivo seria o de intensificar os conhecimentos de análise química. Os seus estudos permaneceram no mundo académico através das suas publicações: em 1933 publicou Apontamentos da Cadeira de Química Agrícola, o primeiro conjunto de textos de apoio aos seus alunos, onde contempla vários tópicos, desde a matéria orgânica do solo à fertilização e adubos químicos; em 1939, foi divulgada a obra Nitreiras sem Moscas. Outros ensaios estavam a ser preparados; contudo, o falecimento de Boaventura em 1944, aos 56 anos, impossibilitou a sua publicação. Jaime Boaventura de Azevedo teve ao longo da sua vida de docente e engenheiro agrónomo o objetivo de educar as novas gerações para o desenvolvimento agrário, principalmente na região portuguesa. Obras de Jaime Boaventura de Azevedo: Apontamentos da Cadeira de Química Agrícola (1936); Nitreiras sem Moscas (1939).   Joana Pinto Salvador Costa (atualizado a 23.01.2017)

Biologia Terrestre Física, Química e Engenharia

áustria

A partir do séc. XV, foram vários os contratos de casamento que se celebraram entre as casas reais de Portugal e da Áustria, o que fez com que se estabelecessem laços entre os dois países. A título de exemplo, D. Leonor, filha do Rei D. Duarte, da Casa de Avis, casou-se com o Imperador Frederico I da Casa Real da Áustria, i.e., da linhagem dos Habsburgos; D. Isabel, filha de D. Manuel I, casou-se com Carlos V, Imperador do Sacro Império Romano-Germânico e Rei das Espanhas. A dinastia dos Habsburgos estendeu-se ao longo de séculos e trouxe para Portugal várias rainhas: D. Leonor da Áustria, esposa em segundas núpcias de D. Manuel I; D. Catarina da Áustria, esposa de D. João III; D. Margarida da Áustria, esposa de Filipe II; D. Maria Ana da Áustria, esposa de D. João V; e D. Leopoldina da Áustria, esposa de D. Pedro IV. Por outro lado, também Portugal esteve de certa maneira sob a alçada do poder desta família durante a dinastia filipina, uma vez que Filipe I de Portugal era um Habsburgo, filho de D. Isabel de Portugal e de Carlos V. Foi igualmente através dos Habsburgos que a relação da Áustria com a ilha da Madeira se estreitou. No séc. XIX, a Madeira tornou-se num local de eleição para a nobreza europeia, tanto para fins turísticos como terapêuticos, mas também a escala ideal para quem fosse cruzar o Atlântico. D. Leopoldina, filha do Imperador Francisco I da Áustria, fez escala na Madeira entre 11 e 13 de setembro de 1817, a caminho do Rio de Janeiro, onde iria contrair matrimónio com o então infante D. Pedro (futuro D. Pedro IV de Portugal e Imperador D. Pedro I do Brasil). A futura imperatriz do Brasil ficou hospedada no Palácio de S. Lourenço, e ao longo destes dias esteve presente em várias festas e receções que lhe foram dedicadas por ilustres locais. Maximiliano de Habsburgo-Lorena, irmão do Imperador Francisco José da Áustria, terá estado para se casar com D. Maria Amélia de Bragança (filha de D. Pedro I e de sua segunda esposa, D. Maria Amélia). Todavia, ela faleceu na ilha da Madeira antes de o matrimónio se ter realizado. Maximiliano acabou por se casar com Maria Carlota da Bélgica e foi com ela para a Madeira a 6 de dezembro de 1859. O príncipe seguiu viagem para a América do Sul, enquanto a princesa ficou no Funchal até ao seu regresso, a 5 de março de 1860, partindo ambos para a Áustria uma semana depois. Uns anos mais tarde, após a sua aclamação como Imperador do México, Maximiliano voltou a passar pela Madeira, a 28 de abril de 1864, na fragata Navara, fazendo escala na viagem para a sua nova terra. Isabel da Áustria, cunhada do Imperador do México, por ser esposa do Imperador Francisco José, popularmente chamada Sissi, esteve por duas vezes na ilha da Madeira. Sissi chegou ao Funchal no iate real britânico Victoria and Albert, a 29 de novembro de 1860, para passar uma temporada, por um lado, para se restabelecer da depressão e anorexia causadas pela morte de sua filha Sophie, de dois anos, e, por outro, para recuperar forças e ânimo para a exigente vida palaciana em Viena, para onde regressou a 28 de abril de 1861. Durante estes cinco meses, residiu na Quinta Vigia, a então Quinta das Angústias, onde depois foi instalado o Hotel Casino Park, perto do qual se poderá encontrar uma estátua em tamanho real da Imperatriz. A segunda visita de Sissi à ilha da Madeira deu-se quase duas décadas depois. Desta feita, chegou no iate imperial austríaco Greif, a 23 de dezembro de 1893, ficando a residir inicialmente na Villa Cliff, casa pertencente ao então novo Reid’s Palace, e posteriormente no próprio hotel, até 4 de fevereiro de 1894. Não obstante o mediatismo de Sissi, um dos laços indeléveis entre a ilha da Madeira e a história da Áustria prende-se com o destino de seu sobrinho-neto, Carlos I, conhecido por “o último Imperador”. Carlos I subiu ao trono do Império Austríaco e do Reino da Hungria por morte de seu tio-avô, o Imperador Francisco José, em 1916, em plena Primeira Guerra Mundial, mas o seu reinado foi bastante curto. Em 1918, o fim da Guerra e a associação da Áustria com as forças derrotadas resultaram na dissolução do Império Austro-Húngaro e na implantação da república na Áustria, no ano seguinte. Neste enquadramento político, Carlos I e respetiva família imperial refugiaram-se na Suíça, enquanto se decidia entre os Aliados onde seria o seu exílio. Tanto Carlos I como a esposa, Zita de Bourbon-Parma, eram descendentes da portuguesa Casa de Bragança, ele neto de D. Maria Teresa de Portugal, casada com o Arquiduque Carlos Luís, e ela filha da infanta Maria Antónia de Bragança e do Duque Roberto I de Parma. Portugal, mais concretamente a ilha da Madeira, foi o destino escolhido para o “último imperador”, devido à sua geografia periférica. Com efeito, o casal imperial partiu para o exílio no navio da marinha britânica Cardiff, chegando ao porto do Funchal a 19 de novembro de 1921. Apenas uns meses depois, Zita conseguiu ir buscar os filhos, que ainda estavam na Suíça, partindo a 4 de janeiro e regressando a 2 de fevereiro de 1922. A família imperial residiu inicialmente no Funchal, na Villa Victória, propriedade do Hotel Reid’s Palace. Todavia, uma vez que os bens dos Habsburgos tinham sido congelados, a situação financeira da família era bastante delicada, o que os obrigou a mudarem-se para um domicílio mais modesto. Foram então para a Quinta do Monte, uma casa cedida pela família Rocha Machado. Apesar das circunstâncias, “o último imperador” era estimado pelas gentes da Ilha. Entretanto, porém, Carlos I adoecera e a permanência na residência do Monte só fez com que a sua saúde piorasse; a casa não era aquecida e por isso a broncopneumonia que o atingira revelou-se fatal, resultando no seu falecimento, a 1 de abril de 1922. O seu corpo foi sepultado na Capela do Imaculado Coração de Maria, do lado esquerdo da nave central da Igreja de N.ª S.ra do Monte, havendo ainda retratos seus e da sua família na sacristia da igreja. Porém, o seu coração foi levado para a cripta dos Capuchinhos em Viena, cumprindo a tradição dos Habsburgos. A viúva acabou por abandonar a ilha da Madeira a 19 de maio de 1922, rumando a Espanha. A Imperatriz Zita voltou à Madeira por duas vezes, de 9 a 11 de abril de 1967, com a filha mais nova, e de 10 a 13 de janeiro de 1968, com os dois filhos mais velhos. Ambas as visitas se prenderam com as obras da nova capela mortuária e a transladação do corpo para a dita capela. A descendência de Carlos I decidiu que o corpo não deveria ser transladado para a Áustria, mas manter-se na Madeira, em agradecimento por todo o apoio que o povo madeirense dera à sua família durante o difícil período do exílio.   Cláudia Fernandes (atualizado a 23.01.2017)

Madeira Global

telegrafia sem fios (tsf)

De início, a comunicação a longa distância fazia-se por intermédio de meios pouco adequados, mas capazes de cumprir a sua missão. Eram os sinais sonoros ou visuais que, a partir de um código preestabelecido, tornavam o ato possível. O sistema de telegrafia com fios surgiu em Portugal, a partir de 1855, mas só em agosto de 1873 se procedeu à sua instalação na Madeira, por meio de uma linha que ligava a Ponta de São Lourenço ao Funchal e à Ponta do Sol, e, no ano imediato, com a Ponta do Pargo e Machico. Este serviço estava a cargo da Estação Telegráfica e Faróis do Reino e terá entrado em funcionamento a 24 de agosto de 1874. O serviço é montado no momento em que a Madeira passa a estar ligada ao continente por um cabo submarino. A descoberta da telegrafia sem fios, patenteada a 2 de junho de 1896, veio alterar para sempre o panorama das comunicações em Portugal e, em particular, na Madeira. Palavras-chave: comunicação; Madeira; Marconi; telegrafia; telegrafia sem fios. De início, a comunicação a longa distância fazia-se por intermédio de meios pouco adequados, mas capazes de cumprir a sua missão. Eram os sinais sonoros ou visuais que, a partir de um código preestabelecido, tornavam o ato possível. O sistema de transmissão por combinações de luzes, que teve a primeira aplicação prática no exército de Alexandre, o Grande. Todavia, os grandes aperfeiçoamentos do sistema tiveram lugar muito mais tarde, sendo obra de Lippershem, Galileu e Kipler. Esse sistema manteve-se até finais do séc. XVIII, altura em que os irmãos Chappe, em França, criaram o primeiro sistema semafórico, cujo princípio estará na origem do telégrafo (1844). Ambos foram também aplicados em Portugal e na Madeira, servindo de meio de comunicação das embarcações entre si, com os portos e entre os vários núcleos de povoamento. Uma das principais utilidades do sistema na Madeira, foi o aviso da presença de corsários, prontos a assaltar barcos e povoações. Desde o início da ocupação da Ilha que os seus habitantes estiveram expostos ao livre arbítrio de piratas e corsários, que frequentavam com assiduidade o mar madeirense e se apresentavam como uma permanente ameaça para as populações costeiras. Ficaram célebres os assaltos dos franceses ao Funchal, em 1566, e dos argelinos ao Porto Santo, em 1616. Perante esta permanente ameaça, foi necessário estabelecer medidas de vigilância e proteção na costa. No primeiro caso, destacam-se as vigias colocadas em locais estratégicos, ao longo da vertente sul da Madeira, onde permaneciam turnos de guarda da ordenança local. A presença de um navio estranho, indiciador de um pirata ou corsário, era, de imediato, avisada aos comandantes das ordenanças que reuniam as hostes, através de um sinal sonoro: o repicar dos sinos da igreja ou o toque do tambor. Todavia, as populações costeiras também precisavam de ser avisadas, de modo a poderem preparar a defesa – daí a utilização destes sinais, que eram mais rápidos do que um mensageiro a cavalo. Estabeleceu-se, em toda a Ilha, um sistema de comunicação por sinais luminosos (os fachos), que circulavam ao longo da orla costeira por intermédio das elevações que propiciavam este contacto. A rede terminava no Pico da Cruz, em São Martinho, que foi conhecido como o Pico Telégrafo. Daí resultou a designação de Pico do Facho às elevações onde se faziam os sinais luminosos; com este nome, surgem-nos dois picos, um no Porto Santo e outro na Madeira (em Machico). A forma de organização desta comunicação por sinais óticos é-nos apresentada, em 1805, pelo governador D. Diogo Pereira Forjaz Coutinho, num regimento que estabeleceu para tal fim. Desta forma, existia uma linha visual de comunicação que ligava o Pico do Facho, no Porto Santo, com o de Machico, o Pico da Água (Caniço), o Pico da Cruz (São Martinho) e Cabo Girão (Câmara De Lobos). Como é óbvio, o sistema não permitia uma perfeita e total comunicação entre os dois interlocutores, atuando apenas como um meio de aviso, rápido e eficaz. Por outro lado, inúmeros obstáculos se colocavam à sua concretização, numa ilha marcada pelo acidentado do terreno. Estas dificuldades só podiam ser ultrapassadas com o aparecimento de um novo meio de comunicação – no caso, o telégrafo elétrico, surgido em 1837. Foi neste ano que William Cooke e Charles Whatstone registaram a patente. Aqui há a considerar a telegrafia com fios e sem fios, sendo de destacar, na primeira, a que se realizava por via terrestre ou marítima (cabo submarino). O sistema de telegrafia com fios surgiu em Portugal a partir de 1855, mas só em agosto de 1873 se procedeu à sua instalação na Madeira, por meio de uma linha que ligava a Ponta de São Lourenço ao Funchal e à Ponta do Sol, e, no ano imediato, à Ponta do Pargo e a Machico. Este serviço estava a cargo da Estação Telegráfica e dos Faróis do Reino e terá entrado em funcionamento a 24 de agosto de 1874. O serviço é montado no momento em que a Madeira passa a estar ligada ao continente por um cabo submarino. Recorde-se que, a 7 de abril de 1859, os deputados madeirenses, Jacinto Augusto de Sant’Ana e Vasconcelos, Moniz de Bettencourt, Luís de Freitas Branco, Luís da Câmara Leme, requereram, ao Governo, informações sobre os custos e a instalação de cabo elétrico, bem como sobre despesas de instalação e funcionamento de uma estação, certamente a pensar na sua instalação no Funchal. Para trás, ficaram a telegrafia semafórica, surgida em 1803, e a ótica de 1810. Mesmo assim, na Ilha, continuaram a conviver com esta nova forma de comunicação, permanecendo ativas as estações semafóricas da Ponta do Pargo e da Ponta de São Lourenço. Atente-se a que a semafórica continuou por muito tempo a marcar presença na baía do Funchal, servindo a comunicação entre os navios e o Calhau. Para isso, usava-se o Pilar de Banger. O facto de, a 10 de março de 1876, Alexandre Bell ter patenteado o seu novo invento, o telefone, fez com que o sistema de telegrafia se tornasse obsoleto. Todavia, ele tardou em chegar à Madeira: em 1881, foi concedido o alvará de exploração à companhia Edison Gower Bell Company, para a rede de Lisboa, mas só em 1911 é que os madeirenses puderam usufruir dele. A primeira ligação telefónica teve lugar a 6 de outubro entre o governador e o Diário de Notícias, que tinha o número 32. Entretanto, no ano seguinte, a Câmara solicitava o seu alargamento a toda a Ilha, o que só foi conseguido nos 40 anos que se seguiram. Para as ligações com o exterior, continuou a manter-se o sistema telegráfico, e o usufruto do mesmo, por meio do TSF ou cabo submarino, teve lugar muito mais cedo, mercê do facto de a Ilha se situar num eixo importante das comunicações com o continente africano. A conjuntura da primeira metade do século foi favorável ao rápido desenvolvimento da TSF. A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e os conflitos militares isolados, como o dos bóeres na África do Sul, criaram a necessidade de um rápido e eficaz sistema de comunicações, só possível com a telegrafia sem fios. A utilização do rádio, a partir de 1905,  nas comunicações militares, e a acuidade destes conflitos, nos primeiros decénios do séc. XX, traçaram o caminho para a plena afirmação das comunicações via rádio. Foi Marconi quem, durante a guerra, divulgou, no seu país, o serviço de telegrafia e telefonia. O invento patenteado por Marconi ia dando os primeiros resultados. Dos iniciais 4 km de comunicação, passou-se para os 400 km e para a total cobertura do mundo. As experiências realizadas entre julho e dezembro de 1902, a bordo do vapor Carlos Alberto, levaram ao desenvolvimento do sistema de transmissão em morse e à receção telefónica de ondas, que lhe propiciaram, em 1902, a transmissão da primeira mensagem radiotelegráfica entre o Canadá e a Inglaterra e, no ano imediato, com os EUA. A 16 de setembro de 1906, foi inaugurado o primeiro serviço radiotelegráfico regular entre a Europa e os EUA. Os benefícios deste novo sistema de comunicações tornam-se evidentes na guerra e no salvamento de embarcações naufragadas, como sucedeu, em 1909, com os vapores Florida e Republica e, em 1912, com o grande paquete Titanic. Em 1916, Marconi apresentava o primeiro aparelho de telefonia por ondas curtas e contribuía assim, decisivamente, para o progresso das comunicações a longa distância, e para a afirmação de uma nova realidade que marcou a sociedade mundial a partir da déc. de 20. Foram os anos da rádio: primeiro, nos EUA, desde 1914, depois na Europa, com a BBC (1922). Após isso, o inventor desenvolveu as investigações sobre o sistema de ondas curtas, servindo-se, para o efeito, do vapor Electra. Deste modo, em maio de 1924, transmitia, pela primeira vez, a voz humana, por meio da radiofonia entre a Inglaterra e os EUA. A descoberta da TSF, patenteada a 2 de junho de 1896, colocou-o entre as personalidades ilustres e mais badaladas da primeira metade do séc. XX, e levou-o ao panteão do prémio Nobel, ao receber o da Física, em 1909. O iate Electra, o seu mundo ambulante, considerado pelos italianos “nave del miracolo”, tornou-se no centro das experiências, enquanto Roma e Londres funcionavam como o meio de concretização técnica dos inventos, nomeadamente por meio da companhia que criara em julho de 1897. Entre as primeiras experiências, em 1896, e a generalização do uso da TSF nas comunicações marítimas, terrestres e aéreas, desde 1913-14, medeia um curto período, pelo que estes anos e os seguintes foram de intensa atividade para o cientista. Entre 1922 e 1924, percorreu o Atlântico, desde Cabo Verde aos Açores e à Madeira, no sentido de encontrar uma solução adequada à dirigibilidade das ondas de pequena extensão: de 17 a 18 de julho de 1922 esteve na Horta (Faial-Açores) e, de 26 de agosto (madrugada) a 2 de setembro de 1924, passou pela Madeira. Esta curta estância na Madeira enquadrava-se no plano de experiências traçado para o mesmo ano e que o levou a Lisboa, ao Funchal, ao Porto Santo, a Cabo Verde e a Gibraltar. Foram três meses de demoradas pesquisas que contribuíram para a solução das principais dificuldades resultantes da comunicação radioeléctrica. Deste modo, aquando do regresso a Londres, a 3 de novembro, deu início à construção da primeira estação equipada com o novo invento. Até à inauguração do serviço radiotelegráfico da Marconi, em 15 de dezembro de 1926, todo o serviço de comunicação entre a ilha da Madeira e o exterior fazia-se por cabo submarino ou por uma incipiente estação de TSF, montada em junho de 1922, na estação Rádio Telegráfica do Funchal, situada na R. de João Gago. Durante a Primeira Guerra Mundial, o Governo inglês havia montado uma estação na Qt. Santana, que foi encerrada a 2 de abril de 1919. Um despacho do Ministério das Finanças, de 12 de dezembro de 1921, determinava a instalação de um posto radiotelegráfico na Madeira, o que nunca aconteceu. Entretanto, já em 1925, o semfilismo teve novo impulso na ilha da Madeira, por iniciativa de Alberto Carlos d´Oliveira, funcionário da estação telegráfica do Funchal, que havia sido transferido para aqui, em 1920. Este, que havia exercido idênticas funções em São Vicente, no arquipélago de Cabo Verde, tinha iniciado, em 1912, as transmissões, e estabelecido inúmeros contactos com embarcações. A abertura da estação, em 1925, abriu as portas para novos adeptos, de forma que, passados 4 anos, eram já 12 os radioamadores em funcionamento na Ilha. Assim, à saída de Alberto Oliveira para a Estação Telegráfica de Lisboa, em 1931, havia, na Ilha, um grupo significativo de radioamadores. Com a Segunda Guerra Mundial, todavia, em 1939, todos os radioamadores foram obrigados a silenciar a sua presença. Através dos debates parlamentares, sabemos da preocupação dos deputados madeirenses relativamente ao facto de as duas ilhas do arquipélago estarem devidamente servidas de telegrafia sem fios. A par disso, pretende-se que este novo meio não fique ignorado, apelando-se, a 5 de março de 1904, pela voz dos deputados Alexandre José Sarsfield e Frederico dos Santos Martins, à criação de uma escola prática de telegrafia no Funchal. Apenas a ilha do Porto Santo continuava isolada do mundo. Desta forma, são insistentes as reclamações de alguns dos deputados madeirenses no sentido de levar a cabo a instalação de um cabo submarino ou de uma estação de TSF. Sabemos de um projeto de cabo submarino que deveria ligar aquela ilha à Ponta de São Lourenço, mas que não passou de projeto, pois, entre 1922 e 1925, César Procópio de Freitas insiste na necessidade de atender a este problema, nem que seja com um simples posto de telegrafia sem fios, sugerindo, também, que se transferisse a estação existente no Funchal quando a Marinha instalasse a sua nova estação. Entretanto, em março de 1926, o Funchal estava servido de duas estações telegráficas, uma na estação dos correios, e outra, nova, na Marinha no Castelo do Pico; o Porto Santo, contudo, continuava à espera. A telegrafia sem fios era considerada importante para a Madeira. A 5 de novembro de 1919, para voltarmos um pouco atrás nas datas, o deputado Pedro Pita era perentório: “A navegação afasta-se da Madeira, preferindo os portos das Canárias – essas ilhas rivais – porque aí tem telegrafia sem fios, e, portanto, uma maior facilidade para os pedidos de fornecimentos. De modo que em vez de virem à Madeira procurar mantimentos e refrescos, que só podem ser-lhes preparados depois de cá estarem, porque também só depois disto é que os podem pedir, preferem as Canárias, para onde comunicam a distância por intermédio da telegrafia sem fios, e onde, mal chegam, podem fornecer-se e retomar a sua marcha” (VIEIRA, 2014, 1747). Os mesmos argumentos são repetidos a 4 de julho de 1922 pelo deputado Vasco Marques, que reclamava da perda de competitividade do porto madeirense em relação aos das Canárias, por falta deste meio: “O porto do Funchal deixou, sim, de ser visitado como era antes da guerra, por dois principais motivos: Primeiro, porque só agora, e não obstante as reclamações dos parlamentares e de toda a Madeira, é que montaram uma estação de telegrafia sem fios, cujos aparelhos de transmissão, por sinal, são insuficientes; tal melhoramento só agora começou; por isso a navegação preferia as Canárias, porque lá, devido aos sem fios, encontraria tudo ao fundear, ao passo que na Madeira, só depois da chegada ao porto é que podiam dizer aquilo de que necessitavam, o que forçava a navegação a perder um tempo precioso; em segundo lugar, porque o decreto chamado de proteção à marinha mercante lançou impostos gravosos sobre os vapores estrangeiros, pelo que muitos destes deixaram de tocar na Madeira” (Id., Ibid., 2174). A 6 de fevereiro de 1925, Procópio de Freitas insiste na ideia de que o porto do Funchal era o único sem posto telegráfico e que, com isso, perdia em relação aos demais: “Hoje todos os portos bastante frequentados têm postos de telegrafia sem fios com a altura suficiente para poder receber as comunicações dos navios que desejam, ao demandarem esses portos, que neles haja todas as facilidades para embarque e desembarque de passageiros, e abastecimentos” (Id., Ibid., 2342). Atente-se que esta ausência de uma estação de TSF em condições, no Funchal e no Porto Santo, é entendida pelos deputados madeirenses – como era o caso de Procópio de Freitas, Juvenal Araújo e Pedro Góis Pita – como uma expressão do abandono a que o arquipélago continuava votado, funcionando como um entrave ao progresso e à afirmação da Ilha na navegação oceânica, face às Canárias. Por outro lado, era assinalada como uma injustiça, quando nos Açores todas as ilhas já estavam ligadas. O cabo submarino, como meio privilegiado de comunicação com o exterior, não durou muito, devido à concorrência da telegrafia sem fio e do desenvolvimento do correio aéreo, que o tornaram obsoleto e de elevados custos; deu por isso lugar a uma complexa rede de TSF. Foi o primeiro passo para uma rápida ligação entre todo o mundo, sistematizada por completo, no séc. XX, com os satélites. O desenvolvimento das tecnologias de comunicação conduziu ao paulatino apagamento da Wireless Telegraph Company, que acabou por ser silenciada em 1982, com o aparecimento de uma via alternativa para o cabo submarino, com a inauguração da estação de satélites. Desde esta data, com as remodelações posteriormente realizadas, passou a funcionar apenas uma estação do serviço móvel marítimo e uma casa de repouso para os funcionários da empresa. Na déc. de 50, redobram as responsabilidades da Companhia Portuguesa Rádio Marconi (CPRM), ao ser-lhe atribuída a exploração do rádio móvel marítimo. O Garajau permanece como central, dispondo apenas das antenas de receção, enquanto o Caniçal é reativado como posto de emissão e, no Funchal, ficavam centralizados desde 4 de julho de 1951 todos os serviços de escuta rádio naval. A mudança técnica das instalações do Caniço só ficou concluída em 25 de março de 1968, com a inauguração da nova estação do Caniçal. Os radioamadores foram os primeiros a apostar, com total confiança, neste suporte de comunicação, sendo o seu elo de continuidade. A Madeira tem uma tradição significativa de semfilismo, estando ligada a esta atividade desde os primórdios do seu aparecimento em Portugal.   Alberto Vieira (atualizado a 23.01.2017)

Física, Química e Engenharia Sociedade e Comunicação Social

caldeira, joão da silveira

Uma importante informação abre a entrada relativa a João da Silveira Caldeira no Elucidário Madeirense: “escassos dados possuímos para a biografia deste madeirense” (SILVA e MENESES, 1984, I, 366). Ainda assim, o Elucidário apresenta-o como um médico e investigador na área da química, nascido na Madeira no terceiro quartel do séc. XVIII, que terá sido lente na Escola Militar do Rio de Janeiro e provedor da Casa da Moeda nessa cidade, informação que, no entanto, não nos parece correta. Confrontando estas indicações com outras, nomeadamente com uma relação de “Irmãos e Irmãs sepultados no Cemitério [de Catumbi, São Francisco de Paula, Rio de Janeiro] a partir de 1850, em carneiros arrendados e/ou em perpetuidade” (BARATA, Colégio Brasileiro de Genealogia, s.p.), parece-nos haver uma confusão entre dois homónimos – pai e filho –, na medida em que as referências apresentadas pelos dois documentos são similares, exceto no local e na data de nascimento: no registo n.º 54 desta relação, há referência a um João da Silveira Caldeira, filho de um outro João da Silveira Caldeira e de Bárbara Joaquina, sepultado no cemitério de S. João Batista, no bairro de Botafogo, dado como nascido a 28 de junho de 1800, no Rio de Janeiro, e falecido na mesma cidade, a 4 de julho de 1857, vítima de suicídio. Neste sentido, o pai terá nascido na Madeira e saído para o Brasil, onde terá nascido o filho, João da Silveira Caldeira, que veio a ser uma figura importante da cultura. João da Silveira Caldeira, filho portanto, era, então, médico formado pela Universidade de Edimburgo, na Escócia, detentor do grau de doutor, com tese escrita em latim. Destacou-se na química, área na qual desenvolveu algumas investigações e trabalhos. Aperfeiçoou os seus estudos em Paris, tendo privado e aprendido com os químicos Louis Nicolas Vauquelin   (1763-1829) e André Laugier (1770-1832), e com o mineralogista René Just Haüy (1743-1822). Publicou, em 1926, a tradução anotada do Manual do Ensaiador de Vauquelin. Sobre a personalidade, refere Joaquim Augusto Simões de Carvalho, na Memoria Historica da Faculdade de Philosophia: “químico muito apreciado […]. É autor da memória sobre o ondeado metálico, publicada nos Annaes das Sciencias e Artes, e de outros trabalhos realizados no laboratório químico de Paris” (SILVA e MENESES, 1984, I, 188). Em Paris, foi preparador do Jardim das Plantas, cargo que manteve até regressar ao Brasil, onde, juntamente com o bispo de Anemuria e Manuel de Arruda Câmara, procedeu à revisão e publicação da obra Flora Brasiliensis, de  José Mariano da Conceição Veloso. Em 1823, fez parte da junta de diretores de uma escola do método de ensino mútuo para instruir as corporações militares. Nesse ano, foi nomeado diretor do Museu Imperial e Nacional e, no ano seguinte, criou o laboratório químico do Museu, o primeiro laboratório para análises fundado no país, do qual foi, também, o primeiro diretor. O Imperador, percebendo a importância deste laboratório, autorizou a compra, em Paris, de instrumentos solicitados por João da Silveira, que, deste modo, pôde contribuir para o desenvolvimento da investigação médica e da mineração do Brasil, realizando, então, as primeiras análises de combustíveis nacionais e de amostras de pau-brasil. Foi durante a sua gestão que o Museu passou a ser um estabelecimento consultivo, tendo, por essa época, o Governo imperial incentivado a participação de vários naturalistas estrangeiros, Natterer, von Sellow e Langsdorff, tendo este último oferecido ao Museu a sua própria coleção de mamíferos e aves da Europa. Durante a sua direção, o Museu recebeu ainda acervos vários, nomeadamente múmias, estatuetas funerárias, vasos, mãos e pés mumificados de origem egípcia, bem como vários objetos etnográficos oriundos do Pará e das ilhas do Pacífico. Na correspondência enviada para publicação, há referência a diversas pesquisas realizadas, nomeadamente em torno da obtenção do ácido cítrico puro e de zircónia pura, descoberta cujos créditos dividiu com o químico francês M. du Bois-Reymond. A Nova Nomenclatura Química Portuguesa, um dos primeiros compêndios de assuntos químicos no Brasil, datado de 1825, é assinada por João da Silveira Caldeira. Obras de João da Silveira Caldeira: Nova Nomenclatura Química Portuguesa (1825).     Graça Alves (atualizado a 14.12.2016)

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