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A Quercus-Madeira, fundada a 28 de janeiro de 1995, é o Núcleo Regional da Associação Nacional de Conservação da Natureza (Quercus), uma das principais organizações não-governamentais de ambiente em Portugal, e é constituída pelos sócios residentes no Arquipélago da Madeira. O Núcleo Regional da Quercus na Madeira, tal como os restantes núcleos desta Associação, organiza-se internamente numa Assembleia de Núcleo, que reúne pelo menos uma vez por ano os associados residentes, e numa Direção de Núcleo, eleita em Assembleia de Núcleo e composta, no mínimo, por presidente, tesoureiro e secretário. A Quercus-Madeira tem como objetivos os que decorrem dos Estatutos da organização em que se insere, destacando-se os de alertar e apoiar os cidadãos em relação às disfunções ambientais, fomentar e promover a educação cívica e ambiental, defender e promover a conservação dos valores naturais, e desenvolver estudos que contribuam para o conhecimento e a defesa dos valores do património natural e cultural. Decorrente da sua Declaração de Princípios, a Quercus norteia a sua intervenção cívica e política pelos valores da independência e da autonomia, sendo uma organização apartidária, liberta de qualquer tutela económica, religiosa ou racial, e consubstanciando a sua ação no lema “Pensar Globalmente, Agir Localmente”. A Quercus-Madeira, como toda a estrutura nacional da Associação, aborda as mais variadas áreas essenciais à sustentabilidade ambiental, tendo dado particular atenção à educação ambiental, à gestão dos resíduos, à escassez e qualidade da água, à conservação da natureza, ao ordenamento do território, à poluição, à eficiência energética e à energias renováveis. A origem do Núcleo Regional da Quercus na Madeira está diretamente associada à vontade de um grupo alargado de alunos que, no ano letivo de 1994/1995, frequentava o 3.º ano do curso de Biologia na Universidade da Madeira. Estes jovens, que tinham vontade de se organizar e constituir uma associação de defesa do ambiente, fizeram-se sócios da Quercus e constituíram o Núcleo Regional. A reunião preparatória que resultou no pedido formal à Direção Nacional da Quercus para a constituição de uma estrutura regional na Madeira ocorreu a 27 de outubro de 1994. Face à vontade subscrita por 15 alunos da licenciatura em Biologia e ao apoio do professor Jorge Paiva, a Direção Nacional autorizou a constituição do Núcleo Regional da Madeira a 28 de janeiro de 1995. A primeira Direção da Quercus-Madeira foi eleita a 15 de fevereiro de 1995 numa Assembleia de Sócios do Núcleo que decorreu no Colégio dos Jesuítas, Universidade da Madeira, tendo Hélder Spínola sido eleito Presidente, Maria Cristina de Matos Niza Secretária, Dília Maria Góis Gouveia Menezes tesoureira, e Odília Maria Freitas Garcês e Irene Gomez Câmara vogais. A apresentação pública da constituição da Quercus-Madeira ocorreu a 12 de abril de 1995, numa sala do Ateneu Comercial do Funchal, tendo suscitado uma forte curiosidade por parte da comunicação social regional. A Quercus-Madeira, sem sede, abriu um apartado na estação de correios e começou por usufruir de algum apoio logístico da própria Universidade da Madeira: dispunha de um armário para o seu arquivo, utilizava as salas para reuniões e fazia uso dos serviços de telecópia da instituição para contatos com a comunicação social. Em maio de 1996, com a eleição do primeiro Reitor da Universidade da Madeira, foi perdendo este apoio, passando a manter o seu arquivo em casa dos dirigentes e estabelecendo contactos com a comunicação social via serviço de telecópia dos Correios de Portugal. À medida que a Quercus na Madeira vincava a sua discordância com as opções que considerava desviadas da sustentabilidade – nomeadamente o atraso na aprovação dos Planos Diretores Municipais e outros instrumentos de ordenamento do território, a gestão da Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos Urbanos, que estava a criar problemas de contaminação das águas subterrâneas, os despejos de terras para dentro das ribeiras e diretamente para o mar e a falta de medidas para evitar os efeitos sobre a saúde pública da aplicação de materiais contendo amianto –, foi dando a conhecer o seu trabalho e atraindo novos sócios. Passado o primeiro ano desde a sua fundação, este Núcleo Regional deixou de ser um projeto de um grupo de estudantes de Biologia para passar a integrar elementos de outras proveniências da sociedade madeirense. Efetivamente, aquando da constituição de uma nova direção, a 27 de fevereiro de 1997, a maioria dos dirigentes eleitos já não pertencia ao grupo inicial de fundadores. No início de 1997, a Quercus-Madeira, ainda sem sede própria, passou a contar com um espaço na Escola da APEL para manter o seu arquivo e fazer as suas reuniões de trabalho. A utilização deste novo espaço resultou dos contactos estabelecidos entre a nova Secretária da Direção da Quercus-Madeira, Carina Martins Nunes, e o diretor da escola, Mário Casagrande (1930-2009). Um ano depois, também este espaço ficou indisponível e até ao ano 2000 a Quercus-Madeira funcionou sem sede, fazendo as suas reuniões em cafés, na casa dos dirigentes ou em espaços solicitados à Câmara Municipal de Machico. No ano 2000, fruto de uma colaboração que vinha a ser mantida com a Câmara Municipal de Machico, foi estabelecido um protocolo para a constituição de um centro de educação ambiental que passou a ser também a sede da Associação. A Quercus-Madeira passou assim a ter sede fixa num antigo quiosque, onde iniciou também a dinamização do novo Centro de Educação Ambiental de Machico. Em 2004, o Centro de Educação Ambiental e a sede da Quercus-Madeira passaram a funcionar no Mercado Municipal de Machico. A partir de 2011, por indisponibilidade da autarquia local, o Centro de Educação Ambiental de Machico cessou funções, mas a sede da Quercus-Madeira manteve-se no local. A Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza é uma Organização Não Governamental de Ambiente que se formalizou a 31 de outubro de 1985, mas que já desenvolvia atividade desde finais de 1984. A sua constituição resultou da união de esforços entre vários ativistas e associações ambientalistas, que sentiram a necessidade de uma organização mais forte e de âmbito nacional dedicada à conservação da natureza. A base da sua fundação foi determinante na definição do tipo de estrutura interna que adotou, a qual, além dos órgãos nacionais, é marcada pelas existência de Núcleos Regionais espalhados de norte a sul do país, incluindo os arquipélagos dos Açores e da Madeira. Os primeiros Núcleos Regionais da Quercus foram constituídos a partir da integração de associações locais de defesa do ambiente previamente existentes, algumas que participaram na fundação da Associação e outras que se juntaram mais tarde. Numa segunda fase, já na década de 90 do século XX, e à semelhança do que aconteceu na Madeira, a organização local dos sócios deu origem a Núcleos Regionais nascidos dentro da própria Quercus. O facto de os Núcleos Regionais da Quercus constituírem estruturas democráticas, com dirigentes eleitos pelos seus sócios, e possuírem autonomia de funcionamento, proporcionou a esta Associação uma grande agilidade de atuação que é, em grande medida, responsável pela forte implantação e influência em todo o território português. Apesar de estes Núcleos Regionais possuírem autonomia estatutária para definir a sua estrutura organizativa, nomeadamente criando delegações na sua área geográfica, são muito raros os exemplos de concretização dessa faculdade. O Núcleo Regional da Madeira chegou a aprovar, em outubro de 1995, a criação de uma Delegação no Concelho de Santana, mas, à semelhança de tentativas para o Estreito de Câmara de Lobos e para o Porto Santo, essas estruturas acabaram por não vingar. A Quercus possui como órgãos sociais a Assembleia-Geral, a Mesa da Assembleia-Geral, a Direção Nacional, o Conselho Fiscal e a Comissão Arbitral, possuindo ainda um Conselho de Representantes que reúne os membros da Direção Nacional e os presidentes dos Núcleos Regionais. Se os Núcleos Regionais permitem à Quercus uma forte implantação geográfica, os órgãos nacionais, em particular a Direção Nacional, apoiados em estruturas como os grupos de trabalho e os projetos nacionais, garantem uma atuação global coerente e sólida. Ambas as estruturas, nacionais e regionais, na sua ação concertada, completam um modelo de organização que consubstancia de forma eficaz o lema: “Pensar Globalmente, Agir Localmente”. Apesar de a Quercus ter atualmente uma intervenção muito diversificada, abrangendo áreas temáticas como a gestão dos resíduos, a qualidade do ar, a eficiência energética, as energias renováveis, a qualidade e escassez dos recursos hídricos, entre muitas outras, a preocupação predominante dos seus fundadores centrou-se essencialmente nas questões associadas à conservação da natureza. Esse foi justamente o motivo para a adoção do nome Quercus, o nome científico do género a que pertencem os carvalhos, sobreiros e azinheiras, que são as árvores predominantes do coberto vegetal primitivo do território continental português, e do símbolo da organização, uma folha e uma bolota de carvalho-negral (Quercus pyrenaica). Os dirigentes da Quercus são eleitos para mandatos de dois anos de entre os sócios da Associação e exercem os seus cargos de forma não remunerada. Tendo em conta as estruturas nacionais e regionais definidas estatutariamente, o número de dirigentes necessários para completar todos os cargos é superior a 80. Além dos dirigentes, o funcionamento da Associação requer também a ocupação de outros cargos, nomeadamente na coordenação de grupos de trabalho e de projetos. Entre 1995 e 2000, 0 presidente do Núcleo Regional da Quercus na Madeira foi Hélder Spínola, biólogo e um dos fundadores deste núcleo, que mais tarde, entre 2003 e 2009, foi também presidente da Direção Nacional desta Associação. A segunda Direção do Núcleo foi eleita a 27 de fevereiro de 1997, tendo Hélder Spínola sido acompanhado por uma equipa maioritariamente constituída por sócios não pertencentes ao núcleo de fundadores: Carina Martins Nunes, como Secretária, Élvio Duarte Martins de Sousa, como Tesoureiro, e Élia Maria Basílio Rodrigues, Idalina Perestrelo Luís, Joselino Humberto Henriques Silva, Maria Conceição Andrade Silva, Odília Maria Freitas Garcês e Ysabel Margarita Amaro Gonçalves, como vogais. Idalina Perestrelo Luís foi a segunda presidente da Quercus-Madeira, tendo iniciado funções a 5 de agosto de 2000, por nomeação da própria Direção do Núcleo, e sido eleita para o cargo a 28 de outubro de 2000. Desde 2000, e ao longo dos sete mandatos sucessivos para os quais foi eleita, Idalina Perestrelo Luís foi sempre acompanhada na Direção do Núcleo por Elsa Maria Freitas Araújo, como vice-Presidente. A partir de outubro de 2013, Elsa Araújo passou a ser a Presidente do Núcleo Regional da Quercus na Madeira. Desde 1995, o Núcleo Regional da Quercus na Madeira envolveu-se em inúmeras atividades com o objetivo de contribuir para a melhoria da qualidade ambiental e para uma mudança de paradigma na sociedade madeirense. À semelhança da matriz que caracteriza a ação nacional da Quercus, toda a atividade do Núcleo Regional foi marcada por duas formas principais de atuação, os projetos e a intervenção pública, em ambas abrangendo os mais diversos temas ambientais. A mudança de atitudes e comportamentos para com os valores ambientais foi um dos objetivos em que a Quercus-Madeira apostou desde início, tendo desenvolvido várias iniciativas e projetos com esse fim. Nesse âmbito, destaca-se uma parceria com a Câmara Municipal de Machico e a criação do Centro de Educação Ambiental de Machico (CEAM), cuja abertura oficial, em julho de 2000, contou com a presença do Presidente da Direção Nacional da Quercus. Ao longo dos seus 13 anos de funcionamento, o Centro de Educação Ambiental dinamizado pelo Núcleo Regional da Quercus desenvolveu largas centenas de ações de sensibilização, em particular nas escolas da Madeira, tendo abordado temáticas tão diversas como a defesa do património natural, os incêndios florestais, o ordenamento do território, a redução, reutilização e reciclagem de resíduos, a gestão sustentável dos recursos hídricos, e a eficiência energética, entre muitos outros. Além de palestras e debates, a Quercus-Madeira dinamizou, através do CEAM, atividades de reflorestação e manutenção no Parque Ecológico do Funchal, editou publicações, preparou exposições e promoveu passeios a pé. De entre os vários recursos de divulgação e educação ambiental publicados pela Quercus-Madeira é de particular realce a revista Raízes, uma publicação periódica que lançou o seu primeiro número em outubro de 2001. Ao longo de sete anos e de 34 números, a revista Raízes apresentou em capa uma grande variedade de temas, como o património malacológico do Porto Santo e dos seus ilhéus, a fauna cavernícola de Machico, a avifauna da lagoa do Lugar de Baixo, as florestas da ilha da Madeira, a qualidade ambiental das ribeiras e o problema dos incêndios florestais. Associados a estes e outros temas, muitos foram os cidadãos que deram o seu contributo voluntário na preparação de conteúdos, em particular profissionais da área da biologia, mas também juristas, professores e estudantes, entre outros. Um dos temas a que o Núcleo Regional da Quercus na Madeira tem dedicado especial atenção tem sido a gestão de resíduos, não só ao nível da educação e sensibilização ambiental, nomeadamente com o projeto Ponta de Sol Mais Brilhante em 2004 e 2005, mas também através da implementação de projetos iminentemente práticos. Exemplo disso foi a recolha de pilhas usadas, um projeto nacional da Quercus que o Núcleo Regional estendeu à Madeira logo no início de 1995, reunindo mais de 10 quilos de pilhas, as quais se juntaram, em 1998, às 11 toneladas recolhidas em todos os Núcleos da Associação para serem encaminhadas para reciclagem em França. Ainda em 1998, com a ajuda de algumas dezenas de jovens voluntários, esta estrutura regional da Quercus fez um levantamento exaustivo da quantidade e do tipo de resíduos existentes nas praias e calhaus da Madeira, tendo encontrado um litoral pejado de lixo com origem na própria ilha. A disponibilidade de bebidas em embalagens retornáveis, como forma de prevenir a produção de lixo, foi um assunto constante nas preocupações da Quercus-Madeira, que insistiu sempre na fiscalização e cumprimento da Lei. Em fevereiro de 2009, a Quercus trouxe à Madeira mais um projeto pioneiro, tendo, primeiro em parceria com o centro comercial Dolce Vita e depois com os hipermercados Continente, iniciado a recolha seletiva de rolhas de cortiça para posterior reciclagem no âmbito do projeto Green Cork, cujos lucros são utilizados para a reflorestação. Nos primeiros dois meses, o projeto Green Cork conseguiu reunir na Madeira mais de meia tonelada de rolhas de cortiça. Ainda na mesma área, uma das batalhas em que a Quercus-Madeira mais investiu foi a oposição à opção pela incineração como destino final dos resíduos sólidos urbanos produzidos no Arquipélago da Madeira. Em 1998, assim que o governo regional anunciou a intenção de construir uma central de incineração, a Quercus-Madeira promoveu uma petição para que o projeto não fosse concretizado, tendo recolhido mais de 700 assinaturas, que foram entregues na Assembleia Legislativa da Madeira. Quando, em janeiro de 1999, o Governo Regional da Madeira iniciou a discussão pública do estudo de impacte ambiental da obra de Ampliação e Remodelação da Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos da Meia Serra, o Núcleo Regional da Quercus foi a única organização que se opôs a este projeto. A 22 de Agosto de 1999, a Quercus-Madeira organizou a iniciativa Ar Puro que, junto à igreja do Rochão, na Camacha, reuniu cidadãos e representantes de partidos na sensibilização para os perigos decorrentes das emissões de uma central de incineração. A 7 de dezembro de 1999, ao início da noite, devido à queda de um muro que ameaçava ruir já há algum tempo, ocorreu uma derrocada de resíduos do aterro sanitário da Estação da Meia Serra para o interior da lagoa de arejamento dos lixiviados, provocando uma enxurrada que desceu ao longo da ribeira da Cerejeira, destruiu por completo uma habitação e danificou três viaturas no sítio do Ribeiro Serrão. O sobressalto causado por esta calamidade terá estado na origem do ataque cardíaco que vitimou, no decorrer dessa mesma noite, um residente, o senhor José Arnaldo das Neves Vieira, com 39 anos, que, ao longo desse ano, vinha colaborando abertamente com a Quercus-Madeira por uma solução diferente para a gestão dos resíduos. Este facto levou a um envolvimento maior da população da Camacha, em particular dos moradores dos sítios do Ribeiro Serrão e Rochão, que, juntando-se à Quercus, se manifestaram contra o projeto à entrada da Estação a 27 de dezembro de 1999, reunindo perto de uma centena de pessoas. A manifestação repetiu-se a 2 de janeiro de 2000, envolvendo cerca de 300 pessoas. Nesse dia, as barreiras metálicas e a Brigada de Intervenção Rápida da Polícia de Segurança Pública, liderada no local pelo próprio comandante regional da PSP, não foram suficientes para demover a população de entrar na Estação para constatar in loco a estabilidade dos resíduos depositados no aterro e o que estava a ser feito para garantir a sua segurança. Apesar destas iniciativas, o projeto foi avante e a incineradora foi inaugurada em 2004. Possuindo o Arquipélago da Madeira um património biológico extraordinariamente importante, a conservação da natureza foi outra área onde o Núcleo Regional da Quercus mais interveio. Além dos contributos que deu na divulgação do património natural insular, a Quercus-Madeira agiu inúmeras vezes na tentativa de alterar o curso de algumas ações que entendia serem lesivas à biodiversidade. Desde a sua fundação, insistiu na retirada do gado ovino, caprino e bovino que pastoreava em regime livre nas serras da Madeira e impedia a regeneração da vegetação, deixando as serras escalvadas e à mercê dos processos erosivos, pondo em causa a biodiversidade e a segurança das populações pelo risco de aluvião. Também por insistência do então Vereador do Ambiente da Câmara Municipal do Funchal, Raimundo Quintal, mentor da criação do Parque Ecológico do Funchal, onde implementou essa medida, o Governo Regional da Madeira acabou por aceitar a retirada do gado das serras, tendo dado por concluído esse processo em 2003. Outra ameaça à biodiversidade que a Quercus-Madeira sempre combateu foi o flagelo dos incêndios florestais, tendo desenvolvido o projeto Vigilância Contra Fogos Florestais em 1997 e 1998 e, nos anos seguintes, criado uma rede informal de vigilância com mais de 100 voluntários no âmbito do projeto De Olhos na Floresta. Para minimizar o problema dos incêndios florestais, esta Associação insistiu constantemente numa estratégia para a Madeira apostada na prevenção, na vigilância e numa primeira intervenção rápida e eficaz. Em 1999, em colaboração com a Câmara Municipal de Machico, a Quercus-Madeira elaborou a candidatura do projeto Recuperação da Floresta Laurissilva das Funduras ao programa LIFE Natureza, projeto que foi submetido em nome da Direção Regional de Florestas e obteve um financiamento europeu superior a meio milhão de euros. A execução do projeto teve início em janeiro de 2000 e decorreu até ao fim de 2003, tendo a Quercus-Madeira assegurado a implementação das medidas de educação ambiental que ficaram à responsabilidade da Câmara Municipal de Machico. A Quercus-Madeira também se mobilizou várias vezes para tentar evitar a concretização de alguns projetos no coração da floresta Laurissilva. Por exemplo, no início do século XXI, quando o Governo Regional avançou com a asfaltagem da estrada do Fanal, entre a Ribeira da Janela e o Paul da Serra, a Quercus, além das intervenções públicas, procurou, sem sucesso, que a UNESCO, que em 1999 reconheceu o estatuto de Património Natural Mundial à floresta Laurissilva, negasse essa pretensão. Ainda assim, a contestação à asfaltagem levou a que, a partir do Fanal e até ao Paul da Serra, a largura da estrada fosse reduzida. Já em 2008, unindo esforços com a Associação dos Amigos do Parque Ecológico do Funchal e com um conjunto alargado de cidadãos, a luta foi contra a pretensão do Governo Regional da Madeira de viabilizar a construção de um teleférico no Rabaçal, na cabeceira da ribeira da Janela, em plena floresta Laurissilva, tendo pedido a intervenção da UNESCO e da Comissão Europeia, às quais enviou uma petição com mais de 5000 assinaturas. Adicionalmente, em Março de 1999, estas duas associações de defesa do ambiente interpuseram em Tribunal uma ação judicial a pedir a nulidade da Declaração de Impacte Ambiental favorável assinada pelo Secretário Regional do Ambiente. Devido a esta forte contestação, a construção do teleférico não avançou e a Declaração de Impacte Ambiental acabou por caducar por ter sido ultrapassado o prazo da sua validade, situação que levou o Tribunal Administrativo e Judicial do Funchal, em setembro de 2011, a encerrar o processo. Ao longo do tempo, a Quercus-Madeira alertou para inúmeras situações e opções que constituíam ameaças ao ambiente: Contestou as ações de abate ao Pombo Trocaz (Columba trocaz), espécie protegida e exclusiva da Madeira, , iniciadas pelo Governo Regional em 2004; opôs-se, a partir de 2002, à construção de um Radar Militar no Pico do Areeiro, em Sítio da Rede Natura 2000, junto ao único local no mundo onde nidifica a Freira da Madeira (Pterodroma madeira), uma ave marinha fortemente ameaçada; alertou insistentemente para as consequências negativas sobre os ecossistemas marinhos costeiros decorrentes dos despejos de terras provenientes de obras públicas e privadas; colocou na ordem do dia os perigos para a saúde pública decorrentes da inalação de fibras de amianto, presentes em materiais utilizados na construção de inúmeros edifícios no Arquipélago da Madeira; insistiu na necessidade de melhorar os transportes públicos de modo a garantir uma alternativa válida ao transporte individual e reduzir a poluição dentro da cidade do Funchal; defendeu uma maior aposta na eficiência energética e nas energias renováveis; pressionou inúmeras vezes para o cumprimento da Lei no que diz respeito à realização de análises e divulgação dos resultados relativos à água para consumo humano; insistiu na necessidade de serem adotados e respeitados os instrumentos de ordenamento do território previstos na legislação portuguesa, em particular os Planos Diretores Municipais, os Planos de Ordenamento da Orla Costeira e a Reserva Ecológica Nacional; cooperou com a organização internacional Save the Waves na contestação contra a destruição das ondas para a prática de surf no Jardim do Mar; cooperou com a Sociedade de Desenvolvimento Ponta Oeste numa solução para a preservação da Lagoa do Lugar de Baixo na Ponta do Sol; e, entre muitas outras iniciativas, tentou impedir o avanço de projetos turístico-imobiliários sobre o litoral.   Hélder Spínola (atualizado a 11.10.2016)

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freire, ascenso de sequeira

"Ascenso de Sequeira Freire do conselho de SAR Governador Capitão-General dessa Ilha, tomou posse a 8 de dezembro de 1803 Gov. até 5 de agosto de 1807"   O governo de Ascenso de Sequeira Freire (c. 1760-c. 1825) decorreu no complexo período da neutralidade da corte portuguesa de 1804 a 1807 (Guerras Napoleónicas), no qual a Madeira se viu envolvida na guerra de corso entre os navios de Inglaterra, França, Espanha e, também já, dos Estados Unidos da América, que, não sendo novidade, atingiu níveis muito altos e criou problemas administrativos com a entrega e abandono na Ilha de inúmeros elementos dos navios apresados pelos corsários. Ascenso de Sequeira Freire foi o primeiro governador a ir para a Ilha com carta patente de governador da Madeira e do Porto Santo, e já estaria indigitado nos meados de abril de 1803, pois que a 30 desse mês foi-lhe entregue um aviso com as anteriores instruções enviadas a D. Diogo Pereira Forjaz Coutinho (1726-1799) e a D. José Manuel da Câmara (c. 1760-c. 1825), embora as novas instruções só tenham sido formalizadas a 28 de novembro. O atraso da sua nomeação oficial enquadra-se na complexa situação política internacional das guerras europeias, envolvendo então a movimentação das forças francesas. Na Madeira, entretanto, haviam ocorrido graves confrontos entre o Gov. D. José Manuel da Câmara e o bispo D. Luís Rodrigues Vilares (c. 1740-1810), que levariam ao afastamento de ambos para Lisboa, acrescidos da aluvião de 9 de outubro de 1803, porventura uma das mais graves catástrofes ocorridas na Madeira e que se calcula ter feito cerca de 600 mortos (Aluvião de 1803). O novo Gov. Ascenso de Sequeira Freire chegou à Madeira na fragata Carlota Joaquina, a 5 de dezembro, e tomou posse a 8 desse mês, “pela devoção e piedade que lhe inspirava, por ser (dia) consagrado à Conceição da Virgem Nossa Senhora”, como ainda informou José Manuel da Câmara (ARM, Governo Civil, liv. 197). Os primeiros meses devem ter sido complicados, pois que só entrou para a confraria de N.ª Sr.ª da Soledade, no convento de S. Francisco, como era tradição dos governadores desde os meados do séc. XVIII, a 20 de março do seguinte ano de 1804. Na mesma fragata em que veio o governador, veio também o juiz desembargador Joaquim António de Araújo, para proceder a uma “sindicância” sobre as atitudes do anterior governador e do bispo, aliás com carta régia também datada de 15 de outubro (Ibid., liv. 199, fl. 5), tendo ambos regressado ao continente nos dias 10 e 11 do mesmo mês, mas em navios diferentes, para que na Ilha não interferissem no trabalho do desembargador. O governador, logo nesses dias, pelo seu gabinete no palácio de S. Lourenço, despachava ordens para o Corr. José Pedro de Lemos, para a Câmara do Funchal e mesmo para o deão, ordenando que se disponibilizassem para tudo o que o desembargador necessitasse para o seu trabalho. Não temos referência ao tempo que o desembargador Joaquim de Araújo levou a concluir o seu processo, mas deve ter passado alguns meses a ouvir os vários intervenientes e com certeza a fazer acareações, pois as relações entre as duas entidades extremaram-se muito para além do razoável. A acusação do bispo e do governador veio a ser feita pelo desembargo do paço, em meados de 1805, altura em que “foi tomado em madura consideração” todo o material recolhido, concluindo-se que ambos não se haviam portado bem. No entanto, o príncipe regente veio a perdoar a ambos, autorizando o bispo a regressar à sua diocese, o que só viria a fazer mais tarde e concedendo ao governador “a honra e mercê” de ir beijar a “Minha Real Mão”. Futuramente, sobre este assunto deveria ser “guardado perpétuo silêncio” (Ibid., liv. 199, fls. 24v.-25v.). No longo despacho, no entanto, não se deixa de imediatamente ordenar a regulamentação minuciosa do cerimonial e etiqueta entre o governador e os bispos das ilhas adjacentes, com os locais onde se deveriam acompanhar um ao outro, até onde e quem os acompanharia depois, que lugares deveriam ocupar e onde, mesmo em relação às restantes autoridades insulares, como a Câmara, até para evitar situações como a da procissão do Corpus Christi, que parece ter sido um dos motivos para os confrontos destas entidades. A articulação do cerimonial acompanhou logo o despacho de acusação. Ainda se refere no despacho do processo que o Colégio, posto que doado à mitra por D. Maria I, em 1787, “se conserve para aquartelamento de tropa e também como celeiro público”, como fora destinado na carta régia de 24 de junho de 1800, assim como que a nova praça do Mercado, estabelecida nos terrenos da antiga capela de S. Sebastião e casas contíguas, cuja demolição tinha sido aprovada por carta régia de 5 de março de 1803, também se deveria manter. Por último, era suspenso o escrivão Manuel do Nascimento da Silva, “pela facilidade que praticou nas acusações” ao prelado, e determinava-se a “repreensão em câmara” do escrivão João Francisco da Câmara Leme, “por se queixar sem motivo do governador” (Ibid.). Em julho de 1805, o Gov. Ascenso de Sequeira Freire acusava a receção do aviso régio “acerca dos conflitos havidos” entre o bispo e anterior governador. Informava então ter “ordenado a repreensão” e suspensão dos escrivães envolvidos no processo em causa, assim como agradecia “a definitiva resolução de ser aplicado o ex-convento dos jesuítas ao aquartelamento da tropa e a celeiro público”, como já havia sido determinado pela anterior carta régia de 24 de junho de 1800 (Ibid., liv. 203, fls. 42-43). O governador vinha para uma comissão de três anos, que já sabia vir a ser um trabalho difícil. A 9 de outubro, a Ilha fora assolada por uma terrível aluvião que destruíra parcialmente a parte baixa da cidade, assim como as áreas ribeirinhas das restantes vilas e povoações, sendo necessário proceder a profundas obras de reconstrução, principalmente dos paredões das ribeiras, cujas ordens passaram inclusivamente a ser escrituradas num livro independente. Acrescia que nestes finais de 1803 também uma série de pestes assolava vários portos do Mediterrâneo, obrigando a redobrar as medidas de segurança e de saúde nos portos portugueses, medidas que no Funchal assumiam especial relevância, dada a fama de que a Ilha já começava a gozar como estância de turismo terapêutico. Os seguintes cuidados do gabinete do Gov. Ascenso de Sequeira Freire foram para a segurança do porto, no aspecto das visitas aos navios, ordens que imediatamente se comunicaram ao oficial das visitas José Francisco Esmeraldo, para o comandante da artilharia e para o Sarg.-mor Francisco Martins Pestana, tendo-se transmitido também para o Porto Santo. O registo do porto estava a cargo da fortaleza do Ilhéu, à qual competia manter em ordem principalmente os navios mercantes, fazendo inclusivamente fogo real com dois tiros sobre os navios que não cumprissem os requisitos estabelecidos. Dentro desses aspectos, deve ter sido pressionado também o meirinho da então praça de S. Sebastião, Manuel de Sousa Drummond, que de imediato pediu a demissão. Aliás, este seria um elemento que depois levantaria outros problemas, entrando várias vezes em conflito com os elementos da Casa dos Vinte e Quatro e, em abril de 1804, especificamente por causa da venda de carne no açougue de forma ilegal, pelo que o governador não hesitou em o mandar prender. Algumas das principais preocupações do Gov. Ascenso de Sequeira Freire foram, assim, para a defesa geral da Ilha, não só em relação às intempéries, que nestes primeiros meses do seu governo continuavam a assolar a Madeira, como também para a defesa militar, que igualmente se adivinhava absolutamente necessária. Na noite de 8 para 9 de janeiro de 1804, uma enorme tempestade de “muita chuva e trovões” fez naufragar na baía do Funchal duas galeras inglesas, uma das quais apresada aos espanhóis, lançando-as sobre a praia frente à fortaleza e palácio de S. Lourenço e tendo perecido afogados dois ingleses da guarnição de uma delas. Nos inícios de abril voltava a haver problemas, embora sem especiais estragos (Ib., liv. 203, fls. 3v-4 e 9). O Gov. Ascenso de Sequeira Freire tinha tomado posse do Governo a 8 de dezembro e logo a 10 da presidência da Junta da Fazenda, e os primeiros assuntos que ali despachou foram os pendentes em relação à secretaria do Governo e à Fazenda, que, no entanto, se limitou a enviar para Lisboa, sem especial informação. Nessa sequência, em fevereiro, tratava das nomeações militares, voltando a insistir para Lisboa sobre a situação do Colégio, imprescindível para aquartelamento militar, resposta que só recebeu em 1805, com o despacho do processo sobre o seu antecessor e o bispo. Por essa altura, também se inteirou da situação das várias fortificações do Funchal, com especial atenção para a fortaleza do Ilhéu, principal defesa e registo do porto. Os cuidados sobre a situação militar de Ascenso de Sequeira Freire em breve seriam colocados à prova. Nos inícios de março, uma esquadra inglesa, numa atitude algo insólita, tentou desembarcar no Funchal 2000 homens, com a desculpa de se avizinhar um confronto com navios franceses. No dia 10 desse mês, chegara ao Funchal uma unidade naval britânica, formada por seis naus comboiadas pela fragata Egyptienne. A fragata ficou ao largo e as embarcações tentaram ancorar na baía, no que foram impedidas pela fortaleza do Ilhéu, dado já ser noite e, conforme as normas em vigor, só o poderem fazer à luz do dia. No dia seguinte, ficaram à vela, em parte devido ao mau tempo, mas em linha, o que não deixou de alertar o governador, tendo sido assim que receberam refrescos de terra. O então Cap. Charles Elphinstone Fleeming (1774-1840), comandante da Egyptienne e que já estivera no Funchal, mandou apresentar cumprimentos ao governador. Avistaram-se entretanto outros navios ao largo, que os ingleses identificaram como sendo franceses, o que não seria novidade, pois se sabia que alguns navios dessa nacionalidade cruzavam também por vezes os mares da Madeira. No entanto, o que espantou o governador, e que relatou depois para Lisboa, foi o pedido dos ingleses para desembarcarem 2000 soldados em terra, com o argumento de que, dado o combate naval que se adivinhava, não seriam necessários a bordo, pois poderiam mesmo prejudicar a manobra da esquadra. Cauteloso, Ascenso Sequeira Freire resguardou-se na neutralidade portuguesa, não autorizando o desembarque, pois a Ilha já havia sido ocupada pelos britânicos dois anos antes. Os navios ingleses afastaram-se e, perante o alvoroço na cidade, verificou-se que eram todos britânicos, trocando sinais entre si e logicamente não tendo havido confronto. Tratava-se de uma esquadra de naus de linha, sob o comando do Alm. sir Thomas Cochrane (1775-1860), futuro lord Dundonald, que depois haveria de comandar as esquadras do Chile e do Brasil, chegando a perseguir e combater navios portugueses depois da independência da antiga colónia, e estava então no encalço de uma outra esquadra francesa que saíra de Rochefort. A 12 desse mês, efetivamente, as naus dessa esquadra inglesa paravam na baía do Funchal, uma das quais era a célebre Nothumberland, de 74 peças, para carregarem vinho e refrescos, saindo na tarde desse mesmo dia. A situação foi tão estranha que o governador colocou a hipótese de se tratar de uma brincadeira. No entanto, face à possibilidade de um desembarque, colocou de prevenção e reforçou as forças armadas locais durante as duas noites seguintes. Quem reagiu de imediato a este incidente foi o cônsul espanhol, que informou o governador de ter instruções para no caso de desembarque inglês na Ilha se retirar imediatamente, pois o Governo em Madrid era então francês. Ascenso de Sequeira Freire desdramatizou a situação perante o cônsul espanhol, informando-o encontrarem-se numa situação de paz e que as ações desencadeadas se limitavam a “sustentar o lugar” (AHU, Madeira e Porto Santo, doc. 1476). Teria sido na sequência destes acontecimentos que o Governo de Lisboa enviara ordem para a Madeira, proibindo rigorosamente o desembarque de tropas estrangeiras e até a permanência demorada das esquadras nos portos da Ilha. Estava-se, por um lado, a tentar que se respeitasse a neutralidade assinada por Portugal e, por outro, a evitar casos semelhantes a este num futuro próximo. A importância da minuta desse ofício, igualmente enviada para a Madeira, fez com que o governador nunca se separasse da mesma, tendo assim permanecido nos arquivos da família durante muito tempo (ARM, Arquivos Particulares, Docs. Ascenso Sequeira Freire). Começa o ofício por historiar que, “Tendo Sua Majestade Britânica mandado na penúltima guerra um Corpo de Tropas Inglesas Auxiliares a essa Ilha, em consequência da íntima Aliança que então ligava as duas potências”, esse “auxílio” tinha chegado ao Funchal sem o governador de então ter recebido quaisquer instruções “com o modo de se haver naquele caso inopinado”. No entanto, “quis a Providência que o referido governador em circunstâncias tão delicadas e imprevistas se antecipasse pela resolução que tomou” ao que depois lhe foi determinado. “Sendo porém a atual situação política de Portugal diversa daquela em que então se achava, pela paz que o nosso Augusto Soberano conseguiu para os seus reinos”, era preciso “conservar pelo meio da mais exata e imparcial neutralidade” a mesma paz, “que se achará violada pela livre entrada e voluntária receção de tropas estrangeiras armadas no território dos seus reinos e domínios” (Ibid.). Com a ratificação, entretanto, do acordo entre Portugal e França, a 19 de março de 1804, em que mais uma vez se insistia na neutralidade portuguesa, a corte de Londres alarmava-se. Em breve, por exemplo, insistia-se junto do embaixador português nas razões que teriam levado ao aumento das medidas de defesa no porto do Funchal, referindo-se certamente à situação supracitada com a fragata Egyptienne, assim como se protestava contra a nomeação do Brig. Reinaldo Oudinot (1747-1807) para o Funchal, dada a sua origem francesa. O embaixador português em Londres, Domingos de Sousa Coutinho (1760-1833), chegou mesmo a alvitrar para Lisboa a necessidade de colocar em alerta máximo as defesas da Madeira, o que levou à convocação extraordinária das milícias. Estes anos continuaram a ser marcados pela presença de grandes comboios britânicos nos mares da Madeira, recorrendo ao porto do Funchal para aguada e carregamento de vinhos, que juntaram também corsários franceses e espanhóis, tal como navios norte-americanos. Todo este movimento veio a criar inúmeros problemas de segurança geral na Ilha, incluindo de saúde, com a presença de presas de várias proveniências e prisioneiros de guerra, levando à necessidade de se efetuarem visitas de fiscalização rigorosa a esses navios, a que o governador tentou de várias formas acorrer e disciplinar. A estes problemas juntavam-se ainda as dificuldades de ligação da Madeira a Lisboa, dado rarearem as embarcações portuguesas neste contexto de guerra, tendo o correio oficial que circular, por vezes, pelo arquipélago açoriano, com as demoras daí advindas. Acresciam ainda as questões levantadas pelos vários comerciantes estrangeiros e pelos respetivos cônsules insulares, em defesa dos interesses das nações que representavam. As questões ultrapassaram então os habituais problemas económicos e envolveram muitas vezes provocações graves com elementos da população do Funchal e mesmo oficiais da guarnição, chegando inclusivamente ao confronto físico. O conflito que ofereceu mais complicações ocorreu na praia do Calhau na noite de 15 de julho de 1804, com um desacato entre alguns marinheiros ingleses e populares do Funchal. Os ingleses pertenciam a mais um comboio de 45 navios que levava lord Seaforth, sir Francis Mackenzie (1754-1815), para Barbados. A 19 desse mês, o governador oficiava ao juiz de fora do Funchal: “por que me constou que alguns oficiais e marinheiros britânicos das naus e navios que se acham ancorados neste porto têm feito nesta cidade algumas desordens”, pedia a sua intervenção (ARM, Governo Civil, liv. 713, fls. 33v.-34). Em breve o governador compreendia a extensão do caso e envolvia no assunto também o corregedor e o comandante da artilharia, António Francisco Martins Pestana, dado um dos envolvidos ser um tenente de artilharia. Entre os ingleses, encontrava-se inclusivamente o próprio cônsul-geral José Pringle, que tomara posse em março de 1800, e, entre os funchalenses, o Ten. António de Carvalhal Esmeraldo, tendo este esbofeteado e ferido o cônsul inglês. O tenente foi preso quase de imediato, seguindo sob prisão para Lisboa na charrua Príncipe da Beira, embora regressasse algum tempo depois. Seguiram igualmente para Lisboa os marinheiros ingleses que haviam praticado insultos no convento de Santa Clara, tal como os que tinham açoitado um religioso franciscano, Fr. Luís de Santa Helena, inclusivamente sob escolta militar. Face à proteção tentada pelo cônsul britânico, o mesmo veio a ter também ordem de prisão, embora tal se não tenha depois consumado. O assunto teria sido tão complicado que ainda em meados de 1807 era objeto de correspondência do governador para o visconde de Anadia. Para se imaginar o movimento inglês nos mares da Madeira, a 5 de junho de 1804, por exemplo, chegava ao Funchal um comboio britânico com 48 navios mercantes e duas fragatas de guerra, que se dirigiam para as Índias Ocidentais inglesas. Também nos inícios de janeiro de 1805 eram avistadas ao largo do Porto Santo, pelo bergantim Senhora Carlota, comandado pelo Cor. Philip Lanylois, cerca de 180 embarcações que mais tarde se veio a confirmar tratarem-se de uma divisão francesa saída de Rocheford, com destino à Dominica e que ali desembarcaria depois cerca de 3000 homens. Nos mesmos inícios de 1805 ainda passavam pelos mares da Madeira seis naus inglesas, novamente sob o comando do Alm. Thomas Cochrane, e em setembro a nau Raisonable, comandada por Josias Rowley (1765-1842). Esta nau havia travado combate com outras francesas e conseguira “escapar, por ser muito veleira”, embora viesse “com feridos e algum destroço” (AHU, Madeira e Porto Santo, docs. 1484 e 1556). Nos finais do mesmo mês de setembro de 1805, passariam pelo Funchal as forças comandadas por sir David Baird (1757-1829), que aproveitariam a passagem para carregarem mais de 4000 pipas de vinho. Ainda nos finais do ano de 1805, passariam um comboio de 19 navios, comandado pelo brigue de guerra Wolverene, do Cap. Smith, e a escuna inglesa Quail, comandada por Patrício Lowes, que trazia um navio americano como presa, no qual se encontravam seis marinheiros espanhóis. Um ano depois, passava novo comboio, com destino às Índias Ocidentais, do qual fazia parte a fragata Orpheus, do Com. Briggs. Com toda essa movimentação, um dos problemas que continuavam a preocupar o governador do Funchal era a situação dos prisioneiros provenientes das presas corsárias. A 6 de janeiro de 1805, por exemplo, chegava novamente ao Funchal a fragata Egyptienne, comandada por Charles Elphinstone Fleming, mas então citado como “G. L. Flameng”, com quatro dias de viagem desde Lisboa, conduzindo uma galera espanhola proveniente das Canárias que apresara no mar alto, assim como uma outra presa feita por essa galera. Saiu no dia seguinte levando a presa, mas deixando a galera com 118 soldados e toda a equipagem. A galera ficara consignada ao cônsul inglês no Funchal, com a indicação de a carga de bacalhau e peixe salgado ser vendida na Ilha, o que, apesar de proibido, veio a acontecer no mês seguinte (Ibid., liv. 713, fls. 50-50v.). O movimento de corsários ingleses e americanos nos mares da Madeira era intenso, tal como das consequentes presas francesas e espanholas, onde, por vezes, se encontravam marinheiros portugueses. Em março, o cônsul José Pringle solicitava que o corsário Especulação, do Com. Matheus Valpy, pudesse ficar amarrado à fortaleza do Ilhéu para reparações, assim como o Dart, do Com. Duarte Torvel. No final desse mês, idêntico pedido era feito para o corsário Tartar, de Diogo Laine, dentro dos “dez dias aprazados”, e no início do mês seguinte, também o Rose, de que era capitão João Turse. Mas o movimento não era só de corsários ingleses, pois a 14 de abril o cônsul inglês pedia ao governador, em nome dos acordos que existiam com Portugal, que mandasse “levantar do porto” dois corsários americanos que ali estavam ancorados (Ibid., fls. 56v.-57v. e 59-59v.). No final de abril, ainda ancorou no Funchal a nau inglesa L’Immortalité, que já tinha sido francesa e que apresara a 17 de março o corsário espanhol El Intrepid Corunes, do mestre D. Patrício Farto. A bordo do corsário espanhol, foram encontrados cinco marinheiros de uma escuna portuguesa, que fora apresada pelo mesmo e que entretanto o corsário despachara para a Corunha. Os marinheiros portugueses acabaram por seguir para Lisboa na galera Raguzana. Em maio, ocorreram mais dois casos semelhantes, entrando no porto no início do mês um pequeno falucho espanhol proveniente das Canárias, muito mal tratado, sem água nem mantimentos, depois de ter sido atacado por um corsário inglês, que identificaram como Lord Nelson. No entanto, não foi autorizado a ancorar, embora viesse com um carregamento de trigo, com a desculpa de que não trazia carta de saúde. Dado o estado em que vinha, acabou por naufragar em frente à praia Formosa, espalhando a carga pela praia. A 28 desse mês, entrou no porto do Funchal a fragata britânica Cerberus, comandada por J. Selly, trazendo uma presa francesa. Depois de conversações com o cônsul francês Nicolau de La Tuellièrie (c. 1750-1820) (Quinta Vigia), os oficiais e a equipagem acabaram por seguir para Lisboa na polaca Penha de França. Nos finais de 1805, ainda o cônsul inglês dava conhecimento da entrada, de novo, da fragata britânica Tartar, então do Cap. Hawker, tendo a bordo a tripulação de um bergantim espanhol que fora apresado no mar alto, composta pelo capitão e por 13 marinheiros que ficaram no Funchal. Os prisioneiros foram instalados no forte Novo de São Pedro, que ficava no atual campo Almirante Reis, e o governador optou por coloca-los nas obras das muralhas das ribeiras da cidade, para assim obter da fazenda dinheiro para o seu sustento. Estes homens seguiram para Lisboa em janeiro do ano seguinte, na escuna Piedade e Almas. A 6 de maio desse ano de 1806, o brigue inglês Saracen ancorava no Funchal em situação semelhante, com um navio espanhol como presa e descarregando igualmente a sua tripulação no Funchal. Entre janeiro e fevereiro de 1806, ocorreu outro caso no Funchal, bem ilustrativo da situação então vivida. Nos inícios de fevereiro, o cônsul francês pedia ao governador proteção especial para o Cap. francês De Larné Greardiere, que desde janeiro se encontrava no Funchal aguardando um navio. O capitão francês teria vindo na escuna Piedade e Almas, proveniente de S. Miguel, nos Açores, em cujos mares havia perdido em combate o seu navio. No entanto, tendo sido do conhecimento dos ingleses a sua presença no Funchal e existindo um navio inglês surto no porto, o brigue Raven temia que, saindo do porto da cidade, viesse a ser preso. O governador intercedeu junto do cônsul inglês, pelo que à noite veio o agente consular francês “em grande uniforme” agradecer-lhe a intervenção (AHU, Madeira e Porto Santo, docs. 1698, 1719 e 1720). Como se não bastassem os problemas de corso que envolviam portugueses, ingleses, franceses e espanhóis, por vezes ainda se infiltravam nos mares da Madeira os piratas argelinos. Uma declaração de João McAuley, capitão da galera inglesa Three Brothers, apresentada ao vice-cônsul inglês Archibald Brown, em julho de 1807, dava conta da perseguição que lhe moveram dois navios argelinos bem armados, os quais, segundo soubera pelo Cap, Sanford, da galera americana South Caroline, andariam à caça de navios portugueses e espanhóis. Aliás, essa informação foi depois confirmada pelo comandante da esquadra portuguesa do Estreito, Luís da Motta Feio Torres (1732-1813), que os teria avistado da nau Rainha de Portugal, pelo que também alertou os habitantes do Porto Santo e do Algarve para o facto, e, inclusivamente, deixou na área do Estreito uma nau, uma fragata e um bergantim. Nos inícios de março de 1807, passava pelo Funchal a fragata inglesa La Modeste, que também já fora francesa e que transportava para a Índia o seu novo governador, Gilbert Elliot, lord Minto (1751-1814). A fragata ficou oito dias no Funchal para arranjar um mastro que se desconjuntara na viagem e também para dar assistência ao filho do futuro governador da Índia, que vinha doente. Alguns dias depois, passaria pelo Funchal para fazer aguada uma outra divisão naval inglesa, constituída por quatro naus de linha, uma fragata e vários brigues, “não se sabendo ao certo o destino que levavam”, como refere o governador (Ibid., doc. 1718). Em meados de maio, a divisão comandada pelo Alm. Samuel Hood (1724-1816), que andava a patrulhar os mares da Madeira, também aportou ao Funchal, com cinco naus de linha e duas fragatas. A divisão ancorou entre 17 e 19 de maio, juntando-se-lhe depois a fragata Comus, que aprisionara um pequeno caiaque espanhol perto das Canárias. Nos inícios do mês de julho de 1807, passaria pelo Funchal a nau de guerra inglesa Malabar, comandada por J. Temple, a acompanhar nove transportes com tropas e munições de guerra com destino a Montevideu, sendo as tropas comandadas pelo Gen. Turner e pelo Brig.-Gen. Clavering. Pelo Funchal passaram ainda a galera inglesa Three Brothers e o bergantim português Flor de Lisboa, que foram perseguidos pelos corsários argelinos, a fragata Tiveed, comandada por J. Symonds, e o brigue Júlia, por R. Yarker, comboiando 32 navios mercantes, que carregaram vinhos na Madeira. Em abril de 1806, a Câmara do Funchal pedia a recondução do Gov. Ascenso de Sequeira Freire. Na sessão de 2 desse mês, foi decidido escrever a Sua Alteza expondo “o bem que tem servido o atual governador [...] na administração da justiça às partes, pedindo ao mesmo soberano que haja por bem de o conservar no seu governo” (ARM, Câmara Municipal do Funchal, liv. 1366, fls. 31v.-32). No entanto, não era essa a posição do governador, que em dezembro lembrava ao visconde de Anadia, João Rodrigues de Sá e Melo (1755-1809), sobrinho do anterior governador da Madeira, João António de Sá Pereira (1719-1804), barão de Alverca, “que a 8 do corrente fez três anos que tive a honra de tomar posse deste governo, em que tenho desejado cumprir com os meus deveres, auxiliado pelas luzes e muito favor de V. Ex.ª”. O governador solicitava assim o seu regresso ao continente, até “pelo desarranjo da minha família e casa, e pela falta de minha Mãe que tão sensível me tem sido” (ARM, Arquivos Particulares, docs. Ascenso Sequeira Freire). O visconde de Anadia escreveria em 7 de janeiro seguinte, “respondendo à carta que tive o gosto de receber”, onde informa que “Sua Alteza Real condescendendo benignamente com os desejos de V. Ex.ª” tinha nomeado já um novo governador para a Madeira, “recaindo essa escolha em meu primo” Pedro Fagundes Bacelar Antas e Meneses, “cujas qualidades me afiançam que saberão seguir o prudente e bem dirigido sistema de governo que V. Ex.ª adotou com tanto proveito desses povos”. Deve ter sido com essa carta que o visconde de Anadia enviou um desenho de uma condecoração de cavaleiro da Ordem de Malta, com que fora agraciado, e um cartão do ourives que a fazia em Lisboa (Ibid.). No mês seguinte, o governador respondia à carta congratulando-se com a nomeação do novo governador, a que troca os apelidos, o que era normal, referindo Pedro Fagundes de Antas Bacelar e Meneses, “que virá fazer pelas suas boas qualidades a fortuna destes madeirenses”. Como era hábito, o governador guardou as cópias das suas cartas e o original da missiva do visconde de Anadia nos seus arquivos pessoais, encontrando-se parte deles no ARM, aguardando a chegada breve do seu substituto, que ocorreria no seguinte mês de agosto desse ano de 1807.     Parece que a transmissão de governo foi muito rápida e Ascenso de Sequeira Freire não deu conta ao seu sucessor de uma série de preocupações que tinha, com base em notícias que recebera de Londres, de que se preparava nova ocupação britânica da Ilha. No espaço de poucos meses, o novo governador, Pedro Fagundes Bacelar Antas e Meneses, era confrontado com a saída da família real de Lisboa para o Brasil, a ocupação do território continental por forças francesas e a ocupação da Madeira por tropas britânicas. Ascenso de Sequeira Freire seria colocado em Lisboa como chefe da Legião Nacional do Campo de Santa Clara, onde estava em setembro de 1811 e parece ter falecido por 1825.   Rui Carita (atualizado a 10.04.2016)  

História Política e Institucional Personalidades

atouguia, antónio aloísio jervis de

Nascido no Funchal, o visconde de Atougia desempenhou um papel importante na guerra civil que opôs liberais e absolutistas, combatendo ao lado dos primeiros, e teve uma carreira brilhante no território continental, como deputado, par do Reino e ministro. Recebeu várias comendas e foi agraciado com o título de visconde. Palavras-chave: guerra civil; deputado; par do Reino; ministro.   António Aloísio Jervis de Atougia nasceu no Funchal, a 7 de julho de 1797, filho do morgado Manuel de Atouguia Jervis e de Antónia Joana de Carvalhal Esmeraldo. Em 1811, iniciou os estudos secundários no colégio inglês Old Hall Green, nos arredores de Londres, matriculando-se depois em Matemática, na Universidade de Coimbra. Terminado o curso, em 1822, foi nomeado lente substituto da Academia da Marinha, mais tarde denominada Escola Naval, tornando-se professor catedrático em 1834. Fig. 1 – Retrato a óleo de António de Atouguia, de 1852.Fonte: CHAGAS, 1895, X.   Fugindo à perseguição contra os liberais, emigrou para Inglaterra, em junho de 1828, mas logo em agosto regressou ao Funchal para se juntar ao governador da Madeira, Cap.-Gen. José Lúcio Travassos Valdez, na luta contra as tropas absolutistas de D. Miguel. Perante a vitória destas, refugiou-se no navio inglês Alligator, com outros madeirenses, e rumou novamente a Inglaterra, daqui partindo, em 1831, para a ilha Terceira, nos Açores, onde foi organizada a resistência dos liberais. Em 1832, participou na tentativa falhada de conquista da Madeira, dominada pelas forças absolutistas, regressando de seguida aos Açores e indo finalmente juntar-se às tropas de D. Pedro IV, no Porto. Com a vitória liberal, em 1834, foi nomeado governador civil do Porto e condecorado com a Ordem Militar da Torre e Espada. De 25 de julho a 25 de novembro de 1835, fez parte do Governo presidido pelo duque de Saldanha, como ministro e secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar. Foi deputado pela Madeira, em 1834-1836, 1837-1838, 1838-1840, 1840-1842, e, mais tarde, por Oliveira de Azeméis, em 1851-1852, tendo feito parte das comissões da Marinha, Ultramar e Guerra. Em 1841, presidiu à Câmara de Deputados e, entre 1858 e 1861, presidiu algumas vezes, interinamente, à Câmara dos Pares. Em 1842, foi nomeado ministro da Marinha e Ultramar, no Governo presidido pelo duque de Palmela, de 7 a 9 de fevereiro de 1842, num ministério conhecido como Governo do Entrudo. Fez parte do ministério presidido pelo duque de Saldanha (22/05/1851-06/06/1856), como ministro e secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar, de 4 de março de 1852 a 6 de junho de 1856, acumulando com a pasta de ministro e secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, a partir de 31 de dezembro de 1852. Foi ainda diretor da Escola Politécnica de Lisboa e conselheiro do Tribunal de Contas. Foi nomeado par do Reino a 5 de janeiro de 1853 e agraciado com o título de visconde de Atouguia, por duas vidas, a 15 de março de 1853, tendo também recebido várias comendas nacionais e estrangeiras. Em 1832, iniciou-se na maçonaria, em Angra do Heroísmo. Faleceu em Lisboa, a 17 de maio de 1861.     Gabriel Pita (atualizado a 07.10.2016)

História Política e Institucional Personalidades

alterações climáticas

As alterações climáticas apresentam-se nos alvores do séc. XXI como um dos temas que mais atenção tem recebido por parte da comunidade científica, decisores políticos e económicos. Esta importância advém não só da magnitude dos impactes negativos que lhes têm sido associados ao nível dos ecossistemas e atividades económicas, como também da magnitude dos impactes potenciais previstos em função de projeções climáticas produzidas. As mudanças climáticas são um processo comum ao longo da história geológica da Terra, sendo mesmo interpretado como uma norma e não como a exceção. Vários registos fósseis permitem inferir mudanças profundas nas condições paleoambientais, onde se identificam oscilações climáticas que contemplam tanto períodos quentes e húmidos, aos quais se associa a expansão das massas florestais, como períodos frios, caracterizados pela expansão das massas de gelo continentais e calotes polares. Esta oscilação climática bastante pronunciada é evidente em escalas temporais da ordem dos milhares ou milhões de anos. Se a escala temporal for reduzida para a ordem das centenas de anos, então essas variações assumem uma oscilação muito menos significativa, como é possível inferir a partir da análise de registos históricos, onde apenas é possível identificar, no caso das plantas, mudanças fenológicas com base nos registos da época das colheitas, induzir impactes associados através da arte, como no caso da pintura durante a Pequena Idade do Gelo na Europa (séc. XV a séc. XVIII), ou através dos anéis de crescimento de árvores (dendrocronologia). Mas foi o registo contínuo do comportamento dos elementos climáticos  (v.g.: temperatura, precipitação, humidade relativa, etc.) que permitiu identificar mudanças climáticas a escalas ainda mais finas que o século. Foi com base nos registos efetuados (séries climáticas), numa parte significativa do globo terrestre durante o séc. XX, que foi possível confirmar as tendências de aquecimento climático na segunda metade deste século, determinado por um aumento da temperatura média. Identificado como “aquecimento global”, vários são os impactes que lhe são associados, nomeadamente a fusão dos gelos dos glaciares continentais e calotes polares, maior intensidade e frequência dos paroxismos climáticos (ciclones tropicais, precipitações intensas, secas prolongadas), alterações nas rotas de espécies migratórias, modificações na distribuição de animais e plantas, redução do número de dias com cobertura nivosa, bem como a antecipação da fusão da cobertura nivosa, entre outros. Esta tendência climática, evidente a partir dos anos 70 nas análises de tendências climáticas, tem sido relacionada com o aumento da concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera, uma consequência da intensificação e expansão de atividades humanas que dependem energeticamente do consumo de combustíveis fósseis, cuja combustão é responsável pela libertação de grande quantidade de gases com efeito de estufa para a atmosfera (v.g.: dióxido de carbono). Além de ter sido considerada estatisticamente significativa, esta tendência climática teve já reflexos, nomeadamente em termos fenológicos, promovendo uma antecipação da época de floração e frutificação nas plantas. O impacte das mudanças climáticas nas ilhas da Macaronésia Apesar das diferenças em termos de magnitude e direção nas mudanças climáticas projetadas, é expectável que os impactes associados às mudanças climáticas sejam inflacionados por sinergias entre fatores em pequenas ilhas habitadas, nomeadamente devido às consequências do uso do território pelas atividades humanas. O grau de vulnerabilidade destes territórios depende muito dos respetivos atributos geográficos e do domínio em análise. No caso de alguns arquipélagos da Macaronésia (Madeira, Canárias), o seu caráter insular e posicionamento foi determinante para explicar o seu papel como refúgios para elementos florísticos relacionados com a flora paleotropical, que aqui sobreviveram às crises climáticas plio-pleistocénicas, responsáveis pela sua extinção nos territórios continentais próximos, uma dinâmica confirmada por estudos filogenéticos e registos fósseis. Estes arquipélagos mantiveram condições ambientais adequadas à permanência de vegetação perenifólia de folhas largas, já extinta no território europeu desde o final do Pliocénico (Piacenziano – 3,6-2,6 Ma), devido a um processo de degradação climática iniciada no final do Miocénico. Na verdade, um clima quente, húmido e sem estações bem definidas, que permitiu a presença de flora paleotropical na Europa ocidental até ao Miocénico (23-5,3 Ma), deverá ter persistido até ao Pliocénico médio (4,1 Ma) nos arquipélagos atlânticos, uma inferência suportada na presença de registos fósseis em depósitos marinhos mio-pliocénicos nas Canárias orientais, nomeadamente gastrópodes marinhos de águas pouco profundas atualmente associadas a latitudes tropicais. O arrefecimento climático associado aos reajustes na circulação oceânica e atmosférica decorrentes do encerramento definitivo do istmo do Panamá (2,5 Ma) deverá ter implicado algumas mudanças espaciais, e talvez florísticas, na organização dos tipos de vegetação neste grupo de arquipélagos atlânticos, sem que no entanto possam ser comparadas com as alterações que ocorreram nesse período nos territórios continentais Europeu e Norte Africano. É precisamente neste período, marcado pela formação de calotes polares no hemisfério Norte, que se define a influência da cintura de altas pressões subtropicais, reforçando a estacionalidade das condições climáticas no sentido da mediterranização do clima devido a uma redução e concentração dos totais pluviométricos, suportando a definição de um regime climático estruturado em função de uma estação seca. O vigor desta estação seca terá sido menor nas ilhas oceânicas, principalmente nos arquipélagos mais setentrionais, onde a posição latitudinal (arquipélago dos Açores), o predomínio de massas de ar húmido, e as condições orográficas (ilha da Madeira) garantiram valores de precipitação anual mais elevados comparativamente aos territórios continentais. As condições orográficas terão sido mesmo determinantes no caso dos arquipélagos da Madeira e Canárias, pela presença de barreiras montanhosas perpendiculares aos ventos dominantes de nordeste. As massas de ar húmido, impelidas contra as ilhas durante a estação mais seca pelo impulso gerado pelos ventos Alísios, deveriam garantir valores de humidade relativa elevados, principalmente nas vertentes a barlavento, onde, à semelhança do padrão climático registado ao longo do séc. XX, seria muito frequente a formação de nevoeiros. Aliás, é neste enquadramento topográfico que se encontram as manchas mais significativas de laurissilva na ilha da Madeira e algumas ilhas do arquipélago das Canárias (Tenerife, La Gomera, La Palma). A favorecer a permanência desta flora esteve ainda o facto de o rigor do inverno, traduzido no registo de temperaturas negativas que promovem a formação de geada ou a ocorrência de precipitação no estado sólido, apenas tocar ligeiramente os picos mais elevados das ilhas (ilha do Pico nos Açores, maciço central na ilha da Madeira, pico Teide na ilha de Tenerife e maciço do Roque de los Muchachos na ilha de La Palma – Canárias). Poderá, no entanto, ter sido mais importante nos períodos mais frios, como na Pequena Idade do Gelo, provocando mesmo uma significativa contração da floresta de planifólios e formações termófilas de caráter mediterrâneo durante o último máximo glaciário (18-11,6 Ka), em paralelo com a expansão de comunidades dominadas por urzes, zimbro e teixo (nas Canárias verifica-se a expansão de Pinus canariensis), um cenário suportado pela análise de sequências sedimentares de fundos marinhos. Esta variação das condições climáticas pode ainda ser inferida a partir de depósitos costeiros, onde a alternância de fácies permite diferenciar: i) períodos mais frios e secos, caracterizados pela acumulação de areias eólicas de origem marinha, disponibilizadas num contexto de nível do mar mais baixo; ii) períodos mais quentes com alguma humidade, onde se identificam processos de pedogénese (construção de solo), embora muitas vezes incipientes, e restos vegetais, indicando condições ecológicas adequadas à colonização vegetal; iii) períodos de grande aridez, identificados por níveis de calcretos (precipitação de carbonatos). Todas estas variações climáticas permitiram, no entanto, que nestes arquipélagos atlânticos tivessem subsistido elementos florísticos com afinidade à flora paleotropical, como sejam alguns taxa associados à laurissilva, como fanerófitos perenifólios de folha larga, e pteridófitos, os quais estão incluídos no registo fóssil do território europeu, principalmente na Península Ibérica, onde terão permanecido até mais tarde, comparativamente à restante Europa. Um dos últimos momentos em que as mudanças climáticas implicaram significativas alterações ao nível dos ecossistemas ocorreu há cerca de 18.000 anos, e ficou conhecido por último máximo glaciário, tendo-se caracterizado por um período de arrefecimento muito pronunciado. Neste período, o território continental europeu registou um aumento significativo de glaciares de montanha, e registou uma redução significativa das florestas caducifólias temperadas, ao passo que se verificou um aumento significativo de vegetação associada a ambientes frios. Os arquipélagos atlânticos, dada a sua condição insular, beneficiaram do efeito suavizante do oceano, pelo que o processo de arrefecimento não terá sido tão pronunciado. No entanto, é expectável que tivessem ocorrido ajustes espaciais na representatividade dos tipos de vegetação presentes nas ilhas, no sentido de uma expansão dos tipos de vegetação mais tolerantes ao frio, como sejam os dominados por espécies como as urzes, o teixo, o zimbro e a sorveira. Mudanças climáticas na ilha da Madeira Nos registos históricos produzidos após a ocupação das ilhas no séc. XV é possível detetar o reflexo atenuado de mudanças climáticas, que no território continental europeu produzem impactes significativos. Na ilha da Madeira, a um avanço registado no período das colheitas nos sécs. XV e XVI, associado a um período mais quente, sucede um período mais frio e húmido nos sécs. XVII e XVIII, com o consequente atraso no período das colheitas. Esta oscilação corresponde à transição entre o período quente da Alta Idade Média e o período identificado como Pequena Idade do Gelo, sendo este último período caracterizado pela frequência de invernos muito rigorosos e longos, bem como verões muito curtos. Em termos de tendências climáticas no séc. XX, a análise das séries climáticas do Funchal, uma das estações com registo mais longo no arquipélago da Madeira, permite verificar alguma coincidência temporal ao nível das tendências climáticas identificadas para territórios europeus para o mesmo período. O padrão identificado mostra um aumento mais significativo da temperatura média a partir de 1975, suportado principalmente por uma diminuição da amplitude térmica diária, já que a temperatura mínima sofre um aumento superior ao registado pela temperatura máxima. Verifica-se mesmo um aumento do número de dias com temperaturas superiores a 25 °C no verão, bem como um aumento do número de noites tropicais (temperatura mínima superior a 20 °C). Ainda que não se identifique uma tendência clara em termos de precipitação, é identificado um aumento do número de verões sem registo de precipitação. Estas tendências climáticas, nomeadamente as associadas ao comportamento da temperatura média, que parecem configurar uma situação de tropicalização do clima, podem ter reflexos ao nível da saúde pública, nomeadamente pela ocorrência de doenças associadas aos ambientes tropicais, como é o caso de registos de dengue, cuja ocorrência no início do séc. XXI é consistente com esta suposição. Projeções climáticas para a ilha da Madeira feitas no começo do séc. XXI As projeções climáticas criadas para a ilha da Madeira estão baseadas no modelo Clima Insular à Escala Local (CIELO), um modelo climático construído para regionalizar (downscaling) parâmetros climáticos para o contexto de pequenas ilhas montanhosas, a partir dos resultados produzidos por modelos oceano-atmosfera de larga escala, como os modelos Hadley Centre Coupled Model, versão 3 (HadCM3) ou CSIRO Atmospheric Research, Australia (CSIRO_MK3.6), os quais suportam as projeções climáticas em cenários de emissão de gases com efeito de estufa (Special Reports on Emission Scenarios – SRES). Dadas as incertezas que subsistem em termos de comportamento futuro dos vários parâmetros que servem de base à criação destas projeções, são consideradas várias situações, identificadas como cenários possíveis: A1B, A1T, A1Fl, A2, B1 e B2. Cada cenário climático está associado a um determinado cenário de emissão de gases com efeito de estufa, que por sua vez está ancorado em parâmetros sócio-demográficos, económicos e tecnológicos precisos. Isto porque a dinâmica de emissão de gases com efeito de estufa está muito associada à variação em termos de consumo de combustíveis fósseis, o qual é condicionado pela dinâmica ao nível dos referidos parâmetros. Esta relação é a base da teoria que apresenta o aumento da concentração de gases com efeito de estufa como fator determinante para o fenómeno de aquecimento global identificado no final do séc. XX e início do séc. XXI, sendo este aumento o reflexo da dinâmica económica e demográfica, das condições sociais e do desenvolvimento tecnológico pós-Revolução Industrial. No caso da ilha da Madeira, as projeções climáticas, regionalizadas pelo modelo CIELO, baseiam-se no modelo de larga escala HadCM3. Em termos de precipitação, os cenários projetam um decréscimo dos valores anuais na ordem dos 20 a 35%, com perdas mais acentuadas na face Sul da Ilha. Em termos absolutos, as perdas mais elevadas são projetadas para os topos da Ilha, e podem atingir os 800 mm. Estes valores médios escondem, no entanto, tendências contraditórias ao nível estacional. Os cenários projetam um aumento dos valores de precipitação no período de verão, particularmente importantes na face Norte da Ilha no âmbito do cenário A2. Apesar de este aumento projetado para o verão não permitir superar o decréscimo previsto para o inverno, outono e primavera, revela-se como importante do ponto de vista ecológico, pois ocorre no período em que a disponibilidade de água representa uma limitação importante para as funções dos ecossistemas da Ilha. Ao nível da temperatura projeta-se um aumento em todos os cenários (v.g.: A2: 2,4-3 °C; B2: 1,6-2.2 °C), um aumento que se prevê mais pronunciado nas áreas costeiras da face Norte da Ilha. No inverno o aumento projetado para a temperatura média está estruturado principalmente pelo aumento mais significativo da temperatura mínima, promovendo uma redução das amplitudes térmicas diárias, sendo este aumento previsto mais significativo nos topos da Ilha. Estas projeções desencadearão um processo de reajuste dos sistemas naturais, o que certamente terá reflexos nos recursos naturais, principalmente em pequenas ilhas, como é o caso da ilha da Madeira, com reflexos importantes nas sociedades cujas atividades dependem da exploração destes recursos. No caso da ilha da Madeira, os reflexos podem ocorrer em vários domínios, de forma direta ou indireta: i) na disponibilidade de recursos hídricos, fortemente dependente das condições climáticas; ii) no aumento da vulnerabilidade à ocorrência de paroxismos climáticos, como o aumento da frequência e intensidade de eventos de precipitação intensa, favorecendo um aumento da suscetibilidade à ocorrência de episódios de aluvião; iii) pela subida do nível do mar, com importantes reflexos na área costeira, principalmente devido à concentração das áreas urbanas e infraestruturas ligadas ao turismo em áreas de baixa altitude junto mar; iv) o aumento da vulnerabilidade à proliferação de doenças tropicais (dengue, malária, febre do Nilo Ocidental), pela possibilidade de ocorrer a instalação de vetores, com implicações na saúde pública e na atratividade do destino turístico; v) devido a mudanças nas florestas nativas da Ilha, não só por fatores internos, associados às exigências ambientais das espécies que as constituem, como por fatores externos, como o aumento do risco meteorológico de incêndio florestal; vi) a extinção/extirpação de espécies endémicas por alterações nos habitats. Todas estas alterações, com múltiplas relações com diferentes sectores, podem promover um “efeito cascata”, provocando um impacte muito forte no equilíbrio da Ilha. Ao nível dos recursos naturais, os recursos hídricos, as florestas nativas e a biodiversidade mereceram já especial atenção ao nível da definição de medidas de mitigação de impactes e adaptação a novas condições, dadas as vulnerabilidades identificadas. Impactes previstos nos recursos hídricos Tendo em conta a redução prevista dos totais pluviométricos anuais e o possível reforço da irregularidade ao nível do regime pluviométrico, é de esperar uma redução dos recursos hídricos disponíveis. Esta previsão é reforçada pelo facto de a redução prevista de totais pluviométricos ocorrer principalmente nos sectores de maior altitude, sectores onde ocorre preferencialmente o processo de recarga do sistema aquífero da Ilha. Esta previsão, com potenciais problemas no abastecimento, desencadeou a necessidade de definir planos de adaptação. Estes impactes poderão ser mais significativos se for considerado o importante contributo da precipitação oculta para o balanço hídrico da Ilha, o qual pode sofrer uma redução devido a uma alteração na posição e intensidade dos centros barométricos que determinam o padrão climático da Ilha. Refira-se a ação do anticiclone dos Açores, motor responsável pela frequência dos ventos Alísios, e um fator determinante para a formação de nevoeiros de origem orográfica na face a barlavento da Ilha, responsáveis pela ocorrência do tipo de precipitação mencionada. Impactes previstos na distribuição da flora endémica A flora endémica, nomeadamente as espécies exclusivas de distribuição mais restrita, pode apresentar maior suscetibilidade às mudanças climáticas projetadas, sofrendo alterações mais significativas na sua distribuição. Além de estarem associados a condições ecológicas específicas, a elevada suscetibilidade é reforçada pela elevada fragmentação e perturbação dos seus habitats, resultantes do padrão de uso do solo vigente durante séculos nas suas áreas de distribuição potencial. É expectável que as espécies endémicas, cuja distribuição atual está resumida a um reduzido número de populações constituídas por poucos efetivos nos topos das ilhas, figurem como o tipo de endemismo que apresenta susceptibilidade mais elevada aos impactes das mudanças climáticas, podendo verificar-se a extinção de condições adequadas à sua ocorrência. Entre os endemismos que mais se associam a esta descrição está o ameixieiro de espinho (Berberis maderensis Lowe), a sorveira (Sorbus maderensis (Lowe) Dode), a arméria da Madeira (Armeria maderensis Lowe) ou a urze da Madeira (Erica maderensis (Benth.) Bornm). [caption id="attachment_11692" align="aligncenter" width="807"] Fig. 1 – Área de ocorrência potencial, para as condições climáticas dos começos do séc. XXI, dos endemismos Berberis maderensis (A) e Sorbus maderensis (B).Fonte: FIGUEIREDO, 2013.[/caption] São espécies que apresentam uma reduzida área de ocorrência potencial nos começos do séc. XXI (fig. 1), e os modelos preveem que em cenários climáticos futuros deixem de estar reunidas as condições adequadas à sua presença na Ilha, o que, aliado à sua atual restrição geográfica nos cumes da Ilha e reduzido número de populações de poucos indivíduos, pode configurar uma combinação deletéria de fatores, favoráveis à sua extinção. Impactes previstos nas florestas nativas Os impactes das alterações climáticas podem acarretar mudanças ao nível da área ocupada e composição florística das comunidades vegetais, pois os diferentes organismos, árvores ou arbustos, terão respostas diferenciadas perante as alterações das condições ecológicas derivadas. Dada a resiliência que massas florestais adultas apresentam em relação a mudanças ao nível das condições ambientais, é possível que os impactes das mudanças climáticas projetadas se manifestem primeiro em termos de vulnerabilidade a pragas e doenças, e só depois sejam percetíveis em termos de alterações de distribuição de algumas plantas, sem que a estrutura seja de imediato especialmente afetada. Segundo A. Figueiredo, e considerando apenas as projeções para dois cenários climáticos (A2 e B2), as alterações na área de distribuição potencial dos diferentes tipos de florestas presentes na Ilha (florestas e micro-florestas) variam conforme o cenário considerado, podendo mesmo apresentar tendências opostas. [caption id="attachment_11698" align="aligncenter" width="673"] Fig. 2 – Área de ocorrência potencial da laurissilva do til para as condições climáticas e começos do séc. XXI (A) e para o cenário A2 (B). Fonte: FIGUEIREDO, 2013.[/caption] Segundo o autor, os modelos prevêem um aumento da área adequada à ocorrência do zambujal, principalmente na face Sul da Ilha, e da área adequada à ocorrência da laurissilva mediterrânea (laurissilva do barbusano), resultado de uma expansão em altitude na face Norte, superando a perda prevista para os sectores de menor altitude no lado Sul da Ilha. Apesar de os resultados dos modelos apontarem para um aumento da área potencial de ocorrência destes bosques, a verdade é que vários fatores podem condicionar esta previsão. Ambos os tipos de bosque estão na atualidade reduzidos a pequenas manchas limitadas a enclaves, o que limitará certamente a possibilidade de se reinstalarem nas áreas envolventes, a maior parte associadas a uso agrícola ao longo de séculos. Ou mesmo colonizarem novas áreas, dado o reduzido número de áreas-fonte de propágulos disponíveis. Mesmo considerando a importância da área agrícola afetada pelo abandono, o que poderia ser um fator favorável, desconhece-se a capacidade que as espécies estruturantes destes bosques apresentam em termos de competição com espécies exóticas invasoras, com algumas das quais apresentam uma sobreposição muito significativa em termos de áreas previstas como adequadas à sua ocorrência. No caso da laurissilva do til, também designada por laurissilva temperada, a floresta nativa que ocupa maior área no começo do séc. XXI, as alterações na sua distribuição, nomeadamente uma redução da área potencial, podem significar perdas importantes, dado o papel relevante ao nível do fornecimento de serviços (turismo, biodiversidade, proteção dos solos, balanço hídrico). A perda significativa da área adequada à ocorrência deste tipo de bosque, no âmbito dos resultados obtidos para o cenário A2 (fig. 2), está prevista para os sectores de menor altitude, enquanto se verifica uma expansão da área adequada a esta floresta nos sectores de maior altitude da Ilha, nomeadamente nas cabeceiras dos vales que se instalam nos maciços montanhosos e na bordadura norte do Paul da Serra. Esta expansão para sectores de maior altitude determinará certamente uma redução da área potencial dos urzais de altitude, reduzidos a pequenas manchas no início do séc. XXI. A avaliação dos impactes das mudanças climáticas na distribuição dos organismos na ilha da Madeira, nomeadamente das plantas, deve ter em conta o facto de que grande parte dos habitats foi de alguma forma perturbado pelas atividades humanas. Assim, a distribuição das espécies está certamente enviesada pela fragmentação de habitats, uso do solo, etc., o que favorece um aumento da incerteza nos resultados dos modelos. Como a área profundamente alterada pelas atividades humanas constituirá um obstáculo à ocupação de novas áreas pela vegetação nativa, ajustando-se a um novo padrão climático, será benéfico considerar possíveis cenários de mudança no uso do solo, tendo em conta tendências observadas no final do séc. XX e início do séc. XXI, permitindo uma interpretação mais adequada dos resultados dos modelos, considerando a sua importância para a definição de medidas de mitigação e adaptação a novas condições climáticas.   Albano Figueiredo Miguel Sequeira (atualizado a 14.09.2016)

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aljube

“Aljube” era a designação da prisão eclesiástica, que existiu em todas as dioceses portuguesas e não só, desde tempos muito antigos. A sua instalação no Funchal ocorreu com a chegada das primeiras diretivas do Concílio de Trento, em 1562, e com a vigência de D. Fr. Jorge de Lemos (c. 1510-1574), o primeiro bispo residente que a Madeira conheceu (Lemos, D. Fr. Jorge de). Situava-se, sensivelmente, naquele que veio a ser o Lg. João Gago e na rua que logo recebeu o nome “do Aljube”, durando todo o Antigo Regime. Saliente-se, no entanto, que o aljube servia de cárcere a todos aqueles que não fosse possível deter de outro modo, mas não aos eclesiásticos, que na generalidade eram presos na torre da Sé. Área da Sé com o Aljube-1804     Área da Sé com o Aljube-1805   Fr. Jorge de Lemos empreendeu uma vasta campanha de correção dos abusos resultantes da não residência de um prelado no Funchal, facto que permitira a instalação de um clima de pouca observância dos preceitos religiosos, muito especialmente dentro do novo quadro tridentino. Da veemência desta intervenção, adveio a fama de o bispo ser rigoroso e severo nas punições. O seu empenho na correção dos desmandos traduziu-se numa larga produção legislativa que acentuava a necessidade de as justiças secular e religiosa se auxiliarem mutuamente. Entrava-se, progressivamente, no período da Contrarreforma e, a 18 de fevereiro de 1558, o gabinete de D. Sebastião, à frente do qual se encontrava o cardeal D. Henrique e depois se haveria de colocar o P.e Martim Gonçalves da Câmara (c. 1539-1613), fazia publicar um alvará onde se ordenava que o corregedor da capitania do Funchal, o provedor dos resíduos e o juiz de fora se disponibilizassem para acudir ao bispo sempre que as pessoas condenadas, em visitação, a penas até 2$000 réis se recusassem a cumprir o castigo. Logo de seguida, a 12 de março, o gabinete régio promulgou uma nova determinação que obrigava o corregedor e outros oficiais de justiça na Madeira a prestarem ao prelado toda a ajuda e auxílio requeridos. Em 1564, o gabinete régio voltou a publicar outro alvará, insistindo que incumbia aos oficiais judiciais seculares punirem qualquer pessoa que afrontasse a justiça eclesiástica. Aljube e Câmara do Funchal -1870.   A produção de toda esta legislação demonstra bem a vontade régia de colocar os mecanismos de justiça mais diretamente dependentes da coroa ao serviço da administração eclesiástica, a quem, em contrapartida, era solicitado auxílio para intervir, nas pregações e visitações, caso fossem detetados devedores à Fazenda régia, mostrando bem a perfeita consciência da importância da Igreja, localmente representada pelos bispos, como instrumento do reforço da autoridade do poder central. O prelado era apresentado pelo Rei e pago pela Fazenda régia, sendo entendido como o número dois da hierarquia insular, pelo que, faltando futuramente o representante local do rei, aquele viria a assumiria o lugar, inclusivamente, com funções militares, embora tal ocorresse apenas alguns anos depois. Frestas das escadas da torre da Sé Deve-se, assim, ao bispo D. Fr. Jorge de Lemos a montagem do aljube. O edifício foi adquirido a 5 de março de 1562, a Mendo Ornelas de Moura e a sua mulher, moradores no Caniço. Consistia em umas “casas”, “com dois sobrados”, acima da “sé desta cidade, defronte da porta travessa da banda de cima, que partia duma parte com casas de Tristão de França e pela outra, com as dos herdeiros de Francisco Vieira (antigo prioste) e pela banda do norte, com os herdeiros de Tristão Vaz e da outra, com a rua pública”, tendo custado 80$000 réis, tudo “pago em dinheiro de contado” (ANTT, Cabido da Sé do Funchal, maç. 2, docs. 45 e 46). Com esta aquisição, ampliou-se a cerca da sé para norte e montaram-se as escadas no edifício, datando de 15 de abril de 1562 a autorização camarária para se fazer na “rua do concelho a escada do aljube” (Id., Ibid., doc. 46). A 6 de julho de 1562, por alvará régio, foi criado o lugar de aljubeiro, com uma remuneração anual de 4$000 réis e, a 12 de junho, foi ordenado “um acrescentamento de 2$000 ao dito aljubeiro, para ter de seu ordenado 6$000” (BNP, Índice do Registo da Provedoria..., 71v.-72). Nos anos seguintes registaram-se inúmeras prisões no aljube, essencialmente de populares, condenados por crimes diversos, como mancebia e prostituição.     Pormenor do Aljube e Câmara do Funchal -1870.   Pontualmente, no entanto, chegaram a estar ali presos (e por vezes na torre, por falta de espaço disponível) outros indivíduos, como vereadores e funcionários de justiça. Essa situação verificou-se, e.g., na vigência de D. Fr. Manuel Coutinho (1673-1742) (Coutinho, D. frei Manuel) ou de D. Gaspar Afonso da Costa Brandão (c. 1710-1784). Foi em Oitocentos que a ocupação das prisões da cidade, incluindo o aljube, conheceu a sua máxima ocupação, com as alçadas de 1823 e de 1828, no contexto dos conflitos entre liberais e absolutistas. O aljube veio a ser demolido nos finais do séc. XIX, em data que não conseguimos apurar, mas ainda surge em fotografias da déc. de 70 dessa centúria. A sua memória perdura ainda na rua com o seu nome e, embora ao longo do liberalismo e do rotativismo tenha sido uma das artérias a que Câmara tentou atribuir mais vezes outras designações, nenhuma outra persistiu.   Rui Carita (atualizado a 17.08.2016)

Direito e Política

alçadas

Infante D. Henrique Leopoldo de Almeida   A justiça era o atributo máximo dos reis; em relação à Madeira, logicamente, e dada a distância e descontinuidade territorial, foi de início delegada, mas parcialmente, nos representantes dos monarcas. Primeiro, no donatário, o infante D. Henrique (1395-1460), e nos seus capitães, pois o Rei D. João I, na doação do arquipélago ao infante, a 26 de setembro de 1433, reservara para a coroa o princípio da maioria da justiça e da cunhagem da moeda. Depois, nos capitães do donatário e, logo, também nas vereações camarárias, que eram ainda um tribunal; mais tarde, igualmente nos ouvidores e corregedores, eles próprios “com alçada”, ou seja, com determinado âmbito de jurisdição. Denominavam-se alçadas, antigamente, os tribunais coletivos e ambulantes que, percorrendo o território, administravam a justiça em nome do rei. Escreve António de Morais Silva, no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, a partir de Vida do Arcebispo de frei Luís de Sousa, que “chamamos alçada a uns tribunais ou casa de justiça, que constam de presidente e companhia, e autoridade de ministros, os quais em forma de ‘Relação’ discorrem por todos os povos com poderes reais, como em visita geral, a desfazer agravos, castigar insultos, tolher forças e humilhar poderosos, que mal usam do seu poder” (SILVA, 1949, I, 568). O termo é, ainda, sinónimo de competência, jurisdição, limite de ação e influência, e aplica-se igualmente à Igreja (Auditório eclesiástico, Jurisdição eclesiástica). Certamente, não com a frequência com que ocorreu com a jurisdição real e não-alçadas eclesiásticas vindas do reino, cuja competência canónica era muito restrita na diocese do Funchal, nem de Roma, cuja distância colocava a Ilha a coberto de uma intervenção desse género através do prelado diocesano, que, face a queixas recebidas e a informações transmitidas pelos seus visitadores, e encontrando-se por vezes em Lisboa, determinava o envio de alçadas a várias freguesias da Madeira. Assim aconteceu com a maioria dos prelados, primeiro, pessoalmente e, depois, por delegados, com especial relevância no caso de D. Fr. Manuel Coutinho (1673-1742) (Jacobeia). Inclusivamente, o bispo possuía prisão própria para os chamados delitos de foro misto, o aljube, sendo os eclesiásticos presos na torre da Sé, embora também tenha havido não eclesiásticos aí detidos. Nos meados do séc. XV, aparecem de imediato na Ilha elementos com determinadas alçadas ou jurisdições enviados pelo donatário como ouvidores, surgindo os primeiros a pedido dos moradores, para uma mais eficaz e correta aplicação da justiça. O primeiro ouvidor do duque D. Fernando (1433-1470), sobrinho e herdeiro do infante D. Henrique, foi Dinis Anes da Grã, nomeado a 10 de maio de 1466 e enviado a pedido dos procuradores da Ilha, então Mem Rodrigues de Vasconcelos, fidalgo da casa do duque, e Gonçalo Anes de Velosa, escudeiro, que o solicitaram por entenderem ser necessário “mandar prover sobre a justiça e boa governação” da Madeira (ARM, Câmara Municipal do Funchal, Registo geral, tombo 1, fls. 134-135). A jurisdição ou alçada de Dinis Anes da Grã, sob a forma de regimento ou de carta, com competência em ambas as capitanias, Funchal e Machico, permitia-lhe realizar a eleição dos juízes e oficiais do concelho, encarregar-se de “todos os feitos crime que a mim pertencer livrar, e cíveis, que forem sobre dívidas e contratos, e outros feitos semelhantes, ora sejam começados ou por começar”, como escreveu o duque, determinando ainda que “os despacheis”, para “livres, sem mais, virem a mim” (Id., Ibid.). Competia-lhe também decidir conjuntamente com o capitão e o almoxarife sobre “os feitos e demandas” relativos às águas e “doações de terras”, e quando estivesse em desacordo com o capitão nessas matérias, deveria fazer registo de tudo para ser presente ao duque-donatário (Id., Ibid.). Não sabemos quanto tempo Dinis da Grã esteve na Ilha. Ainda aí se encontrava a 4 setembro desse ano de 1466, quando o duque enviou uma carta ao mesmo ouvidor sobre a coutada a estabelecer no Funchal para “os bois de arado e bestas de servidão”, dado que para o trabalho das sementeiras não havia “bois que os possam servir” e que seria situada acima da praia Formosa (Ib., Ibid., fls. 136-136v.). O ouvidor faleceu, entretanto, mas não sabemos se na Madeira. Com efeito, em carta de 6 de agosto de 1468, sobre a jurisdição do Funchal em relação ao lugar de Câmara de Lobos, já o duque refere que “umas posturas que Dinis Anes da Grã, meu ouvidor que Deus perdoe”, tinha dado aos moradores daquele lugar atribuía-lhes determinadas prerrogativas sobre “penas e coimas”, pelo que os mesmos moradores entendiam não ter de participar na procissão de Corpo de Deus da vila do Funchal, determinando-se então que eram parte integrante da mesma vila, devendo obediência à dita (Id., Ibid., fls. 270-271). Simão Gonçalves da Câmara_1527-1531   Com o falecimento do infante e duque D. Fernando, em 1470, assumiu a administração da Ordem de Cristo a infanta D. Beatriz (1430-1506). Na menoridade dos seus filhos, enviou também logo ouvidores com idêntica alçada, designadamente Luís Godinho, em 1478, que serviria depois sob a administração do duque D. Manuel (1469-1521). Seguiu-se, em 1485, Brás Afonso Correia e, em 1493, Fernão de Parada. Nos anos sequentes, subindo D. Manuel ao trono e integrando a Madeira na coroa “para sempre”, a 27 de abril de 1497 (Id., Ibid., fls. 272-273v.), face ao protagonismo excessivo assumido pelo Cap. Simão Gonçalves da Câmara (1463-1530) (Câmara, Simão Gonçalves da) e a arbitrariedades várias, houve que proceder de uma outra forma, enviando especificamente um corregedor, que veio a suspender aquele capitão e os seus ouvidores. Já antes, o rei D. Manuel, logo após o falecimento do segundo capitão do Funchal, João Gonçalves da Câmara (1414-1501), fizera partilhar a capitania do Funchal, criando mais duas câmaras: Ponta do Sol, em 1501 e Calheta, em 1502. Depois, em 1508, estando a “igreja grande” do Funchal quase pronta e sagradas as suas paredes, elevou a antiga vila a cidade e ainda, em 1514, conseguiu de Roma a elevação a sede de diocese para a mesma, medidas que fizeram diminuir progressivamente o referido protagonismo local do terceiro capitão do Funchal, Simão Gonçalves da Câmara, que veio a ter o cognome de O Magnífico. Porém, tendo chegado a Lisboa queixas da sua atuação, o rei despachou para a Ilha, a 20 de fevereiro de 1516, Diogo Taveira, em correição, que suspendeu o dito capitão do Funchal. As queixas não eram recentes e já o anterior corregedor, Álvaro Fernandes, enviara ao rei, a pedido do mesmo, a 8 de julho 1504, um auto com o rol das dívidas do capitão. Mais tarde, em carta de 25 de outubro de 1515, também a Câmara do Funchal se queixava da intromissão do capitão nos seus assuntos e na jurisdição dos seus ministros. Simão Gonçalves da Câmara tomou a chegada do corregedor como uma afronta e ingerência nos assuntos da sua capitania, queixando-se às instâncias superiores do reino, invocando estar na posse da jurisdição do cível e do crime, sem dar apelação nem agravo, exceto nas sentenças de morte e talhamento de membro, como constava da sua confirmação à frente da capitania, pelo que não via razão para a sua suspensão e dos seus ouvidores. A 8 de outubro de 1516, o corregedor escreveu ao rei, dando conta das diversas irregularidades, nomeadamente fraudes à Fazenda cometidas pelos rendeiros, falta de administração da justiça e demoras nas demandas. Entretanto, também a Câmara se queixava do aumento da tabela dos selos determinada pelo capitão, que subira o imposto de 9 para $036 réis, provocando assim um substancial aumento das suas receitas, pelo que D. Manuel, a 6 de abril de 1517, ordenou ao corregedor que inquirisse dessa ocorrência e não consentisse o aumento. O Cap. Simão Gonçalves da Câmara, logo em 1516, perante a gravidade das acusações recolhidas pelo corregedor, saiu da Ilha com intenções de passar a Castela. No Algarve, terá tido conhecimento de que os reis de Fez e de Mequinez apertavam o cerco a Arzila, mandando organizar um socorro, após o que se instalou em Sevilha, onde ficou a aguardar notícias de D. Manuel. O rei pareceu sensibilizar-se com este rasgo imprevisto e até grandioso e, para não o ver ao serviço de Castela, “escreveu-lhe uma carta com grandes promessas e esperanças de lhe fazer as honras e mercês que tais serviços mereciam, mandando-lhe que viesse logo e tornasse para o reino que ele o despacharia conforme os seus merecimentos” (FRUTUOSO, 1968, 246-247). Mas isso escreveu Jerónimo Dias Leite e transcreveu, depois, Gaspar Frutuoso, assim tentando justificar a conduta do capitão do Funchal, pois o mesmo, em princípio, não voltou à Madeira, tentou vender a capitania e veio a falecer em Matosinhos, em 1530. Nas décadas seguintes, e no âmbito da história da Madeira, o termo “alçada” indica, especialmente, a chegada de um corregedor do desembargo régio com pessoal ao seu serviço, em resposta a um desmando grave ocorrido na Ilha e que alcançara ao conhecimento da corte. A partir dos finais do séc. XVI, o governador passou a ir à Madeira acompanhado de um corregedor; e, em 1681, o Rei começou a nomear também um juiz-de-fora para a Câmara com funções de correição, similar ao provedor que atuava na esfera da Fazenda. Mas a opção foi para desfasar temporalmente os períodos de estadia dos governadores e dos corregedores, que passaram a responder autonomamente à corte de Lisboa e, durante a União Ibérica, também à de Madrid; assim, estes dois elementos passaram a encarnar os lugares cimeiros da administração periférica da Coroa, vindo a ser designados, amiúde, ministros do Rei, tal como consta em muita documentação coeva. Nos finais do séc. XVI, em 1597, o vice-rei bispo de Leiria, D. Pedro de Castilho, que fora bispo de Angra, enviou o corregedor André Lobo, “do desembargo de S. Majestade, el-rei e com alçada nestas ilhas”, à Madeira. André Lobo tomou posse a 26 janeiro de 1598 e compareceu no Funchal nos últimos dias do ano, tendo-se apresentado na Câmara a 1 de janeiro de 1599. Com este corregedor produziu-se um dos acontecimentos mais marcantes da organização governativa insular, ocorrido com a saída da Ilha do governador Diogo de Azambuja de Melo, em meados de outubro de 1599.   Membros do senado camarário_1821   Assim, a 31 de outubro, reuniram-se os vereadores na sede da Câmara, então nas traseiras da sé, com o bispo do Funchal, D. Luís Figueiredo de Lemos (1544-1608), o desembargador André Lobo, os vereadores camarários, “fidalgos, gente da governança e capitães” do presídio, “e saiu o bispo”, por 21 votos contra os 9 que teve o desembargador (ARM, Câmara Municipal do Funchal, Vereações 1599-1600, liv. 1314, fls. 45-47). A eleição faria jurisprudência na administração madeirense e, nos casos seguintes, não houve sequer votação, sendo o governo entregue, de imediato, ao prelado; esta situação do prelado como governador foi, depois, confirmada pela corte de Lisboa.     Vereadores da Câmara do Funchal em uniforme de gala-1816-1821   A primeira alçada do séc. XVII ocorreu em 1606, com o envio do desembargador António Ferreira, face às informações chegadas a Lisboa de que o governador João Fogaça d’Eça, descendente de Zarco, se recusara a expulsar quatro holandeses que viviam na Ilha, acusados de serem “correspondentes de rebeldes” (AGS, Secretarias Provinciales, liv. 1476, fl. 41). A indicação fora dada por Filipe III de Castela e configura um certo desnorte do governo, entre Madrid e Lisboa, com ordens e contraordens, acabando o governador por não ser suspenso, mas vindo a ser indiciado, em seguida, o do Porto Santo, Diogo Perestrelo Bisforte, a de 31 de outubro do mesmo ano, sendo impedido de continuar o exercício do cargo somente na alçada seguinte e tendo tido então ordem para se fazer apresentar na corte. Ao longo da primeira metade do séc. XVII e na vigência do governo filipino, foram, ainda, enviadas para a Ilha as alçadas do desembargador Simão Cardoso Cabral, em 1610; do desembargador da Casa da Suplicação, Gonçalo de Sousa, em 1614; do desembargador da Relação do Porto, Estêvão Leitão de Meireles, em 1627; e do desembargador da Casa da Suplicação, Ambrósio de Sequeira, em 1634. Estavam em causa, essencialmente, questões gerais de justiça que iam sendo notícia nas cortes de Lisboa e de Madrid, como queixas de assassinatos e, também, queixas relacionadas com o desvio de dinheiros da Fazenda, aspeto a que essas cortes estavam bastante mais atentas. A última alçada visou a cobrança do “donativo” ou “empréstimo” para o socorro do Brasil no valor de 30.000 cruzados (AGS, Secretarias Provinciales, liv. 1527, fl. 112v.; ANTT, Corpo Cronológico, parte 1, mç. 119, doc. 43; ARM, Câmara. Municipal do Funchal, Vereações, liv. 1327, fl. 31v) e revela já alguns aspetos do levantamento geral que ocorria em Portugal contra o governo filipino. Face àquele pedido, a 18 de fevereiro de 1637, os representantes dos vinte e quatro mesteres do Funchal (Casa dos 24) apresentaram mesmo em Câmara uma contestação à nova contribuição; ela começa com a declaração seguinte: “A mais natural obrigação que têm os senhores reis e príncipes católicos é não usurparem aos seus povos e vassalos, etc., aqueles privilégios, leis e isenções que os seus” antecessores haviam dado (ARM, Registo geral, tombo 3, fls. 19v.-20v.). Pediam, assim, que as suas “razões de justa escusa” fossem levadas ao conhecimento do rei, pois, “por particulares erros, não por ofensas públicas, que nunca as houve nesta Ilha contra o serviço real”, tinham sido castigados, desde 1615, “com três rigorosíssimas alçadas, com cujos custos não têm ficado aos moradores cabedal algum para acudirem às suas notórias e extremas necessidades” (Id., Ibid.). Os custos das alçadas caiam, logicamente, sobre os moradores, incluindo a residência do desembargador e do seu pessoal. Desta realidade já se havia queixado o governador D. Francisco de Sousa, em 1628, pedindo que fosse abreviado o tempo das alçadas, geralmente de três anos, mas, por consulta de 30 de janeiro de 1629, o seu requerimento não teve despacho favorável. A provisão régia de nomeação do desembargador Leitão de Meireles, p. ex., estipulava 1$000 réis por dia para o desembargador, $500 para o escrivão, $600 para o meirinho e mais $160 para cada homem armado, tudo ao dia, montantes que deveriam ser pagos pelos culpados, podendo-se fazer execução das suas fazendas. Mais tarde, em 1653, ao corregedor Dionísio Soares de Albergaria, determinava-se um salário de 1$200 réis por dia à custa da fazenda dos culpados executados; não havendo culpados ou não os podendo executar, seriam pagos 1$000 pela Fazenda Real. Grande parte destas averiguações corriam por denúncia, sendo os indiciados imediatamente espoliados dos seus bens e, não se confirmado depois as acusações, dificilmente os recuperavam, havendo inúmeras queixas a este respeito. A opinião dos representantes dos mesteres na Câmara do Funchal, alegando que “ofensas públicas” “nunca as houve nesta Ilha contra o serviço real”, está muito longe de corresponder à realidade, pois sempre existiram e continuariam a existir. Nos finais do séc. XVI, p. ex., organizou-se no Funchal, durante a noite, uma “matraca” contra o desembargador André Lobo (ANTT, Chancelaria de Filipe II, Perdões e legitimações, liv. 3, fl. 108), na qual terá estado envolvido o poeta e novelista Tristão Gomes de Castro (1539-1611) (Alferes-mor), que veio a ter carta de perdão pela acusação a 30 de março de 1605. Mais tarde, o desembargador Gonçalo de Sousa, temendo um atentado, deixou a cidade do Funchal para se refugiar em Machico, como refere, posteriormente, o provedor da Fazenda Francisco de Andrade, em carta de 30 de agosto de 1646, acrescentando que, depois, dois meirinhos e quatro homens da alçada do corregedor Ambrósio de Sequeira tinham sido violentamente atacados e ficado feridos. A 21 de outubro de 1628, os mercadores da cidade também tinham organizado “duas mangas de gente armada com cevadeiros de pedras e fundas” contra o desembargador Leitão de Meireles, ação que culminou com uma surriada e lançamento de imundices à porta deste e que incluiu a colocação de papéis “difamatórios” em vários locais da cidade (VERÍSSIMO, 1995, 262). Nos tumultos tinham estado envolvidos Francisco do Couto e Almeida, perdoado a 11 de outubro de 1640, e Manuel de Atouguia da Costa, que chegara a estar preso em Lisboa. A partir do final desse ano de 1640, a situação da ordem pública no Funchal piorou, não só em relação às questões da Fazenda, que motivaram a carta do provedor, mas também em relação a quase todos os poderes instituídos e, muito especialmente, aos “ministros do rei”. Após a aclamação de D. João IV, na organização dos festejos determinados pela Câmara, a 25 de janeiro de 1641, ocorreram uma série de tumultos graves. O edifício da Câmara foi invadido e foi eleita uma nova vereação; ocupou-se o edifício da Alfândega e foi demitido o provedor Manuel Vieira Cardoso, que teve de se refugiar no paço episcopal, sendo nomeando, por aclamação dita popular, um outro, João Rodrigues Teive. Registam-se, igualmente, tumultos contra o governador Luís de Miranda Henriques, acabando por ser nomeado, um ano depois dos acontecimentos, por provisão régia de 9 de fevereiro de 1642, o corregedor Gaspar Mouzinho de Barba, que se fez acompanhar pelo oficial Amaro Godinho Borges, apresentando-se ambos na Câmara do Funchal a 22 de março seguinte. Logo nesta apresentação, e perante o novo governador Nuno Pereira Freire, o juiz do povo Francisco Gomes solicitou que não se iniciasse a devassa antes de o governador cessante partir, para se poder apurar a verdade do que se passara. O corregedor Gaspar Mouzinho de Barba, no entanto, vinha também indigitado como provedor da Fazenda, com provisão datada de 6 de março de 1642, demitindo o provedor nomeado durante os tumultos de janeiro do ano anterior e iniciando uma série de averiguações que levaram a apurar diversas dívidas à Fazenda, especialmente, respeitantes ao comércio com o Brasil e de que conseguiu ainda recuperar algum dinheiro, em agosto. Deste mês em diante, continuaram a ser detetados outros atrasos nos pagamentos à Fazenda e, no final de dezembro, os vereadores Manuel Homem e Luís Manuel Leme da Câmara foram indiciados como tendo também dívidas e, inclusivamente, como tendo estado envolvidos nas nomeações populares para a Câmara e para a Fazenda realizadas em janeiro de 1641. Dada não apresentação de ambos ao corregedor e uma vez que tentaram refugiar-se na Câmara, aquele foi aos paços do concelho com o governador nos últimos dias de dezembro, interpondo-se Pedro Bettencourt de Atouguia, que, após curtas palavras, puxou da espada e atingiu o corregedor. Gaspar Mouzinho de Barba veio a falecer na sé do Funchal, ao lado da Câmara, para onde fora recolhido, registando o assento de óbito, de 29 de dezembro de 1642, ter sido aí “onde morreu e o ilustríssimo e reverendíssimo D. Jerónimo Fernando o mandou sepultar, e tudo se lhe fez grátis” (ARM, Registos Paroquiais, Sé, Óbitos, liv. 73, fl. 163). Em nota à margem, ainda se regista que “levantou-se o povo que andava desenfreado e lhe deram uma estocada. Não se confessou” (Id., Ibid.). Pedro de Bettencourt de Atouguia veio a ser preso no castelo do Pico, mas fugiu com a ajuda do pai, acolhendo-se no convento de S. Bernardino (Convento de S. Bernardino), em Câmara de Lobos, de que a família era padroeira, acabando por ali ficar como leigo e ao abrigo da justiça, passando depois ao oratório de S. Sebastião da Calheta, que ajudou a fundar, vindo a professar como frei José da Encarnação, falecendo no local. O bispo D. Jerónimo Fernando (c. 1590-1650), conhecido como O Bravo, que ocupara por três vezes o lugar de governador, perante o caso e, acrescente-se, dado ter já uma certa idade, retirou-se para Lisboa, em finais de 1643, vindo aí a falecer; a diocese haveria de ficar em “sé vacante” durante mais de 20 anos. O rei D. João IV, numa primeira fase, condescendeu com a situação e, a 26 de janeiro de 1644, em carta ao governador, transcrita pelas câmaras do Funchal e de Machico e enviada ao cabido, recomendava que “se evitassem os efeitos de inimizades e ódios, ordenando-se às justiças que não procedessem contra pessoa alguma por coisas que sucedessem no tempo da sua feliz aclamação” (ARM, Câmara Municipal do Funchal, Registo geral, tombo 6, fl. 53; Id., Câmara Municipal de Machico, tombo 2, fls. 92-94; ANTT, Cabido da Sé do Funchal, mç. 4, doc. 17). À data, porém, não teria ainda conhecimento do assassinato do corregedor e, seis meses depois, a 28 de julho de 1644, como era hábito, enviou o juiz desembargador da Relação do Porto, Jorge de Castro Osório, com indicações especiais e ordem para investigar a morte do juiz corregedor anterior. Jorge de Castro Osório recebeu, na Madeira, o apoio do escrivão da alçada Amaro Godinho Borges, que, por uns tempos, chegara a servir como provedor da Fazenda. Faleceriam ambos num curto espaço de tempo, em princípio, envenenados: “mortos com peçonha”, como refere a mercê régia de D. João IV para a viúva do oficial de justiça e da Fazenda, concedendo dois lugares de freira para as filhas (Inventário dos Livros..., 1909, 110 e 213). Na Ilha, no entanto, refere-se apenas que morreram, como indicam os registos de óbitos da sé, de 17 de janeiro de 1646 e de 5 de maio seguinte, lendo-se, no primeiro: “Morre o Dr. Jorge Osório que andava em correição” (ARM, Registos Paroquiais, Sé, Óbitos, liv. 73). O rei não tomou, de imediato, medidas especiais, limitando-se a mudar o governador. Escolheu um fidalgo com fortes ligações familiares à Ilha e com propriedade na mesma, Manuel de Sousa Mascarenhas, esperando assim sanar os ânimos, mas tal não veio a acontecer. O governador Manuel de Sousa Mascarenhas teve patente a 22 de fevereiro de 1645 e compareceu na Madeira a 11 de abril, com ordens para inquirir sobre a ação do governador anterior, tal como viria a acontecer consigo e com os governadores seguintes. Em 1647, foi despachado para a Ilha Gaspar Machado de Barros, servindo de provedor da Fazenda; em 1653, Dionísio Soares de Albergaria, juiz com alçada e superintendendo também sobre os assuntos da Fazenda; e, em 1662, João Cordeiro Leitão, igualmente com alçada e ordens secretas. A situação de sé vacante e o início da monarquia absoluta, com questões específicas em relação à Madeira, colocaram o novo governador, D. Francisco de Mascarenhas, numa situação insólita. Com efeito, foi preso por um conjunto de fidalgos locais, a 18 de setembro de 1668, e encarcerado na fortaleza do Pico, tendo os revoltosos eleito um governador e enviado o deposto para o continente, o que nunca tinha acontecido na Madeira (Sedição de 1668). Pouco tempo depois, em 29 de março de 1669, aportou no Funchal o desembargador com alçada João de Moura Coutinho, com regimento especial para tirar residência ao governador-geral deposto. Seguiu-se Manuel Dourado Soares, a 1 de fevereiro de 1677, com regimento especial para tirar residência ao novo governador-general; depois, a 15 de janeiro de 1683, o desembargador com alçada Domingos de Matos Cerveira, superintendendo principalmente sobre assuntos da Fazenda. Nos inícios do séc. XVIII, em 1703, terá havido uma sedição contra o governador João da Costa de Ataíde e Azevedo Coutinho, “no salão da Índia da fortaleza de S. Lourenço”, “e uma conspiração que intentaram fazer os soldados”, “tentando tirar a vida” ao governador e ao juiz de fora da Câmara (ARM, Câmara Municipal do Funchal, Registo geral, tombo 7, fl. 254v.ss.). No atentado ao governador, terá estado envolvido o velho capitão de artilharia António Nunes, que se ausentou do Funchal, imediatamente a seguir aos acontecimentos. Por causa da sedição, o doutor desembargador Diogo Salter de Machado deslocou-se ao Funchal com poderes excecionais. Assim, para proceder às averiguações, fez sair da cidade o governador, “em distância de dez léguas, para que não fosse, com a sua presença e poder, assistindo” às mesmas e interferindo nelas (Id., Ibid.). Nas ordens do desembargador, vinha expresso: “e na mesma embarcação em que fores tirar esta devassa, voltará o provedor da Fazenda Manuel Mexia, por não ser conveniente que fique na Ilha depois da vossa chegada, para se não dar tempo a negociações, e por ser o dito provedor da Fazenda em mais suspeições” (Id., Ibid.). As questões terão sido muito graves e terão envolvido também o prelado da diocese, D. José de Sousa Castelo Branco (1654-1740), pois ficou escrito no regimento do desembargador: “E a queixa contra o bispo deverá ser queimada, para dela não ficar nada, nem memória, e disso deverá ser dado conhecimento ao bispo, para o mesmo saber como o rei e as suas justiças tratam semelhantes casos” (Id., Ibid.), aspeto que passou ao lado dos autores do Elucidário Madeirense. As ordens para o desembargador e corregedor Salter de Machado foram passadas em janeiro de 1703, mas o mesmo só se apresentou na Ilha em junho. Entretanto, já tinha falecido, no Funchal, a 8 de março, o governador João da Costa Ataíde e já tinha tomado posse o novo governador, Duarte Sodré Pereira. Com o dito confronto, fora também designado um juiz-de-fora em Lisboa, em 1703, Francisco Torres Pinheiro, “que acabou de servir em Torres Vedras”, como se refere na nomeação e que tomou posse no Funchal, a 5 de maio de 1704, dado aquela comarca ser da repartição Estremadura e Ilhas (Id., Ibid.., fls. 252-252v.). A nomeação de um juiz-de-fora permanente para o Funchal obviou a necessidade de alçadas, embora, para Duarte Sodré Pereira, o principal problema residisse no Desembargo do Paço, sobre o que escreveu: “Deus me livre que ao Desembargo do Paço vão queixas, porque ou falsas ou verdadeiras, lá se não enjeitam” (ARM, Arquivos particulares, Copiador de cartas de Duarte Sodré Pereira). Com a crescente centralização do poder régio, a figura do juiz desembargador com alçada deixou de fazer muito sentido, vindo o gabinete pombalino a montar, progressivamente, as corregedorias e a suprimir as antigas ouvidorias (Ouvidorias), com a extinção das capitanias, entre outras. No entanto, a sua memória não se extinguiu no Desembargo do Paço, tal como alertou o governador Duarte Sodré Pereira, nos inícios do séc. XVIII. Assim, mais de 100 anos depois, dissolvidas as cortes e derrogada a constituição de 1822, sendo restabelecido o governo absoluto, em julho de 1823, a Madeira foi de novo alvo de uma alçada. Em causa estavam as questões das lojas maçónicas, dos partidos políticos emergentes e das ligações às ideias liberais, tudo indiciando que os madeirenses pretendiam subtrair-se à coroa portuguesa e ligar-se a Inglaterra. Num breve espaço de tempo, houve mais de uma centena de presos; embora só uma dezena deles viessem a ser condenados, os indiciados eram imensos, tendo muitos saído da Madeira. Deste modo, a Ilha foi decapitada de muitos dos seus principais quadros, entre morgados, funcionários públicos, cónegos e vigários, escritores e militares de todas as patentes, entre outros. Infelizmente, essa não foi a última alçada na Madeira, pois, com a tomada do poder pelo infante D. Miguel, em 1828, e conquistada a Ilha pelas forças absolutistas, uma nova alçada foi enviada. Os trabalhos dela ficaram a cargo do ministro sindicante Manuel Luciano Magalhães Abreu e Figueiredo. O processo existente na Câmara do Funchal mostra um conjunto verdadeiramente desonroso de 250 depoimentos, quase todos feitos por convocação do ministro sindicante, lendo-se neles acusações bastante vagas e com base nas quais chegaram a estar envolvidas e presas perto de 2000 indivíduos, acusados de “malhados” e maçons (ARM, Câmara Municipal do Funchal, Registo geral, tombo 6, fls. 305v.-327). Num curto espaço de tempo, a Ilha perdeu, novamente, parte dos seus principais quadros sociais e económicos, militares, administrativos e religiosos, não tendo muitos dos envolvidos regressado à Madeira, optando antes por ficar em Londres e depois no continente, havendo uma parte, de certa forma importante, que preferiu emigrar para o Brasil. A relação dos réus foi elaborada já em Lisboa, por ordem alfabética, e incluía 101 elementos, sendo o termo assinado a 18 de setembro de 1829. A ele juntou-se uma segunda relação, com data anterior, 19 de agosto, e com mais 216 elementos. As sentenças finais foram, assim, dadas em Lisboa, a 18 de setembro de 1829, sendo juízes João Manuel Guerreiro de Amorim, José Pereira Paula de Faria Garção e Romão Luís de Figueiredo e Sousa. Todavia, muitos mais madeirenses vieram a ser indiciados na mesma alçada ao longo daquele ano e do seguinte e a ser deportados para Cabo Verde, Angola e Moçambique.   Rui Carita (atualizado a 17.08.2016)

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