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vilares, luís rodrigues

Segundo algumas fontes, D. Luís Rodrigues Vilares seria “dito natural do Brasil” (PEREIRA, 1968, II, 452), de onde teria saído para estudar em Coimbra, no Colégio de S. Pedro, onde chegou a reger a cadeira de História Eclesiástica. Acabou por regressar a São Paulo, para o desempenho da função de arcediago. Enquanto aí prestava serviço, foi eleito bispo do Funchal a 2 de junho de 1796, recebendo confirmação de Pio VI a 29 de julho de 1797. Foi sagrado a 31 de dezembro do mesmo ano, na igreja de S. Pedro de Alcântara, em Lisboa, e daí rumou à Madeira. Chegado ao Funchal, o bispo viu-se imediatamente envolvido na problemática da governação da Ilha, pois o falecimento, pouco tempo antes, do Gov. D. Diogo Pereira Forjaz Coutinho impusera uma solução que passava pela existência de uma junta governativa, à qual o prelado passou, desde logo, a pertencer. Em princípio sem grandes qualificações militares, D. Luís Vilares não deixou de se interessar por aquele aspeto da governação, tomando decisões que tocavam às obras de caráter defensivo, sendo, por exemplo, a favor de haver menos edifícios, mas bem guarnecidos, em vez de muitos mal equipados. Graças à instabilidade dos restantes elementos da junta governativa, que mudavam frequentemente, o protagonismo do prelado foi aumentando, sendo mesmo possível encontrá-lo a despachar assuntos – não em S. Lourenço, mas no paço episcopal – sobre promoções militares, a encomendar pólvora e a dar ordens para que se inventariassem equipamentos. No tempo em que se ocupava do governo militar do arquipélago, o bispo indispôs-se com o sargento-mor do Porto Santo por este se ter ausentado sem licença e mandou-o regressar ao Funchal, onde foi feito prisioneiro. Em 1800 chega, finalmente, ao Funchal, um novo governador, D. José Manuel da Câmara que foi recebido pelo bispo em “um muito decente escaler”, sendo que as primeiras impressões que o governador colheu do prelado foram positivas, pois achou-o muito agradável no discurso e nas maneiras; opinião que, no entanto, iria durar pouco tempo, pois dentro em breve as relações entre os dois degradar-se-iam a um ponto sem retorno (CARITA, 2003, VI, 80). Uma das primeiras razões dos atritos formalizou-se com as queixas apresentadas pelo sargento do Porto Santo relativas à sua prisão, às quais o governante deu provimento, encetando, com isso, a muito conflituosa relação que depois manteria com o bispo. Agravou a situação o facto de o governador se pronunciar sobre o exercício do poder da junta governativa, qualificando de “estado paralítico” aquele em que tinha encontrado a administração pública, e atribuindo as causas não só aos últimos anos de D. Diogo Pereira Forjaz Coutinho, mas sobretudo à junta governativa que designava por “miserável” (RODRIGUES, 1999, 184), cujo principal responsável fora, como se viu, o prelado. Em fevereiro de 1801, o bispo escrevia para Lisboa a pedir licença para ir ao reino por razões de saúde que, apesar de existirem, não seriam, com certeza o único motivo que o levava a pretender ausentar-se. Com efeito, o governador fora acompanhado de umas Instruções pelas quais se haveria de reger e das quais constavam alguns pontos que não poderiam deixar de desagradar a D. Luís Rodrigues Vilares, nomeadamente o que dizia respeito à indicação de que “debaixo do pretexto da religião” se poderiam atropelar direitos reais e que era ao governador que estava cometida a responsabilidade da inspeção das escolas públicas (CARITA, 2003, 89). Para além disto, o governante era ainda portador de outra carta cujo conteúdo também não poderia satisfazer o prelado: a missiva em que a Coroa concordava com a passagem da tutela do Colégio dos Jesuítas para o governador, para que servisse de celeiro público. Em 1801, por razões que se prendiam com o clima de guerra internacional advindo das movimentações europeias e marítimas de Napoleão, os Ingleses sentiram que precisavam de um ponto de apoio no Atlântico que lhes garantisse algum controlo da circulação marítima, e decidiram que esse ponto seria a Madeira, pelo que uma esquadra inglesa se apresentou no porto do Funchal e fez saber ao governador que pretendia desembarcar e instalar-se na Ilha enquanto fosse preciso. Sem possibilidades de sequer discutir o assunto, o governador rendeu-se às evidências e os Britânicos rapidamente se puseram em terra, ficando as chefias aquarteladas em S. Lourenço, enquanto se procurava um alojamento definitivo para as tropas que, temporariamente, se tinham instalado ao ar livre, nos ilhéus. A precariedade desta solução obrigou a que rapidamente se procurasse um sítio capaz para se aboletarem as tropas, e a escolha acabou por recair no Colégio dos Jesuítas, solução a que o governador foi muito recetivo, até porque lhe poderia, no futuro, satisfazer a ambição de transformar aquele espaço num quartel. Àquela atitude de D. José da Câmara reagiu, de imediato, o prelado, insurgindo-se contra a cedência do edifício aos Britânicos, tendo em conta que nas suas instalações funcionava o seminário. Logo de seguida, aconteceu nova desinteligência, provocada pela decisão de a oficialidade inglesa não se instalar no Colégio, preferindo uns aposentos quase em frente, então alugados a um cónego de origem inglesa, Duarte Guilherme Allen, que tentou, por todos os meios, evitar a sua saída de casa. Esta atitude do cónego foi logo conotada com a influência que sobre ele teria o prelado, o que mais não fez senão agravar a deterioração das relações entre o governador e o bispo. A tensão subia entre as duas personalidades, que não perdiam uma ocasião para publicamente se manifestarem uma contra a outra, como aconteceu no caso de uma missa de ação de graças que o prelado fez celebrar na Sé, em honra de um tratado de paz recentemente assinado com França, a que o governador se recusou a assistir; e no caso da acusação que D. Manuel da Câmara fez do bispo de não esperar por ele para o início da procissão do Corpo de Deus, fazendo-a, propositadamente, sair mais cedo que o previsto. Neste clima conflituoso, cada desenvolvimento contribuía para aumentar o desgaste e assim, quando, por diversas causas, o governador se travou de razões com o cônsul inglês Pringle, este passou a reunir-se com muita frequência com o bispo, o qual, tendo faltado aos festejos do aniversário do Rei de Portugal, compareceu, por sua vez, ao baile realizado em casa do cônsul em homenagem aos anos de Jorge III, . Nessa mesma residência, segundo se dizia, ocorriam umas reuniões prolongadas entre o prelado, o cônsul e um conjunto de personalidades conotadas com a maçonaria, acabando D. Luís Rodrigues Vilares por vir a ser tido por pedreiro-livre. Outro dado a juntar à acusação de maçonaria provinha do facto de o bispo ter pregado na igreja de Santiago, acompanhado pelo padre de Santa Maria Maior, Francisco de Spínola, “reconhecido pedreiro-livre” (CARITA, 2003, 92). Perante estas suspeitas ocorreu ao governador levantar um processo e equacionar a hipótese de mandar prender o bispo e enviá-lo para Lisboa, ao mesmo tempo que insistia na sua própria transferência para o reino. Estando perto do término do seu mandato, Lisboa optou por não atender a nenhuma das solicitações: nem autorizou a prisão de D. Luís Rodrigues Vilares, nem permitiu a antecipação do regresso do governador. José Manuel da Câmara, cada vez mais indignado, enviava para o reino sucessivas queixas do prelado, em que dava conta das suas “contínuas faltas de consideração e respeito”, defendendo que “para grandes males, grandes remédios” (RODRIGUES, 1999, 191). A tradução prática daquele aforismo entendeu o governador que deveria ser o afastamento do bispo, cujo exílio no Santo da Serra determinou sem consultar a corte, o que o obrigou a, posteriormente, rever a decisão. Durante o seu desterro no Santo da Serra, o bispo entretinha-se a passear, indo frequentemente a um sítio onde acabou por mandar construir um fontenário que foi chamado Fonte do Bispo; mas não descurava a ofensa que lhe fora feita, que queria remir a partir do reino, tendo solicitado, como se referiu anteriormente, licença para lá se deslocar e uma sindicância para as suas ações. Entre as razões elencadas pelo prelado para ir à corte encontravam-se ainda, para além da já mencionada necessidade de cuidados de saúde, a “falta de ilustração do clero”, que ele atribuía à retirada do seminário do Colégio dos Jesuítas e às dificuldades que se lhe deparavam em relação ao provimento dos benefícios (CARITA, 2013, 129). A 22 de agosto de 1803, acabou por ver satisfeita a sua pretensão, quando recebeu um aviso régio para se apresentar na corte. Em dezembro, chegou ao Funchal a fragata Carlota Joaquina, que trazia a bordo o novo governador, Ascenso de Sequeira Freire, um desembargador para sindicar dos problemas havidos entre as duas personagens e ordem para o bispo e o governador seguirem para Lisboa, mas em embarcações diferentes. Assim aconteceu e, terminadas as averiguações, a sentença contra o prelado e o governador foi proferida no Desembargo do Paço em meados de 1805, tendo sido ambos objeto de censura: ao governador, criticava-se o seu mau comportamento com o antístite; sobre este pesavam as injúrias com que teria mimoseado D. José Manuel da Câmara, usando de “palavras impróprias” e pouco consentâneas com a sua qualidade de pastor, de quem se esperava “mansidão e paciência evangélica” (CARITA, 2013, 144). Apesar deste resultado, foram ambos perdoados, sendo o bispo mandado regressar à Madeira, para onde voltou em 1805, com a saúde muito comprometida. Mesmo enquanto membro da junta governativa, não se esqueceu D. Luís Rodrigues Vilares das suas responsabilidades apostólicas, tendo enviado cartas circulares às paróquias e chamado a atenção para aspetos que era necessário corrigir. Assim, em 28 de agosto de 1797, ficou registado no Livro de Provimentos de S. Martinho um desses documentos, no qual o prelado voltava a apelar para o preconizado uso do vestuário eclesiástico, censurando os clérigos que tinham a ousadia de usar um “chapéu redondo” em vez do modelo correto, o de “três ventos da sua volta” (ARM, Arquivo do Paço Episcopal do Funchal, Vizita, fl. 81). A 7 de fevereiro de 1800, surgiu uma nova carta pastoral, desta vez reprovando a má prática de quererem os eclesiásticos fazer da sua profissão um negócio, pelo que proibia que se desse mais que o devido aos clérigos solicitados para ajudar nas cerimónias da Semana Santa. A 6 de junho de 1803, pouco antes de se ver desterrado para o Santo da Serra, ainda fazia o bispo um edital apelando à participação na procissão do Corpo de Deus, enquanto a 10 de outubro do mesmo ano, enquanto esperava poder embarcar para o reino, não deixava de fazer um apelo à população no sentido de dar esmolas para ajudar as vítimas da “calamidade ocorrida a nove de outubro”, ou seja, a grande aluvião que fez centenas de mortos na Ilha (SILVA, 1945, 93-95). Enquanto ausente no reino, não se esqueceu D. Luís Rodrigues Vilares da sua Diocese e mandou, através do deão, António Correia de Bettencourt e Vasconcelos, editais para que o povo e o clero comparecessem em procissões. A 8 de setembro de 1808, o mesmo deão volta a assinar outro edital, desta vez para que se celebrasse Te Deum “pela plausível notícia de se achar livre o reino de Portugal da influência francesa” (ACEF, cx. 32, doc. 104). O facto de ser o deão e não o bispo a assinar o edital pode constituir um indício de que a saúde do prelado estava cada vez mais deteriorada e, realmente, a 1 de outubro de 1810, D. Luís Rodrigues Vilares acabou por falecer no Funchal, de “um tubérculo que lhe rebentou e de que provinha a opressão no peito que há tanto tempo experimentava” (CARITA, 2003, 174), vindo a ser sepultado na capela-mor da sé.   Ana Cristina Machado Trindade (atualizado a 20.07.2016)

Personalidades

administrador do concelho

A instituição do cargo de administrador do concelho data de 1835. O administrador do concelho era o representante dos interesses do Estado no espaço concelhio e a sua nomeação era da responsabilidade do poder central. A figura do administrador do concelho esteve presente na codificação administrativa do séc. XIX e da Primeira República e foi extinta no período do Estado Novo. Palavras-chave: administração pública; poder central; Primeira República; legislação. A instituição do cargo de administrador do concelho foi uma das particularidades do dec. de 18 de julho de 1835 que estabeleceu a nova divisão administrativa do “reino de Portugal e ilhas adjacentes”, na sequência da implantação definitiva da monarquia constitucional. Pelo dec. de 12 de setembro desse mesmo ano, era estabelecido o distrito administrativo da Madeira e Porto Santo tendo como capital a cidade do Funchal. Esse distrito foi dividido em concelhos e estes em freguesias. No início de novembro de 1835 foram nomeados os primeiros administradores de concelho na Madeira. Figura distinta do presidente do município, o administrador do concelho era o representante dos interesses do Estado no espaço concelhio, e a sua nomeação era da responsabilidade do poder central. Esteve presente na codificação administrativa do séc. XIX e da Primeira República, sendo apenas extinto no período do Estado Novo, em concreto, no âmbito do Código Administrativo de 31 de dezembro de 1936. O processo de nomeação deste magistrado assentava, de acordo com o art. 52.º do dec. de 18 de julho de 1835, na elaboração de uma lista de elegíveis, em paralelo com a das eleições municipais, da qual o rei escolhia um nome. Essa nomeação seria válida por dois anos, podendo haver reeleição (art. 53.º). O administrador do concelho tinha direito a receber uma gratificação, paga pela receita municipal (art. 55.º) e só podia ser demitido mediante decreto assinado pelo rei (art. 54.º). O Código Administrativo de 1842 específica, no seu art. 257.º, que essa gratificação era arbitrada e paga pela câmara municipal, e que o administrador do concelho tinha direito a cobrar os emolumentos previstos na legislação. Uma importante alteração, no acesso ao cargo, foi introduzida pelo Código Administrativo de 1878, a saber: a condição de possuir um curso superior sendo que, na falta de pessoas habilitadas, poderia ser nomeado um indivíduo com a instrução secundária (art. 197.º). As atribuições do administrador do concelho relacionam-se com a sua função de representante do governo central no espaço concelhio, com capacidade para atuar no domínio das suas atribuições específicas e naquelas que não estivessem especialmente atribuídas a outras autoridades e funcionários presentes na circunscrição do concelho. Genericamente, constata-se que as atribuições do administrador do concelho eram garantir a correta execução das ordens, instruções e regulamentos transmitidos pelo governador civil do distrito, em nome do interesse geral do Estado. Especificamente, as funções deste magistrado abrangiam seis grandes áreas, a saber: a polícia preventiva e a moral pública; a fazenda pública; o recrutamento e o recenseamento da população; o registo civil; o registo de passaportes; e o ensino público. O art. 59.º, § 4, do dec.-lei de 18 de julho de 1835 atribui ao administrador do concelho a superintendência e a vigilância diária de tudo que se reportasse à polícia preventiva. Em concreto, a inspeção das prisões, das casas de detenção e de correção; a aplicação das leis e regulamentos sobre a concessão de licenças para o uso de armas; e o cumprimento das leis e regulamentos relativos à mendicidade. Já na esfera da polícia municipal, competia ao administrador do concelho a prevenção e/ou repressão dos atos perturbadores da ordem pública; a implementação de medidas de auxílio às populações em situação de calamidade assim como a adoção de medidas sanitárias, tanto de prevenção como de tratamento de doenças infetocontagiosas; e, por último, a atuação contra os infratores das leis e posturas municipais, entregando-os ao poder judicial para o respetivo julgamento e punição. No âmbito do auxílio ao poder judicial, o administrador do concelho tinha a faculdade de prender ou mandar prender qualquer cidadão em flagrante delito e formar os respetivos autos de averiguação dos factos. A repressão dos atos ofensivos dos bons costumes e da moral pública era a outra área de atuação do administrador do concelho dentro da polícia preventiva. No domínio da fazenda pública, competia-lhe o exercício da fiscalização no lançamento, repartição e cobrança dos impostos, nomeadamente, das contribuições diretas, e o auxílio dos empregados encarregues desta função. O art. 247.º do Código Administrativo de 1842 refere a obrigação do administrador do concelho de fazer a inscrição e relação de todos os bens e rendimentos que, dentro da circunscrição concelhia, pertencessem à fazenda pública. Em conformidade com as leis vigentes, devia proceder ao apuramento do recrutamento para o exército, de acordo com o recenseamento e mapa da população remetido pela câmara municipal que, por seu turno, era realizado sob direção do próprio administrador do concelho. O registo civil, uma das grandes reformas introduzidas pelo liberalismo, revelou-se um dos aspetos onde foi particularmente notória a atividade deste magistrado. Com efeito, competia-lhe a escrituração e guarda dos livros de nascimento, casamento e óbito dos moradores do concelho, constituindo a sua assinatura a legitimação da autoridade pública perante esses momentos da vida dos indivíduos. Pelo Código Administrativo de 1842, ficou sob a sua alçada o registo de escrituras de doação, o registo de hipotecas e o registo de testamentos (art. 254.º). A regulação do movimento populacional era outra das competências atribuídas pela legislação da monarquia constitucional, cabendo ao administrador do concelho a concessão de passaportes e a emissão de bilhetes de residência, matérias sobre as quais devia dar a devida informação ao governador civil do distrito. Finalmente, o ensino público. Pertencia-lhe a fiscalização e superintendência das escolas públicas existentes no perímetro concelhio financiadas pelo Estado ou pelos municípios, assim como a inspeção-geral das escolas particulares. Na sua relação com os demais poderes sedeados no espaço concelhio, o administrador do concelho revelou a sua preponderância, pois a legislação conferiu-lhe, a partir do Código Administrativo de 1878, a faculdade de zelar pelo cumprimento de todas as atribuições da câmara municipal e das juntas de paróquia, dando parte ao governador civil das situações anómalas (art. 207.º, § 7). Por seu turno, o Código Administrativo de 1886 pormenoriza essa relação tutelar, dado que ficava atribuída ao administrador do concelho a prerrogativa de remeter ao governador civil as contas de gerência de todas as corporações administrativas para serem, posteriormente, enviadas ao tribunal de contas (art. 241.º, § 7). De igual importância foi a faculdade de o administrador do concelho poder transmitir ao governador civil as deliberações das câmaras municipais e das juntas de paróquia, uma realidade que o Código Administrativo de 1896 iria consagrar ao determinar a obrigatoriedade do administrador do concelho assistir sempre às sessões das câmaras municipais com a finalidade de verificar o cumprimento de decisões respeitadoras do interesse público. O regime republicano, pelo decreto com força de lei de 13 de outubro de 1910, ordenou a adoção do Código Administrativo de 1878 enquanto não fosse elaborada uma nova codificação. Contudo, tal não se verificou no decurso deste regime, que somente registou a promulgação da lei n.º 88 de 1913, constituindo uma mera proposta de codificação administrativa a implementar num futuro próximo. Esta lei foi omissa em relação à figura do administrador do concelho. Contudo, a sua presença continuou a ser registada na vida administrativa municipal, desempenhando, com maior ou menor notoriedade, as funções que lhe tinham sido outorgadas pela legislação administrativa oitocentista.   Ana Madalena Trigo de Sousa (atualizado a 21.07.2016)

História Política e Institucional

monarquia

A monarquia é uma forma de organização política em que o chefe de Estado é o rei – um cargo hereditário, conforme as tradições e as leis de cada país. Caracteriza-se pela neutralidade e independência do chefe de Estado relativamente aos outros poderes e pela encarnação, por parte do rei, da integralidade e intemporalidade da nação. O rei é equidistante relativamente aos partidos, às organizações sociais e aos grupos de interesses, por não ser eleito, e é o garante dos direitos e das liberdades dos cidadãos: “A doutrina monárquica portuguesa tradicional cabe numa simples fórmula: ‘o rei é livre e nós somos livres’. No caso de sucessão normal, o reino segue as leis criadas pelo rei. No caso de trono vago, é o povo quem o designa. Doutrina e prática alternavam momentos de exaltação do poder régio com outros de apologia da monarquia eletiva; ambos eram necessários na resolução das grandes crises nacionais: nas Cortes de 1383, na Restauração de 1640, na Revolução Liberal de 1820. A doutrina foi projetada para os alvores da nacionalidade com as apócrifas ‘Actas das Cortes de Lamego’, do mesmo ano do Tratado de Zamora, o primeiro tratado internacional de Portugal, celebrado a 5 de Outubro de 1143” (HENRIQUES, 2007, 26 e 27). A doutrina monárquica contrapõe à sucessão dos ciclos eleitorais o valor das instituições e da longa duração. A função de aconselhamento do rei é, em princípio, otimizada pela sucessão dinástica, propícia à acumulação de experiência, à atualização da tradição e à evolução na ordem. O futuro rei é desde cedo preparado para servir o país e recebe uma educação dirigida para o exercício do cargo que ocupará. O soberano reinante é o elo entre o passado histórico e a projeção no futuro da nação. Símbolo da identidade, da independência e da unidade de um povo, a pessoa do rei identifica-se com a história nacional, o que deverá favorecer os laços de afeto entre os cidadãos e o rei e conferir prestígio e consistência à representação internacional do país. Os reis lideraram a afirmação de Portugal como país independente, conquistando espaço próprio na Península Ibérica sob a proteção da Santa Sé e com o apoio dos cruzados. As vilas e as cidades foram estratégicas nesse processo, tendo os reis concedido cartas de foral que estão na génese da organização municipal; nas Cortes, os homens bons da governança dessas vilas, procuradores do povo, deliberavam com os representantes do clero e da nobreza. “No conjunto da legislação localista dos forais, deteta-se uma forte preocupação com o acesso de vizinhos à condição de cavaleiros vilãos, como instrumento ao serviço da defesa comum, mas também como estímulo de criação de riqueza, avultando, igualmente, o sentido da libertação das classes inferiores” (MARQUES, 1993, 89). Os representantes das corporações e das terras debatiam problemas comuns, sobretudo em tempos de crise; era sua função aclamar os sucessores ao Trono. Por decreto de 6 de julho de 1654 (e não 1645, como por lapso referem os autores do Elucidário Madeirense), “teve a Madeira assento em cortes no primeiro banco, e afirma-se que D. João IV lhe concedera esta graça por ter sido esta ilha a primeira possessão onde fora aclamado rei de Portugal” (SILVA e MENESES, 1998, III, 191). Em quase oito séculos de monarquia, com exceção do período absolutista, os reis foram regularmente aclamados pelas Cortes, depois pelo parlamento; às assembleias representativas do conjunto do povo português cabia em definitivo a confirmação dos soberanos. Em 2015, o representante da Casa Real portuguesa era D. Duarte de Bragança. O seu nascimento, em 1945, fruto do casamento de D. Duarte Nuno e de D. Maria Francisca de Bragança, assinalou a reconciliação entre os dois ramos da família Bragança, desavindos em 1834 e congraçados pelo Pacto de Dover (1912), por iniciativa de D. Miguel de Bragança, que em 1909 promoveu conversações com seu primo D. Manuel II. A legitimidade de D. Duarte Pio de Bragança foi reconhecida em 2006 pelo Estado Português, com base no reconhecimento “histórico e da tradição do povo português”, e no reconhecimento “tácito das restantes casas reais da Europa e do mundo com as quais a legítima casa de Bragança partilha laços de consanguinidade”: foram-lhe conferidos passaporte diplomático e a representatividade do povo português no estrangeiro, embora “sem qualquer suporte financeiro do Estado para os serviços prestados em nome de Portugal” (HENRIQUES, 2007, 220-221). Tendo apoiado a Revolução de 1974, D. Duarte de Bragança considera que “só uma restauração desejada pelo povo e consagrada constitucionalmente pela deliberação dos seus representantes é concebível” (GONZAGA, 1995, 79). A nobreza, que no Antigo Regime colaborava com o rei na administração do reino nos planos militar, político e jurídico, deixou de ter existência legal em Portugal; subsiste porém o uso de títulos nobiliárquicos, disciplinado pelo Conselho de Nobreza, por delegação da autoridade histórica e tradicional de D. Duarte de Bragança, para quem a memória de mortos ilustres merece respeito, e faz sentido a nobreza “radicada no prémio ao mérito” e como “escola de serviço”, aberta à entrada e saída de pessoas (GONZAGA, 1995, 60-64).   A Coroa Portuguesa e a Madeira Em 1418 e 1419, no rescaldo da conquista de Ceuta e das campanhas de África, João Gonçalves Zarco, Tristão Vaz Teixeira e Bartolomeu Perestrelo redescobriram o Porto Santo e a Madeira e empreenderam o seu povoamento por empenho do Infante D. Henrique: “Foi ele o promotor e o iniciador das nossas descobertas marítimas e é a Madeira o grande padrão imorredouro que principalmente marca o começo auspicioso da nossa odisseia de navegantes. […] Abriu a Portugal uma nova época de prosperidades. […] Estas ilhas são devedoras à sua memória duma condigna homenagem, que os vindouros saberão com inteira justiça prestar-lhe, quando chegar a oportunidade” (SILVA, 1946, 11). O Infante pediu em testamento (1460) “que digam o pater noster e ave maria por minha alma e dos da Ordem e daqueles que obrigado sou” (SILVA, 1946, 13). As “missas dos sábados”, instituídas pelo Infante, deixaram de ser celebradas, mas a homenagem a esta figura concretizou-se com a instalação, em 1931 e na praça do Infante, no Funchal, de uma estátua a D. Henrique esculpida por Francisco Franco. O anotador das Saudades da Terra via nas guerras de poder entre a Coroa e a Ordem de Cristo, os donatários e o estado eclesiástico, a “chave do enigma” da história deste arquipélago: a Coroa suplantou sucessivamente os poderes rivais em conformidade com o plano de D. João II, que “enquanto não exorbitou de judiciosamente centralizador, foi fecundo” (AZEVEDO, 1873, I, 314). A evolução da instituição real e da prática governativa ao longo das vicissitudes do Antigo Regime, desde os alvores da democracia, com as convulsões político-sociais do liberalismo e a conflitualidade do parlamentarismo, foi determinante no empobrecimento destas ilhas, de que a metrópole do reino se foi progressivamente desinteressando. Na sequência do aumento do sectarismo e da violência entre absolutistas e liberais, agravando sempre mais a instabilidade política e a crise económica, acabou por impor-se o ideário liberal, que empunhou a bandeira das reivindicações regionalistas e alentou a aspiração autonómica: “A consciencialização política, trazida com o movimento liberal, fez despertar nas populações a premência da defesa dos interesses da Ilha, através da participação política dos representantes legitimamente eleitos. Logo no período revolucionário, foi manifesta a necessidade de mudar o sistema de governo do Arquipélago, surgindo a possibilidade da constituição de um governo provincial, sob a designação de Junta Provincial. Este foi um dos objetivos dos liberais anónimos que, no dia 21 de Outubro de 1821, convocaram a população para o Largo da Restauração” (VIEIRA, 2001, 260). Na legislatura de 1826-1828, destacam-se a “criação de uma comissão especial para tratar de problemas específicos da Madeira” e a apresentação pelo deputado Manuel Caetano Pimenta de Aguiar de um projeto “reclamando a liberdade de comércio para o vinho e mercadorias de retorno” (VIEIRA, 2001, 262). Não obstante a derrota de D. Miguel e seus partidários, a Regeneração não logrou restabelecer uma paz nacional duradoura, não sendo restabelecido o primitivo diálogo familiar dos madeirenses com a Coroa, que permaneceu apagada e distante até fins do séc. XIX – refém do partidarismo e até, segundo um prestigiado monárquico, de “uma inconcebível tolerância dos próprios governantes que se deixavam dominar por uma falsa noção de liberdade e por isso permitiam que se avolumasse impunemente uma miserável campanha de calúnias e de descrédito contra o Regime, contra os Soberanos e até contra os próprios políticos monárquicos que consentiam nos ataques mais inacreditáveis, sem um movimento de repulsa, sem uma simples reação!” (PORTO DA CRUZ, 1953, [1]). Manuel José Vieira, convidado por Luciano de Castro a liderar o partido progressista na Madeira e eleito deputado em 1878, soube polarizar as aspirações, ideias e vontades que exigiam uma mudança radical do poder central, para resolução das “aflitíssimas crises agrícola e comercial” e do “incessante e insaciável prurido de aumento de impostos” sobre os madeirenses por parte do governo do reino (VIEIRA, 2001, 268). Os dotes de espírito e de carácter de Manuel José Vieira, os seus ideais, o vigor e os frutos assinalados da sua intervenção política e da sua prática administrativa, visavam reformar a situação em prol dos justos interesses da Madeira, mas sem derrube do regime, ao invés do que propalava o emergente movimento republicano. Considerado “a principal figura madeirense no último período da política monárquica” (PORTO DA CRUZ, 1953, [11]), a sua estrela fez empalidecer a de Manuel de Arriaga, eleito em 1882. A visita dos reis D. Carlos e D. Amélia, acompanhados pelo ministro do Reino e presidente do conselho e pelo ministro da Marinha (22 a 25 de junho de 1901), a receção “brilhante e sincera” (NÓBREGA, 1901, [5]) que lhes foi feita, organizada pelo governador civil, José Ribeiro da Cunha, e pelo presidente da Câmara do Funchal, Manuel José Vieira, indiciam a vontade mútua de inverter o distanciamento existente: os madeirenses puderam “apresentar de viva voz as suas reclamações ao monarca e ao presidente do governo, Hintze Ribeiro” (VIEIRA, 2001, 268-269). Na esteira da aprovação do decreto concedendo autonomia administrativa aos distritos açorianos (2 de março de 1895), o sentimento autonomista entre os madeirenses intensificara-se e, pouco antes da visita régia, o deputado João Augusto Pereira tivera “a ousadia de apresentar, em 1900, o primeiro projeto de lei pedindo a autonomia administrativa para a Madeira” (VIEIRA, 2001, 272); porém, em junho de 1901 foi aplicada ao distrito do Funchal uma interpretação restritiva do estatuto açoriano, após um debate parlamentar fraco, onde “apenas interveio o deputado da Madeira Alberto Botelho” e aparentemente sem grande adesão dos defensores da Autonomia (VIEIRA, 2001, 271). O major Pereira, genro do conselheiro Manuel José Vieira e seu mais fiel colaborador, como “monárquico convicto, militou no partido progressista e depois da implantação da República, coerentemente, deixou a política, recusando todas as propostas para dirigir um partido político na Madeira, mantendo-se fiel ao rei” (VIEIRA, 2001, 272).   O movimento monárquico na Madeira Não houve resistência à proclamação da Republica (6 e 7 de outubro de 1910), e foi mínima a perturbação da ordem pública na Madeira, apesar da indisciplina das tropas, que desobedeceram aos seus oficiais – excetuando a bateria n.º 3 de artilharia de guarnição, comandada pelo capitão João Augusto Pereira. O movimento monárquico começou a tomar forma na Madeira três anos depois das incursões de Paiva Couceiro contra a República (1911 e 1912). Em 1915 foi constituído o Centro Monarchico da Madeira, com sede na av. Gonçalves Zarco, para “fins políticos e recreativos”, como consta do ofício dirigido ao Governador Civil do Funchal a 6 de maio, assinado por Ruy Bettencourt da Câmara. A ascensão, em 1917, do “presidente-rei” Sidónio Pais impôs uma nova constituição (1918), inaugurando um sistema político de tipo presidencialista. A revolução sidonista mudou o ambiente político e o estilo da administração pública também na Madeira, conforme salientou Silva Pereira, presidente da comissão da Junta Geral do Distrito do Funchal, empossada a 21 de janeiro de 1918. À comissão de maioria republicana presidida por Silva Pereira, sucedeu outra presidida pelo cónego António Homem de Gouveia, que Silva Pereira rotulou de monárquica e reacionária, embora os respetivos vogais – Manuel José Perestrelo Favila Vieira, Carlos Bettencourt da Câmara e Abel de Sousa Alves – se declarassem todos independentes, e o próprio cónego Homem reivindicasse acima de tudo “liberdade, justa e bem entendida” (Acta da sessão da comissão, 8 fev. 1918). Em 1923, foi novamente constituído o Centro Monárquico da Madeira, desta feita com sede na rua do Carmo e objetivos mais ambiciosos, nomeadamente “promover […] a educação patriótica, moral e social, e proteger quanto possível os que a ele se acolham” (Estatutos, 1923, cap. I). Este último centro era, provavelmente, uma refundação do primeiro, uma vez que aquele requerimento integra o processo de aprovação de estatutos. À época, a revitalização dos ideais monárquicos pelos ideólogos do Integralismo Lusitano, inspirados “essencialmente no pensamento contrarrevolucionário nacional do séc. XIX, herdeiro da tradição legitimista” (JANES, 1997, 32-33), mas também na doutrina de Charles Maurras, ideólogo da Action Française, contribuiu poderosamente para o divisionismo entre monárquicos constitucionalistas e legitimistas, apesar dos esforços de D. Manuel II. O rei recusava-se a trair o juramento da Carta Constitucional, que prestara, e pretendia que a restauração se fizesse legalmente, “pela vitória nos Municípios e no Parlamento”, mas a intransigência dos Integralistas no repúdio do princípio monárquico-constitucional e na imposição de um programa de governo reformador e modernizador da monarquia por um lado, e a morte prematura de D. Manuel (1932) por outro, inviabilizaram a restauração da monarquia. Os madeirenses Ernesto Gonçalves (uma das vozes que apelou à união de todos os monárquicos em torno de D. Manuel), Luís Vieira de Castro, diretor da Causa Monárquica, que fundou e dirigiu o Jornal da Madeira e O Jornal, e Alfredo de Freitas Branco, visconde do Porto da Cruz (defensor da livre administração da Madeira pelos madeirenses), foram figuras prestigiadas do Integralismo. Salazar concretizou o projeto de União Nacional, que se foi progressivamente afirmando (1927-1932), repelindo com dureza as tentativas de “desagregação das forças nacionalistas do Estado Novo” (JANES, 1997, 61) e convocando a colaboração de monárquicos, nacional-sindicalistas dissidentes do Integralismo, católicos, e, em geral, de portugueses descontentes. Foram decisivas para o êxito do nacional-sindicalismo na Madeira as qualidades pessoais do organizador do movimento, Fernão Favila Vieira, que acentuou o propósito de acolher indistintamente republicanos e monárquicos “desde que ponham acima das suas conveniências, a necessidade superior da reforma económico-social, que urge satisfazer, e se casa, perfeitamente, com o interesse nacional” (JANES, 1997, 183). Em 1950, “após diligências várias em que se destacaram os deputados monárquicos”, a Assembleia Nacional aboliu formalmente os diplomas de 1834 e 1910 que proibiam o regresso a Portugal dos membros da Família Real, e “o Governo da República assentiu finalmente em abolir a proscrição da Família Real e a figura jurídica do banimento, em geral” (HENRIQUES, 2007, 40). Largos anos após a revolução de 1974, foi constituída a Real Associação da Madeira, com os objetivos de “defender a Instituição Real e divulgar a ideia monárquica, bem como promover o desenvolvimento sociocultural da Região Autónoma da Madeira” (Estatutos, 1992); esta associação foi fundada por escritura assinada pelo presidente, Carlos Alberto de Klut Andrade, sua mulher, Matilde Maria da Rocha e Mello Andrade, seu filho, João da Rocha e Mello Andrade, e pelos seguintes membros: o Rui Manuel da Silva Vieira, Manuel Rufino de Almeida Teixeira, Gonçalo Nuno de Matos Noronha da Câmara, Luís Francisco Cardoso de Sousa Mello, António Manuel Rebelo Pereira Rodrigues Quintal, Baltazar de Carvalho Machado Gonçalves de Aguiar, Carlos Henriques Rodrigues de Macedo e Leandro José Nunes Vieira Aguiar Câmara. A Real Associação da Região Autónoma da Madeira foi constituída por escritura de 1 de fevereiro de 2005, outorgada por João Carlos Fino Igrejas da Cunha Paredes (presidente), Manuel Veloso de Brito, Ana Lúcia de Ornelas e Vasconcelos Jardim. Esta associação assume como principais funções organizar as visitas à Madeira do Duque de Bragança e seus familiares, promovendo o convívio destes com os madeirenses que o desejam; representar o Duque e a Casa Real portuguesa junto das entidades oficiais, da população e de visitantes estrangeiros; informar o Duque dos assuntos madeirenses; promover e alimentar o debate sobre a representação do Estado. Principais iniciativas desta associação: inquérito aos madeirenses sobre a chefia do estado iniciado em 2006; petição lançada em 2008 para um louvor ao rei D. Carlos no centenário da sua morte, com mais de 4000 assinaturas; valorização de ações governamentais em prol da reflorestação do Porto Santo e da Reserva Natural das Ilhas Selvagens (2006).         João Carlos da Cunha Paredes Maria da Cunha Paredes Rogério Manuel Murilhas   (atualizado a 05.02.2017)

História Política e Institucional

andrade, joão jacinto gonçalves de

João Jacinto Gonçalves de Andrade nasceu a 10 de fevereiro de 1825 na freguesia de Campanário (Ribeira Brava), na ilha da Madeira. Era filho do tenente Joaquim Gonçalves de Andrade e de D. Caetana Maria de Macedo e irmão de Francisco Justino Gonçalves de Andrade, também religioso. Foi batizado em 28 do mesmo mês na igreja da freguesia de São Braz do Campanário. Realizou os primeiros estudos na ilha da Madeira e frequentou o Seminário de Funchal (Seminários), onde foi ordenado presbítero. Seguiu para a cidade de São Paulo, no Brasil, seguindo o apelo do seu irmão e do seu tio, D. Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade, bispo da diocese de São Paulo. A partir de 1860, passou a frequentar o curso de Direito da Faculdade do Lg. de S. Francisco. No ano seguinte, assumiu o cargo de capelão da Santa Casa de Misericórdia (SCM). Em abril de 1862, foi nomeado, por decreto, lente substituto de Latim, Francês e Inglês do curso. Em outubro do ano seguinte, passou a ser lente catedrático de Francês e Inglês. Concluiu o curso de Direito em 1864, passando em seguida aos estudos de doutoramento, vindo a defender sua tese em 1867, com o título Os Governos Despóticos Podem Ser Justificados pelos Princípios de Direito Público?. Também foi autor do texto A Doutrina do Mandato Comercial Abrange Igualmente o Mandato Qualificado? (1868). Participou no concurso para lecionar na FDSP, obtendo aprovação como lente substituto em 13 de março de 1869. Em 1878, substituiu o Dr. João Theodoro Xavier de Mattos na cadeira de lente catedrático de Direito Natural. Dez anos depois, passou a ser lente catedrático de Direito Eclesiástico. Em 1863, desejando aparelhar melhor a Igreja da Sé, João Jacinto de Gonçalves de Andrade encomendou na Europa um novo órgão com dois teclados, que foi adquirido pela soma de 12 contos de réis pelo cónego Joaquim do Monte Carmelo. Por meio de carta imperial, de 15 de março de 1865, foi nomeado cónego penitenciário. Nos idos de 1871, no relatório da Assembleia Legislativa Provincial, é destacada a atuação do religioso na comissão que acompanhou as obras do Hospício de Alienados da cidade de São Paulo, uma vez que o antigo prédio não tinha condições para atender os doentes. Também por deliberação do imperador, João Jacinto de Gonçalves de Andrade foi nomeado arcipestre em 15 de julho de 1874. Foi proprietário de terrenos na área adjacente ao Seminário, então conhecida como R. dos Lázaros ou Trav. do Seminário. Após o falecimento de Felício Pinto de Mendonça e Castro, filho de Domitila de Castro Canto e Melo (marquesa de Santos), o solar da marquesa foi arrematado em nome da Mitra da diocese de São Paulo, sendo responsável pela transação o cónego arciprestre João Jacinto Gonçalves de Andrade, que adquiriu a propriedade em 28 de maio de 1880, por 400 mil réis. Nesse mesmo ano, o religioso fez uma doação de um conto de réis em memória de seu tio, monsenhor Joaquim Manuel Gonçalves de Andrade, para que este valor fosse utilizado na constituição de uma escola que ficaria a cargo das irmãs de S. José de Chamberry. Em 9 de dezembro de 1883, como auxiliar, participou da sagração episcopal de D. Joaquim José Vieira, bispo do Ceará (1884-1912). Em 1884, sob a supervisão de João Jacinto de Gonçalves de Andrade, foram reformados o frontispício e a torre da Sé. Nesse mesmo ano, em 9 de novembro, sendo provedor da SCM, recebeu nesse hospital a princesa Isabel e o conde d’Eu, então de visita à cidade de São Paulo. Nos idos de 1890, jubilou-se da atividade que exercia como lente da FDSP, vindo a falecer em 16 de janeiro de 1898. Obras de João Jacinto Gonçalves de Andrade: Os Governos Despóticos Podem Ser Justificados pelos Princípios de Direito Público? (1865) (Revista da Faculdade de Direito de São Paulo, 1934); A Doutrina do Mandado Comercial Abrange Igualmente o Mandato Qualificado? (1868) (Revista da Faculdade de Direito de São Paulo, 1934)   Paulo de Assunção (atualizado a 08.06.2016)

Personalidades

leite, jerónimo dias

Jerónimo Dias Leite (c. 1540 – c. 1598) Clérigo madeirense, com comprovadas origens na comunidade cristã-nova do Funchal, foi vigário de Santo António de Arguim, cónego de meia prebenda, primeiro, e de prebenda inteira depois, na sé do Funchal. Autor da primeira obra sobre a História da Madeira, intitulada Descobrimento da Ilha da Madeira e discurso da vida e feitos dos Capitães da dita Ilha, a qual serviu de base a Gaspar Frutuoso para a redação do segundo volume de As Saudades da Terra, constitui, ainda hoje, uma referência no panorama da historiografia madeirense, não obstante as críticas que têm sido feitas aos seus registos. Palavras-chave: História, Madeira, cónego, cristão-novo.   Jerónimo Dias Leite foi um clérigo madeirense, filho de Gaspar Dias, alfaiate, e de Isabel Fernandes (GUERRA, 2003, 153). Foi, igualmente, irmão de Gaspar Leite, causídico que estudou Leis e Cânones em Coimbra, entre 1578 e 1584, (RAHM, vol. II, fasc. 2-3, 60) e que foi fintado em 1606 (GUERRA, 2003, 266), estabelecendo-se, assim, a pertença inequívoca dos irmãos ao grupo dos cristãos novos que vivia na Madeira nos fins do século XVI. O registo de batismo de Jerónimo Dias Leite tem data de 14 de março de 1540, mas o facto de ter recebido ordens de Epístola em fins de 1558 ou princípios de 1559 (COSTA, 1994, 159) e da obtenção desse grau supor uma idade mínima de 22 anos, deixa no ar a possibilidade de o batismo se ter dado alguns anos depois de ter nascido, nomeadamente por volta de 1537 (MACHADO, 1947, LXXIX; GUERRA, 2003, 155). Outra possibilidade que se poderia, igualmente, equacionar é a de o recebimento das ordens não ter ocorrido na idade canonicamente prevista, o que também acontecia. Da sua carreira eclesiástica consta o ter sido provido na vigararia de Santo António de Arguim em 1567, à qual se sucedeu nova colocação, desta vez na igreja da Conceição e capelania de S. Jorge da Mina, em 1571, registando-se entre uma nomeação e outra um período em que foi residente em Oeiras (MACHADO, 1947,LXXXII). Desconhece-se o que o terá levado a Oeiras, mas Machado põe a hipótese de Jerónimo Dias Leite ter ficado no reino, mais perto dos centros de decisão, a tentar movimentar influências que o impedissem de voltar ao golfo da Guiné. Se foi este o caso, as suas diligências deram resultado, pois em 1572, viu-se promovido a cónego de meia prebenda na sé do Funchal, lugar que ocupou por pouco tempo, pois, a 30 de outubro de 1572, por morte de um cónego, acabou por lhe herdar o benefício, sendo provido como cónego prebendado (MACHADO, 1947, LXXXV). Em 1573, aparece, pela primeira vez, como escrivão do cabido, funções de que foi intermitentemente incumbido, a que se acresceram outras, de “procurador geral dos negócios e causas do dito cabido e sé e fábrica dela” (MACHADO, 1947, LXXXVI). Em data não apurada, poderá ter passado a capelão régio, segundo se constata de uma procuração, com data de 27 de junho de 1590, na qual é testemunha e que assim o designa (GUERRA, 2003, 156). A mesma atribuição lhe faz Gaspar Frutuoso, quando afirma ter recebido do “Reverendo Conigo Hieronymo Leite, Capellão de Sua Magestade”, informações preciosas para a redação de As Saudades da Terra, cujo Livro II se reporta ao arquipélago da Madeira (FRUTUOSO, 2008, 165). Sobre este assunto, declara João Franco Machado não saber em que baseava Diogo Barbosa Machado para atribuir ao cónego a categoria de capelão real, mas hoje a confirmação documental acabou por se impor, a partir da fonte citada por Jorge Guerra. Em 1575, Jerónimo D. Leite figura como testamenteiro de seu pai, então residente na Rua Direita, no Funchal, e em 1581, um outro testamento, desta vez de António Rodrigues de Mondragão, afirma que se deve dar à sua terça “as casas da Rua Direita em que ora vive o conigo Ierónimo Dias…”, o que parece indicar que o filho manteve a casa de moradia dos progenitores (GUERRA, 2003, 156). A última referência que a seu respeito se encontra em documentos tem data de julho de 1593, e dá-o como presente num dos autos realizados no Cabido, sendo que do auto seguinte, de 25 de agosto do mesmo ano, já o seu nome não consta. Uma vez que não foi possível localizar o assento do seu óbito, ignora-se se o cónego saiu da Madeira, ou faleceu na ilha, mas é relativamente seguro afirmar que já não viveria em 1598, por não se encontrar mencionado no testamento de sua mãe, que refere o nome de outros filhos mas não deste (GUERRA, 2003, 157). Em paralelo com a carreira eclesiástica, Jerónimo Dias Leite também deixou obra no campo da História da Madeira, sendo considerado o primeiro autor que se dedicou a elaborar um registo dos acontecimentos assinalados relativos à sua terra natal. Aparentemente tê-lo-ia feito a pedido de Gaspar Frutuoso, que através de algumas pessoas, de que é exemplo Marcos Lopes, mercador que residira nos Açores, lhe solicitara que diligenciasse, junto a João Gonçalves da Câmara, sexto capitão da Madeira, o envio de um documento conservado nos arquivos da casa dos Câmaras, cuja autoria se atribuía a Gonçalo Aires Ferreira, companheiro de Zarco (GUERRA, 2003, 154). De posse dessa informação, que cabia em três folhas de papel, Jerónimo Dias Leite “ajudando-se (…) dos tombos das câmaras de toda a Ilha, que todos lhe foram entregues” conseguiu, consertando e recopilando tudo, compor a história do descobrimento e dos feitos dos capitães (FRUTUOSO, 2008, 303). Essa obra, que passou para a posteridade com o título de Descobrimento da Ilha da Madeira e discurso da vida e feitos dos Capitães da dita Ilha, foi escrita em antes de 1590, pois serviu de base ao manuscrito de Frutuoso, que abundantes vezes refere o papel desempenhado na sua obra pelas informações recolhidas nas onze folhas que lhe enviara Jerónimo Dias Leite (NASCIMENTO, 1927, 27). Como se vê, pelas declarações de Frutuoso, o primitivo manuscrito, com origem em Gonçalo Aires, ou em outros autores, conforme sinaliza João Cabral do Nascimento, que até admite a sua inexistência, teria passado das três páginas iniciais, traçadas pela mão pouco douta do companheiro de Zarco, para as onze com que o cónego as “recopilou e lustrou com seu grave e polido estilo” (FRUTUOSO, 2008, 304). Sobre este assunto, o da autoria do manuscrito inicial que serviu de base para a escrita de Dias leite, o padre Pita Ferreira aduz outro entendimento, quando considera que a fonte onde o cónego foi beber pertenceria, não a Gonçalo Ferreira, mas sim a Francisco Alcoforado, conclusão a que chegou através da comparação do texto de Leite com o da Relação de Alcoforado (FERREIRA, 1956, 22). Cabral do Nascimento assinala, ainda, que, tendo como base as ditas onze folhas, Jerónimo Dias Leite deverá ter escrito “para uso próprio, uma história mais desenvolvida”, o que explica o tamanho que hoje tem o texto (NASCIMENTO, 1937, 85), podendo para além disso ter redigido, também, um poema sobre o assunto, intitulado Insulana ou Descobrimento e louvores da Madeira (GUERRA, 2003, 155). A suportar a ideia da autoria do poema pronuncia-se Diogo Barbosa Machado que, na sua Biblioteca Lusitana (1747, vol. II, 452) revela que o cónego, “doméstico dos Condes da Calheta, donatários desta ilha [Madeira] pelos anos de 1590” teria tido “inclinação para a poesia e estudo da história”, a ele se devendo a referida Insulana, “poema em oitava rima, que consta de sete cantos” (NASCIMENTO, 1937, 85). João Cabral do Nascimento, não valoriza, no entanto, a obra que Frutuoso construiu, com base nos escritos de Dias Leite, considerando o volume que toca a Madeira como “uma cousa sem plano, disparatada de cronologia, com retrocessos e repetições constantes” (NASCIMENTO, 1927, 8), mas antes considera que ao cónego se deve “a maior culpa em tudo o que Frutuoso conta de menos verdadeiro sobre a Madeira” (NASCIMENTO, 33). Independentemente do rigor da factologia apresentada por Jerónimo Dias Leite, a sua obra, cuja versão impressa apenas surgiu em 1947 é, ainda hoje, uma referência no panorama da historiografia madeirense para quem quer sondar o primeiro século e meio da vida no arquipélago, conforme se demonstra pelas abundantes referências que lhe são feitas em trabalhos académicos, ainda hoje.     Cristina Trindade (atualizado a 05.02.2018)

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