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clima e meteorologia

O arquipélago da Madeira situa-se na região subtropical do Atlântico oriental, centrado aproximadamente a 32 ° 45 ’ de latitude norte e 17 ° 00 ’ de longitude oeste, a cerca de 900 km de Portugal continental (Sagres) e dos Açores (Santa Maria). É formado pelas ilhas da Madeira e de Porto Santo, com áreas da ordem dos 730 km2 e 23 km2, respetivamente, e pelos ilhéus das Desertas e das Selvagens, estes últimos a cerca de 300 km a sul da Madeira. A orografia é bastante acidentada, com as formações de maior altitude na parte oriental (pico Ruivo, com 1862 m) e na parte ocidental (planalto do Paul da Serra, com altitude da ordem dos 1300 m). De acordo com a classificação climática de Köppen-Geiger, as ilhas da Madeira e de Porto Santo apresentam clima temperado húmido, com zonas de verão seco e quente e outras zonas de verão seco e suave, dependendo da proximidade ao mar, da exposição solar e principalmente da altitude. Em intervalos de tempo regulares, com base em instrumentos específicos, é feita no arquipélago a observação à superfície dos principais descritores meteorológicos, designadamente a pressão atmosférica, o vento, a temperatura e a humidade relativa do ar. A respetiva difusão sincronizada aos níveis regional, nacional e internacional constitui a informação primária para a descrição do tempo presente e, por acumulação sucessiva, do conhecimento do clima. As primeiras observações meteorológicas à superfície, executadas com regularidade e de forma continuada no Funchal remontam a meados do séc. XIX, tendo sido executadas até meados do séc. XX no Palácio de S. Lourenço, e posteriormente no sítio dos Louros, na orla costeira leste da cidade, onde foi instalado o Observatório Meteorológico do Funchal. Graças à observação regular efetuada, no mínimo diariamente, às 09.00 h, estava disponível, em 2015, uma série longa de dados para o Funchal, o que permitia conhecer, e.g., a variação da temperatura média do ar e da quantidade de precipitação dos 151 anos anteriores e da temperatura da água do mar à superfície dos 65 anos anteriores, executada no porto do Funchal. Fig. 1 – Gráfico com a média anual da temperatura do ar à superfície, registada no Funchal entre 1865 e 2015 (151 anos) (Palácio de S. Lourenço e sítio dos Louros); e a média anual da temperatura da água do mar registada na Pontinha entre 1951 e 2015 (65 anos). Fonte dos dados: Instituto do Mar e da Atmosfera. Dos registos anuais, destaca-se a subida da média anual da temperatura do ar a partir do início dos anos 70 do séc. XX. Desde 1971 até 2015, a temperatura média anual subiu cerca de 2,2 °C, o que corresponde a um valor médio da ordem de 0,5 °C por década. No entanto, entre 1996 e 2015, período em que as observações foram feitas sempre com o mesmo equipamento, devidamente calibrado, verificou-se que a temperatura do ar subiu cerca de 0,3 °C, o que corresponde a um valor da ordem de 0,15 °C por década, tendo a subida sido mais acentuada entre 1996 e 2004 (8 anos) do que entre 2005 e 2015 (11 anos). À semelhança da temperatura média do ar, a temperatura média da água do mar começou a subir no início da déc. de 70 do século XX, embora de forma menos significativa entre 1995 e 2015. Desde o início da déc. de 70, a diferença entre a temperatura média do ar e da água do mar variou entre 1,3 °C e 0,5 °C, embora nos últimos anos do intervalo essa diferença se tenha mantido próxima dos 0,5 °C. Entre 1995 e 2015, a temperatura média anual do ar variou entre 20,0 °C e 20,4 °C, e a temperatura da água do mar entre 20,4 °C e 21,1 °C. Fig. 2 – Gráfico com a evolução da precipitação média anual registada no Funchal entre 1865 e 2015, desde 1865 no Palácio de S. Lourenço e desde 1951 no sítio dos Louros (Observatório Meteorológico do Funchal). Fonte dos dados: Instituto do Mar e da Atmosfera. A partir de uma análise simples da fig. 2, conclui-se que a quantidade de precipitação apresenta variabilidade interanual significativa. No 65 anos que medeiam entre o momento em que começou a haver registos no Observatório Meteorológico do Funchal e 2015, a precipitação anual mais baixa foi registada em 2015 (299,5 mm), correspondendo ainda ao quarto valor mais baixo desde 1865 (em 151 anos). O maior valor da quantidade de precipitação anual ocorreu em 2010 (1477 mm) e um valor próximo deste foi registado em 1895 (1420 mm). Entre 2010 e 2015, registou-se o maior período de anos consecutivos com os valores mais baixos da quantidade de precipitação no Funchal. Rede de observação A rede meteorológica do Funchal começou a ser construída em meados dos anos 30 do séc. XX, com a instalação de vários postos meteorológicos. Nos anos 50, a rede meteorológica era constituída por 15 postos, tendo 7 sido desativados durante a déc. de 80; restaram as estações do Funchal (1865), do Areeiro (1936), de Santana (1937), do Porto Santo (1939), do Lugar de Baixo (1941), do Santo da Serra (1942), da Bica da Cana (1950) e de Santa Cruz/Aeroporto (1958). No acompanhamento da modernização tecnológica registada particularmente durante a déc. de 80 do séc. XX, iniciou-se em 1995 a modernização da rede meteorológica do arquipélago da Madeira, com a instalação de duas estações meteorológicas automáticas em Porto Santo/Aeroporto (78 m) e no Funchal/Observatório (58 m); em 2002, foram instaladas cinco estações: Funchal/Lido (25 m), São Jorge (257 m), Chão do Areeiro (1590 m), Lugar de Baixo (40 m) e Ponta do Pargo (298 m); em 2009, e para reforçar a melhoria da previsão meteorológica, foram ainda instaladas duas estações automáticas no Caniçal/Ponta de São Lourenço (133 m) e nas Achadas da Cruz/Lombo da Terça (931 m). Posteriormente, e após o violento temporal de 20 de fevereiro de 2010, reconheceu-se a necessidade de aumentar a densidade de estações, pelo que foram instaladas, em finais de 2010, mais cinco estações automáticas em Quinta Grande (580 m), São Vicente (97 m), Santana (380 m), Bica da Cana (1560 m) Santo da Serra (660 m), tendo as três últimas substituído as estações clássicas existentes, das quais havia apenas uma observação diária, às 09.00 h. Posteriormente, e para completar a rede planeada em 2010, foram instaladas, em 2013, uma estação no Pico do Areeiro (1799 m), e em 2014 três estações: Porto Moniz (35 m), Pico Alto (1118 m) e Santa Cruz/Aeroporto (58 m), aqui para substituir a estação clássica. Estas 18 estações estão equipadas com instrumentos de observação da temperatura e humidade relativa do ar, precipitação e radiação solar global, estando 12 – Funchal/Observatório, Funchal/Lido, São Jorge, Areeiro, Lugar de Baixo, Ponta do Pargo, Caniçal/Ponta de São Lourenço, Santo da Serra, Porto Moniz, Pico Alto, Santa Cruz/Aeroporto e Porto Santo/Aeroporto – equipadas com instrumentos de medição do vento. Três destas estações estão ainda equipadas com instrumentos de medição da pressão atmosférica: Funchal/Observatório, Santa Cruz/Aeroporto e Porto Santo/Aeroporto. Assim, para a Madeira, a densidade de estações meteorológicas é da ordem de uma estação por cada 45 km2 para a temperatura e humidade relativa do ar e radiação solar global, e uma estação por 65 km2 para o vento. Para ilustração, apresenta-se na fig. 3 a distribuição e a localização das estações meteorológicas no arquipélago da Madeira, em 2015. Fig. 3 – Mapa com a distribuição e localização das estações meteorológicas no Arquipélago da Madeira em 2015. A redução na densidade de estações decidida para o arquipélago da Madeira resultou, em particular, da necessidade de melhoria da vigilância meteorológica, sentida após vários episódios de tempo rigoroso, em particular associados a precipitação forte, registados a partir do início de 2009, dos quais se apresentam alguns mais significativos: 27 fevereiro 2009: Funchal 82,7 mm/Areeiro 145,1 mm; 18 de dezembro de 2009: Funchal 36,7 mm/Areeiro 130,1 mm; 2 de fevereiro de 2010: Funchal 42,5 mm/Areeiro 184,7 mm; 20 de fevereiro: Funchal 144,3 mm/Areeiro 389,6 mm; 21 de outubro de 2010: Funchal 82,7 mm/Areeiro 147,0 mm; 26 de novembro de 2010: Funchal 155,1 mm, tendo sido o maior valor diário registado desde sempre/Areeiro 185,2 mm; 28 de dezembro de 2010: Funchal 50,7 mm/Areeiro 95,7 mm; 26 de janeiro de 2011: Funchal 103,4 mm/Areeiro 321,0 mm; 30 de outubro de 2012: Funchal 55,7 mm/Areeiro 258,1 mm; 6 de novembro de 2012: Funchal 19,3 mm/Areeiro 201,1 mm; 3 de março de 2013: Funchal 40,9 mm/Areeiro 274,4 mm; e muitos outros episódios em toda a ilha da Madeira, sendo de registar também os da Ribeira da Janela no dia 5 de novembro de 2012: 186 mm no Lombo da Terça/Porto Moniz; e de Porto da Cruz a 29 de novembro de 2013: 325 mm no Santo da Serra durante dois dias.   Fig. 4.1 – Fotografia de balão meteorológico com radiossonda. A rede de observação no arquipélago da Madeira inclui ainda um sistema de radiossondagens para observação da pressão atmosférica, do vento, da temperatura e da humidade relativa do ar, desde a superfície até cerca de 30 km de altitude, recorrendo ao lançamento de balão com radiossonda (fig. 4.1), executado uma vez por dias às 12.00 h, e ainda quatro estações de tempo presente, instaladas no Funchal/Observatório Meteorológico, em Chão do Areeiro, Pico do Areeiro e São Jorge, para observação da visibilidade horizontal e identificação do tipo de meteoros (chuva, chuvisco, granizo, saraiva e neve).   Fig. 4.2 – Estação meteorológica automática, em teste no Observatório Meteorológico do Funchal, para ser instalada nas Selvagens. Para completar a rede do arquipélago da Madeira, foi instalada uma estação meteorológica automática nas ilhas Selvagens no verão de 2016 (fig. 4.2), a qual permitirá essencialmente acompanhar a evolução de sistemas meteorológicos que se formem a sul da Madeira, para além de que os dados registados nestes ilhéus permitirão o estudo do clima local e o apoio de estudos científicos nos domínios dos ecossistemas locais.     Condições meteorológicas caraterísticas na região da Madeira Fig. 5.1 – Imagem de aproximação de superfície frontal fria As condições meteorológicas predominantes na região do arquipélago da Madeira são principalmente determinadas pela intensidade e localização do anticiclone dos Açores e pelas perturbações da superfície frontal polar que se fazem sentir especialmente de novembro a março, quando se deslocam do Atlântico Norte em direção à Europa, vindas de oeste. Durante o inverno, o anticiclone dos Açores está geralmente deslocado para sul da sua posição média, a sudoeste dos Açores. Importantes também na determinação das condições meteorológicas nesta época do ano são as depressões frontais que se deslocam sobre o Atlântico, que dão origem à aproximação e passagem de superfícies frontais, em particular de superfícies frontais frias (fig. 5.1), mais frequentes e mais ativas do que as superfícies frontais quentes, as quais dão origem a grande nebulosidade, chuva e aguaceiros por vezes fortes, em particular nas zonas montanhosas, e a ventos fortes dos quadrantes de sul. Fig. 5.2 – Imagem de localização do anticiclone dos Açores em dia de verão. Durante o verão, o anticiclone dos Açores, desloca-se frequentemente para nordeste relativamente à sua posição média anual, a sudoeste dos Açores, fortalece-se e estende-se com uma crista de altas pressões, que atinge o Nordeste da Europa (fig. 5.2). Fig. 5.3 – Imagem de depressão estacionária centrada entre Portugal Continental e os arquipélagos dos Açores e da Madeira. Também de outubro a março, estabelecem-se por vezes, entre a Península Ibérica, os Açores e a Madeira, depressões frias estacionárias que afetam as condições meteorológicas nesta região e podem permanecer cerca de uma semana, dando origem, na região da Madeira, a grande nebulosidade com ocorrência de períodos de chuva ou aguaceiros por vezes fortes (fig. 5.3). Importantes são também as situações em que se observa um anticiclone muito desenvolvido, centrado a norte da latitude da Madeira, e orientado na direção oeste-leste, por vezes associado a baixas pressões sobre o continente africano, e em que a região da Madeira é atingida por vento de leste, muito quente e seco, vindo do deserto do Sahara, com poeira fina que dá origem a bruma. Nesta situação, a temperatura do ar na Madeira pode chegar aos 35 °C e a humidade relativa do ar descer para valores da ordem de 5 % nas regiões montanhosas. O clima da Madeira Para a caraterização do clima da Madeira, recorreu-se à classificação climática de Köppen-Geiger, a qual divide os climas em cinco grandes grupos, identificados por letras maiúsculas, e na qual o arquipélago da Madeira se integra no grupo [C], definido como clima temperado húmido. Para cada grande grupo, o tipo de clima é ainda especificado através de uma letra minúscula que refere o regime da precipitação, que para o arquipélago da Madeira, definido como húmido, é [s]; e uma segunda letra minúscula, que está relacionada com a temperatura média mensal, que para o arquipélago da Madeira é [a] ou [b], correspondendo a verão seco e quente (VSQ) ou verão seco e suave (VSS). No fig. 6, apresenta-se a metodologia utilizada com os limites relativos às temperaturas e precipitações mensais, de acordo com a classificação climática de Köppen-Geiger. [table id=88 /] Recorrendo à série de dados de 1971-2000 (30 anos), em particular às normais climatológicas, da temperatura do ar e da precipitação média mensal, para as estações do Funchal (costa sul, 58 m), do Areeiro (montanha, 1590 m), de Santana (costa norte, 380 m) e da ilha de Porto Santo (78 m), representadas graficamente na fig. 7, e aplicando a classificação de Köppen-Geiger, temos para o Funchal e para Porto Santo clima do tipo Csa (temperado húmido com verão seco e quente) e para o Areeiro e Santana clima do tipo Csb (temperado húmido com verão seco e suave). Fig. 7 – Gráficos com a temperatura do ar e a precipitação média mensal no período de 1971-2000, registadas nas estações meteorológicas do Funchal (58 m), do Areeiro (1590 m), de Santana (380 m) e de Porto Santo (78 m). Aplicando a mesma classificação para as estações que se apresentam na fig. 8, com séries de dados de cinco anos (2011-2015), verifica-se que no Funchal (58 m), no Lugar de Baixo (40 m), na Ponta do Pargo (298 m), em São Vicente (97 m), no Caniçal (133 m) e em Porto Santo (78 m) o clima é Csa (temperado húmido com verão seco e quente) e nas estações de Quinta Grande (580 m), São Jorge (257 m), Santana (380 m), Santo da Serra (660 m), Areeiro (1590 m), Bica da Cana (1560 m) e Lombo da Terça (931 m) o clima é do tipo Csb (temperado húmido com verão seco e suave). [table id=89 /] Legenda: H – Altitude T1 – Temperatura média do ar do mês mais frio I1 – Grupo climático R1 – Precipitação no mês mais seco R2 – Precipitação no mês mais chuvoso I2 – Indicador de tipo T2 – Temperatura média do ar do mês mais quente I3 – Indicador de subtipo TC – Tipo de clima Csa – Clima temperado húmido com verão seco e quente Csb – Clima temperado húmido com verão seco e suave   Na fig. 9 apresenta-se de forma gráfica, para nove das estações indicadas na fig. 8, os valores médios mensais da temperatura do ar e da precipitação para o período 2011-2015. Fig. 9 – Gráficos com a temperatura do ar e a precipitação média mensal no período de 2011-2015, registadas nas estações meteorológicas de São Vicente (97 m), São Jorge (257 m), Ponta do Pargo (295 m), Bica da Cana (1560 m), Santana (340 m), Lugar de Baixo (40 m), Funchal (58 m), Caniçal (133 m) e Porto Santo (78 m). Dos resultados anteriores, conclui-se que, para além da latitude, os fatores determinantes do clima da Madeira são a altitude e a proximidade ao mar. Assim, toda a faixa costeira sul até à cota de 500 m (a avaliar pelos valores da Quinta Grande), a faixa costeira norte até à cota de 100 m, aproximadamente (a avaliar pelos valores de São Vicente e de São Jorge), e o Porto Santo apresentam clima temperado húmido com verão seco e quente, e as restantes regiões clima temperado húmido com verão seco e suave. Resumo de apuramentos estatísticos (1971-2000) A fim de se conhecer com mais detalhe a variação dos vários parâmetros climáticos, apresenta-se uma descrição dos apuramentos estatísticos, também conhecidos por normais, para o período 1971-2000, relativos às estações do Funchal (58 m, costa sul), do Areeiro (1590 m, montanha), de Santana (380 m, costa norte) e do Porto Santo (78 m). (Todos estes dados foram recolhidos no Instituto do Mar e da Atmosfera.)   Temperatura do ar Nas regiões costeiras da ilha da Madeira e em Porto Santo, a temperatura mínima do ar raramente desce abaixo de 10 °C no inverno e a temperatura máxima poucas vezes ultrapassa 30 °C no verão. No entanto, nas terras altas da ilha da Madeira, consideradas acima dos 1000 m, observam-se com frequência valores da temperatura mínima do ar inferiores a 0 ºC. A região do Lugar de Baixo, na vertente sul, a jusante dos ventos dominantes, é a mais quente da ilha da Madeira. Os valores médios anuais da temperatura do ar na ilha da Madeira são maiores na costa sul do que na costa norte e diminuem para o interior da ilha, com a altitude. A temperatura média anual é de 19,0 °C no Funchal (58m), 8,8 °C no Areeiro (1590 m), 15,5 °C em Santana e 18,6 °C na ilha de Porto Santo (78 m). A temperatura média mensal varia pouco ao longo do ano, sendo maior no verão – 22,6 °C no Funchal, 14,3 °C no Areeiro, 19,0 °C em Santana e 22,5 °C em Porto Santo – e menor no inverno: 16,1 °C no Funchal, 4,9 °C no Areeiro, 12,8 °C em Santana e 15,6 °C em Porto Santo. As amplitudes térmicas diárias são pequenas, com valores médios mensais que variam de 5,7 °C a 6,5 °C no Funchal, de 5,9 °C a 8,5 °C no Areeiro, de 4,8 °C a 6,2 °C em Santana e de 4,8 °C a 6,1 °C em Porto Santo. O número médio de dias de verão, definidos como dias em que a temperatura máxima do ar é superior ou igual a 25 °C, é de 72 no Funchal, 7 no Areeiro, 7 em Santana e 39 no Porto Santo; o número de noites tropicais, ou seja, dias de temperatura mínima do ar superior ou igual a 20 °C, é de 28 no Funchal, 1 no Areeiro, 1 em Santana e 37 em Porto Santo. Os dias quentes, com temperatura máxima do ar superior ou igual a 30 °C, podem ser registados tanto nas regiões costeiras como nas regiões montanhosas da ilha da Madeira e também em Porto Santo, mas são bastante reduzidos; em média, inferiores a um dia por ano. As temperaturas máximas absolutas registadas foram 38,5 °C no Funchal, 30,6 °C no Areeiro, 34,1 °C em Santana e 35,3 °C em Porto Santo; e as temperaturas mínimas absolutas foram 7,4 °C no Funchal, -7,0 °C no Areeiro, 5,1 °C em Santana e 6,4 °C no Porto Santo. O número médio de dias do ano com temperatura mínima inferior a 0 ºC é praticamente nulo, exceto no Areeiro onde é de cerca de 40 dias. Precipitação De todos os elementos climáticos, a precipitação é a que apresenta maior variabilidade, existindo um contraste significativo entre a vertente norte e as zonas mais altas, onde ocorrem valores muito elevados de precipitação, e a vertente sul e o Porto Santo, com valores baixos de precipitação. No inverno, a precipitação ultrapassa os 1000 mm nas zonas mais altas, enquanto na costa sul é inferior a 300 mm. Nos meses de verão, a quantidade de precipitação varia entre os 150 mm nas zonas mais altas e menos de 50 mm na costa sul da ilha. O facto de chover mais na parte norte da Madeira durante o verão está claramente associado à direção dominante do vento do quadrante norte nesta estação do ano, e ao facto de a precipitação ser essencialmente de origem orográfica. Os valores médios anuais da precipitação na ilha da Madeira são maiores na costa norte do que na costa sul, aumentando com a altitude, sendo em regra maiores nas encostas voltadas a norte do que nas encostas voltadas a sul para regiões da mesma altitude. Os valores variam de 596 mm no Funchal a 2620 mm no Areeiro, com 1383 mm em Santana. No Porto Santo, o valor médio anual da quantidade de precipitação é 361 mm. Os valores médios mensais da quantidade de precipitação variam muito durante o ano, sendo os meses de outubro a março os mais chuvosos, com valor médio mensal mais elevado nos meses de novembro a janeiro. As maiores quantidades de precipitação diárias variam de local para local, desde o máximo de 215,0 mm no Areeiro, passando por 194,0 mm em Santana, até aos 97,7 mm no Funchal; em Porto Santo, o maior valor diário registado foi 73,0 mm. O número médio anual de dias em que a quantidade da precipitação é igual ou superior a 10 mm é máximo no Areeiro (70) e mínimo em Porto Santo (9), sendo 19 dias no Funchal e 40 dias em Santana. A assimetria norte-sul do número anual de dias com precipitação (≥0,1 mm) é muito significativa. Com efeito, na região do Funchal e noutros pontos da costa sul, ocorrem menos de 90 dias com precipitação por ano, enquanto na costa norte se observam mais de 150 dias por ano. Por outro lado, nas zonas mais altas registam-se mais de 200 dias por ano com precipitação, dos quais mais de 70 são dias com precipitação elevada, superior a 10 mm. Insolação A insolação (número de horas diárias de exposição solar) mensal varia durante o ano com bastante regularidade, Fig. 10 – Gráfico da insolação mensal no Funchal, no Areeiro e em Porto Santo.Fonte dos dados: Instituto do Mar e da Atmosfera. tendo o valor mínimo em dezembro: 134 h no Funchal, 102 h no Areeiro e 133 h na Ilha de Porto Santo. O máximo mensal é 231 h em agosto no Funchal, 241 h em agosto no Porto Santo e 285 h em julho no Areeiro. A insolação apresenta uma ligeira descida em junho no Funchal e em Porto Santo, mas que não se observa no Areeiro. A insolação mensal média tem assim, para o Funchal e para Porto Santo, uma distribuição bimodal, com máximos em maio e em agosto (fig. 10). Anualmente, o Porto Santo totalizou, neste período, 2157 h de sol e o Funchal 2057 h, estando o maior número de horas de sol em Porto Santo associado à menor orografia, que não favorece tão fortemente a formação de nebulosidade local. O Areeiro totaliza 2053 h de insolação, apresentando uma amplitude mensal de 183 h; o Funchal, com um número anual de horas de sol quase igual ao do Areeiro, tem uma amplitude mensal de 96 h. O número anual de dias sem insolação é de 11 no Funchal, 9 em Porto Santo e 42 no Areeiro; para este valor, contribui essencialmente o número de dias com muita nebulosidade que se registam nos meses de outubro a março. Evaporação (mm) Os valores médios mensais da evaporação nas regiões costeiras da ilha da Madeira e em Porto Santo variam pouco e com bastante regularidade durante o ano. Em geral, os máximos ocorrem em julho e agosto. A quantidade média anual de evaporação é maior em Porto Santo, com 1423 mm, seguindo-se, por ordem decrescente, na ilha da Madeira, o Funchal, com 1109 mm, o Areeiro, com 970 mm, e Santana, com 753 mm. A amplitude mensal é de 23 mm no Funchal, 117 mm no Areeiro, 19 mm em Santana e 36 mm em Porto Santo, sendo de concluir que a evaporação é máxima nas regiões montanhosas.   Humidade relativa do ar A humidade relativa do ar é em regra maior na costa norte do que na costa sul da ilha da Madeira, sendo a variabilidade mensal maior nas regiões montanhosas. Fig. 11 – Gráfico dos valores médios mensais da humanidade relativa do ar no Funchal, no Areeiro e em Porto Santo.Fonte dos dados: Instituto do Mar e da Atmosfera.   Nas regiões costeiras da ilha da Madeira, os valores médios mensais da humidade relativa do ar apresentam pequena variação durante o ano, sendo menores no inverno do que no verão. Com efeito, o mês mais seco é abril no Funchal, com 69 %, e fevereiro e março em Santana, com 80 %. No Areeiro, os valores médios são mais altos no inverno, 85 %, do que no verão, 64 %. Também na ilha de Porto Santo a humidade relativa é maior no inverno, com 80 %, sendo nos meses de abril a julho da ordem dos 76 %. Na fig. 11, apresentam-se os valores médios mensais da humidade relativa do ar no Funchal, no Areeiro e em Porto Santo.   Vento O regime anual do vento é diferente na costa norte e na costa sul da ilha da Madeira, sendo os ventos predominantes de NE (10 %) e SW (10 %) no Funchal, de NE (38 %) no Areeiro, de WNW (14 %) e SE (10 %) em Santana/São Jorge, e de N (20 %) em Porto Santo. A frequência de calma é de 13,4 % no Funchal, 1,7 % no Areeiro, 4,0 % em Santana/São Jorge, e 2,3 % no Porto Santo. As rajadas superiores a 40 km/h ocorrem no Funchal com frequência de 1 % e muito raramente são registadas rajadas superiores a 70 km/h. Rajadas superiores a 70 km/h são registadas no Areeiro em 5 % das observações, em Santana/São Jorge em 0,6 % das observações e em Porto Santo em 0,2 %. Entre 1995 e 2015, a maior rajada do vento no Funchal foi de 86 km/h, em março de 2010; no Areeiro, foi de 160 km/h, em Santana/São Jorge, de 159 km/h e em Porto Santo, de 104 km/h, todas no mês de fevereiro de 2010. Assinale-se que os ventos fortes e muito fortes a que por vezes correspondem temporais, particularmente nas terras altas da Madeira e em Porto Santo, estão associados normalmente aos valores mais baixos da pressão atmosférica que em regra ocorrem entre novembro e março.   Temperatura da água do mar Os valores médios mensais da temperatura da água do mar à superfície variam com regularidade durante o ano. Os valores máximos ocorrem em agosto ou em setembro e os mínimos em fevereiro ou março. A temperatura média mensal é relativamente alta ao longo do ano, variando entre 17,8 °C em março e 23,3 °C em setembro no Funchal, e entre 17,3 °C em fevereiro e março e 22,4 °C em setembro no Porto Santo. A temperatura média anual é 20,2 °C no Funchal e 19,5 °C em Porto Santo. A amplitude média da variação mensal é 5,5 °C no Funchal e 5,1 °C em Porto Santo. Os valores observados na região raramente descem abaixo dos 15 °C e raramente ultrapassam os 25 °C.   Ondulação A ondulação na região da Madeira é geralmente fraca ou moderada, com rumos predominantes de NW a NE, exceto junto ao litoral sul da ilha da Madeira, em que predominam rumos de SE a SW. As situações que ocorrem mais frequentemente nos meses de inverno, e que correspondem à ocorrência de depressões no Atlântico Norte em latitudes entre 35° e 55° N, conduzem à geração de ondulação do quadrante NW na região da Madeira. A ondulação do quadrante NE é proveniente, em geral, de áreas de geração localizadas no bordo SE do anticiclone dos Açores, quando este se estende sobre a Europa Ocidental. Durante os meses de verão, cresce a importância desta situação relativamente à anterior, quer pela localização habitual nestes meses do anticiclone dos Açores, quer pelo menor número de depressões a atravessar o Atlântico Norte a latitudes suficientemente baixas para que a ondulação por elas provocada atinja a Madeira.   Pressão atmosférica Os valores da pressão atmosférica ao nível da estação apresentam diferenças quase constantes de local para local, resultantes das diferenças de altitude. Os valores médios mensais reduzidos ao nível médio do mar, registados no Funchal e em Porto Santo, variam pouco durante o ano – 3 hPa no Funchal e 3,3 hPa no Porto Santo –, sendo maiores no inverno e no verão, com diferença de cerca de 1 hPa, e menores na primavera e no outono. A variabilidade interanual dos valores médios mensais nos vários anos é maior durante o inverno e menor durante o verão: 15,0 hPa em janeiro e fevereiro e 2,4 hPa em agosto. Os valores mínimos ao nível médio do mar observados em anos recentes foram 985,9 hPa no Funchal, em 20 de fevereiro de 2004, e 985,8 hPa em Porto Santo, em 4 de março de 2013; os valores máximos foram 1037,2 hPa no Funchal, em 1 de janeiro de 2007, e 1039,3 hPa, em 25 de Janeiro de 2014, em Porto Santo.   Trovoada, granizo, neve e nevoeiro O número de dias com trovoada é de 7 no Funchal, 4 no Areeiro, 4 em Santana e 5 em Porto Santo, sendo a frequência maior no outono e na primavera. O número de dias com precipitação de granizo e saraiva é de 1 no Funchal, 14 no Areeiro, 2 em Santana e inferior a 1 no Porto Santo; a frequência é maior desde meados do outono até à primavera. O número médio de dias do ano com precipitação de neve e com geada é praticamente nulo na Madeira, exceto no Areeiro, em que são registados 7 e 16 dias, respetivamente, com maior frequência em janeiro e março. O número de dias com nevoeiro tem valores desde 1 no Funchal e em Porto Santo, 8 em Santana e 227 no Areeiro, sendo pouco nítida a variação ao longo do ano. É muito nítida e acentuada a variação em altitude. Victor Prior (atualizado a 29.01.2017)

Física, Química e Engenharia Geologia Ciências do Mar

teatro, salas de

Do grego théatron, o teatro procura, inicialmente, representar as ligações do humano com o divino, por um lado, e envolver os espectadores num ambiente mágico, por outro, até se tornar naquilo que é nos tempos modernos: a representação de ações através de vozes e gestos, levada à cena por atores. Na Madeira, os locais das primeiras representações teatrais são os locutórios dos conventos e as igrejas, espaços improvisados que nem sempre respeitam a santidade do lugar. Ainda que as constituições do bispado do Funchal determinem “que se não façam nas igrejas ou ermidas representações [...] de dia nem de noite, sem especial licença do prelado, pelos muitos inconvenientes e escândalos que disso se seguem” (SILVA e MENESES, 1998, III, 602), tal como aconteceu em 1578, aquelas não deixaram de se realizar nas centúrias seguintes. Em 1622, é representado um auto religioso na igreja de São João Evangelista, por ocasião da canonização de S. Francisco Xavier, e, em 1718, na igreja ou convento de Santa Clara, há uma representação dramática, da autoria de Francisco de Vasconcelos Coutinho, representada pelas freiras residentes, por ocasião da despedida do governador e Cap.-Gen. João de Saldanha da Gama, em que eram personagens a Ilha, a corte, a saudade, a religião e a fama. A partir do séc. XVIII, as casas de espetáculo tornam-se uma preocupação para as autoridades municipais. A Casa da Ópera, no Lg. da Restauração, uma modesta casa de espetáculos na rua das Fontes, nomeada Comédia Velha nos princípios do séc. XIX, e o teatro Grande, edificado em frente do palácio de S. Lourenço, são os principais espaços de representação existentes no Funchal. O teatro Grande ocupa, em 1780, uma grande parte do então Lg. da Restauração. É uma construção ampla, dispendiosa e demorada, o maior teatro do país depois do teatro S. Carlos, o qual, diziam as vozes mais dissonantes, não seria necessário para uma localidade pequena como o Funchal. Consumido pelo fogo no final do século, é utilizado como arrecadação de víveres e de apetrechos das tropas inglesas no início da centúria seguinte, na altura da ocupação, entre 1801 e 1802, embora se encontre em estado adiantado de ruína. Após a reedificação, nos anos seguintes, é habilitado com 90 camarotes, 300 assentos de plateia e 100 de varanda, e nele representam várias companhias, nacionais e estrangeiras, como a Companhia Grotesca, de Fabri, que canta operetas e executa bailados, segundo noticia o Patriota Funchalense, em 1821. No ano seguinte, num espetáculo solene, é apresentada uma sinfonia composta por António Francisco Drumond e a representação de A Festa do Olimpo, drama em três atos, de Manuel Caetano Pimenta de Aguiar. Durante as lutas civis, o teatro é encerrado por longos períodos. Quando episodicamente se abre ao público, é palco de manifestações de carácter político, com alterações da ordem e com intervenções da força armada. Em algumas noites de espetáculo, os partidários das ideias constitucionais aproveitaram a reunião do grande número de espectadores para expandirem os sentimentos liberais, tanto no palco como na plateia, apesar da afronta que causam às instituições vigentes. Desta forma, o despotismo do governo absoluto e a guerra civil que assolam o país privam o Funchal desta grandiosa e bem ornamentada casa de espetáculos. Os adeptos da demolição defendem que se trataria de uma construção contígua à fortaleza, que causaria embaraços à defesa da cidade, e que o alargamento da rua e o embelezamento da entrada do palácio dos governadores seriam necessários: argumentos que contribuem para o fim do teatro em 1833. Cerca de 1820, o teatro Bom Gosto é erguido a poucos metros de distância do teatro Grande. Situado entre a R. de São Francisco e o edifício da Misericórdia, possui entrada para aquela rua e para o lado do antigo Passeio Público. Presume-se que a sua edificação tenha sido um capricho do 1.º conde de Carvalhal, a quem pertenceu. Ao regressar do exílio, em 1834, manda fazer reparações e o espaço é transformado numa regular casa de espetáculos com 18 camarotes de primeira ordem, 6 de segunda, 230 lugares na plateia e 2 varandas, uma para homens e outra para mulheres. Não se sabe quando é encerrado, apenas se sabe que, em 1838, ali se realiza um espetáculo, embora se encontre em estado adiantado de ruína. O teatro Prazer Regenerado, inaugurado em Dezembro de 1840, é um aproveitamento do refeitório e de outras dependências do extinto convento de São Francisco. A sua existência não tem larga duração. As sociedades dramáticas são uma realidade na Madeira, embora nem sempre possuam espaços próprios para as representações. A escola Lancasteriana é, entre outros, um local utilizado para a execução de concertos musicais e representações. O teatro Concórdia, elevado na R. do Monteiro em 1842, é impulsionado pela sociedade dramática com o mesmo nome. O conhecido ator Robio é um dos elementos que integra o elenco. Em 1844, é ali levado à cena o drama Amor e Pátria, de Sérvulo de Medina e Vasconcelos, um dos seus marcos históricos. Em 1851, ainda se dão récitas no seu espaço. Por 1858, funda-se no Funchal uma sociedade dramática conhecida pelo nome de Thália. Dá representações em diversos locais e, posteriormente, arrenda uma casa no Lg. do Pelourinho. Não se sabe quando deixa de existir nem quem eram os seus sócios e dirigentes, mas ainda apresenta récitas ao público em 1859. Em 1858, o teatro Esperança nasce de uma sociedade dramática que propõe concretizar representações teatrais e proceder à construção duma pequena casa de espetáculos, e de que fazem parte Júlio Galhardo de Freitas e Pedro de Alcântara Góis. O comerciante João de Freitas Martins cede um armazém na R. dos Aranhas, e a Câmara e o conde de Carvalhal impulsionam as obras e assumem a manutenção do grupo. A inauguração solene realiza-se a 10 de março de 1859. António José de Sousa Almada, compositor dramático e redator duma revista teatral, presta à sociedade Esperança vários serviços, tanto na escolha como no ensaio e na representação de peças, até ao início dos trabalhos de abertura da rua 5 de Julho, altura em que são demolidas algumas das dependências do espaço. Em 1887, o mesmo é adquirido pelo conde de Canavial e, até 1888, ano em que é inaugurado o teatro D. Maria Pia, o pequeno teatro Esperança é a única casa de espetáculos da Madeira, levando ao palco várias companhias dramáticas e de opereta. Em 1915, é vendido ao empreiteiro João Pinto Correia, que pouco depois procedeu à sua demolição. Até à construção do teatro D. Maria Pia, as salas usadas para espetáculos, como o teatro Thália, o teatro Concórdia, o teatro Esperança e o teatro Conde do Canavial, estabelecem-se aproveitando espaços já existentes, ligados a empreendimentos privados, e dependentes da vontade de sociedades dramáticas, de orquestras musicais e de outros entusiastas das artes. O objetivo destes locais, e dos que funcionam colateralmente com o D. Maria Pia, é a criação de espaços de lazer e a divulgação das produções artísticas dos amadores, associadas a iniciativas culturais de cariz filantrópico. A segunda centúria do séc. XIX é marcada por várias tentativas de carácter particular e oficial para dotar a cidade do Funchal com um espaço grandioso e belo como o teatro S. Carlos de Lisboa. O desejo da população é concretizado durante a presidência de João Sauvaire da Câmara. Os trabalhos de construção são iniciados em 1884 e concluídos em 1887. O edifício possui 18 frisas, 20 camarotes de primeira ordem, 21 de segunda, 100 fauteuils, 160 cadeiras e 200 lugares de geral. A inauguração solene é realizada a 11 de março de 1888, altura em que sobe à cena a zarzuela Las Dos Princesas, pela companhia espanhola de José Zamorano. Nos anos seguintes, importantes companhias de zarzuelas, de líricas, de operetas, dramáticas, de concertistas, de prestidigitadores e de variedades levam à cena nomes sonantes da cultura e do espetáculo, nacionais e estrangeiros. Inicialmente, no tempo da monarquia, é denominado teatro D. Maria Pia, passando a teatro Manuel de Arriaga em 1910, com a chegada da República. Mas o antigo deputado pela Madeira recusa que seja dado o seu nome ao espaço e a Câmara Municipal batiza-o de teatro Funchalense. Só após a sua morte, e até à posterior designação de teatro Balthazar Dias, na década de 30 do séc XX, é denominado teatro Manuel de Arriaga. Apesar da existência de outros espaços de lazer, é no teatro principal que o público se revê. Expressões como “o nosso teatro”, “o elegante teatro”, “o nosso primeiro teatro”, “a nossa primeira casa de espetáculos” leem-se frequentemente na imprensa, dado ter sido um sonho dos madeirenses. Pelo seu palco, passam grandes companhias internacionais e nacionais, as melhores produções dramáticas e musicais de madeirenses, nos seus espaços organizam-se exposições de pintura, e as figuras públicas sobem ao palco em datas comemorativas, ocasiões em que a sociedade vai em peso ao teatro para participar dos momentos solenes. Pelo pavilhão Paris e pelo teatro Circo passam sobretudo companhias portuguesas, onde permanecem dois e três meses seguidos, contrariamente ao que acontece no teatro principal, onde raramente excedem um mês de permanência. Durante a estadia, os artistas mais conhecidos organizam uma festa artística, ou um dia de destaque na representação, que geralmente dedicam a coletividades ou a personalidades, como forma de atração do público. As companhias nacionais dão récitas de caridade, uma tradição na Madeira, por ser uma região com elevados índices de pobreza. As grandes companhias, dado o elevado custo das deslocações, pedem auxílio à Câmara do Funchal, e a sua ida só se concretiza mediante a recolha de assinaturas para conjuntos de 10 récitas, como nos casos da companhia de Italia Vitaliani, em 1913 e 1914, considerada pelo engenho erudito da edilidade funchalense um elemento educativo de inapreciável valor prático. Eventos desta envergadura são acautelados pelas autoridades locais que, a pensar no proveito, fazem melhoramentos na plateia do teatro, de modo a obterem um maior número de lugares; assim aconteceu por ocasião da vinda de Henrique Beut, em 1914, com a criação de melhores condições elétricas, e na altura da estadia de Italia Vitaliani e da representação da Guiomar Teixeira, de João dos Reis Gomes, com a colocação de lâmpadas mais económicas e mais intensas, ficando o teatro com o triplo da luz de que dispunha. Nos anos de 1910 e 1911, marcados pelas enfermidades da cólera e da tuberculose, e também em 1914, por ocasião da deflagração da Primeira Guerra Mundial, dado a navegação ser reduzida, as companhias dramáticas fazem-se anunciar, mas não chegam a vir deslocar-se ao Funchal, sendo as produções locais e os concertos musicais as principais distrações dos madeirenses neste tempo. Efetivamente, nos períodos em que as companhias de profissão não visitam a Ilha, a elite social, com o propósito de realizar ações de caridade e de beneficência, organiza os mais variados eventos e leva ao palco das várias salas de espetáculo da Madeira, mais especialmente do teatro Funchalense, artistas amadores. Alguns deles celebrizam-se no meio, sendo aplaudidos como profissionais e bem vistos pelos críticos de arte. Outros chegam a ter projeção nacional e internacional. Os principais artistas amadores são nomes de famílias ilustres, como Emma Trigo, Isabel Soares, Angelique Beer Lomelino, que representam peças conhecidas do reportório das companhias nacionais e de autores madeirenses, e que, não raras vezes, se inserem nas companhias de fora, representando ao seu lado. Os concertos musicais são um marco do teatro na Madeira durante a República, destacando-se a atuação de músicos no início e nos intervalos das representações e das exibições cinematográficas, não apenas no teatro Funchalense, mas também no pavilhão Paris e no Teatro Circo. Os madeirenses revelam um apurado gosto pelo teatro, repugnam as imitações e a fraca qualidade da revista, condenam o excesso de obras estrangeiras, incentivam o trabalho dos amadores, escrevem peças de teatro de elevado mérito, representadas nos melhores teatros do país, e sobressaem na área da crítica teatral.     Elina Baptista (atualizado a 30.01.2017)

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silva, nuno estêvão lomelino da

(Funchal, 1892 - Lisboa, 1967) Lomelino Silva foi um tenor lírico madeirense do séc. XX, de renome internacional. Estudou canto em Lisboa e em Itália, estreando-se no Teatro Dal Verme de Milão. Realizou várias digressões pelos grandes palcos mundiais, alcançando sucesso na interpretação de importantes papéis em óperas de, entre outros, Verdi e Puccini. Nos Estados Unidos da América foi chamado de “Caruso português”, por comparação com Enrico Caruso, célebre cantor italiano de música clássica. Em 1926, gravou alguns temas musicais pela editora britânica His Master’s Voice, que foram recuperados em 2009, na edição de um CD áudio, no Funchal. Palavras-chave:  música, ópera, tenor, teatro, cultura. Nuno Estêvão Lomelino da Silva foi um tenor lírico do séc. XX, que se tornou uma das figuras madeirenses mais célebres da sua época, com uma carreira artística de grande projeção internacional. No meio artístico usava o nome Lomelino Silva, pelo qual também ficou conhecido. Lomelino Silva nasceu na R. das Maravilhas, no sítio da Cruz de Carvalho, pertencente à freguesia de São Pedro, no Funchal, a 26 de dezembro de 1892, e faleceu em Lisboa, a 11 de novembro de 1967, um mês antes de completar 75 anos. Era filho de Guilherme Augusto da Silva e de Helena Lomelino da Silva. Completou o curso da Escola Comercial Ferreira Borges e, posteriormente, da Escola de Oficiais Milicianos. Trabalhou em Lisboa, no Banco Totta, alistando-se depois no Exército, onde alcançou o posto de alferes de Artilharia. Durante a Primeira Guerra Mundial participou na defesa da ilha da Madeira, quando foi atacada por submarinos alemães. Todavia, encorajado por amigos, acabou por abandonar a carreira militar e prosseguir os estudos na área da música. A sua estreia como cantor aconteceu em 1916, num recital de caridade, no então denominado Teatro Dr. Manuel de Arriaga (posteriormente Teatro Municipal Baltazar Dias), onde recebeu vários elogios pela sua interpretação da opereta Primeiros Afectos, da autoria de Alberto Artur Sarmento. Após o sucesso da sua primeira apresentação pública, seguiu para Lisboa, em 1918, ainda antes do fim da Primeira Guerra Mundial, para ter aulas de canto com o professor Alberto Sarti. Mais tarde, por volta de 1920, depois de regressar à Madeira, acatou diversos conselhos para estudar em Itália, onde foi aperfeiçoar o seu talento musical e adquirir conhecimentos técnicos do bel-canto como discípulo de Giovanni Laura e Ercole Pizzi, dois conceituados músicos da época. No dia 31 de dezembro de 1921, estreou-se nos palcos italianos, no Teatro Dal Verme de Milão. Esta data determinaria o início de uma carreira singular como cantor lírico, marcada por várias digressões internacionais, com apresentações públicas em vários países. Em Itália, Lomelino Silva interpretou os importantes papéis de Duque de Mântua, na ópera Rigoletto, de Verdi, e de Rodolfo, em La Bohème, de Puccini, alcançando notável reconhecimento. Ao longo da sua carreira artística desempenhou vários papéis de destaque, em obras como Mefistófeles, Tosca, Fausto, entre outras. Interpretou igualmente canções portuguesas conhecidas na época, que cantava nos seus espetáculos. No início de 1922, integrou uma companhia italiana de ópera e fez uma digressão pela Holanda. No final daquele ano, fez a sua primeira digressão ao Brasil. Nas diversas atuações que realizou nos anos seguintes, incluíram-se as que efetuou pela Europa onde, além dos concertos produzidos em várias cidades italianas, o cantor madeirense atuou ainda em Espanha, França, Suíça e Inglaterra. Decorria o ano de 1926 quando Lomelino Silva foi convidado pela editora musical britânica His Master’s Voice para gravar alguns temas, tendo sido o primeiro madeirense a ter este privilégio, de acordo com Duarte Mendonça. O reportório fonográfico incluiu composições de Verdi, Sarti, Tomás de Lima, Fernando Moutinho, Coutinho de Oliveira, António Menano, Alfredo Keil e Rui Coelho. As gravações foram distribuídas internacionalmente, o que contribuiu para a projeção mundial do tenor madeirense. Em 1927, andou em digressão pelos Estados Unidos da América, sobretudo na Florida, Nova Iorque, Pensilvânia, Massachusetts, Virgínia e Califórnia. Neste país foi comparado ao tenor italiano Enrico Caruso, devido à sua excelente voz, tendo recebido a alcunha de “Caruso português”. Na verdade, também no Brasil, em 1930, a imprensa brasileira corroborou o cognome atribuído pelos americanos e os elogios à sua voz. Em 1931, encetou outra digressão mundial, que duraria cerca de dois anos, com início pela costa leste e oeste dos Estados Unidos e pelo Havai. A partir da América empreendeu uma viagem por diversos territórios asiáticos como Xangai, Hong-Kong, Macau, Filipinas, Singapura e Índia, passando depois por Moçambique e a África do Sul, onde deu vários concertos. Em 1934, realizou uma digressão pelas Antilhas e, mais tarde, em 1936, viajou novamente pelos Estados Unidos, apresentando-se em cidades como Nova Iorque, Hollywood e Los Angeles. Entre 1938 e 1949, Lomelino Silva terá ainda voltado a atuar nas Antilhas e no Brasil, antes de se despedir dos palcos, em fevereiro de 1949, no Cinema Tivoli, em Lisboa. A par das atuações internacionais, em que foi reconhecido pelo seu talento, o tenor madeirense foi realizando concertos no seu país, nomeadamente, em Lisboa, no Porto e nos arquipélagos. À Madeira regressou várias vezes, apresentando diversos recitais líricos no Teatro Municipal do Funchal, que ia interpolando com a sua aclamada carreira internacional. Refira-se, e.g., os espetáculos realizados nos anos de 1921, 1925, 1926, 1928, 1931, 1933, 1939, 1943, 1944 e 1946, o que revela a sua estima à terra natal, pelo número de vezes que atuou “em casa”. A imprensa da época, quer a regional, quer a nacional e mesmo a internacional, por diversas vezes elogiou a melodiosa voz de Lomelino Silva e os seus concertos tiveram largo destaque nas páginas dos diferentes jornais. A imprensa madeirense, em reconhecimento do seu conterrâneo, dedicou-lhe vários artigos, sobretudo quando atuava no Funchal. Cantores de Ópera Portugueses (1984), de Mário Moreau, dedica um longo artigo ao tenor madeirense incluindo transcrições de artigos de alguns periódicos nacionais e internacionais com menções a Lomelino Silva. É também possível seguir a trajetória do célebre cantor lírico através das informações ali contidas, relativas a datas, locais, programação dos recitais e concertos dados ao longo da sua carreira artística. Em reconhecimento do seu talento, foram-lhe prestados vários tributos em vida e póstumos. Em 1925, foi realizada uma homenagem no Funchal, com o descerramento da uma placa de mármore com o seu nome no Salão Nobre do Teatro Municipal. Tratou-se de uma iniciativa do Club Sport Marítimo, após o êxito de um concerto promovido pelo Club Sports da Madeira, organizado por um grupo de amigos de Lomelino Silva, em agosto de 1925, e das solicitações do público para a realização de uma segunda récita. O Club Sport Marítimo decidiu então promover um segundo concerto, pedindo ainda autorização à Câmara Municipal do Funchal para a colocação de uma placa comemorativa da passagem do tenor pelo Teatro. A proposta foi aprovada pelo município funchalense, que se associou à iniciativa. Quatro anos depois, a 19 de junho de 1929, foi condecorado por Óscar Carmona, então Presidente da República portuguesa, com o grau de Oficial da Ordem Militar de Cristo, a maior homenagem que recebeu em vida no seu país natal. Em 1992, por ocasião do centenário do seu nascimento, o Governo regional da Madeira promoveu a colocação de uma placa comemorativa no local onde nasceu Lomelino Silva. Posteriormente, em 2001, o tenor português Carlos Guilherme (n. 1945) prestou-lhe tributo, promovendo um espetáculo no Teatro Municipal Baltazar Dias, onde interpretou o mesmo reportório apresentado pelo madeirense em Lourenço Marques (a então capital de Moçambique), a 29 de dezembro de 1932. Mais tarde, em 2009, foi editado um CD que recupera as gravações de Lomelino Silva realizadas em Londres, em 1926. Esta edição discográfica inclui um livreto com a sua biografia, elaborada por Duarte Miguel Barcelos Mendonça, assim como transcrições de artigos publicados na imprensa.   Sílvia Gomes (atualizado a 03.02.2017)

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praias

Na Madeira, praia é muitas vezes sinónimo de calhau; a maioria é pedregosa, sendo muito raras as de areia: a Prainha, na freguesia do Caniçal, perto da Ponta de São Lourenço, de areia preta, e as do Porto Santo, de areia fina e amarela. Fernando Augusto da Silva atesta que “já disse alguém que na Madeira não havia praias, talvez pela circunstância de não serem de areia e terem uma limitada extensão. Com efeito as desta ilha, excetuando a da Prainha no Caniçal, são formadas de pequenas pedras ou calhaus rolados e de escuro basalto, tendo todas elas um aspeto sombrio e um piso difícil e incómodo” (SILVA, 1984, II,300). As principais praias da Madeira são as seguintes: Prainha, Caniçal, Machico, Seixo, Santa Cruz, Porto Novo, Reis Magos, Funchal, Formosa, Câmara de Lobos, Ribeira Brava, Lugar de Baixo, Madalena do Mar, Calheta e Paul do Mar, Porto do Moniz, São Vicente, Fajã da Areia, Ponta Delgada, São Jorge e Porto da Cruz. No Porto Santo, onde as praias são todas de areia amarela, temos as praias do Penedo, do Cabeço, da Calheta, da Fontinha e das Pedras Pretas. No Funchal, devemos referir a existência de uma extensa praia de calhau entre as três ribeiras aí existentes, que deixou de estar visível em toda a extensão da baía devido à construção da Av. do Mar, de iniciativa do então presidente da Câmara, Fernão de Ornelas. Em memória dessa praia, ficou na toponímia da cidade a R. da Praia. A ideia que os insulares fazem do mar e das suas praias e enseadas abertas mudou no séc. XX, pois estas foram durante muito tempo pensadas de acordo com a facilidade no embarque e desembarque para os locais e forasteiros, mas também como ameaça, por causa da possibilidade de intrusos externos, nomeadamente piratas e corsários. Neste último caso, revelam-se um obstáculo às condições de defesa e segurança das populações, havendo necessidade de as prover de fortificações e de meios de vigilância. Esta imagem das praias madeirenses é veiculada por Paulo Dias de Almeida. Assim, ao referir-se à praia Formosa, observa: “Ao Oeste da cidade a pouco mais de meia légua, há a magnífica Praia Formosa, muito favorável a um desembarque” (CARITA, 1982, 59). Desta, já em finais do séc. XVI, dissera Gaspar Frutuoso: “Dobrando esta ponta, foram dar em uma formosa praia que, pela formosura e assento dela, lhe pôs nome a Praia Formosa.” E assim se chama “por não haver outra semelhante em toda a ilha, que terá como um quarto de légua de areia” (FRUTUOSO, 1979, 48, 117). Quanto à Ribeira Brava, “o porto é muito mau e raras vezes se encontra bom mar para desembarcar. A praia é de um calhau muito grosso, com algumas pedras e só os barcos ali costumados encalham sem risco pois a sua construção é própria para essa qualidade de praias. É costume ali carregar os barcos encalhados e depois de carregados, deitá-los ao mar, esperando a vaga, e isto muitas vezes com o risco de se alagarem” (CARITA, 1982, 61). A Madalena, por sua vez, que foi “estabelecida ao lado da Ribeira da Madalena em um plano à borda do mar, tem uma excelente praia e uma magnífica fonte à borda da maré, onde as embarcações fazem aguada” (Id., Ibid., 64). Paulo Dias de Almeida refere que “toda a Ilha da Madeira é cortada de imensas ribeiras e ribeiros, a maior parte delas só muito caudalosas no Inverno, formada de altas montanhas precipitadas e enormes rochedos descobertos. Todas as praias são de calhau miúdo, algumas de calhau muito grosso e só quando se acabam as grandes levadias, aparecem pequenas praias de areia preta, que com as enchentes e vazantes das marés, se desfazem, tomando a primeira forma de calhau” (Id., Ibid., 51). Não devemos esquecer que a tradição dos banhos de mar e a valorização da época balnear recentes começou em meados do séc. XX. Durante muito tempo, os interditos feitos pela Igreja Católica à revelação do corpo e os interditos previstos nas posturas municipais sobre os banhos na praia e nas ribeiras do Funchal, Machico e Porto Santo não permitiram a sua vulgarização. Assim, de acordo com a postura da Câmara Municipal do Funchal de 26 de julho de 1839, “estava proibido aos funchalenses o banho de mar nus”, só se permitindo em calças ou camisa, “até abaixo do joelho”, sujeitando-se os seus infratores a uma pesada coima de mil réis. Mesmo em épocas anteriores, referem-se banhos no calhau da cidade em corpo nu, mas as medidas iam no sentido da sua proibição, pois já em 1609 há notícias de que “no calhau fronteiro desta cidade de dia se despiam muita gente e nadavam e depois disto saíam do mar nus e despidos o que davam muito escândalo a muita gente e mulheres que vissem da banda do mar em seus balcões. Acordaram os ditos oficiais se lançasse pregão por esta cidade que nenhuma pessoa de qualquer qualidade de dez anos para cima se dispa a nadar de dia, de São Lázaro até ao Corpo Santo” (RIBEIRO, s.d. , 20). Por diversas vezes, na primeira metade do séc. XIX, chegam à Câmara reclamações sobre os banhos que se faziam no Calhau. Além disso, em 1850, o administrador do concelho do Funchal avisava João Hollway, proprietário de uma hospedaria, para informar os seus clientes da postura camarária que proibia os banhos nus, entre as 06.00 h e o anoitecer, pois qualquer banho deveria ser feito com o corpo vestido “desde os ombros até aos joelhos” (Id., Ibid., 21). Já nas Posturas do Funchal de 1912, o título 6.º é dedicado aos banhos, apresentando a postura proibitiva dos banhos em corpo nu; permitidos eram apenas os banhos em que “a camisola ou vestimenta que se deve usar abrangerá o corpo desde o pescoço até acima dos joelhos”. Consta, porém, que os primeiros que se banharam nas águas límpidas da Ilha foram João Gonçalves Zarco e seus companheiros, quando, em 1420, foram obrigados a procurar refúgio nas águas refrescantes do mar, de maneira a escapar ao calor infernal do incêndio que deflagrou na floresta da Ilha. Segundo Cadamosto, estiveram no mar “mergulhados até à garganta dois dias e duas noites, sem comer nem beber, pois que de outra maneira teriam morrido” (ARAGÃO, 1981, 36). Mas este banho foi em conformidade com a lei, com todas as vestes que traziam no corpo. Em 1850 referia-se nos anais do município da ilha do Porto Santo que as suas praias eram favoráveis aos banhos de mar, mas que não atraíam forasteiros por falta de condições, estando os naturais limitados pelas posturas. Na verdade, a sua revelação como estância balnear é do séc. XX. Desta forma, a indicação de Giulio Landi, cerca de 1530, deverá ser entendida de acordo com a época. Assim, ao referir-se ao norte da Ilha, realça: “E esta parte não é menos deleitosa do que útil pois as praias e os lugares cobertos de bosques, muitas vezes, dão enormíssimo prazer. Aqui costumam os habitantes descansar em qualquer momento quando lhes apetece, ir à praia ou alimentar-se de laticínios. [...] No meio da Ilha, onde os madeirenses costumam ter as suas vivendas e propriedades, gozam-se, em qualquer época, ares muito temperados” (Id., Ibid., 84). Em meados do séc. XX, assistimos a uma valorização da área costeira da Ilha como estância balnear, com piscinas e praias artificiais de areia, como no caso da praia em Machico, inaugurada a 29 de setembro de 2010, e na Calheta, em que a praia feita com areia importada de Marrocos foi inaugurada em 2004 e as suas areias repostas em 2008. Por outro lado, a oferta em termos de serviço balnear na ilha da Madeira contempla uma diversidade de piscinas públicas e privadas. Os hotéis e pousadas, maioritariamente junto à costa, são servidos por piscinas com água salgada; nos demais também encontramos piscinas de água doce. Um dos mais antigos complexos balneários adscritos aos hotéis é o do Hotel Reid’s com espaço apropriado a banhos de mar desde 1908. A par disso, há que considerar a oferta camarária de serviços balneários na Barreirinha e no Lido. Os primeiros acessos à Barreirinha foram construídos em 1939, enquanto as piscinas do Lido são de 1932. Estes tradicionais espaços balneários são complementados, depois, por intervenções do Governo regional, no Gorgulho, na Ponta Gorda, na Ribeira Brava, na Ribeira do Faial, no Caniçal, na Baía dos Juncos e em São Vicente, em 2004. A Madeira oferece um complexo vasto de praias e complexos balneários que se estende a toda a costa da Ilha, de norte a sul. São Martinho é o espaço mais importante da estância balnear madeirense, associada aos forasteiros ou aos locais. No passado, existiram vários projetos de valorização da orla marítima, surgindo, em 1921, um plano de ideias para a praia Formosa que a pretendia transformar numa praia de banhos e diversões. Primeiro, surgiram as piscinas do Lido, um marco do verão madeirense. Em 1932, foi desenhado o projeto de uma piscina pública para banhos e exercícios de natação na zona do Gorgulho. A construção hoteleira das últimas décadas do séc. XX incidiu nesta área, transformando-a numa zona privilegiada da cidade. Em 1982, o complexo balnear do Lido foi melhorado, e, em 1993, aberto o passeio público marítimo, mas o Lido foi destruído em 2010 e o complexo fechado ao público, sendo reaberto em março de 2016. A área ganhou então maior dimensão, graças à política municipal de valorização da orla marítima com diversos espaços balneares e uma promenade, a que se juntaram clubes privados como o Clube Naval do Funchal e o Clube de Turismo. No Porto Santo manifesta-se, de forma imponente, o extenso areal dourado, que fez desta ilha um lugar aprazível para os banhos de mar, tornando-se por isso na estância balnear dos madeirenses. Note-se que nos Anais do Município, datados de 1862, é já referida a atração dos estrangeiros pelas praias e seus efeitos terapêuticos. Nas primeiras décadas do séc. XXI, a frente mar do arquipélago mereceu uma valorização pouco comum no quotidiano madeirense, com a construção de diversas infraestruturas de apoio ao acesso ao mar, que permitiram o prolongamento da época balnear durante o ano inteiro.   Alberto Vieira (atualizado a 03.02.2017)

Geologia

festividades

A Madeira é um lugar em que se articulam bem as festividades tradicionais, aquelas que o povo celebra há centenas de anos, com as mais modernas, as que se ligam ao fluxo turístico, que busca coisas novas, diferentes, atrativas. As festividades começam, na Madeira, com a festa do panelo, um festival gastronómico que tem lugar no Seixal, nos finais de janeiro. Segue-se, por alturas de fevereiro, a festa dos compadres que começa dois domingos antes do Carnaval. Dura cerca de duas semanas e é essencialmente uma festa humorística em que se brinca com as mulheres (as comadres) e com os homens (os compadres), terminando com um julgamento, em que normalmente vence a comadre. Para os madeirenses, é uma oportunidade de anteciparem o calendário oficial e começarem os folguedos e as brincadeiras da quadra, a que os gigantones dão um toque burlesco. Há música tocada por instrumentos tradicionais, cantigas e danças populares, bailes, cortejos típicos com trajes regionais e um concorrido arraial onde se comem espetadas, bolos do caco, sonhos, etc.. O Carnaval do Funchal insere-se na antiga tradição de se celebrarem na folia os últimos dias antes do começo da Quaresma. É uma época em que se multiplicam os cortejos alegóricos e os desfiles de máscaras, aproveitados muitas vezes para se exprimirem críticas à atualidade ou a personalidades conhecidas. O cortejo principal é no sábado à noite, mas o desfile de terça-feira, o “Carnaval Trapalhão”, é um momento sempre bem vivido; como o nome indica, as máscaras são mais “trapalhonas” o que parece agradar a quem participa no cortejo e a quem a ele assiste. Em março, os eventos em torno da Semana da Árvore e da Floresta, celebrados maioritariamente no Parque Ecológico do Funchal, proporcionam um contacto e conhecimento próximos do meio ambiente, assim como aprendizagem de práticas para melhor o defender e preservar. Também durante o mês de março decorre, no Faial, a festa da anona. Como se revelará mais adiante outros produtos da terra e do mar justificam a realização de festas populares, um pouco por toda a parte. O Festival Literário da Madeira realiza-se no início da primavera. É essencialmente um conjunto de debates que têm lugar no Teatro Municipal Baltazar Dias, e reúne alguns dos melhores escritores de origem madeirense (e não só) com críticos e estudiosos de Literatura. Não se confina a um certame para eruditos, pois envolve a população em geral. Uma homenagem pública a um vulto relevante do panorama literário madeirense é sistematicamente incluída no programa. Em abril, realiza-se a festa da cana do açúcar na Ponta do Sol. Esta festa recorda que o açúcar foi uma das maiores riquezas da Ilha desde os primórdios do povoamento: o alfenim (massa de açúcar e óleo de amêndoa doce) era presente de elevado valor e chegou a ser moeda de troca para a aquisição de obras de arte. Na feira da cana do açúcar, é possível aprender como se recolhe e trabalha a matéria-prima, como se fabrica a aguardente, o melaço e os rebuçados, para além de se poder visitar exposições e participar em atividades de vária ordem. Além das festas típicas da gente madeirense e que, com mais ou menos alterações, se têm mantido ao longo dos tempos, outras há que, embora envolvam e entusiasmem as populações locais, nasceram como consequência da força de atração turística. Esta é uma realidade a que os madeirenses se foram habituando (há registos muito antigos de visitantes ilustres nestas paragens), e ocorreu de forma fulgurante a partir da segunda metade do séc. XX. Destas festividades, o lugar de honra vai para a famosa Festa da Flor. Na Madeira florescem flores raras e variadas, como as orquídeas, as estrelícias e os antúrios, as poinsétias, os lilases, os jasmins, os hibiscos, as hortênsias e os agapantos; e há as árvores carregadas de flores: os jacarandás, as mimosas, as árvores de fogo. Tudo isto se celebra na Festa da Flor que todos os anos, em abril, enche as ruas do Funchal e possibilita o contacto direto com tão grande e diversificada beleza. Nesta ocasião, as ruas encontram-se engalanadas, tal como o chão, os arcos e as paredes das casas; podem ver-se exposições temáticas; sucessivos cortejos; carros enfeitados; e trajes alegóricos. Do programa anual consta sempre a construção do “Muro da Esperança” pelas crianças do Funchal. Quase em simultâneo com a Festa da Flor realiza-se o Festival dos Jardins do Funchal, concurso de jardineiros encartados, mas também de particulares, comerciantes e artistas amantes de flores, que apresentam minijardins para serem apreciados e classificados pela população. No final, são atribuídos prémios às melhores e mais originais produções. As paisagens naturais da Ilha favorecem propostas de contacto com a natureza, através de caminhadas que se organizam ao longo das levadas e das veredas das montanhas. Assim, em abril, tem ainda lugar uma prova de trilho pedestre que atravessa toda a Ilha, proporcionando aos participantes uma passagem por paisagens e ambientes muitos diversos até no que respeita às condições atmosféricas. Em maio, realiza-se nova prova pedestre, com percursos mais curtos e exigindo competências de orientação. O apóstolo S. Tiago Menor é o padroeiro principal da cidade do Funchal, que o celebra no dia 1.º de maio e a cada ano lhe agradece o tê-la salvo da peste que, no séc. XVI, causou grande mortandade entre a população. As festas, que duram vários dias de música e folguedo, integram uma procissão com a imagem do santo e muitos fiéis enfeitados com cordões feitos de flores amarelas, os “maios”. Neste mês de maio, há também várias festas agrícolas: a festa da cebola, no Caniço, com cortejo de tratores e carroças enfeitadas e leilões do produto em destaque; e a festa do limão (na paróquia da Ilha), marcada pela mostra de doçaria e outros pratos feitos a partir do referido citrino, bem como pelo célebre despique de quadras populares criadas a partir dos mais variados temas e cantadas à desgarrada nos ritmos típicos da região. A Ribeira Brava assiste uma vez por ano, ainda em maio, ao encontro das bandas de música, um acontecimento cultural que permite defender e valorizar as antigas tradições musicais da Ilha e que se transforma num animado despique em que cada um quer mostrar o seu melhor, para alegria dos executantes e orgulho dos que, às vezes de longe, os vêm apoiar. É também nesta vila que se realiza, por ocasião das festas de S. Pedro, uma exibição de fogo de artifício. Acrescenta-se a esta lista de eventos a exposição de automóveis, motos e scooters antigos que se organiza em maio ao longo da estrada Monumental. Apresentam-se máquinas extraordinárias e bem tratadas, que cruzavam as estradas da Ilha nos tempos passados, quando a maioria das pessoas se deslocava a pé ou, quando muito, em carros puxados a bois. Também em junho, é possível ver muitas dessas máquinas afoitarem-se pelas estradas da Ilha numa corrida sui generis de curtas etapas, o chamado Classic Rally. O mês de maio termina com as festas da Sé, que por vezes se prolongam até ao início de junho. São festas de rua mais do que celebrações religiosas, que se realizam à volta da Sé mais do que no seu interior. De toda a cidade, “desaguam” na baixa centenas de pessoas que enchem os bares, que dançam na rua, que provam carne de vinha de alhos, sarapatel, bolo do caco ou bolo de mel, que sugam rebuçados de funcho, que bebericam malvasia e grogue, poncha e jaqué, quando não um dos licores feitos a partir do maracujá, do araçá ou da goiaba, etc. As ruas estão enfeitadas com flores e com luzes que, quer de dia quer de noite, transformam aquele espaço num cenário de festa que os grupos musicais e os ranchos folclóricos se encarregam de animar num rodopio contagiante. Em junho, realiza-se a festa da cereja, no Jardim da Serra, à qual se associa a ginjinha. Ainda neste mês, mas na Câmara de Lobos, terra de pescadores que entusiasmou Churchill pelo seu pitoresco, bem junto ao mar, festeja-se um produto deste rico manancial madeirense: o peixe-espada preto. Esta festa constitui simultaneamente um tributo a quantos labutam na pesca e, assim, aumentam a fama do arquipélago. No Funchal, os santos populares também são celebrados com pirotecnia. As celebrações de S.to António, S. João e S. Pedro animam as noites e os dias da Madeira durante o mês de junho, um dos mais animados do ano. Os bailinhos, as barracas de vinhos e petiscos, as exibições de música folclórica pelas ruas, largos e jardins e ainda o fogo de artifício que ilumina as noites do Festival do Atlântico envolvem quantos por ali se encontram. Em julho, na Madalena do Mar, faz-se a festa da banana; a abundante produção local explica que neste lugar se organize há muito tempo tal evento, famoso em toda a Ilha. Também em julho festeja-se outro produto, outra vez do mar e não da terra: as lapas, no Paul do Mar, servidas na grelha, temperadas com manteiga, alho e limão. Ainda neste mês tem lugar em vários pontos do mar da Madeira o campeonato de pesca grossa; entre as diversas provas do campeonato, conta-se a pesca do espadim azul, que ocorre simultaneamente em vários locais do Oceano Atlântico. É igualmente em julho que se realiza a Semana do Mar, em Porto Moniz, na costa Norte, com atividades e jogos variados, passeios de barco, regatas e exibições de folclore, provas desportivas, e outros acontecimentos culturais. Também em julho, vivem-se em simultâneo o festival de folclore e a festa da maçaroca. O primeiro atrai a Santana grupos folclóricos de toda a Ilha (e de Porto Santo), que se apresentam com um desfile nos seus coloridos trajes; estes variam conforme a localidade de onde são provenientes e do estatuto social que representam. O conjunto de exibições inclui, frequentemente, a de um grupo estrangeiro, vindo de um dos países que acolhe mais emigrantes madeirenses. O desafio que é feito é o de se passarem 48 horas a bailar – e há resistentes que o conseguem. A outra festa acima referida pretende apresentar o artesanato confecionado a partir das folhas do milho e da própria maçaroca, que abunda nas freguesias de Santana e São Jorge. A cidade de Machico tem festas enraizadas na cultura popular. A enseada desta urbe é considerada o local do primeiro desembarque dos Portugueses na região, em julho de 1419. A povoação de Machico é tão antiga como a do Funchal e as duas cresceram lado a lado, repartindo entre si a missão de colonizar a Ilha. Foi sede de uma das três capitanias em que o arquipélago foi dividido no tempo do infante D. Henrique (a terceira é Porto Santo), e ali se realiza o mais típico mercado medieval de toda a região. Dura uma semana e inclui diversões e entretenimentos que se considera já existirem na Idade Média: cortejos, teatros de rua, exibições de acrobatas e malabaristas, jogos pirotécnicos, entre outras atividades. Os participantes usam trajes da época e as barracas proporcionam comidas e bebidas de cariz medieval, bem como artesanato local. As ruas, à volta da igreja dos inícios do manuelino, são engalanadas com bandeiras e colgaduras. No Funchal, o festival de jazz, que se realiza ao ar livre, no parque de Santa Catarina, durante o mês de julho, congrega melómanos que se juntam para ouvir os melhores grupos nacionais e muitos estrangeiros. Também em julho, no parque de Santa Catarina, tem lugar a abertura oficial das festas de verão, com bandas e grupos instrumentais, cantores e intérpretes de várias origens. Realiza-se ainda o Festival Raízes do Atlântico, provavelmente uma das mais antigas apresentações de músicas do mundo em território nacional, que coloca frente a frente grupos tradicionais de distintos países. A romaria da Sr.ª do Monte realiza-se no dia 15 de agosto, perto do Terreiro da Luta, um dos miradouros sobre o Funchal. O motivo da romaria é a veneração de uma imagem muito antiga, alegadamente encontrada por uma pastorinha ainda nos finais do séc. XV, i.e., pouco tempo depois de iniciado o povoamento. A festa é uma das mais famosas da ilha da Madeira e atrai gente vinda de todo o mundo, designadamente das paragens por onde se encontra a diáspora madeirense, sobretudo desde que, em 1803, o bispo do Funchal colocou a cidade e a Ilha sob a proteção da Senhora. A igreja, que data do séc. XVIII e substitui a do séc. XVI, que era demasiado acanhada para tão grande devoção, é ricamente adornada e a procissão conduz multidões de fiéis por ruas engalanadas e caminhos cobertos de flores. Entre as festas citadinas destaca-se o Dia da Cidade do Funchal, instituído para celebrar as memórias daquela que é a mais antiga cidade europeia fora do continente e a sede da outrora maior Diocese do mundo inteiro. Ainda em agosto realiza-se a semana gastronómica de Machico, que junta cozinheiros de toda a Ilha, os quais apresentam os seus pratos mais emblemáticos à apreciação (e julgamento) dos muitos turistas que ali acorrem. Nova mostra gastronómica ocorre por ocasião da festa do Senhor dos Milagres, uma festa essencialmente religiosa com missa e procissão de velas. A capela do Senhor dos Milagres encontra-se na localização provável dos túmulos de Robert Machim e Anne d’Arfet, os jovens ingleses que, fugindo de quem perseguia os seus amores proibidos, ali teriam sido desembarcados no séc. XIV, i.e., antes da chegada dos Portugueses. A capela primitiva foi destruída pela força das águas no início do séc. XIX, e posteriormente reconstruída; no entanto, a imagem de Cristo é a original, uma vez que foi recuperada no mar uns dias depois por um navio americano. O facto foi considerado milagroso e a festa realiza-se em memória do dia em que a imagem foi retirada das águas. Outro núcleo temático festivo liga-se ao mar, que exerce um poderoso fascínio sobre quem vive ou visita a Madeira. Um dos eventos relacionados com este tema é a volta à Ilha de canoa, que ocorre habitualmente em agosto, e que propõe uma ida do Funchal ao Funchal, seguindo a costa. Neste mês realiza-se ainda, no Paul do Mar, uma prova de desporto radical, misto de ciclismo e mergulho. A Camacha é rica em artesanato e nela se realiza, normalmente em agosto, o Festival de Arte que, além de mostrar o que se produz na vila, em vime e giesta, constitui uma exibição de produtos tradicionais de toda a Ilha, designadamente bordados. Esta festa é acompanhada pelas atividades do rancho folclórico local. O tema “Vinho da Madeira” é celebrado nos inícios de agosto com o rally que leva esse nome e que, desde meados do séc. XX, atraiu à Ilha famosos pilotos europeus, para quem o traçado das estradas e a incerteza das condições atmosféricas constituem um verdadeiro desafio, bem como numerosos aficionados do desporto automóvel. Também nos finais de agosto, mas em Porto Santo, realiza-se a festa das vindimas que, sem o fulgor e a divulgação da do Funchal, permite celebrar um vinho diferente, generoso, produzido nas encostas quentes do sul da ilha a partir de uvas grandes, ricas em açúcar. O evento inclui manifestações culturais, provas de vinho de diversas castas e bailes populares. O Instituto do Vinho da Madeira criou o Festival do Vinho, do Bordado e do Artesanato da Madeira, em fevereiro, em ordem a divulgar estas e outras manifestações da cultura popular. Trata-se de um festival urbano, com um programa multifacetado que inclui oficinas de experimentação artesanal (tapeçaria, pintura de azulejo, etc.), manifestações culturais e propostas de divertimento. A festa do Vinho da Madeira tem lugar normalmente nos últimos dias de agosto e prolonga-se por setembro. A festa do vinho é um acontecimento de grande relevo, com programas diversificados que vão desde a participação em atividades rurais, como a vindima, a pisa da uva à volta da cidade de Câmara de Lobos e o respetivo cortejo dos vindimadores, até às visitas guiadas organizadas pelas adegas regionais, as provas de vinho das diferentes castas, propostas um pouco por toda a cidade do Funchal, e às manifestações folclóricas, espetáculos de luz e som, cortejos, bailes e petiscos tradicionais. Setembro é um mês muito fértil em celebrações populares. Neste mês celebram-se três das mais concorridas romarias da ilha da Madeira: a do Senhor Bom Jesus de Ponta Delgada; a de N.ª Sr.ª do Loreto, no Arco da Calheta; e a de N.ª Sr.ª da Piedade, no Caniçal. Ponta Delgada nasceu à volta de uma pequena capela do séc. XV que o fogo destruiu no início do séc. XX. A romaria é uma das mais frequentadas do norte da Ilha, por peregrinos vindos de muito longe, por vezes a pé. A festa tem lugar nos primeiros dias de setembro, mas desde meados de agosto que começam os preparativos, cobrindo-se as ruas com flores coloridas, fazendo-se os bolos tradicionais, construindo-se barracas de louro, montando-se arcos de buxo, etc. A terra enche-se de vendedores ambulantes que se preparam para expor os seus produtos regionais, nomeadamente os colares de peras passadas. As últimas horas são dedicadas a atapetar de flores e folhagens o percurso por onde há de passar no dia maior a procissão do Bom Jesus, na sua volta pela localidade. A capela do Loreto fica perto do Arco da Calheta, terra que foi rica em açúcar e onde morou Gonçalo Fernandes, grande senhor de sesmaria, muito provavelmente filho do Rei D. Afonso V, ali exilado por razões de Estado. O pequeno templo, dos inícios do séc. XVI, foi restaurado mas guarda traços manuelinos de razoável interesse. À sua volta, realiza-se todos os anos, a 8 e 9 de setembro, uma romaria muito animada e concorrida, preparada com devoção e cuidado pelos habitantes da terra, que também cobrem as ruas com dosséis floridos em honra da Mãe de Jesus, na sua invocação da Casa Santa. Quando o calendário permite, a proximidade das duas festas faz que os romeiros do Bom Jesus vão diretamente para o Loreto. O Caniçal é terra de pescadores, típica nas suas casas garridas, situada no extremo leste da Ilha. Bem perto do cabo de São Lourenço, no alto de uma escarpa elevada, fica a capela de N.ª Sr.ª da Piedade, padroeira dos homens do mar, edificada como preito de gratidão de marinheiros aflitos. A festa consta essencialmente de duas grandes procissões de barcos, uma que vai buscar a imagem da Senhora e a leva até à igreja matriz, dedicada a S. Sebastião; a outra procissão devolve-a à sua capela. As embarcações são festivamente engalanadas, destacando-se a que transporta o andor, escolhida por sorteio uns dias antes. Nos percursos a pé, no Caniçal, entre o cais e a igreja, a Virgem é acompanhada pelos fiéis, com cânticos e bandas filarmónicas. Na festa profana não faltam naturalmente os petiscos nem as bebidas tradicionais. A cidade de Vila Baleira inspira-se nos tempos antigos do povoamento para a temática das suas celebrações. De facto, foi ali que os Portugueses primeiro chegaram, em 1418, e tudo leva a crer que Cristóvão Colombo, casado com Filipa Moniz, filha do primeiro capitão donatário da ilha, Bartolomeu Perestrelo, terá vivido no Porto Santo, onde nasceu seu filho Diogo, nos finais do séc. XV. É esta presença do grande navegador de renome mundial em terras madeirenses que a cidade comemora alegremente no mês de setembro, com cortejo histórico, eventos culturais e uma reconstituição cénica da chegada de Colombo à ilha. O pero e a maçã têm as suas festas em setembro, o primeiro na Ponta do Pargo e a maçã, sob a forma de cidra, no Santo da Serra. Por toda a parte, há cortejos, degustações de produtos locais, tendas de artesanato e festa. Outra forma de contactar com a natureza é proposta pelo festival de todo-o-terreno que também se realiza em setembro, no qual pode participar qualquer pessoa que queira aprofundar a sua descoberta da Madeira. Neste conjunto de realizações, podemos ainda incluir o torneio de golfe, disputado no Santo da Serra e no Porto Santo, pelo que esta prática desportiva tem de relação estreita com os espaços naturais em que se realiza. As iniciativas incluídas no Madeira Nature Festival, tais como passeios, caminhadas, voos em parapente, experiências de vela em mar aberto, são outras tantas possibilidades de se conhecer a Madeira no mês de outubro. Na vila da Camacha, a festa da maçã ocorre igualmente em outubro, com possibilidade de se assistir ao fabrico da cidra a partir de frutos acabados de colher. Neste mês, ainda o Festival de Órgão da Madeira, que atrai organistas de todo o mundo para executarem, a solo ou acompanhados por coros locais, peças dos mais variados compositores. As peças são executadas nos órgãos de origem portuguesa, italiana e inglesa e nos muitos locais que a isso se propiciam – desde o Colégio de S. João Evangelista à igreja de S. Pedro, do convento de S.ta Clara à Sr.ª de Guadalupe. Novembro é o mês da castanha, e o Curral das Freiras e o Campanário da Ribeira Brava fazem questão de mostrar as suas especialidades com provas não só dos frutos em si, como também dos doces e licores que eles proporcionam. A Madeira tem uma sólida tradição de fotografia; as paisagens da Região inspiraram gente como os Vicentes, que as fixaram em verdadeiras obras de arte. As mostras de cinema da Madeira são por muitos consideradas uma homenagem àqueles percursores da arte da imagem. No Funchal há dois festivais de cinema: o Festival Internacional, em novembro, que apresenta no Teatro Municipal Baltazar Dias longas e curtas-metragens do mundo inteiro, dando particular relevo ao cinema independente e às produções madeirenses; e o Madeira Film Festival, em abril, que é menos divulgado mas envolve muitas outras atividades para além da simples mostra de novos filmes. Em abril tem também lugar a feira do livro que, para além da venda, tem associadas uma série de celebrações relacionadas com a leitura. Entre as festividades, o Natal tem um lugar de honra. Para o madeirense, a Festa é o Natal; é mesmo a única que é assim chamada – a “Festa” – sem precisar de mais especificações. A cidade do Funchal começa a engalanar-se logo em novembro. No campo, no entanto, perduram as velhas tradições, é por volta do dia 15 de dezembro que os preparativos têm lugar, envolvendo toda a população. Colocam-se mastros e bandeiras nas ruas, enfeitam-se as paredes das igrejas com folhagens, ornamentam-se os altares e, principalmente, começa a montar-se o presépio na igreja, repetindo hábitos de avós e bisavós. A Festa é normalmente anunciada com foguetes que convidam os fiéis para o início das “missas do parto”. A primeira é no dia 16 e, até ao dia 24, todas as madrugadas se celebra a iminente chegada do grande dia. E canta-se: “Virgem do Parto, oh Maria,/Senhora da Conceição,/Dai-nos as festas felizes,/A paz e a salvação”. Há costumes ligados a estes dias (cantos, danças, trajes, etc.), dos quais a matança do porco é, sem dúvida, um dos mais respeitados, juntando, em quase todas as freguesias, homens, mulheres e crianças numa celebração onde não falta a aguardente de uva ou de cana, nem os petiscos cozinhados no local. É também a altura de, por toda a parte, se amassar e cozer o “pão da Festa”, bem como de, em cada casa, se montar a “lapinha”, que é uma espécie de trono ao Menino Jesus, instalado em cima de uma mesa, normalmente com armações em escada de três degraus, enfeitadas com flores, ramagens, searinhas de lentilhas, trigo ou centeio, frutos coloridos, bolas e fitas, em que o Menino se representa em pé. O dia de Natal é vivido em família, demorando as celebrações populares até meados do mês de janeiro, pontuadas pelos cantos das janeiras, pelas tradições de dia de Reis (no Funchal, na Ribeira Brava, em Câmara de Lobos, entre outras localidades), pelas atividades típicas do fim da Festa: desmontar as lapinhas e “varrer os armários” (ritual que consiste em arrumar os locais onde se guardam os objetos ligados à festa de um ano para o outro), servindo estas ocasiões como novas oportunidades de folguedos e brincadeiras. Entretanto, a 28 de dezembro, realiza-se a corrida de S. Silvestre, uma das mais antigas da Europa, e, na noite do dia 31, aquele que é talvez o mais conhecido evento madeirense: a passagem do ano, festa que regularmente atrai ao Funchal largos milhares de turistas desejosos de ver o esplendoroso fogo de artifício, que ilumina toda a baía e que se derrama desde a montanha até ao mar, cobrindo a capital da Madeira com um manto de luz e de cor. No momento da passagem do ano, tocam os sinos e as sirenes dos paquetes estacionados no porto, e não são raras as famílias que lançam os seus foguetes ou acendem os fósforos coloridos na varanda ou no terraço, participando assim, à sua maneira, na grande celebração.     José Victor Adragão (atualizado a 31.01.2017)

Antropologia e Cultura Material Cultura e Tradições Populares História Económica e Social

ferreira, antónio aurélio da costa

António Aurélio da Costa Ferreira nasceu no Funchal a 18 de janeiro de 1879. Era filho de Francisco Joaquim da Costa Ferreira, natural do Porto, e de Teolinda Augusta de Freitas, natural do Funchal. Médico, antropólogo, pedagogo e político, licenciou-se, pela Universidade de Coimbra, em Filosofia (1899) e em Medicina (1905), tendo recebido vários prémios nas duas faculdades. Estagiou em Paris, na Clínica de Tarnier e na Maternidade Lariboisière, e, mais tarde, numa clínica de doenças de crianças, especializando-se em pediatria. Nesta área, publicou Algumas Lições de Psicologia e de Pedologia em 1920 e História natural da criança em 1922. Foi professor no Liceu Camões e em outras instituições de ensino, vereador da Câmara de Lisboa (1908-1911) na altura em que era presidente A. Braancamp Freire, deputado por Setúbal (1910), primeiro-provedor da Assistência Pública (1911-1912) e ministro do Fomento (1912-1913) no Governo presidido por Duarte Leite. No ano de 1913, abandonou, quase por completo, a política. Tendo levado a cabo uma ação notável como educador na Casa Pia de Lisboa, de que foi diretor, criou, na mesma casa, em 1914, o Instituto Médico-Pedagógico, obra pioneira no atendimento e ensino de crianças com dificuldades de aprendizagem escolar. O Instituto António Aurélio da Costa Ferreira, criado em 1941 por influência de Vítor Fontes, era o continuador do Instituto Médico-Pedagógico. Mobilizado durante a Primeira Guerra Mundial, organizou o serviço de assistência aos mutilados portugueses, constituindo uma secção de seleção e orientação profissional no Instituto Médico-Pedagógico e uma secção de reeducação, fisioterapia e prótese no Instituto de Reeducação dos Mutilados de Guerra, em Arroios. Foi promovido a major em 1920. Por sua influência, foi criada, em 1915, na Escola Normal Primária feminina, a cadeira de Pedologia, de que foi professor até 1918 e que regeu juntamente com a de Psicologia Experimental. Foi assistente voluntário de Anatomia na Faculdade de Medicina de Lisboa (desde 1917), segundo assistente (1919) e professor livre de Anatomia Antropológica (1921), mediante concurso, de cujas provas públicas foi dispensado após ter-lhe sido atribuída a nota de 20 valores pelo conjunto de publicações de que era autor. Também exerceu a função especializada de naturalista no Museu Bocage, em 1919. Foi sócio fundador da Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia e sócio de diferentes sociedades científicas e de imprensa nacionais e internacionais e de reputados institutos, como o Instituto Geral Psicológico de Paris, de que era sócio titular, a Sociedade de Antropologia de Paris, o Real Instituto da Grã-Bretanha e Irlanda, e da Reunião Biológica de Lisboa como efetivo. Foi vice-presidente da secção antropológica da Sociedade de Geografia de Lisboa, vice-presidente do comité permanente interaliado para o estudo das questões relativas aos inválidos de guerra e delegado do governo nas conferências interaliadas para o estudo dessas questões, tendo trabalhado em várias cidades, entre as quais Paris, Bruxelas, Londres e Roma. Notabilizou-se especialmente pelos seus estudos antropológicos, um dos quais, Crânios Portugueses, publicou em 1899. Na Sociedade de Antropologia de Paris, apresentou outro estudo, que foi bem recebido pelos cientistas estrangeiros: “La Capacité du Crane et la Composition Ethnique Probable du Peuple Portugais”. Em 6 de março de 1909, fez, na Sociedade de Geografia de Lisboa, uma conferência que foi depois publicada com o título O Povo Português sob o Ponto de Vista Antropológico. Foi vastíssima a colaboração de Costa Ferreira em publicações da sua especialidade, tanto em Portugal como no estrangeiro. Dirigiu o Anuário da Casa Pia de Lisboa desde o volume de 1912-1913 até ao de 1920-1921, as Publicações do Instituto Médico-Pedagógico da mesma casa (1918-1919), bem como o boletim da mesma instituição (1921-1922). Também foi o responsável máximo da revista Esculápio (1913-1914). Relevam-se, para além dos já referidos, os seguintes títulos da sua autoria: Sobre a Psicologia, Estética e Pedagogia do Gesto; Algumas Lições de Psicologia e Pedagogia; “A Agudeza Visual e Auditiva, Debaixo do Ponto de Vista Pedagógico”; “A Visão das Cores”. António Aurélio da Costa Ferreira também era comendador da Ordem de Santiago, cavaleiro da Legião de Honra e tinha a medalha de ouro da Société Académique d’Histoire Internacional (Paris). Sob a influência de uma grave depressão nervosa, a 15 de julho de 1922 suicidou-se em Lourenço Marques (Moçambique), onde se encontrava no desempenho de uma missão de estudos antropológicos a convite de Brito Camacho. Obras de António Aurélio da Costa Ferreira: Crânios Portugueses (1899); “La Capacité du Crane et la Composition Ethnique Probable du Peuple Portugais” (1904); O Povo Português sob o Ponto de Vista Antropológico (1909); Sobre a Psicologia, Estética e Pedagogia do Gesto (1909); “A Agudeza Visual e Auditiva, debaixo do Ponto de Vista Pedagógico” (1916); “A Visão das Cores” (1917); Algumas Lições de Psicologia e Pedagogia (1920); História Natural da Criança (1922).     António José Borges (atualizado a 31.01.2017)

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