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sousa, david de

Nasceu a 25 de outubro de 1911, em São João de Alpendurada, Marco de Canaveses, sendo filho de Manuel de Sousa e Maria de Jesus de Sousa. Aos 14 anos entrou no Colégio Seráfico de Santo António, em Tui, Espanha, vindo a completar os estudos de humanidades no Colégio de Montariol, em Braga, em 1931. Neste mesmo ano foi aceite como noviço na Primeira Ordem de S. Francisco, tendo professado a 26 de novembro de 1935. Em 1932, regressou a Tui para cursar filosofia e aí permaneceu até 1934, altura em que se transferiu para Roma, onde terminou os estudos com doutoramento em Sagrada Escritura obtido no Pontifício Ateneu Antoniano, organismo pertencente à Ordem dos Frades Menores (OFM). Findo o percurso curricular em 1940, tornou-se professor e reitor do seminário do convento da Luz, em Lisboa, a que se seguiu o desempenho de funções como provincial e visitador dos conventos da OFM, tanto no continente português como nas antigas colónias. Bom orador, viu os seus dotes reconhecidos em diversas intervenções que realizou no estrangeiro, em semanas bíblicas e congressos internacionais. De entre as suas intervenções, destacam-se as comunicações que apresentou ao Congresso Mariológico Luso-Espanhol, realizado em Fátima, de 12 e 16 de julho de 1944, ao Congresso Mariano Assuncionístico, decorrido em Lisboa e Fátima, entre 9 e 13 de outubro de 1947, e, finalmente, ao Congresso da União Missionária do Clero, efetuado em Fátima, de 10 e 13 de agosto de 1948. Além desta atividade, foi, ainda, participante em cursos anuais destinados a homens e mulheres da Liga Católica de Lisboa que tiveram lugar nos anos de 1946 a 1949. A 24 de setembro de 1957, foi indicado por Pio XII para a diocese do Funchal, em substituição do falecido D. António Manuel Pereira Ribeiro, tendo sido a sua eleição saudada pelos diocesanos que, segundo Eduardo Pereira, veriam com bons olhos um franciscano na mitra do Funchal, atendendo à longa tradição franciscana da Madeira. O seu episcopado ficou assinalado, sobretudo, pela profunda transformação que operou no território paroquial da Ilha, que subdividiu, fazendo-o passar de 52 paróquias para 102, embora nem todas tenham vingado; hoje, o número de circunscrições paroquiais cifra-se em 96 (Paróquias). Com efeito, a 24 de novembro de 1960, D. frei David fez publicar o Decreto sobre a Atualização das Paróquias da diocese do Funchal que remodelava o território, tendo entrado em vigor a 1 de janeiro de 1961. De acordo com palavras do próprio, a reorganização ocorria num contexto de grande estudo e diálogo com diversas instâncias, civis e religiosas, relativamente às “condições topográficas, as distâncias e a dispersão da população”, bem como a melhoria das acessibilidades à igreja por parte das populações (Jornal da Madeira, 15 fev. 1958). A complementar esta iniciativa, decidiu D. David de Sousa criar, igualmente, o arciprestado de Câmara de Lobos, que englobava as paróquias dos concelhos de Câmara de Lobos e Ribeira Brava. A reforma territorial, que deixou intactas 16 das 52 paróquias existentes, mas transformou 36 em 50, trouxe, como seria quase inevitável, alguns dissabores, mas deixou também, em D. frei David, a satisfação de um desígnio que para ele, que considerava que na “paróquia-comunidade” estava o futuro da Igreja, era importante. Outra das iniciativas de D. frei David de Sousa passou pela aquisição de um edifício onde, até então, funcionava o hotel Bela Vista, e que o prelado destinou ao acolhimento do seminário maior da diocese, intitulado Nossa Senhora de Fátima. Segundo o prelado, o bispado precisava de “moderno e desafogado seminário maior para os estudos superiores de filosofia e teologia”, embora também necessitasse de manter em funcionamento o seminário menor (SOUSA, 2015, 13). O contexto da época fazia dos seminários escolas muito procuradas, o que se comprova pelo facto de, entre 1915 e 1963, terem frequentado esses estudos 1313 alunos, explicando estes números a necessidade sentida pelo prelado de dotar a diocese de maiores e melhores espaços para o cumprimento daquela função educativa (SEMINÁRIOS). A intervenção de D. frei David de Sousa também se fez sentir nas estruturas administrativas do bispado, com a criação do cargo de vice-vigário geral da diocese, para o qual foi nomeado, a 1 de agosto de 1964, o cónego Dr. Manuel Ferreira Cabral, futuro bispo da Beira, em Moçambique. Para além deste lugar, criou novos patamares na hierarquia da igreja regional, designadamente os de secretário diocesano dos cursos de cristandade, atividade que também se iniciou no seu episcopado e que se destinava a promover a evangelização dos fiéis. O prelado dotou, ainda, a diocese de um capelão militar e de um assistente do Apostolado do Mar. Em 1962, aquando da visita do presidente Américo Tomás à Madeira, em homilia proferida na sé, D. David, depois de manifestar o seu agrado pelo facto de Portugal ter dado Cristo ao mundo, referiu o seu contributo pessoal para a melhoria das condições da igreja no arquipélago, com a subdivisão paroquial a que procedera havia pouco tempo. Terminou a prédica a referir que “Alguns dos que andam nos bastidores da ONU inscreveram o arquipélago da Madeira como território a autodeterminar-se”, acrescentando que “Felizmente, nem um só madeirense existe a quem o aceno da autodeterminação feito na ONU não lhe causasse a maior náusea. A Madeira é de pleno direito Portugal” (FUNCHAL, 1962, 192), o que, apesar da introdução de um assunto polémico, o não impedia de se manifestar em sintonia com o regime. D. frei David de Sousa participou, também, no Concílio Vaticano II, realizado entre 1962 e 1965, regressando então à diocese, tendo sido, em seguida, nomeado arcebispo de Évora, funções em que foi empossado a 15 de setembro de 1965. Permaneceu em Évora pelo espaço de 16 anos, até 1981, altura em que resignou ao cargo por motivos de saúde. Veio a falecer a 5 de fevereiro de 2006, no seminário franciscano da Luz para onde se retirara. Hoje, o seu corpo encontra-se sepultado em Évora, na igreja do Espírito Santo, para onde foi tresladado a 10 de novembro de 2012.     Ana Cristina Machado Trindade Rui Carita (atualizado a 10.02.2017)

Religiões

sousa, antónio policarpo dos passos

Médico e poeta, Passos Sousa nasceu na freguesia da Madalena do Mar, Funchal, no dia 26 de janeiro de 1836 e faleceu a 26 de maio de 1875, com 29 anos, na freguesia da Ponta do Sol, também no Funchal. Era filho de Francisco Gomes de Sousa e de Francisca dos Passos e Sousa. Diplomado médico-cirurgião pela antiga Escola Médico-Cirúrgica do Funchal, em 1859, foi secretário da administração do concelho da Ponta do Sol. Pertencendo a uma família da qual tinha emanado uma série de talentos, cedo mostrou uma enorme habilidade para a escrita literária, ainda que a falta de saúde e a morte prematura não lhe tivessem permitido cumprir a vocação com que nascera. Porém, apesar do seu curto tempo de vida, colaborou em vários jornais da Madeira, como O Direito, com os folhetins “O Mendigo”, “A Noite do Trovador”, “Vozes da Natureza”, “A Minha Aldeia”, “Morreu”, “O Homem e o Pecado”, “Arpejos Religiosos” e “O Sepulcro do Senhor na Ponta do Sol”, entre outros, e foi considerado no seu tempo um inspirado poeta, cujos poemas eram bastante apreciados. Pode ler-se uma composição sua no primeiro volume da coletânea Flores da Madeira e outras na Selecta de Poesias Infantis e no Álbum Madeirense. O seu longo poema “Lamento” surge na Musa Insular de Luís Marino. Este texto tem uma composição formal que confirma o cuidado estético do seu autor, dividindo-se em nove estrofes, sendo as duas primeiras irregulares (12 versos cada), as seis seguintes oitavas e a última uma quadra. O número de versos é equilibrado e coerente em ordem decrescente.   Obras de António Policarpo dos Passos Sousa: “O Mendigo”; “A Noite do Trovador”; “Vozes da Natureza”; “A Minha Aldeia”; “Morreu”; “O Homem e o Pecado”; “Arpejos Religiosos”; “O Sepulcro do Senhor na Ponta do Sol”; “Lamento”.     António José Borges (atualizado a 10.02.2017)

Ciências da Saúde Literatura Personalidades

soares, laura veridiana castro e almeida (pseud. maria francisca teresa)

Maria Francisca Teresa é o pseudónimo literário de Laura Veridiana Castro e Almeida Soares (1870-1964). Cursou o liceu no Funchal, numa época em que não era vulgar uma rapariga, mesmo de boas famílias, prosseguir estudos. Casou-se com o jornalista e escritor Feliciano José Soares (1886-1952). Dedicou-se à literatura, centrando-se em trabalhos de tradução, em textos para a infância e em temas católicos.  De acordo com o Visconde do Porto da Cruz, Laura Veridiana Castro e Almeida evoluiu no Funchal num círculo de senhoras refinadas, cultas e viajadas, como a escritora Luiza Grande (1875-1945). Durante as suas estadias em Lisboa, privava com intelectuais e artistas que encontrava em casa de sua prima, Virgínia de Castro e Almeida (1874-1945), ou na de Maria Amália Vaz de Carvalho (1847-1921). Traduziu os romances A Cidade Eterna e O Apóstolo, de Hall Caine, ambos lançados em 1907 e reeditados várias vezes. Publicou três livros para a infância: Em Casa da Avó – na Ilha da Madeira, editado em 1923; Como Chica Conheceu Jesus, datado de 1925 e prefaciado pelo bispo do Funchal, D. Manuel António Pereira Ribeiro; e O Querido Tio Gustavo, do mesmo ano. Coordenou, no lapso de tempo que medeia outubro de 1927 e as vésperas da chamada “Revolta da Madeira”, em 1931, a secção quinzenal “Notícias Infantil” no Diário de Notícias do Funchal, então dirigido pelo marido, Feliciano Soares. Essa secção infanto-juvenil apresentava anedotas, adivinhas, poesias e sugestões de leitura. No contexto da literatura portuguesa para a infância do primeiro quartel do séc. XX, os três livros de Maria Francisca Teresa inscrevem-se na linha dos textos que vão apelar, como era prática corrente das autoras de ficção infantil da época, a um realismo quotidiano que instala a criança num universo que ela conhece e com o qual se encontra familiarizada. A intencionalidade didática da escritora revela-se nas situações e nos diálogos ilustrativos dos princípios ideológicos das famílias favorecidas desse período, com discursos de pendor moralizante, através dos quais se faz uma apologia das virtudes cristãs, visando moldar a consciência e o carácter dos jovens.   Fig. 1 Capa do livro Em Casa da Avó na Ilha da Madeira As obras Em Casa da Avó – na Ilha da Madeira (provavelmente o primeiro livro de literatura infanto-juvenil que tem como cenário a Madeira), Como Chica Conheceu Jesus e O Querido Tio Gustavo apresentam, no seu frontispício, a menção “livro para crianças”. Dos três volumes, apenas o segundo não é ilustrado. A primeira monografia contém 27 pequenas gravuras e a última 7, todas elas a preto e branco e da autoria de Emanuel Ribeiro (1884-1972), insertas no desenrolar do texto com o propósito de, em regra, traduzir pictoricamente a cena correspondente.   Como os títulos sugerem, a tónica aponta para a relação privilegiada entre pessoas de idade (a avó e o tio Gustavo), a criança (Chica) e o modelo de inspiração divina (Jesus), estabelecendo correlação entre jogos e ensinamentos, perguntas e respostas, histórias e experiências. A crença comum na possibilidade de educar a criança por meio de exemplos e de bons conselhos fundamenta o conteúdo e o estilo das cenas dialogadas, com um toque de moralidade, humor e carinho. Os livros visam, deste modo, abrir o espírito da criança à confiança na força do bem e alimentar-lhe a imaginação, quer com contos e lendas da tradição, quer aludindo a novas máquinas como os aeroplanos, o kodac e o malogrado vapor Titanic. No que diz respeito à transmissão de conhecimentos, o discurso ficcional investe no estudo do meio, nas regras de civilidade, na doutrina católica, bem como na sugestão de uma lista de leituras recomendadas. Podemos situar esta escritora “naquele movimento que esteve na origem do segundo grande fôlego da história descrita para a infância em Portugal”, de acordo com a periodização proposta por José António Gomes (GOMES, 2010, 10). Transitando do séc. XIX para o séc. XX, Maria Francisca Teresa vai evoluir nesse período “compreendido entre 1900 e os finais da década de 30 [que] constitui, em termos de qualidade e diversidade estética, a verdadeira época de ouro da literatura para crianças em Portugal” (Ibid.). Mulher da elite burguesa letrada, Maria Francisca Teresa participou nesse movimento empenhado e relacionado com a criação de uma moderna literatura para a infância, seguindo uma linha de pensamento aberto a uma pedagogia inovadora, mas defensora dos valores sociais e religiosos tradicionais. Além do mais, o pseudónimo adotado, Maria Francisca Teresa, parece reenviar para a então popularmente conhecida Santa Teresinha de Lisieux, nascida Marie Françoise Thérèse Martin, estabelecendo-se, assim, um forte vínculo espiritual católico.   Fig. 2 - Em Casa da Avó (p. 268) O desenho representa o satélite da terra.   Os livros de Maria Francisca Teresa reduzem a vida à descrição do quotidiano, firmado nos hábitos mais significativos das personagens (modo de expressão verbal, organização doméstica, convívios, passeios, visitas, festas, refeições, roupas, adereços e decoração da casa, entre outros), figurando, assim, traços essenciais da existência da classe alta da sociedade portuguesa nos alvores do séc. XX. Por via das narrações, descrições e extensos diálogos, os protagonistas prestam-se a adotar um comportamento exemplar face a modos rudes ou desprovidos de boa intenção, justificando o papel social das famílias de elite, a quem incumbe a responsabilidade de ilustrar o país. Essa valorização dos aspetos da vida privada das personagens revela-se através da seguinte divisão do tempo: os momentos de convivência familiar, as horas de estudo (as crianças de O Querido Tio Gustavo têm, por exemplo, explicações de inglês) e as horas de lazer. Se os familiares mais chegados das crianças protagonistas representam sempre caracteres de irrepreensível educação moral, tal não as impede de contactar com personalidades fisicamente diminuídas ou de feitio nem sempre fácil: uma «criança-velha», um idoso numa cadeira de rodas, uma sexagenária quase surda e desconfiada, relativamente às quais se espera dos jovens compreensão e paciência. Aquando desse cenário, a escritora contrapõe situações com desfecho cómico que visam aliviar a tensão do jovem público leitor, a exemplo da cena da noite de Natal passada em casa da prima Rita, na companhia de senhoras de idade: uma mesurada (a avó), outras tagarelas e aqueloutra surda e taralhouca, representativa do ridículo da velhice. No que toca aos tempos livres, ficamos a saber que os meninos em foco frequentavam o Jardim da Estrela em Lisboa e que, na Madeira, os jovens de boas famílias praticavam ténis. De resto, as meninas brincam com bonecas, os rapazes entretêm-se com o diábolo, com os jogos da berlinda, do gigante e do ferrolhinho. Quando é permitido às crianças de ambos os sexos estarem juntas, divertem-se com jogos de sociedade, tais como representações teatrais e disfarces, dominó e baralho de cartas (jogando ao “burro” e ao “diabrete”), charadas figuradas ou loto com prémios. Quando se encontram ao ar livre, organizam piqueniques, fazem jardinagem no quintal, jogam às escondidas, contactam com cães, caçam borboletas, dão um passeio a cavalo ou de burro. Em contrapartida, e apesar de os protagonistas apreciarem o artesanato e certas tradições na perspetiva de quem valoriza traços da sua identidade cultural, aferimos uma quase ausência de costumes das camadas populares, nomeadamente as de origem rural. A essas personagens são atribuídas funções serviçais. Além disso, a escrita de Maria Francisca Teresa não está isenta de preconceitos raciais e culturais, relativamente ao sotaque de madeirenses humildes, a meninos pobres trigueiros ou à comunidade cigana. Neste sentido, as suas narrativas fazem eco, nunca de forma proposital, dos desníveis sociais profundos existentes na Madeira e em Portugal, reveladores da mentalidade da época. Nos dois primeiros livros, a autora encena os mesmos protagonistas, como se de uma série se tratasse. Faz uso da técnica narrativa do gancho, ao recuperar um momento do último capítulo de Em Casa da Avó, ligando-o à abertura da nova história, Como Chica Conheceu Jesus. No final da primeira narrativa, o João, antes da viagem de regresso ao continente, pede à tia Valentina uma pequena anoneira que cresce na horta; na cena inicial do segundo livro, no jardim da casa dos pais, em Lisboa, Chica, desastradamente, arranca a anoneira, ao confundi-la com ervas daninhas. Do primeiro livro para o segundo, decorrem quase 20 anos entre o cenário de inícios de 1900 e o Natal de 1920, mas obliteram-se apenas 2 anos na vida dos petizes: a Chica, que tinha 3 anos, tem agora 5, o João, então de 8 anos, surge com 10, e o Manuel passa dos 9 para os 11 anos. Em O Querido Tio Gustavo, a escritora apresenta uma nova família. O protagonismo recai sobre uma mãe viúva, chamada Margarida, os seus quatro filhos, Vasco (15-16 anos, a cursar o liceu), Duarte (7 anos), Jorge (10 anos) e Marta (9 anos), e, como anunciado pelo título do livro, o tio Gustavo, tio-avô dos meninos. Vasco, o mais velho, cujo perfil se associa ao do morgado, é o sobrinho preferido e como tal será o seu herdeiro. Os três livros caracterizam-se por via da interseção de um conjunto de cinco fatores literários que, cruzados e unificados, individualizam a obra de Maria Francisca Teresa como um todo coeso: a representação da família burguesa tradicional; o carácter das personagens principais; a predominância do diálogo de ficção como mediação de valores e modo de legibilidade; a defesa e ilustração de um ideal católico; e, finalmente, a importância de contar histórias às crianças e de eles terem contacto com os livros. Visando um discurso narrativo acessível, sem nunca descuidar a linguagem e o estilo, o projeto literário de Maria Francisca Teresa parece conceber a eficácia da prática de leitura dos mais novos se esta for desempenhada em simultâneo na sua função de distrair, instruir e elevar (no sentido de construir o carácter do jovem leitor). Na sua ficção, encena-se a comédia da infância favorecida e faz-se uso de vários registos discursivos: o conto moral, o catecismo, o manual de bons costumes, a lição de coisas, histórias de animais. A autora procura explicar o mundo às crianças através da história, da geografia e da religião, constituindo uma espécie de “tratado de saber-viver e de saber comportar-se em voga nos meios literários femininos da época. Em vez de infundir ao jovem leitor um juízo crítico e ideias criativas, a voz do texto tenta propor modelos de conduta, visto, nos seus livros, a virtude ser sempre recompensada. Neste sentido, dado o quadro ideológico e a imagem da família que propõem, estes textos dificilmente encontrariam eco junto de jovens leitores do princípio do séc. XXI. Todavia, a obra de Maria Francisca Teresa não deixa de constituir um testemunho muito interessante, quer do modo como se concebiam os livros para a infância, quer dos discursos educativos que os enformavam. Obras de Laura Veridiano Castro e Almeida Soares: Em Casa da Avó - na Ilha da Madeira (1923); Como Chica Conheceu Jesus (1925); O Querido Tio Gustavo (1925).   Thierry Proença dos Santos (atualizado a 11.02.2017)

Literatura

sínodos diocesanos do funchal

O Sínodo Diocesano é uma reunião ou assembleia consultiva, convocada e dirigida pelo Bispo, à qual são chamados, segundo as prescrições canónicas, sacerdotes e outros fiéis da Igreja particular, para o ajudarem na sua função de guia da comunidade diocesana. No Sínodo e através dele, o Bispo exerce de forma solene o ofício e o ministério de apascentar o seu rebanho. Na sua dupla dimensão de ato de governo episcopal e evento de comunhão, o Sínodo é meio idóneo para aplicar e adaptar as leis e as normas da Igreja universal à situação particular da Diocese, indicando os métodos que importa adotar no trabalho apostólico diocesano, superando as dificuldades inerentes ao apostolado e ao governo, animando obras e iniciativas de carácter geral, propondo a reta doutrina e corrigindo, se existirem, os erros acerca da fé e da moral. Deve-se celebrar quando as circunstâncias o aconselharem, a juízo do Bispo diocesano e ouvido o conselho presbiteral. No passado, os sínodos diocesanos eram assembleias que congregavam o clero de uma diocese, convocado pelos bispos diocesanos, com o objetivo de avaliar o estado da vida religiosa e a situação clerical, e de propor medidas de atuação nesses domínios. São uma forma de reunir o clero e de criar comunhão e meio eficaz para transmitir informações e normas oriundas dos diversos níveis de poder da Igreja (Concílios, concílios nacionais e provinciais e provisões episcopais). As primeiras notícias de sínodos diocesanos, como manifestação da unidade do presbitério, reunido em volta do seu bispo, remontam, no Oriente, ao século IV e, no Ocidente, ao século VI. O Decreto de Graciano, em meados do século XII, já salientava a utilidade da celebração anual dos sínodos. O Concílio de Latrão IV (1215) estabeleceu, na sua constituição 6, que os sínodos diocesanos deviam ser celebrados todos os anos e que os respetivos decretos deviam ser publicados. O Concílio de Trento voltou a regulamentar sobre os sínodos (Sessão XXIV, em 11 de novembro de 1563, Decretum de Reformatione, cap. 2), reiterando a disposição que obrigava à realização de sínodos diocesanos anuais. Acolhidas em Portugal, em 1564, as resoluções do Concílio de Trento (1545-1563) determinavam que competia às autoridades episcopais a adaptação do vasto projeto reformador às condições de cada localidade e que, para tanto, deveriam ser realizados sínodos diocesanos nos bispados ou arcebispados, reunindo bispos das dioceses próximas, dos quais resultasse a elaboração de constituições. De acordo com a determinação definida na 24.ª sessão do Concílio de Trento, os sínodos provinciais deveriam ser convocados trienalmente e os diocesanos anualmente. Todavia, esta medida nunca foi levada a sério e ninguém foi capaz de a pôr em prática. Apenas se poderá referenciar uma maior preocupação por parte dos prelados na sua realização, que nunca conseguirá atingir os prazos estipulados. Segundo o elenco cronológico dos sínodos diocesanos publicado no Dicionário da História Religiosa de Portugal (PAIVA, 2001), foram celebrados na Diocese do Funchal 10 sínodos diocesanos: em 1578, por D. Jerónimo Barreto; em 1597 e 1602, por D. Luís de Figueiredo de Lemos; em 1615, por D. Frei Lourenço de Távora, em 1622, 1626, 1629 e 1634, por D. Jerónimo Fernandes; em 1680, por D. Frei António Teles da Silva; e em 1695, por D. Frei José de Santa Maria. Dos vários sínodos diocesanos apenas chegaram às nossas mãos as constituições promulgadas em 1578 e 1597. As últimas, da iniciativa de D. Luís de Figueiredo de Lemos, fizeram-se a exemplo das de Lisboa, aprovadas em 1566 com o mesmo título de "Constituições Extravagantes". Estas constituições foram impressas em 1601, juntamente com as constituições do sínodo de D. Jerónimo Barreto, sendo formadas por 34 títulos sobre matérias muito variadas: 1. Constituição única; 2. Dos sacramentos em geral; 3. Do Batismo; 4. Do Sacramento da Confirmação; 5. Do Sacramento da Confissão; 6. Do Santíssimo Sacramento da Comunhão; 7. Do Santíssimo Sacramento da Extrema-unção; 8. Dos Santos óleos; 9.Do Sacramento da Ordem; 10. Do Sacramento do Matrimónio; 11. Das festas de guarda; 12. dos Vigários, Curas e Beneficiados; 13. Da vida e honestidade dos clérigos; 14. Do serviço nas igrejas e de como se hão de fazer os ofícios divinos; 15. Das procissões; 16. Dos enterramentos, capelas e missas de defuntos; 17. Da imunidade das igrejas e isenção das pessoas eclesiásticas; 18. Dos ornamentos do altar e como se há-de prover e concertar os altares e igrejas; 19. Da prata, bens e propriedades das igrejas; 20. Dos dízimos, aforamentos e alienamentos dos bens das igrejas; 21. Dos testamentos; 22. Dos testamenteiros e execução dos testamentos; 23. Dos que pedem, pregam e celebram sem licença, ou sem ela comem carne nos dias proibidos; 24. Dos sacrilégios; 25. Das cartas de excomunhão e do que se deixam andar excomungados; 26. Dos feiticeiros e benzedeiros; 27. Dos que testemunham falso; 28. Dos onzeneiros; 29. Dos barregueiros e que os Vigários saibam dos pecados públicos de sua freguesia; 30. Das querelas e denunciações feitas à justiça e dos seguros; 31. Dos oficiais de nossa justiça; 32. Das injúrias feitas aos oficiais de justiça; 33. Quem será obrigado a ter estas constituições; 34. Das penas. Cada um destes títulos é composto por várias constituições. Tomemos, por exemplo, o n,º 13, sobre a Vida dos Clérigos. É formado por 18 constituições sobre diversos temas relativos à vida dos sacerdotes: 1. Dos vestidos e trajos das pessoas eclesiásticas; 2. Da barba e da tonsura – os clérigos devem fazer a barba e a tonsura ao menos de 15, até 20 dias; 3. Que tenham sobrepeliz quando rezarem no coro ou quando ministrarem algum sacramento; 4. Que os clérigos não tragam armas e como pedirão licença quando lhes forem necessárias; 5. Que os clérigos não joguem cartas, ou dados, nem outros jogos semelhantes; 6. Que não tenham mesa de jogo; 7. Que os clérigos não procurem nem jurem perante juiz secular; 8. Que os clérigos não sejam rendeiros, nem regatões, nem cacem para vender; 9. Que os clérigos não andem de noite; 10. Que os clérigos não sejam jograis, nem acompanhem mulheres; 11. Que nenhum clérigo coma ou beba em tabernas; 12. Da pena que auferirão os clérigos que tem mancebas, ou mulheres suspeitosas; 13. Como devem ser amoestados os clérigos que forem conhecidos ter mancebas; 14. Que os clérigos não tenham em casa mulheres de idade de cinquenta anos para baixo; 15. Que maneira se terá no proceder contra os clérigos que cometerem adultério; 16. Que os clérigos não tenham os filhos em casa; 17. Que os clérigos não façam doação, nem deixem legado a mulheres com que foram infamados, ou tenham por mancebas; 18. Que nenhuma pessoa blasfeme, pondo a boca em Deus, em Nossa Senhora ou em seus Santos. E a pena que auferirão as pessoas eclesiásticas e seculares que o fizerem. Por seu lado as “Extravagantes” de D. Luís de Figueiredo de Lemos são constituídas por 20 títulos: 1. Do Sacramento do Batismo; 2. Do Sacramento da Confissão; 3. Do Santíssimo Sacramento da Eucaristia; 4. Do Sacramento da Extrema-unção; 5. Do Sacramento da Ordem; 6. Da veneração da Santa Cruz, festas, Relíquias e imagens dos Santos; 7. Da vida e honestidade dos clérigos; 8. Dos vigários, curas e beneficiados; 9. Do serviço das Igrejas; 10. Das procissões; 11. Dos ornamentos dos altares e igrejas; 12. Das eleições dos mordomos das confrarias e como hão de dar sua conta; 13. Do pagamento das ordinárias; 14. Dos sacrilégios; 15. Das querelas e denunciações feitas à justiça e dos seguros; 16. Dos Ouvidores e sua jurisdição e em que casos apelarão por parte da justiça; 17. Das injúrias feitas aos Ouvidores e como cumprirão os seus mandatos; 18. Das suspeições aos nossos oficiais da justiça; 19. Dos oficiais da justiça; 20. Das penas. Sobre a vida dos clérigos, as “Extravagantes” contêm apenas três constituições: 1. Que os clérigos e beneficiados não desafiem nem ameacem pessoa alguma; 2. Que não levem cães à igreja, nem aves na mão, nem sejam caçadores; 3. Que os sacerdotes e clérigos de ordens sacras extravagantes venham à Sé aos ofícios diurnos e pregações. D. Lourenço de Távora convocou o quarto sínodo diocesano ocorrido no Funchal em 1615, e foram promulgadas constituições. Estas são em número de 15, referindo-se a 1.ª, 2.ª e 3.ª ao perigo dos estrangeiros cismáticos, que devido ao comércio passavam e habitavam na Ilha; a 4.ª constituição é sobre as festas e os excessos do povo, a ornamentação das igrejas e o encerramento das portas das igrejas antes de anoitecer; a 5.ª refere as festas dos santos e padroeiros; a 6.ª e a 7.ª regulam o pagamento aos eclesiásticos e a arrecadação das rendas; a 8.ª trata dos estatutos que os capitulares pediam ao apontador; a 11.ª refere-se ao vestuário dos eclesiásticos; a 12.ª é sobre os cantores; a 13.ª ordena que se faça um novo regimento do cerimonial; a 14.ª regula os enterros fora das respetivas freguesias e a 15.ª trata da redução de encargos pios das capelas. As constituições do sínodo de 1695, de D. Frei José de Santa Maria, dominicano, não chegaram a ser impressas, em razão da transferência do bispo para a Diocese do Porto. Os manuscritos dessas constituições foram publicados por José Pereira da Costa nas atas do II encontro sobre história dominicana (COSTA, 1987). Gaspar Frutuoso afirma, nas Saudades da Terra (FRUTUOSO, 2007, 221-222), que D. Martinho de Portugal já teria umas constituições. Todavia, Alberto Vieira contrapõe que, não havendo notícia de outros sínodos no Funchal, tais constituições seriam uma adaptação das de Lisboa. A composição do sínodo diocesano foi mudando ao largo da história, até à exclusão dos leigos. De acordo com o Código de Direito Canónico de 1917, no seu cânone 356, §1, os sínodos deviam ser celebrados pelo menos de 10 em 10 anos. No seu Decreto Christus Dominus, Sobre o múnus pastoral dos bispos (n.º 36), o Concílio Vaticano II afirma desejar que as «veneradas instituições dos Sínodos [...] entrem de novo em vigor, para que melhor e eficazmente se atenda ao incremento da fé e à conservação da disciplina nas várias igrejas». A linguagem conciliar foi expressa, mais tarde, nos cânones 460-468 do Código de Direito Canónico de 1983.     P. Marcos Gonçalves (atualizado a 03.02.2017)  

Religiões

silva, rui

Poeta madeirense que publicou os seus textos em vários periódicos da região, mas também em alguma imprensa brasileira. Era um escritor romântico, bucólico, sensível, com um sentimentalismo original e até estranho. Os seus versos, com valor poético, revelam espontaneidade e rigor ao nível da métrica e versam temas filosóficos e amorosos. Profissionalmente, foi desenhador de bordados numa firma funchalense. Faleceu quando se preparava para publicar uma coletânea de textos poéticos. Palavras-chave: poesia; sentimentalismo; filosofia; romantismo; bucolismo.   De nome completo Rui Eleutério (ou Eleutero) da Silva, foi um poeta madeirense de finais do séc. XIX e inícios do séc. XX. Nasceu no Funchal, a 20 de fevereiro de 1884. Começou a singrar na vida literária quando escreveu os primeiros versos, sensivelmente na mesma época que Jaime Câmara. As suas poesias foram publicadas em jornais e almanaques da cidade, como o Diário Popular, Heraldo da Madeira, Diário da Madeira, Diário de Notícias, Novo Almanaque de Lembranças Madeirenses, Alma Académica e A Cruz, mas também há registo de publicações na imprensa brasileira, o que demonstra como foi um apreciado cultor de poesia. De acordo com as observações do Visconde do Porto da Cruz (PORTO DA CRUZ, 1953, III, 87), Rui Silva era um poeta romântico, bucólico, sensível e com um sentimentalismo imbuído de uma sensibilidade original que até apelida de estranha, própria de um poeta antigo, cujos versos revelam valor poético. Era um autor natural, espontâneo e formalmente rigoroso ao nível da métrica que se debruçava essencialmente sobre temas filosóficos e amorosos, primando pela originalidade. De facto, ao lermos uma das suas “Trovas” notamos a influência da lírica medieval e da vertente tradicional camoniana, até porque repete cada um dos quatro versos do mote (“Maria sacode a saia. / Maria levanta o braço, / Maria dá-me um beijinho, / Maria dá-me um abraço”) no primeiro verso de cada uma das glosas (cf. MARINO, 1959, 350). Esta poesia de temática amorosa apresenta quadras ao gosto popular, manifestando alegria, simplicidade, jovialidade e um tom humorístico, bem diferente dos lamentos, do sofrimento de amor e da infelicidade de outros poetas apaixonados. O “eu” poético chega ao ponto de advertir “Maria”, conduzindo-a até ao seu amor: “Maria dá-me um abraço, / Estreita teu peito ao meu; / Vem comigo e não te prendas / A quem nunca te mereceu…” (Id., Ibid.) Profissionalmente, Rui Silva foi funcionário da firma Farra & Marghab, na qual desempenhava o cargo de debuxador de bordados da Madeira, isto é, traçava ou desenhava esboços. Em 1930, foi erigido na Deserta Grande, por sua iniciativa, um pequeno padrão dedicado a N.ª S.ª da Paz. Faleceu repentinamente no Funchal, no dia 26 de agosto de 1931, portanto com 47 anos, vítima de uma angina de peito, quando preparava a publicação de uma coletânea com as suas melhores poesias.   João Carlos Costa (atualizado  a 03.02.2017)

Literatura

silva, josé marmelo e

José Marmelo e Silva nasceu no Paul, concelho da Covilhã, a 7 de maio de 1911, tendo falecido em Espinho, a 11 de outubro de 1991. Frequentou o ensino secundário na Covilhã e em Castelo Branco, e o ensino superior em Coimbra e Lisboa, onde se licenciou em Filologia Clássica, com a dissertação Um Sonho de Paz Bimilenário: a Poesia de Virgílio. Fez serviço militar em Mafra, uma experiência com ecos em Depoimento, e na Madeira, vivência que ressoará em Desnudez Uivante. Regressa à Madeira já casado para, com a esposa, lecionar no Colégio Académico do Funchal, no ano letivo de 1946-1947. No ambiente insular, encontrou inspiração para escrever os Poemas da Ilha do Porto Santo, que publica na Seara Nova, na década de 1960. Foi, porém, em Espinho que exerceu funções docentes a maior parte do tempo, dando o seu nome à biblioteca local. De 1932 a 1983, publicou, com várias reedições, diversos livros, deixando inéditos os Memoriais, de carácter autobiográfico: O Homem que Abjurou a Sociedade – Crónicas do Amor e do Tempo, contos (Renegado); a novela Sedução; Depoimento, contos; O Sonho e a Aventura, narrativas; a novela Adolescente, título da 1.ª edição, alterado para Adolescente Agrilhoado na 2.ª edição aumentada; O Ser e o Ter Seguido de Anquilose, contos (a primeira versão de O Ser e o Ter é O Conto de João Baião, que teve uma única edição); o romance Desnudez Uivante. Foi agraciado, em 1987, com a medalha de ouro da cidade de Espinho e, em 1988, com o grau de Comendador da Ordem de Mérito, pelo então Presidente da República, Mário Soares. Obras de José Marmelo Silva: Poemas da Ilha do Porto Santo; O Homem que Abjurou a Sociedade – Crónicas do Amor e do Tempo (1932); Sedução (1937); Depoimento (1939); O Sonho e a Aventura (1943); Adolescente (1948) Adolescente Agrilhoado (1958); O Ser e o Ter seguido de Anquilose (1968); Desnudez Uivante (1983).   António Moniz (atualizado a 03.02.2017)

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