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Domingos Olavo Correia de Azevedo estudou na Universidade de Coimbra, onde se salientou devido às suas ideias liberais. Foi nomeado, em 1835, juiz da levada do Pisão, na freguesia do Monte, juiz de fora interino do Funchal e juiz de distrito de 1.ª instância da Madeira e Porto Santo, ocupando depois o lugar de presidente da Câmara do Funchal e de administrador-geral do Funchal. Durante o seu governo, foram instaladas a Junta Geral e a Comissão de Auxílio, para colmatar o desastre da aluvião de 1842, e emitiu-se a célebre moeda “pecúnia madeirensis”. Palavras-chave: aluviões; eleições liberais; governo liberal; moeda; pecúnia madeirense. Domingos Olavo Correia de Azevedo nasceu no Funchal, a 29 de agosto de 1799, e foi filho de Matias Correia de Azevedo, natural da freguesia da Sé, e de Antónia da Costa do Monte. Estudou na Universidade de Coimbra, onde se salientou pelas suas ideias liberais, chegando a ser preso na Sala dos Capelos daquela universidade, em 1824, no motim ocorrido por ocasião do regresso a Portugal do infante D. Miguel (1802-1866). Após completar o seu curso em Coimbra, em 1825, regressou ao Funchal, onde começou a advogar, tendo-se casado, a 29 de setembro de 1834, com Maria Cândida de Oliveira (c. 1825-1887), viúva do comerciante e proprietário Francisco de Oliveira. Com a chegada do primeiro governador liberal ao Funchal, então sob a designação de prefeito, o Ten.-Cor. Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque (1792-1846) (Albuquerque, Luís da Silva Mouzinho de) tornou-se um dos seus principais apoios, sendo nomeado, a 3 de fevereiro de 1835, juiz da levada do Pisão, na freguesia do Monte, onde possuía propriedades, e, em abril do mesmo ano, juiz de fora interino do Funchal. A 3 de outubro desse ano de 1835, recebeu também uma nomeação régia como juiz de distrito de 1.ª instância do julgado ocidental da província da ilha da Madeira e do Porto Santo, ocupando depois o lugar de presidente da Câmara do Funchal. No final do mês de outubro de 1835, o seguinte governador civil, o 1.º conde de Carvalhal (1778-1837), nomeou um conselho provisório da província, constituído pelos nomes que iriam fazer carreira no Funchal nos anos seguintes: João Agostinho Jérvis de Atouguia, secretário-geral, Domingos Olavo Correia de Azevedo, depois também secretário-geral e governador civil, e Filipe Joaquim Acciauoli Júnior (uma situação confirmada por Lisboa, a 10 de fevereiro seguinte). Em 15 de dezembro de 1835 o conde de Carvalhal abdicou dos seus ordenados a favor do governo civil, para as “urgências do Estado” (ABM Governo Civil, liv. 93, fl. 153v.), tal como os ministros haviam feito em Lisboa (embora esses só houvessem abdicado de metade dos seus salários), e, a 10 de fevereiro do ano de 1836, o novo secretário-geral do governo civil, João Agostinho Jérvis de Atouguia, começou a assinar a documentação. O conde de Carvalhal retirar-se-ia para a sua quinta do Palheiro Ferreiro, aí falecendo a 11 de novembro do ano seguinte. O jovem Domingos Olavo Correia de Azevedo, em setembro de 1838, assumiria o lugar de secretário da Comissão da Fazenda Pública, presidida pelo contador da Fazenda, Francisco Correia Herédia (1793-1880) (Herédia, Francisco Correia), depois deputado e avô do visconde da Ribeira Brava (1852-1918) (Ribeira Brava, visconde da), uma das importantes figuras políticas dos finais do séc. XIX e inícios do séc. XX. Aquela Comissão incluía ainda o secretário da Alfândega, Roberto Leal (c. 1790-c. 1850), e José Joaquim da Trindade. Em setembro desse ano, devido às alterações governamentais ocorridas em Lisboa, ainda seria necessário preencher um lugar de senador, para o qual foi eleito João Gualberto de Oliveira (1788-1852) (Tojal, barão e conde de), e também os vários lugares de deputados, para que foram eleitos como deputados substitutos Domingos Olavo Correia de Azevedo e o Cón. Gregório Nazianzeno de Medina e Vasconcelos (1788-1858) (Medina e Vasconcelos, Gregório Nazianzeno). Em novas eleições, seria eleito ainda nesse ano, dado ter havido novas vagas, Daniel de Ornelas e Vasconcelos (1800-1878), o futuro barão de S. Pedro (S. Pedro, barão de), para uma vaga de senador, e Domingos Olavo Correia de Azevedo, novamente para deputado substituto. Data do governo de Gamboa e Liz (Liz, Gamboa de) a reestruturação da oficina impressora até então montada nas instalações de S. Lourenço (Palácio e fortaleza de S. Lourenço), depois transferida para o extinto Convento de S. Francisco (Convento de S. Francisco do Funchal), com acesso pela porta da R. de S. Francisco. A 24 de fevereiro de 1838, aquele administrador-geral mandava distribuir um aviso que fora impresso nas novas instalações, informando que a Tipografia Nacional (Tipografias) estava apta a imprimir quaisquer “obras de particulares, em qualquer língua, por preços cómodos e taxados para as obras grandes” (ABM, Alfândega do Funchal, liv. 675, Aviso de 24 fev. 1838). O aviso apresentava também uma tabela de preços e informava que as obras em línguas estrangeiras, de que não existissem tradutores oficiais, teriam de ser acrescidas dessa despesa. Divulgavam-se assim os impressos para as várias cerimónias oficiais, com espaços em branco para se acrescentar, em manuscrito, o evento e o horário. A 30 de maio, já o então presidente da Câmara do Funchal, Sérvulo Drumond de Meneses, através de impresso, convidou as restantes autoridades do Funchal para mais um Te Deum na Catedral, “pelas 11 da manhã” do dia 5 de junho pelo aniversário da “nossa Restauração” (Ibid., Alfândega do Funchal, liv. 675, convites de 30 maio e 2 abr. 1838), e em 1840 o presidente seguinte, Domingos Olavo Correia de Azevedo, fez um convite idêntico, então para o Te Deum comemorativo da “Restauração do Governo Legítimo” (Ibid., Alfândega do Funchal, liv. 675, 25 maio 1840). A administração-geral veio a ser ocupada depois pelo Brig. José da Fonseca e Gouveia (1792- 1863), então elevado a barão de Lordelo (Lordelo, barão de). O barão, no entanto, pediu a exoneração passado pouco tempo, e o governo começou a ser assegurado pelo 13.º morgado do Caniço, Aires de Ornelas e Vasconcelos (1779-1852) (Ornelas e Vasconcelos, Aires de), como administrador-geral interino, a partir de 2 de janeiro de 1841. Aires de Ornelas, contudo, pediria igualmente a exoneração, alvitrando dificuldades económicas, sendo o lugar entregue a Domingos Olavo Correia de Azevedo. Domingos Olavo Correia de Azevedo ocupou a posição de deputado substituto nas eleições seguintes, e, por decreto de 26 de fevereiro de 1841, foi nomeado administrador-geral do distrito, lugar de que tomou posse a 2 de abril do mesmo ano, conforme a portaria de 29 desse mesmo mês. Data do governo de Olavo Correia de Azevedo a instalação da Junta de 1842 (Junta Geral), reformulada pelo decreto de 8 de março nesse ano, a partir do qual passou a contar com sala própria em S. Lourenço, horário e dias estabelecidos para as reuniões, tendo já o administrador-geral participado nas assembleias preparatórias anteriores. Os procuradores à Junta Geral começaram, a partir de 30 de abril desse ano, a reunir-se em S. Lourenço todos os sábados não feriados, pelo meio-dia, passando as reuniões a ter atas a partir de 9 de maio desse ano. Data desse ano a primeira emissão de uma moeda para circular na Madeira, a pecunia madeirensis (Pecunia Madeirensis), com o valor facial de X réis, uma emissão devida ao então ministro Conde de Tojal que se repetiria nos anos seguintes, embora tais emissões nunca chegassem para as necessidades de circulação monetária da praça do Funchal (Circulação monetária). Conta o Elucidário Madeirense que o início do governo de Domingos Olavo Correia de Azevedo foi marcado por um interessante episódio de afirmação da soberania nacional. Nos começos de 1841, o patacho britânico Bernarda teria sido encontrado a fazer contrabando nas águas da Madeira; obrigado a entrar no porto do Funchal pela fiscalização marítima, foi apreendido e, posteriormente, vendido em hasta pública, de acordo com as leis aduaneiras e internacionais. Pouco tempo depois, a 8 de agosto desse ano, entrou na baía da cidade o navio de guerra Savage, comandado pelo Ten. Bowquer, que, em nome do Alm. Alexander George Woodford (1782-1870), o comandante das forças britânicas de Gibraltar, exigiu a imediata entrega do Bernarda, com a ameaça de exercer represálias, se não fosse prontamente atendido. O administrador-geral recusou terminantemente aceder à entrega, tendo a sua posição sido depois louvada pelo Governo de Lisboa. O Elucidário refere ainda que o Gen. John Adams Dix (1798-1879), que esteve no Funchal entre 12 de novembro de 1842 e 17 de março de 1843, tendo sido governador de Nova Iorque, entre 1873 e 1875, fez as mais elogiosas referências ao Gov. Domingos Olavo, na sua obra A Winter in Madeira and a Summer in Spain and Florence, editada em 1850, dando-o como natural da Madeira, algo que os autores em causa achavam não ser exato (uma dúvida que o Eng. Peter Clode desfez, entretanto). Os finais de 1842 foram marcados na Madeira por mais um terrível desastre ecológico: a aluvião de 24 de outubro, que, embora não atingindo os efeitos catastróficos da congénere de 9 de outubro de 1803, com um quantitativo de 600 mortos ocorridos por toda a costa sul da Ilha, não deixou, mais uma vez, de arrasar casas e fazendas, lançando muita gente na mais precária situação económica. Além das terríveis inundações do dia 24, um grande temporal varreu a baía do Funchal dois dias depois, chegando as vagas a atingir a esplanada da fortaleza do Ilhéu. Perderam-se 10 ou 11 embarcações, algumas de grande porte. Contra os arrifes de Santa Catarina foram lançados o bergantim americano Creole e a escuna inglesa Wave e, sobre o calhau da praia das Fontes, quase em frente a S. Lourenço, foram igualmente lançados o patacho ou o brigue-escuna português Novo Beijinho, do mestre Joaquim Trindade, do qual se perderam três tripulantes, e o bergantim inglês Dart, do mestre John Avith. O triste espetáculo do Dart e do Novo Beijinho, lançados na praia do Funchal, ficaria para sempre registado em várias aguarelas da época. O administrador-geral oficiou de imediato aos deputados da Madeira para pedirem auxílio a Lisboa, enumerando alguns dos principais prejuízos, entre os quais a perda de muita documentação da Alfândega do Funchal, “com imenso prejuízo ocasionado pela aluvião” (ABM, Governo Civil, liv. 93, fl. 17), pelo que, segundo o ofício para o deputado Lourenço José Moniz (1789-1857), a 7 de março do seguinte ano de 1843, foi solicitada a redução das pautas da Alfândega. Pediu-se auxílio igualmente ao antigo prefeito Luís Mouzinho de Albuquerque, então diretor-geral das Obras Públicas. A situação levou à constituição de uma Comissão Central de Auxílio para tentar minimizar os efeitos da catástrofe, que começou a reunir-se em S. Lourenço, a partir de 27 de abril de 1843, e cujas reuniões se prolongaram até 2 de junho de 1844. A essas assembleias também compareceram várias vezes os principais comerciantes ingleses, como João Blandy (1783-1855) e Diogo Selbey, na altura cônsul inglês na Ilha, que conseguiram reunir três contos de réis para apoio das vítimas. Através desses contactos e dos da Associação Comercial do Funchal (Associação Comercial do Funchal), ter-se-iam igualmente conseguido outros apoios, especialmente da Câmara de Auxílio de Lisboa, presidida pelo marquês do Faial (1818-1864) e pelo bispo eleito do Porto, assim como dos distritos dos Açores. Em abril de 1843, começavam a chegar as doações, e em 17 de julho, a informação de que a subscrição realizada no continente rendera 600 patacões brasileiros, tendo depois chegado em setembro mais seis contos de réis provenientes dos Açores. Os últimos meses de 1842 foram dedicados à reestruturação dos quadros diretivos da Madeira que se encontravam estabelecidos no Funchal. A 12 de novembro, e devido ao alvará régio de 1 de outubro desse ano, foram nomeados, como substitutos para a administração do concelho do Funchal, Sérvulo Drumond de Meneses (1802-1867), António João de França e António Joaquim da Câmara Mesquita, sendo exonerados os anteriores: João Agostinho Perry da Câmara, Filipe Joaquim Ferreira Ferro e Telésforo José Inocêncio Camacho. Em dezembro, aconteceu a substituição do administrador, cargo que passou para João Crisóstomo Pereira Uzel, sendo exonerado Manuel Santana e Vasconcelos (1798-1851). No entanto, um mês depois, no final de janeiro de 1843, “usando da faculdade concedida pelo art. 245 do Código Administrativo” (Ibid., Governo Civil, liv. 93, fl. 100), o Gov. Domingos Olavo Correia de Azevedo nomeava Valentim Mendonça Drumond interinamente para substituto da administração do Concelho, visto que o lugar se encontrava vago devido à nomeação de Sérvulo Drumond de Meneses para vogal da comissão do distrito. Nos inícios do ano de 1842, entretanto, tinham ocorrido novas alterações no continente, sendo dissolvidas as Cortes, por decreto de 10 de fevereiro, e declarada em vigor, novamente, a antiga Carta de 1826, algo que veio mais uma vez a ser celebrado no Funchal por um Te Deum, a 27 de fevereiro, em “ação de graças pelo plausível motivo de se achar em vigor a Carta Constitucional de 1826” (ABM, Alfândega do Funchal, liv. 676, convite impresso). Por decreto da data de dissolução das Cortes e pelo decreto de 5 de março, foram marcadas novas eleições, que vieram a ocorrer em junho desse ano. Foram então eleitos Luís Vicente de Afonseca (1803-1878), Bartolomeu dos Mártires Dias e Sousa (1806-1882), João da Câmara Leme Carvalhal Esmeraldo (1831-1888) e o futuro conselheiro Francisco Correia Herédia, mantendo o administrador-geral o lugar de deputado substituto. Nos inícios de 1844, rebentavam, entretanto, novos pronunciamentos militares, em Torres Novas e em Almeida, e, embora as eleições de 1845 viessem a dar um folgado triunfo aos apoiantes de Costa Cabral (1803-1889), foram-lhes apontadas as maiores irregularidades. Por essa altura, o administrador-geral do distrito, Domingos Olavo Correia de Azevedo, escrevia para o Governo de Lisboa a congratular-se por haver “sido superada a revolta que, iniciada em Torres Novas, terminara em Almeida” (ABM, Governo Civil, liv. 643, fl. 84) e a informar que não tinha havido na Madeira quaisquer mudanças por esse motivo; e, embora, no aspeto político, corresse tudo bem na Madeira, também alertava, mais uma vez, para a possibilidade de acontecer um confronto grave no campo religioso, conforme ele próprio vinha sublinhando há muitos meses, sem que tivesse obtido qualquer resposta ou diretiva de Lisboa para poder enfrentar ou delimitar a situação. Em causa, estavam as atividades proselitistas do reverendo Robert Reid Kalley (1809-1888), que teriam depois profundas repercussões nacionais e internacionais. A 23 de maio de 1844, o governador informava da chegada ao Funchal, em abril desse ano, de 10 presos políticos, vindos no brigue de guerra Douro, mas “sem qualquer indicação do seu destino ou pena” (Ibid., Governo Civil, liv. 643, fl. 117), que foram então enviados para a fortaleza de S. João do Pico. Os presos regressariam ao continente no patacho Zarco, em dezembro desse ano, novamente sem indicações especiais, pelo que nem se sabe sequer quem seriam, voltando o governador a escrever para Lisboa a pedir indicação da rubrica orçamental onde deveria indexar a despesa de 150$000 réis que fizera com o transporte dos mesmos “presos políticos” (Ibid., Governo Civil, liv. 643, fl. 118). Terminada a agitada legislatura de 1842 a 1844 em Lisboa, o decreto de 25 de abril de 1845 ordenou uma reunião das assembleias eleitorais, que ocorreria em agosto do ano seguinte. Nessa altura, a Madeira confrontou-se com a diminuição de quatro para três deputados, devido à atenção atribuída ao censo de 1840, ignorando-se o mais recente, que era do ano anterior. Conforme se queixa a então Junta de 1842, num documento que o governador transcreve para o Ministério do Reino, o decreto entrara em linha de conta com um quantitativo de 25.040 fogos correspondentes ao ano de 1840, que equivalia a três deputados, e não com o de 26.106 fogos, que era o número do ano de 1844, correspondendo aos quatro deputados que o distrito até então elegia. Mas a queixa acabou por não ser aceite em Lisboa, tendo sido eleitos somente três deputados: de novo, Lourenço José Moniz, Luís Vicente de Afonseca e Bartolomeu dos Mártires Dias e Sousa. No Minho, entretanto, rebentava a chamada revolta da Maria da Fonte e, na sua sequência, foi montada uma junta governativa em Trás-os-Montes, a que se seguiu a Junta do Supremo Governo do Porto, enquanto o Governo de Costa Cabral caía. Para o novo Governo, foi chamado o duque de Palmela (1781-1850), que, para a pasta do Reino, convidou mais uma vez o antigo prefeito da Madeira, Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque. O Governo de Lisboa empreendeu então uma série de recuos, suspendeu as leis da saúde pública e da reforma tributária, e exonerou uma série de quadros superiores, entendidos como fazendo parte do anterior sistema. Entre os suspensos, estava o governador civil do distrito do Funchal, Domingos Olavo Correia de Azevedo, suspenso por ordem de 30 de junho de 1846, tendo o lugar sido entregue ao juiz da Câmara do Funchal, Valentim de Freitas Leal, que começou a ocupá-lo como governador civil interino, tomando posse a 13 de julho seguinte. Olavo Correia de Azevedo começara como administrador-geral e acabaria assim como governador civil. Domingos Olavo Correia de Azevedo, que fora lançado nas lides políticas pelo prefeito Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque, veio a ser demitido pelo mesmo, então como ministro do Reino, sinal absoluto de que a vida política em Lisboa, e também, com certeza, no Funchal, não se encontrava estável. Mouzinho de Albuquerque haveria de falecer em combate, em dezembro de 1846, durante a revolta da Patuleia; o governador do Funchal, já antes se tinha apercebido da possibilidade de conflitos, pois apresentara a sua demissão pouco tempo antes, alegando razões de doença. Olavo Correia de Azevedo haveria de se retirar quase de imediato para Lisboa e não regressou ao Funchal; no entanto, ocupou depois durante muitos anos, como deputado substituto, o lugar de representante da Madeira nas Cortes, devido às inúmeras alterações sequentes pelos deputados efetivos eleitos. O trabalho Projecto de Regulamento para a Santa Casa da Misericórdia e seu Hospital, que elaborara no Funchal, em 1844, e enviara para Lisboa, viria a ser impresso somente em 1871, depois de ter falecido em Lisboa, a 9 de março de 1855. Entre os descendentes de Domingos Olavo Correia de Azevedo, contam-se Carlos Olavo Correia de Azevedo (1881-1958), que fora deputado pela Madeira nas eleições de 1911 e de 1915 (Eleições 1.ª República), o irmão Américo Olavo Correia de Azevedo (1881-1927), também deputado pela Madeira, nas eleições de 1918, que depois de ter sido ministro da Guerra, faleceu na revolta de 8 de fevereiro de 1927, e também Mauro Olavo Correia de Azevedo (1879-1970); foram os aguerridos republicanos, bem como combatentes e inclusivamente prisioneiros na Primeira Guerra Mundial (Primeira Guerra Mundial), após a batalha de La Liz, de 9 de abril de 1918. Obras de Domingos Olavo Correia de Azevedo: Projecto de Regulamento para a Santa Casa da Misericórdia e seu Hospital (1871).   Rui Carita (atualizado a 14.12.2016)

Personalidades

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Álvaro Rodrigues de Azevedo foi um advogado, professor, político, jornalista, escritor e historiador, que viveu na Madeira durante cerca de 26 anos e que contribuiu para a valorização do panorama literário e cultural da Ilha. É autor de uma bibliografia diversificada e, do seu legado, destaca-se a publicação do manuscrito As Saudades da Terra (1873), de Gaspar Frutuoso, que inclui 30 extensas notas da sua autoria, que complementam e esclarecem alguns pontos acerca da história da Madeira. Palavras-chave: Madeira; literatura; jornalismo; história; historiografia; cultura. Álvaro Rodrigues de Azevedo foi advogado, professor, político, jornalista, escritor e historiador. Nasceu em Vila Franca de Xira, a 20 de março de 1825, e faleceu em Lisboa, a 6 de janeiro de 1898, dois meses antes de completar 73 anos. Apesar de ter nascido no continente, viveu na Madeira durante muitos anos e considerava a Ilha a sua pátria adotiva. Chamava-se José Rodrigues de Azevedo, mas terá mudado de nome quando ingressou na universidade. Era filho de António Plácido de Azevedo, natural de Benavente, e de Maria Amélia Ribeiro de Azevedo. Casou-se com Maria Justina, de quem teve geração. Concluiu o curso de Direito, em 1849, na Universidade de Coimbra, e foi para Lisboa, onde residiu durante cerca de seis anos. Seguiu posteriormente para a ilha da Madeira, onde exerceu funções de professor, ocupando uma vaga através de concurso público. Anteriormente, tinha tentado um lugar na magistratura judicial, mas não teve sucesso. Alguns anos mais tarde, na introdução do livro Esboço Crítico-Litterário (1866), explicava a razão pela qual não tinha conseguido aquele emprego e se considerava injustiçado. No Liceu do Funchal, teve a seu cargo a cadeira de Oratória, Poética e Literatura, que regeu durante 26 anos. Também no mesmo Liceu, foi professor de Português e Recitação e fez parte, como sócio e secretário, da Associação de Conferências, inaugurada a 9 de maio de 1856, com a finalidade de promover o desenvolvimento dos princípios da educação popular e de elaborar uma discussão com vista à escolha dos melhores métodos de ensino. A Associação de Conferências era composta por professores do ensino público e particular da capital do distrito da Madeira. Em 1856, por ocasião da epidemia de cólera (cólera-mórbus), que se propagou na Ilha, causando uma elevada taxa mortalidade, prestou relevantes serviços no desempenho do cargo de administrador do concelho do Funchal. A 24 de julho de 1856, escrevia no periódico A Discussão, revelando as medidas tomadas pela Câmara Municipal que, no sentido de tentar combater a epidemia, concedeu 150$000 reis mensais para que o administrador do concelho estabelecesse uma sopa económica, a ser distribuída, uma vez por dia, aos mais necessitados. Referia ainda que medidas idênticas tinham extinguido a cólera em algumas regiões continentais. Mencionando nomes de personalidades e respetivos donativos para a causa, reforçava a ideia da importância da alimentação no combate daquele flagelo e considerava que os mais afetados pela doença eram geralmente pobres, pois a principal causa do seu desenvolvimento era a fome e a miséria. Foi procurador à Junta Geral e membro do conselho de distrito e da comissão administrativa da Santa Casa da Misericórdia do Funchal, tendo recusado, em 1870, o cargo de secretário-geral do distrito e a comenda da Conceição. Foi ainda membro do Partido Reformista, participando ativamente na política madeirense e revelando aspirações liberais, sobretudo num período agitado da vida local, iniciado em 1868. Como jornalista, Álvaro Rodrigues de Azevedo colaborou na imprensa periódica madeirense, sendo redator nos jornais A Discussão, A Madeira, A Madeira Liberal, O Oriente do Funchal e Revista Judicial, e tendo redigido também alguns artigos no Diário de Notícias da Madeira. Publicou ainda o Almanak para a Ilha da Madeira para os anos de 1867 e de 1868. Os artigos publicados na imprensa foram de natureza variada, desde folhetins e artigos de crítica literária até assuntos de interesse social, relacionados com a vida no arquipélago e com o quotidiano dos madeirenses. Em janeiro de 1856, no periódico A Discussão, inicia a publicação de um artigo de crítica literária, sob o título “Bosquejo Histórico da Literatura Clássica Grega, Latina e Portuguesa, por A. Cardoso B. de Figueiredo”. Este texto saiu, naquele jornal, nos n.os 50, 51, 53 e 55, entre janeiro e março de 1856. Em 1866, edita um estudo em volume, intitulado Esboço Crítico-Litterário (do Bosquejo Histórico da Literatura Clássica, Grega, Latina e Portuguesa do Sr. A. Cardoso Borges de Figueiredo), no qual menciona o seu primeiro artigo crítico à obra daquele autor. No Diário de Notícias da Madeira, em 1877, nos n.os 181 a 183, publicou, como folhetim, um estudo histórico intitulado “A Casa em que Christovão Colombo Habitou na Ilha da Madeira”, identificando e descrevendo a casa de Cristóvão Colombo no Funchal. Álvaro Rodrigues de Azevedo é autor de uma vasta obra, de temas diversos. Ainda na juventude, escreveu um drama sob o título Miguel de Vasconcelos, que não chegou a ser editado. No entanto, este texto originou uma polémica na imprensa, em 1852, nos n.os 2924, 2927 e 2942 da Revolução de Setembro, com o bibliógrafo e publicista, Inocêncio Francisco da Silva, autor do Diccionario Bibliográphico Portuguez (1858). Na nota bibliográfica elaborada a Álvaro Rodrigues de Azevedo no referido Dicionário, Inocêncio Francisco da Silva afirma que terá confundido uma crítica desfavorável a outro texto com o mesmo título de Miguel de Vasconcelos, mas de outro autor, que terá lido nas Memórias do Conservatório Real de Lisboa, tomo II, 1843, p. 114. Tendo conhecimento do texto escrito por Azevedo, que este lhe havia dado a ler, anos antes, julgou tratar-se do mesmo texto, pois tinham o título idêntico, mas apenas um foi publicado nas Memórias do Conservatório, tendo outro ficado em arquivo. Este equívoco terá desencadeando a referida controvérsia, suscitando uma troca de correspondência entre ambos, através da imprensa periódica. Nas suas produções literárias encontram-se, entre outros, A Familia do Demerarista. Drama em um Acto (1859), uma crítica de costumes madeirenses, e Curso Elementar de Recitação, Philologia e Redacçao (1869), no qual pretende desenvolver competências de produção linguística. Como escritor e historiador, produziu importantes trabalhos sobre o arquipélago da Madeira. O seu legado mais importante para a historiografia madeirense foi a publicação do manuscrito As Saudades da Terra (1873), redigido por Gaspar Frutuoso, em 1590, na ilha de S. Miguel, Açores. Álvaro Rodrigues de Azevedo redigiu 30 notas que acrescentou ao manuscrito, na parte que diz respeito à Madeira, com o intuito de esclarecer alguns pontos da história do arquipélago. O trabalho de investigação, de pesquisas e de consultas em livros, manuscritos ou outras fontes, que empreendeu para a elaboração das anotações presentes na edição de As Saudades da Terra (1873) contribuiu para o desenvolvimento do seu gosto pelo estudo da história da Madeira. Segundo Alberto Vieira, Álvaro Rodrigues de Azevedo “poderá ser considerado o pioneiro da historiografia hodierna na ilha. O seu trabalho publicado em anotação a As Saudades da Terra, em 1873, é modelar e surge como uma peça-chave para todos os que se debruçam sobre a história da ilha” (VIEIRA, 2007, 13). Álvaro Rodrigues de Azevedo confessou que teve muitas dificuldades na elaboração destas notas, que foi um processo moroso, fruto de muito trabalho de investigação, de dia, e de escrita, à noite, acumulado com a sua profissão. A obra, encetada em meados de 1870, demorou cerca de três anos a completar. Os trabalhos de investigação foram feitos nos arquivos da Ilha, nas Câmaras do Funchal, de Santa Cruz e de Machico, na Câmara Eclesiástica, na Câmara Militar e no cabido da Sé. Também foram relevantes os textos que reuniu de cronistas como Zurara, João de Barros e Damião de Góis, e os manuscritos do P.e Netto. Teófilo Braga, seu amigo, com quem se correspondia, teve uma grande influência no seu pensamento e na sua escrita, sendo através deste que tomou contacto com a teoria da história positivista, em voga na época. Contou ainda com a colaboração de João Joaquim de Freitas, bibliotecário da Câmara do Funchal, que o ajudou nos trabalhos de revisão textual. Apesar de todas as dificuldades que teve de ultrapassar, e da obra inédita que deu à estampa, em 1873, não obteve o devido valor e reconhecimento por parte dos seus coevos. Só muitos anos mais tarde é que o seu trabalho foi valorizado pelos eruditos madeirenses. Na verdade, esta obra pioneira na historiografia insular abriu caminho para que outros madeirenses começassem a interessar-se pelo estudo da sua história, do seu passado e das suas raízes. As suas anotações constituíram uma fonte importante para outros estudiosos, sobretudo para os intelectuais da primeira metade do séc. XX e para os homens da chamada Geração do Cenáculo, que recorreram com frequência às investigações do seu antecessor. Antes do trabalho feito nas anotações de Álvaro Rodrigues de Azevedo, os estudos relativos à história do arquipélago eram muito vagos, circunscrevendo-se a breves notas e estudos. A sua obra teve, assim, um grande impacto em estudiosos como, entre outros, Alberto Artur Sarmento, Fernando Augusto da Silva, Eduardo Pereira, Visconde do Porto da Cruz, sendo mesmo uma base de referência para a elaboração de obras como o Elucidário Madeirense (1921). De facto, são muitas as referências aos apontamentos e ao nome de Álvaro Rodrigues de Azevedo nos três volumes que compõem o Elucidário, tendo os seus autores confessado que “são as Saudades da Terra, e sobretudo as suas valiosas e abundantes notas, o mais rico, copioso e seguro repositório de elementos que possuímos para a história do nosso arquipélago” (SILVA e MENESES, vol. II, 1998, 126). Neste sentido, também outros autores terão consultado e referenciado as notas a Saudades da Terra, entre os quais o Visconde do Porto da Cruz, na elaboração dos três volumes de Notas e Comentários para a História Literária da Madeira (1949-1953). Ainda relativamente à história da Madeira, Álvaro Rodrigues de Azevedo foi o autor de uma série de artigos, nomeadamente, “Machico”, “Machim”, “Madeira” e “Maçonaria na Madeira”, publicados em 1882 no Dicionário Universal Português Ilustrado, dirigido por Fernandes Costa. Em 1880, trouxe à luz da publicidade o Romanceiro do Arquipélago da Madeira, um volume de 514 páginas, resultado das suas recolhas da tradição oral em diversas freguesias da Madeira e do Porto Santo, para o qual terão contribuído as influências de Teófilo Braga. As composições foram classificadas por géneros, a saber, “Histórias”, “Contos” e “Jogos”, os quais, por sua vez, foram divididos em espécies. Nas “Histórias”, Álvaro Rodrigues de Azevedo incluiu as seguintes espécies: “Romances ao divino”; “Romances profanos”; “Xácaras” e “Casos”. No género “Contos”, incluiu as seguintes espécies: “Contos de fadas”; “Contos alegóricos”; “Contos de meninos”; “Lengas-lengas” e “Perlengas infantis”. Finalmente, no género “Jogos”, contemplou os “Jogos pueris” e os “Jogos de adultos”. Terá coligido, igualmente, elementos para a elaboração do cancioneiro, que, porém, não chegou a publicar. No ano seguinte à publicação do Romanceiro, em janeiro de 1881, já jubilado, mas desiludido com a ingratidão dos madeirenses pelo seu trabalho dedicado à cultura e ao progresso da Ilha, acabou por retirar-se para Lisboa, onde fixou residência até ao fim da sua vida. Deixou uma coleção de apontamentos avulsos sobre a história, o romanceiro e o cancioneiro da Madeira, que foi coligindo ao longo do tempo que ali passou, os quais foram adquiridos pela Biblioteca Nacional de Lisboa, após a sua morte. No distrito de Lisboa, concelho de Oeiras e freguesia de Paço de Arcos, existe uma rua com o seu nome, a “Rua Álvaro Rodrigues de Azevedo”. Na Madeira, além da reedição das suas notas, em 2007, não houve, até 2016, qualquer homenagem a este homem que se empenhou pelo progresso da Ilha. Obras de Álvaro Rodrigues de Azevedo: O Comunismo. Discurso proferido na Aula de Practica Forense da Univ. de Coimbra, em Que Se Expõe e Combate esta Doutrina (1848); O Livro d’Um Democrata (1848); A Familia do Demerarista. Drama em Um Acto (1859); Esboço Crítico-Litterário (1866); Curso Elementar de Recitação, Philologia e Redacçao (1869); As Saudades da Terra. Pelo Doutor Gaspar Fructuoso. História das Ilhas do Porto-Sancto, Madeira, Desertas e Selvagens. Manuscripto do Século XVI Annotado por Alvaro Rodrigues de Azevedo (1873); Corografia do Arquipélago da Madeira (1873); “A Casa em que Christovão Colombo Habitou na Ilha da Madeira” (1877); Romanceiro do Archipelago da Madeira (1880); Benavente: Estudo Histórico-Descritivo, Obra Póstuma, Continuada e Editada por Ruy d'Azevedo (1926).   Sílvia Gomes (atualizado a 14.12.2016)

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azevedo júnior, carlos olavo correia de

Advogado, escritor, jornalista e político português, Carlos Olavo Correia de Azevedo Júnior nasceu na cidade do Funchal, às 02.45 h do dia 7 de julho de 1880, tendo sido batizado no dia 4 do mês seguinte, na igreja paroquial de Santa Maria Maior, templo onde já os seus pais Carlos Olavo Correia de Azevedo e Maria Adelaide Cabral haviam contraído matrimónio, a 15 de junho de 1878. Nascido no seio de uma família nobre madeirense, foi neto paterno de Fernando Correia de Azevedo e de Senhorinha de Velosa, neto materno de António Ferreira Cabral e de Maria Augusta de Freitas Martins, e também bisneto, pela parte paterna, de Domingos Olavo Correia de Azevedo (1799-1855), magistrado que fora administrador-geral da Madeira e que pertencera ao Conselho de Sua Majestade, a Rainha D. Maria II. Carlos Olavo teve dois irmãos: Mauro (1879-1970) e Américo (1882-1927). Foi um homem de baixa estatura (1,556 m), de cabelo castanho-escuro, de olhos da mesma tonalidade, de rosto redondo, e de boca e de nariz regulares. Casou-se com Vera de Vasconcelos de Bettencourt e tornou-se pai de Maria de Bettencourt Rebelo de Beneducci, um apelido que adveio do casamento desta com Pierre de Beneducci. Desde cedo, demonstrou interesse por questões literárias e políticas. Em 1900, sendo estudante na Escola Politécnica de Lisboa, fundou, com outros alunos, a Liga Académica Republicana e os diários A Liberdade e A Marselhesa, extintos por ordem do Juízo de Instrução Criminal de Lisboa. No ano seguinte, foi iniciado como maçon na loja Montanha, com o nome de Saint-Just, vindo, mais tarde, a pertencer às lojas Justiça e Acácia (1929). Em 1903, ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, urbe onde fundou um Centro Republicano Académico, a 28 de janeiro de 1906. Na cidade do Mondego, começou por viver em pensões: em 1903-1904, residia na R. do Cotovelo, n.º 14, e, no ano letivo seguinte, na R. da Trindade, n.º 25. Em 1905-1906, passou a residir na R. Couraça de Lisboa, n.º 55, numa casa que arrendara com Alberto Xavier, um amigo que, referindo-se aos tempos de Coimbra, descreveu Carlos como alguém “atraente pela exuberância de temperamento e pela vivacidade de espírito” (XAVIER, 1963, 12). Nessa mesma residência, habitaram José Montês e Ramada Curto. O envolvimento de Carlos Olavo na greve académica de 1907 acabou por ditar a sua expulsão da Universidade, por um período de dois anos. Seria preso por tentar, juntamente com outros colegas que também foram punidos, forçar a entrada nas aulas. Meses depois, foi amnistiado, tendo obtido o diploma, a 27 de julho de 1908, com a nota final de suficiente, com 14 valores. Regressado a Lisboa, exerceu advocacia até à data da sua morte, ocorrida a 16 de novembro de 1958. Distinto advogado, com a cédula profissional n.º 1154, teve o seu primeiro escritório na R. de São Julião, transferindo-se, mais tarde, para a R. Nova do Almada, n.os 18-20. Na Ordem dos Advogados, fez parte do primeiro Conselho Distrital de Lisboa, eleito na Assembleia realizada a 2 de junho de 1927. No triénio 1930-1932, foi vogal do referido órgão, alcançando a presidência em 1942-1944. Integrou ainda a comissão redatora do Boletim da Ordem dos Advogados, cujo primeiro número foi dado à estampa em 1931. Nos últimos 10 anos da sua vida, foi vogal do Conselho Superior da Ordem, o mais alto organismo da instituição. Em 1910, foi nomeado secretário-geral do Governo Civil de Lisboa, cargo que manteve até 1945. Como membro do Partido Republicano Português, foi eleito deputado, em 1911, à Assembleia Nacional Constituinte pelo círculo do Funchal, o que sucedeu novamente em 1915, em 1919, em 1921 e em 1922. Nos anos 20, aquando da cisão do Partido Republicano Português, acompanhou Álvaro de Castro, aderindo ao Partido Republicano de Reconstituição Nacional, e tornou-se líder parlamentar durante o período em que aquele chefiou o Governo. Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), integrou o Corpo Expedicionário Português, como alferes miliciano de artilharia, tendo partido para a Flandres a 16 de maio de 1917. Dado como desaparecido a 9 de abril de 1918, na fatídica batalha de La Lys, foi feito prisioneiro pelos alemães, sendo conduzido, numa primeira fase, para o campo de prisioneiros de Rastatt e, posteriormente, para o de Bresen. Sobre o infortúnio do cativeiro, que partilhou com seu irmão Américo, capitão de infantaria, escreveu Jornal d’Um Prisioneiro de Guerra na Alemanha, obra dada à estampa em 1919. Conseguiria regressar a Portugal, por via terrestre, chegando a Lisboa a 6 de fevereiro desse ano. Pela bravura evidenciada na supramencionada batalha, permanecendo no seu posto apesar de já não ter munições, recebeu a medalha da Cruz de Guerra, de 3.ª classe. Durante o Estado Novo, foi acusado de não estar devidamente integrado nas doutrinas e nos processos que regiam o regime, tendo sido considerado um funcionário público (secretário-geral do Governo Civil de Lisboa) de pouca confiança, uma suspeita que resultara de um auto de averiguação instaurado após um episódio ocorrido a 1 de dezembro de 1936, na sua casa em Oliveira do Conde, concelho de Carregal do Sal, onde fora passar o dia em companhia de dois amigos de longa data, Alberto Xavier e Xavier da Silva. Procurado por uma comissão cujo fim era angariar donativos para os nacionalistas espanhóis, recusou contribuir. Não só os motivos apresentados para a recusa, mas também a intervenção oral de um dos seus amigos, Xavier da Silva, acabaram por originar uma denúncia. Se bem que Carlos tenha conseguido manter o seu cargo, Xavier acabou por ser preso, acusado de professar ideias comunistas. Além da advocacia e da política, destacou-se no campo das letras. Foi autor de vários livros, tendo publicado, além do atrás mencionado Jornal d’um Prisioneiro de Guerra na Alemanha, também as seguintes obras: A Vida Turbulenta do Padre José Agostinho de Macedo; João das Regras, Jurisconsulto e Homem de Estado; A Vida Amargurada de Filinto Elísio, que dedicou a sua filha Maria de Beneducci; e Homens, Fantasmas e Bonecos. Ficou por publicar A Vida Aventurosa de Bocage, uma obra em que trabalhou durante alguns anos. Foi igualmente diretor político do jornal A Victória, órgão do Partido de Álvaro de Castro, e colaborou em diversos periódicos, e.g.: Primeiro de Janeiro, Diário de Lisboa, e Revista da Ordem dos Advogados. Tendo o seu mérito literário sido reconhecido, foi condecorado com o grau de oficial de Santiago de Espada. Carlos Olavo de Azevedo encontra-se sepultado no cemitério dos Prazeres, em Lisboa, onde a 17 de novembro de 1958, pelas 16.30 h, teve lugar o seu funeral. Na cerimónia fúnebre, compareceram personalidades distintas, designadamente o madeirense Pedro Góis Pita (1891-1974), bastonário da Ordem dos Advogados (1957-1959), o Prof. Inocêncio Galvão Teles (1917-2010), diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, e Martin Blake, diretor do Instituto Britânico. Obras de Carlos Olavo Correia de Azevedo Júnior: Jornal d’Um Prisioneiro de Guerra na Alemanha (1919); A Vida Turbulenta do Padre José Agostinho de Macedo (1939); João das Regras, Jurisconsulto e Homem de Estado (1941); A Vida Amargurada de Filinto Elísio (1945); Homens, Fantasmas e Bonecos (1954).     Ricardo Pessa de Oliveira (atualizado a 14.12.2016)

Personalidades

áustria, maria leopoldina de

D. Leopoldina, Funchal, 1817. Arqui. Rui Carita. Em 1817, a caminho do Rio de Janeiro, a arquiduquesa D. Maria Leopoldina de Áustria, futura imperatriz do Brasil, foi pomposamente recebida no Funchal. As obras efetuadas para receber a princesa marcariam o imaginário funchalense, levando à reforma da baixa da cidade e à construção da Entrada da Cidade. Palavras-chave: Brasil; Cais regional; Entrada da cidade; Património; Transportes marítimos; Urbanismo. A passagem da corte portuguesa para o Brasil acarretou profundas alterações na articulação dos vários domínios portugueses e, uma vez mais, privilegiou a ilha da Madeira como especial nó de comunicações no quadro do Atlântico, inclusivamente por uma importante parte da correspondência se processar por Londres, dado o domínio britânico quase absoluto dos transportes marítimos. A importância estratégica da localização da ilha da Madeira levara já à necessidade da sua ocupação por forças britânicas, em 1801-1802 e em 1807-1814 (Ocupações britânicas), conservando-se o seu valor nos anos seguintes. A 20 de março de 1816, D. Maria I (1734-1816) falecia no Rio de Janeiro, no palácio da Boavista, com a avançada idade de 81 anos, tendo chegado ao Funchal, em outubro, “a infausta notícia da morte da Augustíssima Senhora Rainha Dona Maria Primeira”, pelo que tanto o governador, Florêncio José Correia de Melo (c. 1760-c. 1825) (Melo, Florêncio José Correia de), como o administrador apostólico, D. Fr. Francisco Joaquim de Meneses e Ataíde (1765-1828), bispo de Meliapor (Ataíde, D. Fr. Joaquim de Meneses e), manifestaram os seus sentimentos de pesar, a 18 desse mês, à corte do Rio de Janeiro (ABM, Governo Civil, liv. 200, fl. 24v.). Embora a saúde de D. João VI (1767-1826) não fosse então a melhor, assunto inclusivamente comunicado ao governador da Madeira, efetuou-se a aclamação a 7 de abril e fizeram-se nos meses seguintes uma série de alterações na estrutura governativa da corte do Brasil. Uma das primeiras medidas que se impunha era a consagração de seu filho D. Pedro de Alcântara (1784-1834) como príncipe herdeiro, o qual começou a usar o título de príncipe real do Reino Unido de Portugal, do Brasil e Algarves, assim como o de duque de Bragança. Deixava de se utilizar o título de príncipe do Brasil, criado no tempo de D. João IV (1604-1656) e não compatível com a nova dignidade de reino atribuída ao Brasil, mas mantinha-se o título de príncipe da Beira para os primogénitos dos anteriores príncipes do Brasil, como estipula o alvará assinado no Rio de Janeiro, a 9 de janeiro de 1817. Nesta sequência, impunha-se o casamento de D. Pedro, de acordo com a situação de príncipe herdeiro. No complexo quadro do xadrez europeu da época, a escolha recaiu sobre a arquiduquesa de Áustria, Maria Leopoldina Carolina Josefa (1797-1826), que a documentação regista então como Carolina Josefa Leopoldina. A princesa era filha do último Imperador do sacro império germânico, Francisco II (1768-1835), e irmã mais nova da Imperatriz Maria Luísa (1791-1847), casada com o ex-Imperador Napoleão Bonaparte (1769-1821). Em breve, uma embaixada austríaca deslocava-se de Trieste para o Rio de Janeiro, com o barão de Neveu como embaixador, “encarregado por Sua Alteza, o Imperador (Francisco II), de uma missão” especial, como escreve o governador Florêncio José de Melo. O barão era acompanhado ainda pelos condes de Schonfeld e de Palphy, o barão de Hugel e um secretário, tendo todos ficado hospedados em S. Lourenço, nas 24 horas que se demoraram no Funchal (ABM, Governo Civil, liv. 202, fl. 67). Após as negociações desta embaixada no Rio de Janeiro, ficou estipulado que a princesa teria de embarcar no porto de Leorne, em Itália, e de fazer escala na Madeira a caminho daquela cidade. O assunto foi comunicado ao governador no mês de janeiro seguinte e novamente em abril, embora o embarque só viesse a ocorrer em agosto. Nesse último aviso, voltava-se a informar que a “sereníssima senhora arquiduquesa Carolina Josefa Leopoldina deve chegar nos finais de julho ou inícios de agosto” à ilha da Madeira, para o que se deveria preparar com o devido “asseio e arranjo na casa do Governo” instalações para a princesa, assim como “uma ponte para o cómodo e decente desembarque da mesma augusta senhora” (Ibid.). O governador e a Câmara teriam sido bastante munificentes nos preparativos para a receção da princesa e os trabalhos levados a efeito marcariam a entrada da cidade para as décadas seguintes (Entrada da Cidade). A Câmara do Funchal procedeu mesmo à emissão de um edital para que todos os moradores pintassem os frontispícios das casas por onde iria passar a princesa: travessa da Saúde, depois avenida Zarco, rua do Capitão, largo da Sé, Passeio Público e largo do Chafariz (que ficava junto do antigo Convento de S. Francisco, depois integrado na avenida Arriaga). O major Paulo Dias de Almeida (c. 1778-1832) deverá ter estudado a estrutura do improvisado cais de desembarque, que reproduziu na sua Descrição da Ilha da Madeira, junto à fortaleza e palácio de S. Lourenço. A montagem do arco triunfal foi executada pelo Eng. camarário Vicente de Paula Teixeira (1785-1855), em armação de madeira recoberta a ramagens, e a expensas da Câmara municipal do Funchal, como era hábito, embora e para tal esta tivesse de pedir um empréstimo à Junta da Fazenda, dadas as despesas que se haviam feito com as exéquias da Rainha e com a aclamação de D. João VI. A obra foi encomendada a Joaquim José da Silva, “quartel mestre do Batalhão e morador ao quartel de S. João Evangelista”, tendo custado 1:500$000 réis (Ibid., Governo Civil, liv. 200, fls. 116v.-117). Os trabalhos para esta receção foram a base da futura reestruturação da Entrada da Cidade, depois levantada entre os anos 1838 e 1839, assim como do futuro cais da cidade, já só levantado quase nos finais do séc. XIX. A armada que conduzia a princesa era composta pelas naus portuguesas D. João VI e S. Sebastião, e pela fragata austríaca Augusta, comandada pelo Cap. de mar e guerra Henrique José de Sousa Prego (1768-1847), que voltaria a estar na Madeira com a armada absolutista do infante D. Miguel (1802-1866), em 1828. A armada de D. Leopoldina ancorou pela manhã do dia 11 de setembro, muito depois da previsão que havia sido feita no Rio de Janeiro. A comitiva da princesa trazia os portugueses marqueses de Castelo Melhor, os condes da Lousã e o conde de Penafiel. Da parte austríaca, vinham o príncipe de La Tour e Taxis, os condes de Bellergarde e de Krassischs, as condessas de Kunburgo, Sarentheim e Lodron, assim como o embaixador da Áustria no Brasil, o conde de Eltz, além de 11 criados, entre os quais a ama da princesa, também todos austríacos. A princesa D. Leopoldina desembarcou logo nesse dia, “ocultamente na Pontinha, a passear aí um pouco” (AHU, Madeira, doc. 3978) e oficialmente, às 16.00 h no novo cais da cidade, como regista Armand Julien Palliere (1784-1862), que integrava a comitiva da princesa (PALLIERE, 1817, ilust. n.º 14). Foi então conduzida debaixo de pálio pelo corregedor, o juiz de fora e os vereadores à Sé, onde lhe foi cantado um “pequeno Te Deum”, pernoitando em S. Lourenço. Nessa noite, ainda lhe foi dedicado no Passeio Público “um hino Leopoldino”, composto pelo bispo de Meliapor para a banda de música do Batalhão de Artilharia, “de que S.A.R. se agradou muito”, como depois refere o próprio prelado (AHU, Madeira, doc. 3978). No dia seguinte, dia 12, às 08.00 h, assistiu à missa celebrada pelo prelado, saindo a cavalo uma hora depois para, a convite de João de Carvalhal (1778-1837) (Carvalhal, 1.º conde), visitar a quinta do Palheiro Ferreiro, onde jantou e foi retratada. Reservou a tarde desse dia para visitar a quinta do Vale Formoso, então residência do bispo de Meliapor, onde passeou, merendou e teria sido de novo retratada. No dia 13, subiu ao Monte também a cavalo, onde às 08.00 h assistiu à missa na igreja matriz, percorrendo depois algumas quintas dos arredores. Lanchou na quinta do Prazer, então propriedade do comerciante inglês Robert Page (1775-1829), após o que se retirou para a cidade, embarcando às 15.00 h. A armada saiu pela meia-noite desse mesmo dia, deixando duas âncoras no porto. O governador pediu ao seu oficial de ordens, o Maj. José Caetano César de Freitas, para incorporar a comitiva, a fim de apresentar no Rio de Janeiro, em nome da Madeira, as felicitações ao príncipe real D. Pedro por ocasião “dos Reais Esponsórios, em que tanto se interessa a Lealdade Portuguesa”, tendo também acompanhado a princesa o capitão do porto do Funchal, Francisco da Silva Brandão Banhos (ABM, Governo Civil, liv. 202, fls. 71v.-72). Entre as ofertas enviadas para os noivos, o madeirense Manuel de Sousa lembrou-se de enviar um presépio-caixa em madeiras locais com imagens de barro policromadas também de execução local (Presépios e registos). Em todos estes lugares, a princesa teria sido recebida o melhor possível, levando da Madeira uma série de recordações mais ou menos exóticas e, inclusivamente, presentes de casamento para si e para o príncipe D. Pedro, e obtendo ainda, depois no Rio de Janeiro, o retrato que fora pintado no Funchal, pois não teria havido suficiente tempo para secar. A esquadra “foi abundantemente fornecida de todos os refrescos e mantimentos pedidos para consumo da Orcharia [sic] de S.A.R.”, como para provimento dos navios de guerra. Como retribuição, a princesa entregou 200 “moedas de ouro para os pobres”, que o bispo de Meliapor distribuiu pelo Recolhimento do Bom Jesus, pelo Convento das Mercês, pelo hospital e ainda pelos párocos da Sé, de S. Pedro, de Santa Maria, de Santa Luzia, do Monte e de Camacha, assim como ainda “distribuiu outras mais avultadas a pessoas particulares”, como informou o bispo para o ministro e secretário de Estado D. Miguel Pereira Forjaz (1769-1827), a 22 e 23 de setembro desse ano (AHU, Madeira..., docs. 3978-3979). Da passagem da então princesa Leopoldina pelo Funchal, ficaram dois retratos que têm sido atribuídos a João José Nascimento, aluno de Joaquim Leonardo Rocha (1756-1825), em tudo idênticos, somente diferindo nas legendas: um foi pintado na quinta do Vale Formoso, exemplar que se encontra no Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro, e o outro teria sido pintado na quinta do Palheiro Ferreiro. O exemplar do Rio de Janeiro ter-lhe-á sido enviado pelo bispo de Meliapor, que tinha então residência naquela quinta, conforme consta da legenda: “Arquiduquesa Leopoldina, Princesa Real do Reino-Unido de Portugal, Brasil e Algarves, Etc. Passeando na Quinta do Vale Formoso, morada atual do Bispo presente na ilha da Madeira, em 12 de Setembro 1817” (MHNRJ, inv. 464). A legenda do outro exemplar é encimada por um menino hasteando uma bandeira com as armas do Funchal, onde se informa: “Arquiduquesa Leopoldina Princesa Real do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve na quinta do Palheiro de Ferreiro na ilha da Madeira, 12 de Dezembro de 1817” (SAINZ-TRUEVA, 1999, 62). Este exemplar foi, em princípio, mandado pintar por João de Carvalhal, então presidente da Câmara do Funchal, foi propriedade dos condes da Calçada, passando depois a Júlio Barros e tendo ido a leilão em maio de 1991, em Lisboa. O pintor Armand Julien Palliere deverá ter estabelecido contactos com o Maj. Paulo Dias de Almeida e, provavelmente, também com o Eng. Vicente de Paula Teixeira, que trabalhava quase em parceria com o major. Do álbum de pequenas aguarelas que dedicou à princesa, constam diversos trabalhos feitos no arquipélago, como “Desertas ao pôr-do-Sol”, feita a 5 de setembro; “Vista da Ilha do Porto Santo”, de 7 do mesmo mês, “Vista da Ilha da Madeira defronte da cidade do Funchal”, o já citado “Desembarque de SAR”, do dia 11, “Viloens da Ilha da Madeira vindos d’Oeste: O Vilão com o Odre em que carrega o Vinho, admira o outro, por que poucas vezes aparecem na cidade e andão diariamente com hum pé calçado e outro descalço para lhe durar mais as botas”, sem data, “Vista do Embarque da Princeza”, de 13 de setembro, e a planta da cidade com “Explicação das Praças e principaes Edificios”, sem data. Se a maioria são observações “do natural”, como o mesmo escreveu na abertura do álbum, as informações sobre os vilões e a especificação do “pé calçado e outro descalço para lhe durar mais as botas”, tal como a planta do Funchal com a “Explicação das Praças e principais edifícios”, parecem remeter muito diretamente para a Descrição de Paulo Dias de Almeida, aliás datada também desse ano de 1817 (BNP, Res., cód. 6705). A chegada da princesa ao Rio de janeiro foi comunicada ao Funchal a 5 de novembro e, alguns dias depois, em carta do Rio de Janeiro de 12 desse mês, o bibliotecário do paço, Luís Joaquim dos Santos Marrocos, informava o pai, Francisco dos Santos Marrocos, em Portugal, da chegada da princesa, e de que, “na ilha da Madeira demorou-se três dias, donde trouxe grande quantidade de macacos, papagaios, etc.” (BNA, Ms. 54-VI-12, nº 109, doc. 2). Como pormenor, alguns anos depois, os cónegos da Sé pediam para se registar o alvará em que a princesa do Reino Unido, em retribuição da visita que fizera à Sé do Funchal, concedera “a todos os cónegos colados” que passassem “a ser tratados por Senhoria”, o que foi confirmado por aviso régio de 5 de julho de 1824 (ANTT, Ministério do Reino, mç. 498). Entretanto, a 15 de novembro de 1817, o comerciante inglês Robert Page havia sido condecorado com o grau de cavaleiro honorário da Ordem Militar da Torre e Espada. Tratando-se da mais elevada ordem honorífica portuguesa, especificamente militar e destinada a galardoar nacionais por altos feitos em combate, o facto de uma distinção destas ser outorgada a um comerciante britânico leva a supor que estes assuntos terão sofrido algumas alterações no Brasil. Mais tarde, tanto o governador Sebastião Xavier Botelho (1768-1840) (Botelho, Sebastião Xavier) como os seus sucessores viriam a bater-se pela elevação do grau da condecoração de Page, mas os pareceres da corte, já em Lisboa, seriam sempre negativos. A princesa Maria Leopoldina não teve uma vida fácil na complexa corte do Rio de Janeiro, especialmente face às liberdades do marido, que manteve as várias ligações anteriores, embora tenha sido mãe da Rainha D. Maria II (1819-1853), do futuro Imperador D. Pedro II (1825-1891) e de mais 5 filhos. Viria a falecer no Rio de Janeiro, como Imperatriz, a 11 de dezembro de 1826, correndo várias versões sobre as razões do prematuro falecimento. Nos inícios de 1827, quando D. Manuel de Portugal e Castro (1787-1854) (Castro, D. Manuel de Portugal e) se encontrava a terminar o seu governo na Madeira, e a infanta D. Isabel Maria (1801-1876) chefiava o novo Governo constitucional, chegaria a notícia do falecimento da Imperatriz no Brasil, enviada do palácio da Ajuda, em Lisboa, com data de 9 de março. O Imperador D. Pedro voltaria a casar-se, então com a princesa D. Amélia de Beauharnais, duquesa de Leuchetenberg (1812-1873), e teria mais uma filha, nascida em Paris: a princesa D. Maria Amélia de Bragança (1831-1852). O então duque de Bragança já não gozaria da melhor saúde; a filha viria a contrair tuberculose e, indo com a mãe para o Funchal, pereceria na então quinta das Angústias, depois quinta Vigia (Quinta Vigia). A Rainha D. Maria II, muito afeiçoada à ex-Imperatriz do Brasil, mandaria o ex-governador D. Manuel de Portugal e Castro ao Funchal para apresentar condolências e acompanhar até Lisboa D. Amélia de Leuchetenberg e os despojos da princesa.   Rui Carita (atualizado a 14.12.2016)

Personalidades

araújo, alberto henriques de

Fig. 1 - Alberto Araújo em 1930. Fonte: Museu Photographia “Vicentes”   Notabilizou-se como advogado, orador, director do Diário de Notícias do Funchal, presidente da Associação Comercial e Industrial do Funchal e deputado, tendo, nesta última qualidade, representado Portugal em várias reuniões da NATO. A 16 de outubro de 1992, foi-lhe atribuída a medalha de ouro da Ordem dos Advogados. Palavras-chave: Deputado, Diário de Notícias do Funchal, Associação Comercial e Industrial do Funchal, Assembleia Nacional; Ordem dos Advogados.     Alberto Henriques de Araújo nasceu na freguesia de São Pedro, no Funchal, no dia 3 de março de 1903; era filho de João Isidoro de Araújo Figueira, natural de Câmara de Lobos, e de Virgínia Henriques de Araújo. Casou-se com Vera Bettencourt da Câmara, filha de António Bettencourt da Câmara e de Joana Sultana Abudahram. Concluiu o curso liceal no Funchal e matriculou-se depois na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, tendo sido presidente da Associação Académica e aluno de António de Oliveira Salazar. Licenciou-se em 1925. Foi Advogado, jornalista e político, destacando-se como orador. Dirigiu, de 31 de março de 1931 a 10 de maio de 1974, o Diário de Notícias do Funchal, que era propriedade da firma Blandy Brothers, de que foi advogado. Fez parte da União Nacional, presidindo, por seis vezes consecutivas, à comissão distrital do Funchal. De 1945 a 1969 foi deputado à Assembleia Nacional pelo círculo do Funchal, após a saída de seu irmão, Juvenal Henriques de Araújo. Fez parte da comissão de Trabalho, Previdência e Assistência Social, da comissão de Finanças e da comissão dos Negócios Estrangeiros, representando Portugal em diversas reuniões da NATO, na Europa e nos Estados Unidos. A sua ação parlamentar foi bastante relevante, intervindo a propósito da celebração de acordos internacionais e sobretudo na defesa dos interesses da Madeira, e abordando questões importantes como o turismo, as comunicações, a proteção à agricultura, a construção de infraestruturas (estradas, porto do Funchal e aeroporto), o repovoamento florestal, entre outras. Foi ainda membro do Conselho de Administração da Madeira Wine Association e do Reid´s Hotel, e presidente da Associação Comercial e Industrial do Funchal (1963-1974) e, por inerência deste cargo, membro do Conselho de Turismo. Fez ainda parte do Conselho Municipal e da Junta Autónoma dos Portos. Foi condecorado pelo Governo português, por Espanha, em 1936, e por França, em 1939 e 1955. A 16 de outubro de 1992, foi-lhe atribuída a medalha de ouro da Ordem dos Advogados. Faleceu no Funchal, a 28 de outubro de 1997.   Gabriel Pita (atualizado a 14.12.2016)

Personalidades

almeida, luís beltrão de gouveia e

O governo do Gen. Luís Beltrão de Gouveia e Almeida, nascido por volta de 1750, caracterizou-se por uma intensificação das dificuldades com as forças britânicas, que permaneciam na Ilha mesmo depois do retorno à soberania portuguesa e da assinatura dos acordos de paz com a França (Guerras napoleónicas; Ocupações inglesas). A época marcou o início de uma certa retração económica da Madeira no quadro do Atlântico, de que resultou também um menor interesse na posição estratégica da Ilha, pelo que os interesses ingleses e norte-americanos se transferiram para outros locais, como os vizinhos arquipélagos das Canárias e dos Açores. Acrescia que, com a presença das forças britânicas na Madeira, ficaram patentes uma série de problemas económicos e sociais e os atritos no relacionamento com a Igreja Católica, dificuldades que não deixaram de aumentar durante esses anos. O Gov. Pedro Fagundes Bacelar de Antas e Meneses (c. 1760-1813) (Meneses, Pedro Fagundes Bacelar de Antas e), após quatro anos de difícil governo, sofreu, a 4 de maio de 1813, “um ataque de paralisia” que lhe afetou o lado direito (AHU, Madeira e Porto Santo, docs. 3197-3198), ficando o governo entregue ao velho secretário João Marques Caldeira de Campos (c. 1760-1814), que estava em São Lourenço há 35 anos. A 4 de julho, o governador ainda mandou escrever que estava a recuperar e, optando por um período de recuperação em Lisboa, acabou por ali falecer a 1 de novembro seguinte. O Governo português, então no Rio de Janeiro, já a de 30 de janeiro de 1813 nomeara como governador o Ten.-Gen. Luís Beltrão de Gouveia e Almeida (c. 1750-1814), com patente de governador da Madeira e do Porto Santo por três anos. O tenente-general tinha foro de fidalgo da Casa Real e iniciou o seu notável percurso na Campanha do Rossilhão, para onde fora destacado em 1793, regressando em 1795, depois do que foi promovido a coronel. Em 1799, foi comandar as tropas de São Salvador da Baía, capital do Reino do Brasil, com a patente de marechal, assumindo logo funções de inspeção-geral. Regressado ao continente, foi promovido a tenente-general do Exército em 1805 e, no ano seguinte, nomeado governador da Beira, no âmbito de cujas funções ficava encarregado de mudar o quartel-general da praça de Almeida e o regimento de Penamacor para Viseu, seguindo depois com a corte para o Brasil. Luis Beltrão de Gouveia de Almeida. 1814. A 23 de abril de 1813, o Ten.-Gen. Luís Beltrão foi avisado para comparecer, a 27 seguinte, “às dez horas da manhã”, no paço do Rio de Janeiro, “para dar nas Reais Mãos” juramento de menagem pelo “governo de capitão da ilha da Madeira” (ABM, Governo Civil, liv. 200, fl. 4v.). O novo governador chegou ao Funchal a 7 de agosto – “depois de uma longa, mas feliz viagem” – e tomou posse no dia 10 seguinte na Câmara do Funchal, para a qual já no dia anterior tinha enviado a sua carta régia para transcrição (Ibid., liv. 202, fl. 1). Somente a 22 de março do ano seguinte, demonstrando já algum distanciamento de certas práticas anteriores, entrou como “irmão protetor e presidente” da Confraria de N.ª Sr.ª da Soledade do Convento de S. Francisco do Funchal (ABM, Governo Civil, liv. 235, fl. 7), coisa que os seus antecessores tinham feito quase logo após tomar posse.     Armas de Luís Beltrão de Gouveia de Almeida. 1814.   Chegado à Madeira, o novo governador tratou de montar o seu gabinete, pedindo a presença, como ajudante de ordens, do Cap. Joaquim de Freitas e Aragão, e, tal como os seus antecessores, comunicou imediatamente ao Rio de Janeiro as informações obtidas acerca da situação na Europa. Assim, a 10 de setembro, escrevia que “parece que os soberanos da Europa vão conhecendo à sua própria custa o despotismo da França”. Nessa altura, enviou para o Rio de Janeiro várias “folhas” inglesas, incluindo o periódico Star, de 21 de agosto, cuja leitura permitia depreender que Napoleão pretendia “vir a Espanha, reparar as perdas que fez seu irmão, e erros dos seus marechais”; Luís Beltrão rematava: “Agora, porém, com esta notícia do armistício roto, não lhe falta sarna com que se coce no Norte” da Europa (Ibid., liv. 202, fl. 2). A partir de 1812, desenvolveu-se na Ilha uma forte reação contra a presença inglesa, chegando mesmo, nos inícios desse ano, a pensar-se em enviar o Cor. Alberto Andrade Perdigão ao Rio de Janeiro para expor a situação, aproveitando a Câmara do Funchal a ida do coronel à corte para apresentar ali alguns assuntos e atribuindo-lhe para isso, inclusivamente, um subsídio de 1600$000 réis (ABM, Câmara Municipal do Funchal, Vereações, liv. 1367, fl. 88); todavia, a deslocação não se concretizou. Ao fim de quatro meses na Ilha, a 1 de novembro, Luís Beltrão elaborou o ponto da situação militar insular, apresentando o que denominou por “considerações” para salvar a colónia “das mãos dos Ingleses”, uma vez que estes “já a devoram, com as suas vistas e medidas ambiciosas, enquanto não podem de outro modo” fazer, pois “aspiravam à sua posse absoluta” (ABM, Governo Civil, liv. 202, fls. 5v.-10). Assim, os Ingleses controlavam nessa altura toda a estrutura militar, tal como fizera Napoleão em Espanha e em Portugal, corrompendo mesmo “alguns desgraçados Portugueses”. Como exemplo, apresentava o Ten. Alexandre Teles de Meneses, filho de uma Inglesa “e péssimo Português, vendido aos Ingleses”, que nos anos seguintes não deixaria de criar problemas. O oficial empenhara-se em obter para os comandos ingleses – tanto para Robert Meade (1772-1852) como para Hugh Mackay Gordon (1760-1823) – informações sobre os vários trabalhos de levantamento das costas da Madeira efetuados pelo Cap. Paulo Dias de Almeida (c. 1778-1832). Por esse serviço, Teles de Meneses “recebia 30$000 réis por mês, para fornecer as plantas”, entretanto copiadas pelo “paisano” Vicente de Paula Teixeira (1785-1855). Tenente-General Hugh Mackay Gordon-1823. Arquivo Rui Carita.     No “empenho” e no “mistério e na despesa” aí envolvidos, aos quais se uniam a “corrupção e compra dos seus assalariados”, não podia estar outra coisa senão um “interesse oculto” dos Ingleses em possuir todos os elementos necessários a uma mais profunda ocupação e domínio da Madeira (ABM, Governo Civil, liv. 202, fls. 5v.-10).       Charles Stuart-George Hayter-1830. Arquivo Rui Carita   Em relação ao contingente militar da Ilha, que lhes poderia resistir, tinha sido opção inglesa a sua diminuição (com o objetivo de o aumentar posteriormente, caso isso fosse favorável aos Ingleses). Luís Beltrão dava como exemplo a atitude do Gen. Robert Meade, anterior comandante das forças inglesas, que instara junto de Charles Stuart (1779-1845) – futuro conde de Machico e embaixador inglês na corte do Rio de Janeiro – para que se efetuasse um recrutamento de 3000 homens para o Exército de Portugal. Além disso, o governador anterior tinha entregado, lamentavelmente, o comando dos regimentos de milícias aos Ingleses, deixando assim que o comando dos regimentos dependesse deles; num quadro destes, o governador não sabia atempadamente quando se reuniam as milícias, por que o faziam, as ordens que tinham e o destino que se lhes dava. A despesa feita pela Fazenda portuguesa com a tropa inglesa, até ao final do ano de 1812, tinha ascendido aos 85.977$299 réis. A 5 e a 25 de novembro de 1813, Luís Beltrão enviou dois extensos relatórios sobre o “estado da agricultura da Madeira e as formas de promover o seu desenvolvimento”, o tipo de terrenos da Ilha e os aspetos do clima, por vezes sujeito a intensos nevoeiros que tornavam a subsistência difícil, pois “as névoas de S. João tiram o azeite e não dão pão”. A principal questão colocada era a da dificuldade dos caminhos – referindo o governador “que não uso o termo estradas, porque não existem” – a que acresciam os problemas das águas, da reflorestação dos picos da Ilha e do direito de propriedade dos terrenos. Escreve o governador que “todo o terreno desta Ilha, com pouquíssimas, ou talvez nenhumas exceções, tem três donos”: o primeiro dono era o senhor direto (quando havia emprazamento, o que raras vezes acontecia); o segundo era o senhor útil (quando o terreno não caía em comissão, o que também poderia acontecer); o terceiro era o colono, aquele que “cultiva de meias” o terreno (AHU, Madeira e Porto Santo, doc. 3281). Estrada Norte da Ilha. Paulo Dias de Almeida. 1828   Curiosamente, e ao contrário do modo de ver do Gov. João António de Sá Pereira (1719-1804) (Pereira, João António de Sá), em meados do século anterior, Beltrão de Gouveia considera que o colono é o que tira maior benefício do solo, “porque come e cria todo o ano, de que não paga meação, porque só a devem dos géneros da colheita”. Acrescenta, no entanto, que “o colono é quase um servo da gleba, sem o saber e sem o ser por lei”. Como remate, o governador insiste no sistema de levadas (Levadas), sobre o qual deverá incidir um maior investimento insular, inclusivamente sob os auspícios da Fazenda Real (algo que só viria a acontecer algumas décadas mais tarde). Como refere o governador, enquanto a Ilha estiver enfeudada à “prestação à Inglaterra”, ele próprio não se arrisca a uma proposta desse género (AHU, Madeira e Porto Santo, doc. 3281). Foi certamente nos inícios da construção do sistema de levadas que Beltrão de Gouveia encomendou a Paulo Dias de Almeida um estudo sobre a possibilidade de uma estrada que atravessasse a Ilha de Norte a Sul, desde a calçada de N.ª Sr.ª do Monte até às planícies das “freguesias do Norte, Porto da Cruz, Faial e Santana”, que o governador enviou a 24 de setembro de 1813, juntamente com um orçamento de 24.254$700 réis, tendo também começado a reunir várias informações sobre as levadas da ilha da Madeira (AHU, Madeira e Porto Santo, docs. 3282-3284), e cuja planta ficou conservada nos arquivos militares (DSI, GEAEM, cota 1337-1A-12-15). Neste contexto, nos inícios de dezembro de 1813, convocava a primeira reunião da Junta de Melhoramentos da Agricultura, estrutura anteriormente concebida, mas que ainda não havia sido possível reunir efetivamente. A principal tarefa de Luís Beltrão de Gouveia foi, no entanto, a de tentar travar a tentativa de implantação, na Ilha, de uma estrutura militar completamente controlada pelo comando inglês. Durante este período, o Cor. Gordon pressionara o governador por diversas vezes, no sentido de obter, para os oficiais que considerava afetos à Inglaterra, os lugares cimeiros nos principais corpos militares. Usando os mais diversos subterfúgios, Beltrão de Gouveia conseguiu sempre furtar-se às nomeações em causa. Nesse quadro de contínuo conflito, em meados de dezembro de 1813, o governador voltava a defrontar-se com o comandante inglês. De facto, tendo sido determinadas as salvas de ordenança pelas fortalezas do Funchal comemorativas do “dia de aniversário de Sua Majestade a Rainha” D. Maria I, o Cor. Gordon não as autorizara na totalidade. Como depois o governador informa para o Rio de Janeiro, encontrar-se-ia doente a mulher do médico inglês Shanthear e, para seu espanto, somente salvou a fortaleza do Ilhéu e metade do que lhe competia (ABM, Governo Civil, liv. 202, fl. 17), não tendo salvado a fortaleza do Pico , como também lhe competia. No final do mês, outro acontecimento veio azedar ainda mais as relações entre o governador e o Cor. Hugh Gordon. O Conselho de Guerra inglês condenara à morte um soldado que assassinara, num ato de insubordinação, um sargento. Ao saber do ocorrido e na iminência da execução, o Gov. Beltrão de Gouveia intercedeu junto do Cor. Hugh Gordon, referindo os inconvenientes de tal atitude, mostrando-lhe que essa execução “ofendia os direitos territoriais do soberano português, lembrando-lhe que Luís XIV expulsara a Rainha Cristina da Suécia, por mandar enforcar o seu secretário, quando se achava viajando naquele país e que no Rio de Janeiro, os senhores almirantes ingleses Curry e Dickson, respeitando o território português, mandavam cumprir as execuções capitais no alto do mar, a bordo de um navio de guerra” (ABM, Governo Civil, liv. 202, fls. 19v.-20). A indicação sobre a Rainha Cristina da Suécia não estaria correta, pois o seu secretário terá morrido noutras circunstâncias (salvo se o governador soubesse de outros pormenores que não sejam do domínio público). A execução, no entanto, acabou por ser cumprida no forte da Penha de França, tendo a ela assistido o Sarg.-mor do Batalhão de Artilharia, António Fernandes Camacho, em representação do comando português. A cerimónia foi feita perante a formatura geral das forças inglesas e do regimento de artilharia português, que, em conjunto, formaram um círculo em torno do local da execução. A sentença foi lida pelo major White, “achando-se armada uma forca, tendo-se exortado o soldado que ia ser enforcado por ter matado com um tiro de fuzil ao seu sargento. Ao meio-dia em ponto se enforcou o dito soldado, estando pendurado por espaço de uma hora”. As forças militares inglesas desfilaram perante o enforcado e só depois o carrasco cortou a corda, tendo o corpo caído para um carro e sido transportado para o Convento de S. Francisco (AHU, Madeira e Porto Santo, docs. 3313-3316). A reação de repulsa a este atropelo dos direitos dos Portugueses foi tal que nos princípios do séc. XX era ainda usual voltar a cara para o lado do mar quando se passava em frente dos muros desta velha fortaleza. Agravava ainda o facto ocorrido serem raríssimas as execuções capitais na ilha da Madeira, não havendo a elas qualquer outra referência nesta época. Os problemas entre o governador e as forças britânicas continuaram a existir e, em fevereiro de 1814, surgiram novas questões envolvendo a chegada ao Funchal de mais uma brigada de peças de artilharia. Londres, em vez de retirar as suas forças da Ilha, quando já se adivinhava o colapso de Napoleão em França, ainda as reforçava com mais armamento. A reação do governador foi protelar, como podia, o despacho do armamento, mandando inspecionar demoradamente todas as embalagens. Disso mesmo se queixou o Cor. Gordon a Londres: “todos” os artigos que chegavam à Madeira, destinados às forças britânicas, eram abertos e “demoradamente” examinados, o que o general entendia ser “contra a Convenção” entre os dois Governos e portanto uma “ofensa ao Governo britânico” (RODRIGUES, 1999, 398). A zona marítima da Madeira continuava, entretanto, a ser um dos palcos privilegiados da guerra de corso que opunha as potências marítimas, lideradas pela Grã-Bretanha, às continentais, lideradas pela França. A 6 de fevereiro de 1814, nomeadamente, entravam no porto do Funchal as naus S. Paulo, espanhola, com graves avarias, e a Magestic, inglesa, sob o comando do Cap. Hayes. O Gov. Luís Beltrão informava, então, que a nau inglesa estava transformada em fragata de guerra e que trazia, aprisionada, a fragata francesa Terpsichore, assim como 320 prisioneiros franceses. A fragata francesa tinha sido tomada no espaço marítimo compreendido entre a Madeira e a ilha de Santa Maria, nos Açores, e fazia parte de um conjunto de três fragatas que tinham tomado uma galera espanhola vinda de Lima, na América do Sul (na galera espanhola viajavam o marquês e a marquesa de Lima, que morreram na viagem). Em maio desse mesmo ano, o governador dava conta de que duas fragatas francesas (provavelmente as do conjunto de que fazia parte a fragata Terpsichore) haviam metido a pique o navio Conde das Galveias e o bergantim Bom Sucesso e Dois Amigos, cujos tripulantes e passageiros acabavam de chegar à Madeira, transportados pela galera portuguesa Comerciante. Esta época marca uma nova tentativa de abertura à Rússia, com a presença habitual de navios daquela nacionalidade no porto do Funchal, tendo-se o governador inclusivamente deslocado, logo em outubro de 1813, ano da sua nomeação, num bergantim russo, o Heleno, comandado pelo Cap. Drack Maschek, com 10 pessoas a bordo, o qual levara 60 dias de São Petersburgo a Portsmoyuth e 20 dias de Portsmoyuth ao Funchal. Em finais de 1812, tinha chegado à Madeira um “cônsul Ruciano”, o cavaleiro de Borel (ABM, Governo Civil, liv. 198, fl. 79v.), o qual em 1815 seria altamente elogiado pelo bispo de Meliapor, D. Fr. Francisco Joaquim de Meneses e Ataíde (1765-1828) (Ataíde, D. Fr. Francisco Joaquim de Meneses e), vigário apostólico do Funchal. Em fevereiro de 1814, o governador informava o conde das Galveias, D. Francisco de Almeida de Melo e Castro (1758-1819), no Rio de Janeiro, que o Imperador da Rússia enviara a Henrique Correia de Vilhena Henriques (1769-c. 1830), irmão do visconde de Torre Bela (1768-1821), um magnífico anel de brilhantes em reconhecimento pelos serviços prestados em prol do estreitamento das relações comerciais entre a Rússia e a ilha da Madeira; em anexo à sua carta, envia a transcrição da carta do conde de Romanov, em francês, escrita em nome do Imperador, “mon maître” [“meu senhor”], no dizer do conde de Romanov, datada de 23 de outubro do ano anterior, bem como o anel para Henrique de Vilhena (ABM, Governo Civil, liv. 220, fl. 22v.). As relações intensificar-se-iam nos anos seguintes, com a estadia do futuro conde do Porto Santo, António de Saldanha da Gama (1778-1839), como ministro plenipotenciário na Rússia (que passaria pela Madeira entre finais de 1818 e inícios de 1819). Nos meses seguintes, avolumaram-se na Madeira as notícias das vitórias aliadas na Europa contra as forças napoleónicas, que o governador imediatamente comunicava, primeiro ao conde das Galveias e, em seguida, ao novo secretário de Estado, D. Fernando José de Portugal e Castro (1752-1817), marquês de Aguiar, na corte do Rio de Janeiro. Em abril e maio de 1814, e.g., comunicava ao Rio de Janeiro a entrada do “Exército Aliado do Norte” em Paris, os boatos de paz e as indemnizações de guerra pedidas pelos diversos Estados. Ainda nesse mês de maio, perante a confirmação da queda de Napoleão e o início das negociações de paz, o governador queixava-se da manutenção das forças inglesas na Madeira e manifestava os seus receios em relação às pretensões ocultas da Inglaterra sobre a Ilha (ABM, Governo Civil, liv. 220, fls. 21v. e 22). Na sequência das informações recebidas sobre as futuras negociações a realizar em Paris, o Gov. Beltrão de Gouveia sugeria “que Sua Alteza Real tivesse também no Congresso quem o representasse com dignidade e interesse”, pois só dessa forma poderia salvar os seus Estados “de algum sacrifício”, numa provável alusão à situação da Madeira, ocupada por forças britânicas. Os receios do governador eram mais do que justificados, tendo este chegado a sugerir que um dos aliados de Portugal fosse o Imperador da Rússia, que tinha então três navios estacionados no Funchal. O Imperador era, porém, um dos aliados preferenciais da Inglaterra, que esta respeitava mas que também temia. O príncipe regente deveria, assim, fazer-se representar “com toda a sua luz naquele Congresso” por pessoas que o fizessem “com dignidade e muita fidelidade”, assim como interessar “eficazmente na nossa causa o Imperador da Rússia, que tem em vistas um mais intensivo comércio com o Brasil e com esta Ilha” (ABM, Governo Civil, liv. 220, fls. 32v.-33). Nessa época, os navios espanhóis voltaram a fazer escala na Madeira, instalando-se novamente um consulado espanhol na Ilha. Entre problemas vários, refira-se a chegada da nau S. Paulo, comandada por D. António Pacaro. A nau arribara à Madeira devido a avarias sofridas no mar alto ao longo de uma viagem de 78 dias, encontrando-se a sua tripulação e passageiros, no total mais de 150 homens, atacados por escorbuto. Parte deles teve mesmo de ser transportada em padiolas para o Hospital da Misericórdia no Funchal. Com vista ao seu restabelecimento, o governador mandou alugar uma casa a Pedro Jorge Monteiro, afastada da cidade; e para o conserto da nau o morgado João de Carvalhal (1778-1837) (Carvalhal, 1º conde de) mandou cortar madeira nas suas vastas propriedades, e “não aceitou [o] preço dela” (ABM, Governo Civil, liv. 220, fls. 29v.-30v.). Por outro lado, voltava a assumir um certo protagonismo o consulado norte-americano, cujo cônsul, Diogo Leandro Cathecart, se queixava, nos inícios de junho de 1814, de que a escuna britânica Ecclipse arvorara o pavilhão dos Estados Unidos por baixo do pavilhão inglês. De facto, “no dia 4, aniversário de Sua Majestade britânica, lembrou-se Guilherme Corneille”, comandante da referida escuna, de hastear desse modo as bandeiras. O governador refere que o assunto não tinha sido senão uma brincadeira, mas não deixava de ser uma ofensa à nação norte-americana. Na mesma altura, o cônsul comunica ao governador o interesse de um comerciante residente em Lisboa, Nicolau George Querk, “irlandês de um excelente carácter”, em adquirir alguns terrenos na Madeira, e também os receios que havia sobre as intenções inglesas a respeito da Ilha (ABM, Governo Civil, liv. 220, fl. 36).   George Day Welsh Também por essa altura, o governador informava o Rio de Janeiro de uma nova forma de posicionamento dos Ingleses na Ilha, que até essa data não tinha sido muito notória, mas que não escapara a Luís Beltrão, algo que, segundo o governador, “prova alguns temores que tenho exposto nos ofícios que tenho enviado a V. Ex.ª” (ABM, Governo Civil, liv. 220, fls. 30v.-31). O assunto dizia respeito a D. Vicência de Freitas, filha de uma irmã do visconde de Torre Bela e viúva do Ten.-Cor. Francisco Anacleto de Figueiroa (c. 1760-1812), por sua vez primo de D. Antónia Basília de Brito Herédia, mulher de D. António de Saldanha da Gama (1778-1839), então ministro português na Rússia e futuro conde do Porto Santo. D. Vicência contraíra matrimónio com o súbdito inglês George Day Welsh (1776-c. 1830), natural dos Estados Unidos e residente na Ilha pelo menos desde 1808. O casamento ocorrera a bordo de uma nau inglesa, ao largo do Funchal, e segundo o rito anglicano, visto o bispo vigário apostólico do Funchal e o núncio de Lisboa se terem negado a conceder as necessárias licenças. Os nubentes haviam embarcado na nau e, “passadas quatro horas, voltavam ao porto” (Ibid.), casados. Acrescentava Luís Beltrão que “nem o visconde, nem outros poucos parentes aprovavam tal casamento e suas circunstâncias” (Ibid.); no entanto, os outros parentes (pelos vistos, a maior parte), sendo do seu interesse, não se importariam. Acontecia que George Welsh mantinha, por vezes, longas demandas com a vereação camarária, como acontecera em 1812, quando acusou o guarda da bandeira e intérprete da Casa da Saúde, José Joaquim da Costa, de carregar carne salgada em dois navios espanhóis que estavam de quarentena. Como alertava o governador, a comunidade inglesa começava, deste modo, a adquirir um vasto património imobiliário, o que envolvia problemas vários, entre os quais os decorrentes da venda de capelas, v.g., a capela pertencente a Bento da Veiga, fundada em 1580, em cujo terreno, adquirido pelo comerciante Robert Blackburn, teria origem a quinta da Palmeira, desaparecendo a capela. Ora, tais aquisições não se haviam registado até então, e os comerciantes estrangeiros não recusavam agora, inclusivamente, casar-se com elementos das principais famílias locais. Em meados desse ano de 1814, dois acontecimentos vieram, entretanto, possibilitar a alteração da forma de posicionamento do governo da Ilha em relação às pretensões inglesas. Em finais de janeiro, tinha adoecido gravemente o secretário do governador, João Marques Caldeira de Campos, uma das figuras mais importantes da Ilha e o grande apoio dos governadores anteriores. O secretário encontrava-se na Madeira há 36 anos e era um profundo conhecedor dos problemas da Ilha. No ano anterior, aquando da doença de Pedro Bacelar, assumira inclusivamente o gabinete do governador e tinha tido o cuidado de informar a corte do Rio de Janeiro de que essa seria a solução ideal até ser nomeado um novo governador, pois sobre a nomeação de um governo interino não tinha quaisquer dúvidas: “Que Deus nos livre” (AHU, Madeira e Porto Santo, doc. 3197). Luís Beltrão não teve outra hipótese senão nomear um novo secretário interinamente, Gaspar Pedro de Sousa e Almada. Infelizmente, a doença era irreversível e a 5 de março o velho secretário falecia, pelo que o governador pediu a nomeação definitiva de Sousa e Almada, a que a corte anuiu a 6 de junho. A comunicação, com data de 10 do mesmo mês de junho, chegou ao Funchal a 9 de agosto de 1814, com uma rapidez muito pouco usual. Às duas horas da madrugada de 28 de junho de 1814, no palácio de S. Lourenço, repentinamente (o que gerou alguma celeuma), o Gov. e Cap.-Gen. Luís Beltrão de Gouveia e Almeida era “atacado de uma fortíssima apoplexia” que o levaria “à eternidade” a 1 de julho. Foi sepultado na capela do Santíssimo da Sé do Funchal (ABM, Governo Civil, liv. 220, fls. 38v.). Aparentemente, abria-se uma brecha nas autoridades superiores da Madeira e seria de esperar que o comando inglês aproveitasse de imediato a situação para alargar a sua influência. No entanto, não foi isso que aconteceu, pois o governo interino não autorizou este tipo de manobra por parte do comandante inglês, além de que uma nova convenção, assinada com o Governo inglês, cessara com a paz recentemente assinada.   Rui Carita (atualizado a 03.01.2017)

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