Mais Recentes

guarda republicana

A Guarda Republicana nasceu com a implantação da República, incorporando a antiga Guarda Municipal de Lisboa e Porto, essencialmente com funções de policiamento urbano (Polícia de Segurança Pública), cujo nome passou a ser Guarda Republicana de Lisboa e Porto, por decreto de 3 de maio de 1911 (República). De notar que a Guarda Municipal fora a última força monárquica a render-se aos republicanos, sendo, por isso, curioso o facto de se ter transformado talvez na única instituição pública portuguesa com o título de “republicana”. Tratava-se de uma força de segurança composta por militares e organizada num corpo especial de tropas. Em tempo de paz, dependia do ministério responsável pela segurança pública para efeitos de recrutamento, administração e execução dos serviços correntes, e do ministério responsável pelos assuntos militares para efeitos de uniformização e normalização da doutrina militar, de armamento e de equipamento. Em situação de guerra ou de crise grave, esta força ficava operacionalmente sob comando militar. Isto explica o seu destacamento para o Funchal em maio de 1919, no quadro da chamada República Nova e após o assassinato do “Presidente-Rei”, Sidónio Pais, a 14 de dezembro de 1918, quando se encontrava como representante da Madeira em Lisboa e presidente da Câmara de deputados o antigo Gov. civil do Funchal José Vicente de Freitas (1869-1962), já então com interferência na área de segurança interna, que o levaria, após o golpe de 1926, à presidência da Câmara Municipal de Lisboa, ao Ministério do Interior e à presidência do Conselho de Ministros. Guarda Republicana na Quinta Vigia. 1921. Arquivo Rui Carita O decreto de criação da companhia independente n.º 1 da Guarda Republicana foi de 10 de maio de 1919. Esta força chegou ao Funchal a 3 de dezembro do mesmo ano, no paquete Quelimane, com 2 sargentos, 3 cabos e 21 soldados, oriundos de forças de militares de infantaria e cavalaria. Foi reforçada na Madeira com 16 elementos locais, constituindo uma força de comando de capitão e com um total de quase 90 homens, tendo tido por quartel a antiga Quinta Vigia, que passara à posse do Estado com a extinção da Sociedade dos Sanatórios e onde mais tarde se instalou o Casino Park Hotel. O efetivo desta força nunca foi perfeitamente definido. Pensou-se que poderia vir a ter de criar destacamentos na Ilha mas, dada a instabilidade política no continente, foi mandada recolher a Lisboa em 1922, viagem que efetuou no vapor São Miguel nos meses de abril e maio desse ano.   Rui Carita (atualizado a 13.12.2017)

Sociedade e Comunicação Social

quintas românticas: arquitetura e turismo

Ao longo do séc. XIX, a desagregação do regime de morgadio, que as reformas liberais realizaram em Portugal, libertou a propriedade rural e suburbana dos seus vínculos (Vínculos e capelas), pondo-a ao alcance de uma nova burguesia comercial. Vendidas ou alugadas a terceiros, i.e., transformadas em bens transacionáveis, as quintas madeirenses (Quintas madeirenses), incluindo as de origem mais antiga, foram-se adaptando ao novo regime e ao novo estilo de vida – o estilo de vida burguês. O mesmo aconteceu com os seus proprietários, que se “inglesaram” – termo que, quando aplicado à Madeira oitocentista, se pode traduzir por “aburguesaram”. A quinta romântica madeirense não deve, pois, ser associada à lavoura, ao regime de morgadio (Morgadios) ou à aristocracia terratenente, mas sim à residência burguesa oitocentista: a unidade unifamiliar rodeada por jardim ocasionalmente, por mata, etc. As pequenas quintas que, a partir de finais do séc. XVIII, mas sobretudo no séc. XIX, povoaram os arrabaldes do Funchal, constituíram, pois, uma tipologia semelhante à villa burguesa, a qual, a partir de meados de Oitocentos, proliferou também na Europa e na América do Norte. Em ambos os continentes, esta tipologia apareceu não só na periferia das urbes industriais, como também nas estâncias terapêuticas – elas próprias satélites dessas urbes, lugares de cura e de refúgio das suas atmosferas poluídas e irrespiráveis. Na Europa, era possível encontrá-la com frequência nas rivieras francesa ou italiana. No séc. XIX, a maior parte das quintas madeirenses constituíram proveitosas fontes de receita para os seus proprietários. Estas receitas não resultavam da exploração agrícola dos seus terrenos, que eram escassos ou mesmo inexistentes, mas do aluguer à estação, i.e., do chamado turismo terapêutico. Com efeito, os seus principais inquilinos foram os enfermos, que, desde inícios do séc. XIX, se deslocavam para as ilhas em cura de ares e que, ao contrário do turista posterior, aí permaneciam por longas temporadas (normalmente durante a estação de Inverno). A quinta romântica madeirense foi, pois, uma tipologia “proto-turística” ou, utilizando uma terminologia mais precisa: uma tipologia do turismo terapêutico. É essa a razão pela qual se deveria preferencialmente designá-la como “quinta de aluguer”. Na periferia do Funchal – do início do séc. XIX ao eclodir da Primeira Guerra Mundial – a quinta de aluguer foi, aliás, a mais importante tipologia do turismo terapêutico na Madeira. No quadro das ilhas atlânticas, o fenómeno pode considerar-se uma verdadeira especificidade do arquipélago português. Nas Canárias , o aluguer de quintas não só foi mais tardio, como nunca chegou a ter a mesma expressão. A manifesta superioridade económica e militar de Inglaterra, que chegou a ocupar a Madeira no início de Oitocentos (Ocupações inglesas), teve uma pesada influência sobre o modo de vida das elites locais. No séc. XVIII, os negociantes de vinho britânicos (Vinho da Madeira) que fixaram residência na Ilha começaram por se instalar em casas que já existiam, adaptando-as, em muitos casos, ao seu modo de vida. No primeiro terço do século seguinte, porém, surgiram os primeiros exemplares construídos por eles de raiz. Estes traduziam a nova mentalidade vigente em Inglaterra: o Romantismo, uma relação contemplativa com a paisagem, a inserção da casa em contextos que convidavam a meditar sobre a alma da natureza e a natureza da alma. Tudo isto era novidade absoluta na Ilha. Com efeito, a residência deixou de ser a sede de uma exploração agrícola, para passar a ser, fundamentalmente, um lugar de habitação, de lazer e de desfrute da paisagem – um novo tipo, muito distinto da casa rural insular anterior ao séc. XIX. A antiga loja destinada à lavoura, que fazia da antiga casa rural não só uma residência da família, como também uma unidade de produção, já não estava presente neste novo tipo. A relação de salas e quartos com o exterior, cuidadosamente ajardinado, era assegurada pela janela à francesa, que proporcionava aos moradores um contacto direto com o jardim. As escadas eram interiores, sendo uma delas de aparato e outra de serviço. A entrada conduzia às zonas sociais da habitação e os percursos que se estabeleciam entre os diversos compartimentos eram concebidos para responder aos rituais do receber da polite society, ao qual, a casa, independentemente da sua dimensão, tinha de responder. As funções dos compartimentos interiores especializaram-se, surgindo as salas de jantar, de estar e de jogos, a biblioteca e as áreas de serviço, reservadas aos empregados. Os compartimentos destinados a receber exploravam as formas contrastantes, as plantas elípticas ou retangulares, com absides salientes nas fachadas – as chamadas bow e bay windows. Para além da inovadora relação que teciam com a paisagem, estas villas introduziram no arquipélago um novo repertório formal: os vãos com lintel curvo; o uso frequente do motivo serliano – os vãos tripartidos em que a abertura central era maior e rematada em arco; a presença de cornijas e platibandas em vez do tradicional beirado; os cunhais com aparelho rusticado; e, finalmente, as referidas bow e bay windows que, muitas vezes, assumiam a forma de volumes cilíndricos a toda a altura das fachadas. Os padrões de conforto ao gosto inglês constituíram também uma novidade. Os chamados rotulados ou mucharabis em madeira que, ainda no séc. XVIII, preenchiam os vãos de muitas das casas do Funchal, foram substituídos pela janela de guilhotina com gelosia e lamberquim exteriores –justamente atribuída à influência inglesa. Se bem que a introdução da janela de guilhotina possa ter constituído uma melhoria nas condições de conforto da casa, é discutível que os tetos em estuque, que vieram substituir os altos tetos em masseira, tenham contribuído para melhorar o conforto interior da casa, revelando um progresso. O mesmo se pode dizer da platibanda, que foi utilizada em algumas das villas construídas por estes mercadores de vinho, a qual, ao contrário do beirado com sub-beira (duplo ou triplo) de utilização comum na Ilha, lidava mal com o escoamento de águas do telhado, dando origem a infiltrações e à consequente degradação de paredes e de revestimentos. Dir-se-ia, portanto, que o complexo processo de miscigenação, em que a arquitetura local se viria a cruzar com modelos oriundos de outras paragens, não resultou apenas em progressos para a primeira, devendo antes falar-se de um processo com perdas e ganhos. O jardim foi outra das componentes da quinta de aluguer que mais marcada influência receberam da cultura britânica. Todos eles, mesmo os mais pequenos, mesmo aqueles moldados na tradição mediterrânica dos socalcos, foram herdeiros da mentalidade romântica que, no início do séc. XIX, esteve intimamente ligada ao jardim inglês, destacando-se: os bosques e as clareiras relvadas, os lagos, os fontanários, os tanques, os percursos sinuosos povoados de pequenos templos, os pormenores arquitetónicos recuperados de outros edifícios e de outros acontecimentos, e a moldagem da natureza, que constituía o esplendoroso pano de fundo da arquitetura. No território escasso e acidentado da Ilha, o que estes jardins perderam em extensão ganharam em dramatismo, ao abrirem-se aos panoramas abissais, aos cumes das montanhas ou ao horizonte longínquo do oceano. A influência de Loudon (1783-1843), o grande divulgador desta arte junto da classe média oitocentista, chegou à Madeira por via dos ingleses. Naquela influência se refletia com nitidez o ideal da casa burguesa, que encontrava no jardim – a natureza criteriosamente domesticada – o enquadramento ideal para o florescimento da vida privada. Este estava relacionado, simultaneamente, com a proteção da intimidade da casa e com o espaço de encontro e de lazer dos seus habitantes. À Madeira coube, ainda, outra função: a terapêutica, pois era ao ar livre que os doentes pulmonares faziam o tratamento. Mas a cura de ares era também uma cura de paixões. Por isso, na relação que a casa tecia com o jardim – e, num sentido mais lato, com a paisagem – ressoava um quadro difuso em que sintomas e sentimentos se confundiam. Na quinta de aluguer oitocentista, o jardim foi tanto a manifestação da alma romântica, quanto o dispositivo de tratamento. No que respeita à arquitetura da casa, não eram, todavia, as villas construídas pelos mercadores de vinho o tipo mais característico da quinta oitocentista da Madeira. Houve, na Ilha, um conjunto de circunstâncias de ordem social e económica que fez com que quase todas estas casas tivessem sido concebidas por construtores anónimos. A sua construção fez-se de acordo com saberes e tecnologias que, durante séculos, mantiveram um elevado grau de imutabilidade: o modo de lavrar e de assentar as cantarias, de erguer as paredes, de caiar as fachadas, de escolher a madeira para os sobrados, de armar os telhados e de revesti-los a telha de meia cana, bem como de calçar, a seixo basáltico, os passeios dos jardins. A grande maioria destas quintas, independentemente do seu grau de erudição, alicerçou-se no sistema de medidas e proporções que caracterizava a “casa da Macaronésia” (FERNANDES, 1992, 233) – um sistema que não foi exclusivamente de invenção local, mas que se inscrevia no património comum da cultura mediterrânica, transportada para a Ilha pelos primeiros povoadores. É por essa razão que a maioria das quintas de aluguer, sejam elas originárias do séc. XIX, do séc. XVIII ou mesmo do séc. XVII, se apresentava como um conjunto de grande coerência morfológica. Com efeito, foi a persistência de determinadas constantes de natureza construtiva, estrutural, espacial e decorativa que tornou reconhecível a arquitetura destas casas, conferindo-lhes um carácter singular que as distinguiu das que foram construídas durante a mesma época noutras regiões do país – um facto que levou alguns autores do século passado a falar da existência de uma “casa madeirense” (MATOS, 2008, 130). Na verdade, tratava-se mais de uma “maneira madeirense” de adaptar a um novo meio um modelo forâneo (MARTÍN RODRÍGUEZ, 1978, 40) – a casa mediterrânica e da Europa ocidental. Essa adaptação deu origem a uma síntese entre as componentes nacional e regional que, na Ilha, a partir de finais do séc. XVIII, se cruzou com a arquitetura inglesa de inspiração romântica. Não é difícil descrever a aparência da maioria destas casas: um volume paralelepipédico com dois pisos; uma planta retangular ou quadrada; uma predominância dos cheios sobre os vãos, cuja proporção tendia a repetir-se; o recurso à simetria como regra compositiva elementar das fachadas, quase sempre planas, onde os vãos, com as suas persianas instaladas à face, pareciam reduzir-se a um desenho sem espessura; o telhado de quatro águas, com o característico “sanqueado” e remate em duplo ou triplo beirado; um alpendre adossado à fachada do piso em contacto com o solo ou no patamar da escada exterior, nos exemplares de origem setecentista. Dir-se-ia, portanto, que, em todas elas, a arreigada devoção do construtor a um determinado tipo de soluções, mil vezes testadas pelas gerações que o precederam, acabava por vingar. A exceção a esta regra residia, pois, nas villas dos mercadores de vinho, cuja arquitetura – sobretudo a dos exemplares mais puros – deixava claramente transparecer a sua conceção erudita de origem exógena. Não querendo deliberadamente pactuar com as tradições locais, os britânicos introduziram, na cadeia evolutiva da casa insular, uma verdadeira rutura morfológica e tipológica. Desde cedo, porém, alguns dos seus novos repertórios formais, bem como os padrões de conforto que exigiam das suas casas, foram sendo apropriados pelos construtores locais. Num lento processo de miscigenação, estes souberam afeiçoá-los à sua austera e frugal arquitetura, cujas raízes mergulhavam profundamente no solo da Ilha e na memória coletiva da sua gente. Por obra destes construtores, populares ou eruditos, as tradições locais e os contributos alheios enlaçaram-se, dando lugar a uma expressão original, onde por detrás de uma aparência chã e frugal, se ocultavam interiores sofisticados. Tendo em atenção, fundamentalmente, a sua estrutura espacial e funcional, as quintas românticas madeirenses podem ser classificadas em três tipos. O tipo 1, que poderia designar-se como a casa rural sobrada e anterior ao séc. XIX, resultou da adaptação de casas rurais de origem setecentista, ou mesmo seiscentista, ao aluguer à estação. Construídas na sua origem como residências de agricultores abastados ou como sedes de morgadio, todas elas eram casas complexas, que se desenvolviam em dois pisos, com cozinha, quartos e loja, integrando um corpo único e formalmente coerente. Uma característica comum a todos os exemplares que integravam este tipo era a presença do piso nobre, que coincidia sempre com o andar, e a presença da escada exterior, normalmente com alpendre. O piso térreo – a loja – originalmente reservado às alfaias, ao lagar ou à arrecadação de produtos agrícolas, passava a piso habitável depois das obras de adaptação que usualmente introduziam também a escada interior e o corredor. A cozinha tanto podia ocupar o rés-do-chão, como o piso nobre, sobrevivendo em algumas o sistema de forno-lareira-chaminé, uma das características morfotipológicas da casa da Macaronésia. Este tipo era, portanto, o que mais se aproximava do fundo comum e original da casa insular, e revelava, apesar da adaptação ao novo meio, uma arreigada ligação à casa mediterrânica. A existência de capela em algumas delas era outra das características que ocorriam apenas neste tipo. A casa e a capela datavam, quase sempre, de épocas diferentes e, quando juntas, nem sempre apresentavam fachadas complanares, deixando transparecer um processo de construção ao longo do tempo que testemunhava a sucessão de ciclos de fartura e de escassez. Este tipo teve como exemplares mais significativos as quintas das Angústias (núcleo original) (Quinta Vigia), de S. João (demolida), e da Achada. O tipo 2, que poderia designar-se como as villas dos mercadores de vinho, cujos exemplos mais notáveis surgiram no primeiro terço do séc. XIX, foi acima caracterizado e teve como exemplares mais significativos as quintas do Monte (Quinta do Monte), Palmeira, e Deão (demolida). Quinta do Monte. Foto: Museu Vicentes Finalmente, o tipo 3, que poderia designar-se como a casa compacta de origem oitocentista, era o mais comum na quinta de aluguer. Na segunda metade do séc. XIX, assistiu-se a uma síntese em que a casa enraizada na tradição local se adaptou às exigências funcionais e aos padrões de conforto da sua clientela vitoriana. Quer na disposição dos compartimentos interiores, quer na forma como se relacionava com a sua envolvente, ela era o reflexo da nova moral burguesa, de um ideal higiénico e antiurbano, irrealizável no denso tecido da cidade tradicional. Concebida para a vida familiar – ocupando, por regra, o miolo de um lote murado –, a casa precisava do jardim não só como espaço de lazer e de proteção da intimidade dos seus habitantes, mas também como garantia de salubridade. Tratava-se de uma casa compacta, com dois ou mais pisos, com cobertura em telhado de quatro águas, e com planta quadrada ou retangular. No interior, apareciam um corredor e escadas – uma principal, geralmente centralizada, e uma secundária destinada ao serviço. A cozinha e as zonas de serviço anexas ocupavam, quase sempre, o piso em contacto com o solo, sendo o tradicional sistema de lareira-forno-chaminé a exceção. No sótão, usualmente reservado aos quartos dos empregados, apareciam por vezes as trapeiras; no piso de contacto com o jardim, localizavam-se as áreas comuns da habitação – as salas de estar ou de jantar –, estando os pisos superiores reservados aos quartos. A simetria era, quase sempre, a regra compositiva das fachadas onde, à semelhança das antigas casas da Macaronésia, imperava a regularidade de proporções e predominavam os cheios sobre os vãos, rasgados a espaços iguais. Esta austera frugalidade podia ser, porém, enganosa. Com efeito, o interior beneficiava de um sofisticado grau de conforto, a que não eram alheias as exigências da clientela vitoriana que as alugava: janelas de guilhotina com sistema de contrapeso, tetos em estuque ornamentado, soalhos em madeira, requintados trabalhos de carpintaria pintada, lareiras ou salamandras inglesas em vários compartimentos, e um quarto de banhos. No exterior, debruçada sobre o arruamento, surgia com frequência a casinha-de-prazer – termo que designava, na Madeira, os pequenos pavilhões de jardim de onde era possível observar o exterior ou contemplar a paisagem sem ser observado de fora. Este tipo teve como exemplares mais significativos as quintas da Vista Alegre, Perestrelo, Faria, Favilla (demolida), Lyra, e dos Ilhéus.   Rui Campos Matos (atualizado a 16.12.2017)

Arquitetura História Económica e Social Sociedade e Comunicação Social

guarda nacional

Com a implantação do Governo liberal foram criadas novas forças militares, dado entender-se estarem as vigentes – pois não foi possível desmobilizá-las na totalidade –, em especial nas zonas rurais e mais afastadas dos grandes centros urbanos, fora do contexto ideológico das novas instituições (Guarnição militar). Arquivo Rui Carita Por alvará do prefeito Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque (1792-1847) (Prefeito), de 15 de setembro de 1834, foi nomeada uma comissão para fazer o recenseamento e alistamento nominal de todos os indivíduos que, nos termos do decreto de 29 de março do mesmo ano, deviam fazer parte dessa Guarda. Para tal, foi chamado o coronel do extinto Batalhão de Milícias de São Vicente, João Lício Vilhena Teixeira de Lagos (1776-1846), secretariado pelo bacharel Daniel de Ornelas e Vasconcelos (1800-1878) (Vasconcelos, Daniel de Ornelas, Barão de S. Pedro) e pelo primeiro-tenente Manuel Joaquim Moniz Bettencourt. No final de 1835, no entanto, a Guarda não estava ainda devidamente organizada, apesar de os oficiais da mesma terem sido eleitos e aprovados pelas autoridades competentes. Teria havido, nos primeiros tempos, algum receio em fornecer armamento aos seus elementos, por se suspeitar de que nem todos eram afetos à causa constitucional.   William Hinton (1817 - 1904) Arquivo Rui Carita A formação da Guarda Nacional provocou alguma celeuma nas principais cidades do reino por causa dos privilégios alardeados pelos estrangeiros, que reclamavam estar isentos dos serviços e das reuniões daquela força. O problema era geral e também se fez sentir na Madeira, obrigando o Governo a esclarecer o então prefeito Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque, em julho de 1835. Face à reclamação recebida pelas caixas gerais do contrato do tabaco, o Governo informou que os estrangeiros abrangidos pelo contrato em causa estavam de facto “isentos das companhias e de quaisquer cargos públicos e militares”, mas ressalva-se que apenas para o serviço ordinário e para as reuniões. Quanto ao resto, frisava-se que todos os residentes deviam alistar-se na Guarda Nacional e armar-se “para se reunirem aos seus respetivos corpos, logo que seja preciso combater quaisquer inimigos externos ou internos da pátria” (RODRIGUES, 2006, 720). Aludia-se, desta forma, à possibilidade de as forças do infante D. Miguel se aliarem às congéneres absolutistas espanholas. Conhecendo a situação na Madeira e assumindo em Lisboa a pasta do ministério do Reino, a posição de Mouzinho de Albuquerque não poderia ter sido outra, aludindo desta forma à possibilidade de as forças do infante D. Miguel se aliarem às suas congéneres absolutistas espanholas. O assunto conheceu depois outros desenvolvimentos, entre os finais de 1838 e janeiro do ano seguinte, quando se levantou uma forte contestação por parte de alguns comerciantes estabelecidos no Funchal, especialmente as casas de George & Robert Blackburn, de Keirs & C.ª e de Robert Wallas, cujo gerente seria depois sogro do conhecido industrial William Hinton (1817-1904), casas comerciais que pretendiam que os seus criados e empregados em geral ficassem isentos de qualquer recrutamento, mesmo os madeirenses. Nessa altura, o relacionamento luso-britânico atravessava algumas dificuldades, o que alertou o Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico. O cônsul em Lisboa, Howard de Walden, foi informado pelo congénere da Madeira, George Stoddart (1795-c. 1860) (Stoddart, George), tendo sido pedido um parecer ao juiz conservador britânico em Lisboa. O parecer foi negativo, tendo concordado com o mesmo o ministro britânico lord Palmerston. Contudo, o assunto continuou a agitar a comunidade britânica no Funchal. Corpo cavalaria Guarda Nacional. Arquivo Rui Carita A portaria de 19 de março de 1835, entretanto, determinou a formação, na Madeira, de um Batalhão de Caçadores da Guarda Nacional, o qual se constituiu definitivamente em 1836, tendo os seus oficiais sido eleitos em 10 de janeiro desse ano, numa reunião realizada na Pr. da Constituição (Palácio e fortaleza de S. Lourenço). A Câmara Municipal do Funchal enviava ao prefeito a lista dos oficiais eleitos, para este a submeter à aprovação do Governo de Lisboa. Eram eleitos de dois em dois anos e o primeiro comandante do Batalhão de Caçadores da Guarda Nacional foi o Cor. Valentim de Freitas Leal (1790-1879), que já havia comandado o Batalhão dos Voluntários Reais de D. Pedro IV, sendo depois membro do conselho do Governo e governador interino (Governo civil). A Guarda Nacional do Funchal tinha uma bandeira oferecida por Ana Mascarenhas e Ataíde (c. 1795-1887), mulher do prefeito, em 14 de janeiro de 1835. Os guardas nacionais foram dissolvidos pela lei de 7 de outubro de 1846, no contexto político que levaria às revoltas da Maria da Fonte e da Patuleia, nas quais perdeu a vida o antigo prefeito da Madeira, junto a Torres Vedras, a 27 de dezembro de 1847. Rui Carita (atualizado a 13.12.2017)

Sociedade e Comunicação Social

jamestown (ilha de santa helena)

É a capital da ilha de Santa Helena no Atlântico sul. Foi fundada em 1659 pela English East India Company e mereceu este nome em honra de James, duque de Yorke e futuro Rei James II de Inglaterra. Foi em Longwood House, próximo desta cidade, na parte norte da ilha, que Napoleão Bonaparte passou os últimos cinco anos da sua vida. À figura de Napoleão, associa-se um período fulgurante da história da Madeira, definido pela dominância do vinho e pela cada vez mais omnipresente posição do Inglês. Talvez por tudo isso, quando o fatídico Imperador passou pela Ilha, em agosto de 1815, a caminho do exílio, o cônsul inglês Henry Veitch não terá encontrado uma melhor lembrança para lhe ofertar que um tonel de vinho. A conjuntura europeia protagonizada por Napoleão fizera com que o vinho madeirense adquirisse uma posição dominante no mercado atlântico, fazendo aumentar a riqueza dos Ingleses, os principais comerciantes e consumidores. Diz a tradição que o tonel com o precioso néctar regressou à Ilha, reclamado pelo doador. O vinho regressado à Madeira multiplicou-se, em 1840, em centenas de garrafas, que fizeram as delícias de inúmeros Ingleses. Churchill, de visita à Ilha em 1950, foi um dos felizes contemplados. Quando se menciona o fim que teve Napoleão, todos, ou quase todos, reclamam a inevitável referência à passagem do mesmo pela Ilha a caminho do cativeiro em Santa Helena e também ao retorno dos seus restos mortais em 1840. Alguns recordam a importante peça literária que, a esse propósito, leu J. Reis Gomes, na sessão da classe de letras da Academia de Ciências, em 18 de janeiro de 1934, publicada, em separado, com o título O Anel do Imperador. Note-se que, na Madeira, o termo “vintage” se refere a um vinho feito de uma casta nobre, numa colheita especial que deve permanecer o mínimo de 20 anos encascado e 2 anos engarrafado. Particulares e empresas dispõem de coleções variadas deste tipo de vinho, sendo a mais famosa a de 1815, engarrafada em 1840 por John Blandy. É do vinho que Napoleão Bonaparte nunca bebeu no exílio em Santa Helena, conhecido como Waterloo Madeira. O desfecho funesto do Imperador Napoleão Bonaparte repercutiu-se de forma evidente na história da Madeira, sendo mais um fator favorável à quase total afirmação da comunidade britânica na Ilha. Alberto Vieira (atualizado a 18.12.2017)

Madeira Global

jamestown (california)

Foi a primeira cidade fundada pelos primeiros colonos americanos, em 14 de maio de 1607, na Virgínia, numa ilha da margem do rio James. Foi capital de colónia entre 1616 e 1699. Porém, as dificuldades geradas pelos mosquitos e o facto de a água ser imprópria para consumo levaram os colonos a procurar nova morada. Desta forma, a partir do séc. XVIII, a cidade perdeu importância e, nos princípios do séc. XXI, apresenta-se como uma herança em ruínas. Não existe conhecimento de quaisquer ligações diretas à Madeira, mas é muito provável que esses contactos tenham existido em relação ao vinho, cuja presença em solo norte-americano ficou documentada desde a segunda metade do séc. XVII. Jamestown é também um lugar em Tuolumne County, na Califórnia, que tem uma ligação com a Madeira, pois existem referências a madeirenses que aí se fixaram, de acordo com o estudo de Donald Warren sobre John Pereira. A afirmação da Califórnia como destino de emigração enquadra-se na corrida ao ouro, a partir de 1848. É neste quadro que se deve compreender a presença de madeirenses, a partir de Massachusetts ou diretamente da Madeira, por via ferroviária. John Pereira (1814-1902), filho de Francisco Pereira Camacho e Anna de Jesus, é um dos que partiu, em 1838, para os Estados Unidos. Primeiro, foi acolhido em Luisiana, mas a divulgação, a 24 de janeiro de 1848, da notícia da descoberta de uma pepita de ouro, nas margens do rio Yuba, fê-lo mudar de direção. Decidiu então partir à procura do Eldorado na Califórnia, deixando a mulher e filhos em Nova Orleães. Sabe-se que, passado algum tempo, eles se lhe juntaram, pois em 1853 nasceu o terceiro filho, em Jamestown. Foi um dos primeiros a subir o rio Yuba até Foster's Bar e a encontrar as desejadas pepitas de ouro, conseguindo um pecúlio de 1800 dólares, com que iniciou nova vida no acampamento de Jamestown. Com esta pequena fortuna, começou a comprar terrenos e a organizar o seu assentamento num rancho de 124 ha, onde cultivava hortaliças e plantou árvores de fruto, incluindo a vinha. No ano seguinte, não era o único madeirense atraído pelo ouro, estando já registados outros 23, alguns dos quais como trabalhadores no seu rancho. John Pereira era maçon e filiado no Partido Democrata, sendo considerado uma personalidade influente em Jamestown, na medida em que “acumulara bens imóveis de avultado valor e era conhecido de todos como cidadão empreendedor, patenteando muito interesse no bem-estar e no progresso da comunidade”; a par disso, “era um homem de acentuadas opiniões sobre todos os assuntos e, em tempos passados, exercia muita influência no comércio e na política” (WARREN, 2003, 2008).   Alberto Vieira (atualizado a 18.12.2017)

Madeira Global

havai, emigração para o

Na Madeira, no séc. XIX, o fenómeno emigratório foi uma constante, devido a períodos de fome, à crise económica e a um grande crescimento demográfico. Tratou-se, também, de uma emigração alimentada por fortes solicitações do mercado internacional de mão de obra. Dentro deste fenómeno, há a destacar, pela sua especificidade, a emigração para as ilhas do Havai, entre 1878 e 1912. Este processo fez-se ao abrigo de uma convenção assinada entre o reino de Portugal e o reino do Havai, em 5 de maio de 1882, pelo ministro e secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, António de Serpa Pimentel, e pelo ministro plenipotenciário Henrique A. P. Carter, representante do Rei havaiano Kalakaua. Esta convenção estipulava os procedimentos a seguir na contratação de emigrantes, tendo deixado de vigorar em 4 de março de 1892 por aviso publicado no Diário do Governo n.º 154, de 15 de julho de 1891. Apesar de existir um cônsul honorário, o Governo de Portugal decidiu enviar um cônsul de carreira para acompanhar a aplicação da convenção nas ilhas havaianas. Foi nomeado António de Sousa Canavarro, que apresentou as suas credenciais ao Rei Kalakaua a 6 de setembro de 1882, exercendo o cargo até 1886. Os cônsules posteriores foram depois nomeados cônsules honorários, uma vez que o Havai foi integrado nos EUA em 1896. Um dos motivos para a nomeação de um cônsul de carreira teve a ver com denúncias publicadas em jornais da Califórnia sobre o modo de vida dos imigrantes portugueses no Havai. Tendo em conta os preconceitos sociais da época e a distância entre as ideias de liberdade americanas e a monarquia havaiana, não admira que houvesse desconfiança relativamente aos EUA. Na sequência de tais denúncias relativas às condições de vida dos açorianos e dos madeirenses no Havai, o Ministério dos Negócios Estrangeiros português mandou realizar um inquérito, do qual foram encarregadas as administrações dos concelhos da Madeira e dos Açores, e cujos resultados foram publicados no Diário do Governo n.º 88, de 20 de abril de 1882. Este inquérito baseou-se nos testemunhos de familiares dos emigrados e nas cartas recebidas por eles, embora fossem muito incompletos para uma visão global da vida do imigrante. Entre madeirenses, açorianos e continentais, o Havai recebeu mais de 20.000 imigrantes portugueses entre 1878 e 1913. No Consulado Geral de Portugal em Honolulu, no livro de registo de matrículas, que ficou depois na posse da Portuguese Genealogical Society, estão registados 4556 madeirenses, entre homens, mulheres e crianças, chegados a Honolulu. No entanto, sabemos que o livro não está completo. Segundo a lista existente no Harbor Master’s Record Archives do Havai, os navios que transportaram contratados portugueses foram: Priscilla, barca alemã que aportou em Honolulu a 30 de setembro 1878, após 116 dias de viagem, com 80 homens, 40 mulheres e 60 crianças, num total de 180 passageiros (os documentos do consulado de Portugal apontam a chegada aproximada de 120 passageiros); Ravenscrag, navio inglês que chegou a 23 de agosto de 1879, com 123 dias de viagem desde a Madeira, com 133 homens, 110 mulheres e 176 crianças, num total de 419 pessoas; High Flyer, barca inglesa, chegada a 24 de janeiro de 1880, com 99 dias de viagem a partir de Ponta Delgada, nos Açores, com 109 homens, 81 mulheres e 147 crianças, num total de 337 pessoas; High Flyer, barca inglesa chegada a 2 de maio de 1881, com 130 dias de viagem desde São Miguel, nos Açores, com 173 homens, 66 mulheres e 113 crianças, num total de 352 pessoas; Suffolk, barca inglesa chegada a 25 de agosto de 1881, com 102 dias de viagem desde São Miguel, Açores, com 206 homens, 100 mulheres e 182 crianças, num total de 488 passageiros; Earl Delhausie, barca inglesa chegada a 27 de março de 1882, com 113 dias de viagem desde São Miguel, Açores, com 94 homens, 82 mulheres e 146 crianças, num total de 322 pessoas; Monarch, navio a vapor inglês chegado a 8 de junho de 1882, com 57 dias de viagem desde São Miguel, Açores, com 202 homens, 197 mulheres e 458 crianças, num total de 857 pessoas; Hansa, navio a vapor inglês chegado a 15 de setembro de 1882, com 70 dias de viagem desde São Miguel, Açores, com 307 homens, 286 mulheres e 584 crianças, num total de 1177 pessoas; Abergeldie, navio a vapor inglês chegado a 4 de maio de 1883, com 62 dias de viagem desde São Miguel, Açores (não temos informações sobre o número de passageiros); Hankow, navio a vapor inglês chegado a 9 de julho de 1883, com 66 dias de viagem desde São Miguel e a Madeira, com 427 homens, 317 mulheres e 718 crianças, num total de 1462 pessoas; Bell Rock, navio a vapor inglês chegado a 1 de novembro de 1883 com açorianos, 396 homens, 294 mulheres e 715 crianças, num total de 1405 passageiros; City of Paris, navio a vapor inglês chegado a 13 de junho de 1884, com 74 dias de viagem a partir da Madeira e de São Miguel, com 295 homens, 199 mulheres e 330 crianças, num total de 824 pessoas; Bordeaux, navio a vapor francês chegado a 3 de outubro de 1884, com 72 dias de viagem a partir da Madeira e com 273 homens, 173 mulheres e 262 crianças, num total de 708 pessoas. Inicialmente, no Funchal, o Bordeaux aceitara mais de 1000 passageiros. No entanto, quando o governo civil fez a vistoria do navio, verificou que perante a legislação em vigor só poderiam seguir 760 passageiros, pelo que o governador mandou desembarcar 440, sendo que dos embarcados já tinham falecido duas crianças, uma de pneumonia e outra de fraqueza. Esse excedente de passageiros foi alojado num armazém na R. da Queimada de Cima, tendo as autoridades distribuído aos candidatos a emigrantes 120 réis aos adultos e 60 réis aos menores. Uns desistiram e outros seguiram no navio Daca. A lista prossegue com Daca, navio inglês chegado a 19 de janeiro de 1885, após 114 dias de viagem, com 63 homens, 50 mulheres e 165 crianças, num total de 278 passageiros; Stirlingshire, navio inglês chegado a 4 de março de 1886, com 112 dias de viagem desde a Madeira, com 157 homens, 107 mulheres e 203 crianças, num total de 467 pessoas; Amana, navio inglês chegado a 23 de setembro de 1886, após 142 dias desde a Madeira, com 117 homens, 116 mulheres e 239 crianças, num total de 501 pessoas; Thomas Bell, barca inglesa chegada a 13 de abril de 1888, após 156 dias de viagem desde a Madeira, com 117 homens, 62 mulheres e 163 crianças, num total de 342 pessoas; Braunfels, navio a vapor alemão chegado a 4 de abril 1895, após 68 dias de viagem desde Ponta Delgada, Açores, com 274 homens, 124 mulheres e 259 crianças, num total de 657 pessoas; Victoria, navio a vapor inglês chegado a 13 de setembro de 1899, após 67 dias de viagem desde a Madeira, com 215 homens, 56 mulheres e 72 crianças, num total de 343 pessoas; Heliopolis, navio a vapor espanhol chegado a 26 de abril de 1907 do Faial, Açores, e de Malága, com 608 homens, 554 mulheres e 1084 crianças, num total de 2246 passageiros; Kumeric, chegado a 27 de junho de 1907 da Madeira, com 333 homens, 306 mulheres e 475 crianças, num total de 1114 pessoas; Swanley, chegado a 12 de dezembro de 1909 da Madeira e Açores, com 337 homens, 221 mulheres e 310 crianças num total de 868 pessoas; Osteric, navio a vapor chegado a 13 de abril de 1911 da Madeira, com 547 homens, 373 mulheres e 531 crianças, num total de 1451 passageiros; Willesden, navio a vapor chegado a 3 de dezembro de 1911 dos Açores e do continente português, com 639 homens, 400 mulheres e 758 crianças, num total de 1797 pessoas; Harpalien, navio a vapor chegado a 16 de abril de 1912 dos Açores e do continente português, com 496 homens, 328 mulheres e 626 crianças, num total de 1450 pessoas; Willesden, navio a vapor chegado a 30 de março de 1913, proveniente das ilhas e do continente português, com 491 homens, 377 mulheres e 440 crianças, num total de 1308 passageiros; Ascot, navio a vapor chegado a 4 de junho de 1913, proveniente das ilhas e continente português, com 424 homens, 327 mulheres e 532 crianças, num total de 1283 pessoas. Os madeirenses que com suas famílias partiam para o Havai suportaram tempestades terríveis junto ao cabo Horn, sofrendo doenças – que resultaram, por vezes, na sua morte –, falta de alimentos e más condições de acomodação. Houve famílias inteiras emigraram com contratos de três ou cinco anos para trabalharem nos campos de cana sacarina, nos engenhos ou nas plantações de ananases. O Governo havaiano tinha um departamento de imigração, que controlava o número de contratos e de imigrantes que entravam anualmente, olhando às necessidades de mão de obra dos plantadores e às necessidades do reino. Este departamento tutelava os contratos e, enquanto os imigrantes estivessem abrangidos pelo contrato de trabalho, este organismo também exercia fiscalização sobre as condições de trabalho, de alojamento e de alimentação. No caso de o contratado desejar mudar de plantação, o departamento procedia a essa mudança. Por vezes, à chegada, os imigrantes com um contrato firmado para uma certa plantação eram colocados noutra, sob a orientação do departamento. Com efeito, depois da promulgação de lei do Great Mahele, de 1846, na qual o Rei autorizava os estrangeiros a serem proprietários de terras, os Americanos residentes no Havai iniciaram o processo de aquisição de terras nas ilhas do arquipélago e desenvolveram o cultivo da cana sacarina. Em finais do séc. XIX, a indústria açucareira era a principal indústria havaiana, tendo substituído em importância a indústria da pesca da baleia. O aparecimento de novas plantações e a aplicação de novas tecnologias industriais exigiam um aumento constante de mão de obra a que os nativos não conseguiam dar vazão – em parte porque, quando os europeus chegaram ao Havai, levaram doenças como a gripe e o sarampo, entre outras, que provocaram uma tremenda baixa demográfica –, o que levou os plantadores a exigirem a importação de mão de obra estrangeira. Os plantadores importavam mão de obra com um contrato de três ou cinco anos, como já referido, usando um modelo de contrato semelhante ao utilizado na Guiana Inglesa e noutras áreas do Império Inglês nas plantações de cana sacarina. Estes contratos surgiram nas colónias inglesas para colmatar a falta de mão de obra escrava após a libertação dos escravos; no Havai, o contrato foi utilizado para colmatar a falta de mão de obra livre. A importação de mão de obra com contratos de trabalho iniciou-se no Havai por volta de 1850 e, a partir desta data, muitos imigrantes oriundos de Portugal, principalmente madeirenses e açorianos, mas também alguns continentais, bem como espanhóis, noruegueses, chineses, japoneses e filipinos entraram nas vagas de contratados. Em 1850, já existia no Havai um núcleo de Portugueses, constituído fundamentalmente por marinheiros dos navios baleeiros contratados nos Açores, na Madeira e na ilha Brava, Cabo Verde, que fugiam das duras condições de vida e de trabalho nesses navios. A contratação dos trabalhadores portugueses fora sugerida ao departamento de imigração havaiano inicialmente por Jacinto Pereira, natural do Faial que, em 1878, era cônsul honorário de Portugal, tendo assumido o nome de Jason Perry, e pelo botânico alemão William Hillebrand, que vivera no Havai em 1871, a fim de fazer pesquisas botânicas, e que em 1876 visitara as ilhas da Madeira e dos Açores; em carta enviada à associação de produtores da cana de açúcar do Havai (HSPA), Hillebrand afirmava que os ilhéus eram sóbrios, honestos, pacíficos e trabalhadores com grandes capacidades para o trabalho manual. Atendendo ao teor da carta, o departamento autorizou, em novembro de 1876, a contratação e o pagamento das passagens a Portugueses oriundos das ilhas, pagando 75 dólares por homem, 50 dólares por mulher e 25 por cada criança. Além disso, os imigrantes assinavam um contrato de trabalho que estipulava um período de 36 meses, com 26 dias de trabalho mensal e 10 h diárias de trabalho a partir do nascer do sol. Os homens receberiam um salário de 10 dólares por mês, teriam direito a uma ração diária, alojamento, horta, assistência médica e medicamentos gratuitos. As mulheres e as crianças que trabalhassem receberiam igualmente salários. Com a anexação do Havai pelos EUA, em 1898, as ideias de liberdade individual passaram a ter de ser expressas na legislação. Daí a denúncia que houve dos contratos de trabalho, dado a legislação americana considerar as obrigações pessoais expressas naqueles contratos de trabalho inconsistentes com a democracia. Na América, a escravatura fora abolida em 1863 e a contratação e importação de trabalhadores, tal como era feita, tornara-se ilegal a partir de 1885. Todos os contratos assinados antes do desembarque no Havai foram declarados nulos. Normalmente após o término do primeiro contrato, os Portugueses saíam das plantações e fixavam-se nas ilhas onde trabalhavam ou, em alternativa, iam para a ilha de Oahu, onde havia mais oportunidades de trabalho. Aí iniciavam atividades agrícolas, no pequeno comércio e na construção civil, entre outras. Em Portuguese-Hawaiian Memories, Joaquim Francisco de Freitas refere muitas famílias portuguesas, as suas origens, ilhas de residência e atividades. Através dele, verificamos o seguinte: na ilha de Kaui, uma das ilhas onde existiam muitas plantações, os Portugueses de primeira geração tornavam-se, após o contrato, capatazes de plantação; depois de novo contrato, ganhavam mais liberdade, convertendo-se em contabilistas ou trabalhadores livres nas plantações. Os que deixavam as plantações tornavam-se proprietários de pequenas explorações agrícolas, funcionários do comércio, pequenos negociantes a retalho, jardineiros, motoristas, mecânicos de locomotivas, donos de mercearias, armazenistas ou assistentes de gerência em área comercial, havendo até o caso de um agente de cinema. Nestes casos, os alfabetizados chegavam a gerentes comerciais, ficando os empregos mais modestos para aqueles que tinham chegado analfabetos. Olhando para os Portugueses de segunda geração em Kaui, vemos pelo seu posicionamento social que tinham maior instrução: eram capatazes, agentes comerciais, assistentes de gerência, polícias de campo ou juízes de distrito; as filhas de algumas famílias exerciam a profissão de professoras primárias de língua portuguesa. Relativamente a Oahu, na cidade de Honolulu, mesmo entre os elementos de primeira geração, há uma maior diversidade de atividades profissionais. Assim, encontramos eletricistas, proprietários de terras ou pequenas explorações, comerciantes, donos de padarias, comerciantes de laticínios, empresários, vendedores comerciais, pedreiros e construtores civis, técnicos de hidráulica, motoristas, mecânicos, maquinistas, carpinteiros e industriais de móveis, advogados e notários. Podemos inferir que muitos dos que se estabeleceram em Honolulu na primeira geração traziam já uma boa escolarização. Quanto à segunda geração de Portugueses, encontramos construtores civis, capatazes, barbeiros, eletricistas, inspetores de eletricidade, contabilistas, gerentes comerciais, joalheiros, funcionários bancários, inspetores de obras, inspetores alfandegários, funcionários superiores, corretores de seguros, supervisores, professores, médicos, advogados e deputados. Na ilha de Havai, José Gomes Serrão e seus irmãos Luís e Alfredo, oriundos de Santo António, na Madeira, fundaram, após o término dos seus contratos, uma casa de comercialização de aguardente de cana de açúcar, vinhos e licores, a primeira e única do Havai em 1891. O vinho era produzido com as vinhas que os mesmos cultivavam nas suas terras. O negócio tornou-se próspero, com exportações para Nova Iorque e Califórnia, até à publicação da 18.ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos, em 29 de janeiro de 1929. Depois dela, a firma só produzia sumos, fechando definitivamente no início da Segunda Guerra Mundial. Segundo as pesquisas de Randy Borges, lusodescendente residindo em Honolulu em 1998, foram os Portugueses que introduziram a construção em pedra vulcânica nos edifícios. Conta a tradição que um dia, ao construírem um campo numa plantação, o capataz ordenou que deitassem fora as pedras, respondendo os Portugueses que era pena, pois nas suas terras construíam prédios em pedra vulcânica. O capataz desafiou os trabalhadores a demonstrarem o que diziam. Aceitando o desafio, estes pediram apenas que lhes dessem uma planta. Assim aconteceu: o primeiro edifício em pedra construído em Honolulu, concluído em 1886, foi aquele que se tornaria no Bishop Museum. Entre 1886 e 1924, foram construídos pelos Portugueses o Pauahi Hall, a Punahou School em 1889, a estação de bombeiros em 1906, o Music Hall em 1916, a igreja protestante dos Pioneiros, a estação de bombagem de água de Honolulu, o Mid Pacific Institute, a igreja protestante Central Union e o edifício MCCandles da Universidade do Pacífico do Havai. Os pedreiros portugueses cedo criaram uma sociedade conhecida como Cabinet Makers. Nos censos de 1900 do Havai, estavam recenseados 34 pedreiros portugueses com a designação de “stone mason”, referindo-se que tinham chegado ao Havai entre 1878 e 1886. No mesmo censo já estavam indicados filhos de portugueses nascidos em Honolulu com a qualidade de aprendizes. A cultura musical havaiana sofreu influências madeirenses. O ukulele, instrumento musical do folclore havaiano que consiste numa pequena viola de quatro cordas dedilhadas, tem as suas raízes na braguinha madeirense. A bordo do navio Ravenscrag, que saiu do Funchal a 23 de agosto de 1879, seguiam os imigrantes Augusto Dias, José do Espírito Santo, Manuel Nunes, João Luís Correia e João Fernandes. Segundo Leslie Nunes, descendente de Manuel Nunes, construtor de ukuleles, ele foi o primeiro madeirense a tocar em terras havaianas após o desembarque foi João Fernandes. Aliás, era hábito os imigrantes, quando chegavam a terra firme, tocarem e dançarem. Manuel Nunes abriu uma loja de mobílias e instrumentos musicais em 1884, sendo João Fernandes o afinador dos ukuleles. Também Augusto Dias abriu uma loja em 1884 e José do Espírito Santo em 1888. João Fernandes, Augusto Dias e João Luís Correia formaram um trio musical que atuava em várias festividades, tocando muitas vezes no Palácio Real Iolani a convite do Rei. O ukulele, por ser um instrumento fácil de tocar, tornou-se no preferido dos havaianos. Nas plantações, os Portugueses gostavam de cantar ao desafio e à desgarrada; nas festas, usavam a guitarra, a braguinha, o rajão, o acordeão e, para além destes, os madeirenses usavam o brinquinho e os ferrinhos. Manuel de Jesus Coito (Paul do Mar, Madeira, 1876-Honolulu, 1957), conhecido como o poeta do Punchbowl, zona preferida para viver pelos Portugueses que trabalhavam em Honolulu, que embarcara com seus tios António Joaquim de Freitas e Maria Violante de Freitas, publicou poesia em jornais portugueses de Honolulu, principalmente no Luso-Havaiano, entre 1899 e 1919. Mostrava bom domínio da língua materna escrita, bem como da cultura e poesia portuguesas da época, pois refere-se, nos seus poemas, a Pinto Coelho, madeirense e redator no Diário de Notícias da Madeira, Tomás Ribeiro, Guerra Junqueiro, João de Deus e Camões, entre outros. Mostrava uma educação católica cuidada, referia o culto de N.ª S.ª do Monte, o culto do divino Espírito Santo e aspectos da história do cristianismo. Mostrava um bom conhecimento da história de Portugal, da expansão portuguesa, da situação portuguesa nos finais da monarquia, das pressões internacionais sobre as colónias na Conferência de Berlim, em 1895, e defendia o regime republicano, tendo referido igualmente o papel do exército português na Primeira Guerra Mundial. Como a religião da monarquia havaiana era a protestante, mandou-se vir de Jacksonville e Springfield, no estado do Illinois, pastores que falavam português. Estes faziam parte dos madeirenses que tinham sido forçados a sair da Madeira devido à perseguição religiosa que sofreram por se terem convertido ao protestantismo pela ação evangelizadora do escocês Robert Reid Kalley, tendo ido inicialmente para a ilha de Trindade e posteriormente para os EUA. Alguns madeirenses optaram pelo protestantismo, pois era a religião dos Reis e dos haoles – expressão havaiana que designa os caucasianos de origem inglesa e americana – e um modo de progressão social. Como a maioria continuou católica, foram depois enviados padres católicos, tendo o primeiro bispo católico no Havai sido D. Estêvão de Alencastre, natural do Porto Santo. Depois da sua morte, o Havai ficou subordinado a uma diocese americana, a de São Francisco. Os portugueses tinham a preocupação de garantir o seu futuro e o apoio às famílias, razão pela qual constituíram sociedades de socorros mútuos. No livro de Joaquim de Freitas atrás referido, para além de se relatar a origem das famílias portuguesas, é indicada a sociedade de socorros mútuos a que pertenciam. Encontramos, neste contexto, referência à Sociedade Lusitana Beneficente de Havai, à Sociedade Portuguesa de Santo António Beneficente de Havai, à Court Camões, à Sociedade Madeirense, à Sociedade Beneficente de São Martinho e à Redmen. A primeira sociedade foi a Sociedade de Santo António, que foi fundada em 1877 e terminou a sua atividade a 1 de abril de 1965; os seus fundadores foram António Joaquim Lopes, M. S. Pereira, Manuel G. Correa, João Gaspar, António de Fraga e José Francisco Medeiros. Segundo o testemunho de James Gonçalves em 1998, além das sociedades Santo António e Lusitana, seu avô pertencera a outra sociedade beneficente, a Court Camões, tendo seu pai pertencido ainda a uma terceira, a Redmen, cujo objetivo fundamental era o apoio às famílias nas despesas de funerais, dando 200 dólares à viúva. A maioria das sociedades desapareceu durante a Segunda Guerra Mundial, na opinião de James Gonçalves devido à lei marcial publicada em 8 de dezembro de 1941, em Honolulu, após o ataque japonês a Pearl Harbour; nessa ocasião, todos os cidadãos estrangeiros tiveram de se registar junto da polícia militar, sendo de ressaltar que a maioria dos imigrantes portugueses ainda mantinha a nacionalidade portuguesa. Nessa época, os estrangeiros eram olhados com suspeita pelos militares americanos. Muitos Portugueses morreram durante a guerra e os de primeira geração foram falecendo até cerca dos anos 50 do séc. XX. Para além disso, as terceiras e quartas gerações foram integradas na sociedade havaiana, nomeadamente ao nível laboral, pelo que as sociedades de socorros mútuos deixaram de ser necessárias. Os Portugueses foram aceites como cidadãos americanos por volta de 1940, sendo só a partir dessa data que, nos censos, deixam de ser tratados como portugueses e passaram a ser incluídos como americanos. Os Portugueses desde sempre lutaram contra a discriminação a que foram sujeitos e tudo fizeram para serem considerados haoles, como eram designados os Americanos escolarizados. Assim, foram gradualmente cortando as suas raízes e a sua ligação com o “velho mundo”, pelo que os seus jornais em língua portuguesa, os clubes e as sociedades foram desaparecendo após a guerra. Os Portugueses eram olhados como classe média, tendo contribuído para o aparecimento de uma nova cultura havaiana pelos seus casamentos inter-raciais. Curiosamente, enquanto católicos, continuaram a dançar, nas festividades religiosas, as danças folclóricas tradicionais trazidas pelos primitivos colonos. Assim, no Festival de Danças Folclóricas Portuguesas, em 1954, a cultura portuguesa emergiu com toda a pujança, quando a maioria das pessoas pensava que os Portugueses tinham perdido a sua raiz europeia Os promotores desse festival – no qual se cantou em português – realçaram o valor da cultura portuguesa e o orgulho que tinham nas suas origens lusas. A partir de 1954, houve uma tendência para fazer renascer as origens madeirenses, açorianas e, de uma forma geral, portuguesas face à discriminação de que os imigrantes tinham sido alvo no passado. Em 1978, foi festejado o centenário da chegada dos primeiros colonos oriundos da Madeira à cidade de Honolulu, no Havai. A comissão do centenário, nomeada pelo governador do estado, George Ariyoshi, era composta por John Henry Félix, cônsul de Portugal; Jack Mello, vice-cônsul de Portugal; Edna Rebelo Ryan, presidente do Hawaiian Portuguese Heritage, da direção do grupo musical Camões Players e da Portuguese Civic Association; Audrey Rocha, vice-presidente do Portuguese Civic Association e diretora de um programa de rádio na ilha de Maui, entre outros. Desde então, passou a celebrar-se, em setembro, a festa portuguesa, rotativamente nas ilhas da Oahu, Maui e Hawai, organizada pelas associações culturais de origem portuguesa. No ano de 1978, existiam as seguintes organizações portuguesas no Havai: Brotherhood Holy Ghost of Holy Trinity em Honolulu; Camões Players em Honolulu; Crianças de Portugal em Honolulu; Hawaiian Portuguese Heritage Council em Honolulu; Kalihi Holy Ghost em Honolulu; Kewalo Holy Ghost em Honolulu; Pioneer Civic Association em Honolulu; Portuguese Genealogical Society em Honolulu; Hilo Chamarrita na ilha de Havai; e Maui Portuguese Corporation na ilha de Maui. Como podemos ver, muitas associações estavam ligadas à religião. Oriundos maioritariamente de um grupo social iletrado, como se referiu, os Portugueses começaram as suas vidas nas plantações, tendo, logo após os contratos, iniciado atividades fora delas; tornaram-se assim uma classe média respeitada e deram instrução aos filhos, que vieram a ocupar lugares de relevo na administração havaiana: sendo senadores, juízes e deputados. Apesar de as novas gerações terem a cidadania americana, por volta dos anos 50 do séc. XX, começaram a interessar-se pelas suas origens europeias, aprendendo a língua portuguesa em cursos livres particulares ou frequentando cursos na Universidade do Havai. A emigração insular para o Havai contribuiu para a criação da cultura havaiana.   Ana Isabel Spranger (atualizado a 30.12.2017)

Madeira Global