Mais Recentes

olimpismo

A primeira referência histórica do olimpismo madeirense é Sebastião Herédia, filho do visconde da Ribeira Brava, notável desportista que se distinguiu em diversas modalidades, ficando o seu nome ligado ao nascimento do desporto português. Representou o Sporting Clube de Portugal (atletismo, natação e râguebi) e o Clube Internacional de Football (esgrima). Porém, foi o ciclismo uma das modalidades que praticou com maior projeção, tendo ficado ligado aos primórdios do ciclismo em Portugal. O seu nome foi apontado para a primeira edição dos Jogos Olímpicos da Era Moderna (Atenas, 1896), bem como para a edição de Paris, em 1900, e de Estocolmo, em 1912. Porém, só em Amsterdão, em 1928, já com 52 anos de idade, Sebastião Herédia teve a sua primeira e única participação olímpica, numa edição em que, curiosamente, também participou o seu filho Sebastião Branco Herédia (pentatlo moderno) e o seu primo António Herédia (vela). Entre o final da Primeira República e o advento da democracia e da autonomia, o desporto madeirense ficou praticamente confinado às amarras da insularidade e do isolamento. A construção do aeroporto da Madeira e o consequente alargamento das possibilidades de ligação mais rápida e regular com o resto do país vieram atiçar a vontade dos madeirenses em marcar presença nas provas desportivas nacionais. A participação olímpica, todavia, sofre um interregno de 56 anos, que só termina com a participação do nadador Paulo Camacho em Seul, em 1988. A partir daí, ocorreram participações olímpicas em badminton, judo, luta, vela, basquetebol (paralímpico), atletismo (olímpico e paralímpico), futebol, ginástica, ténis de mesa e canoagem. João Rodrigues (vela) era, em 2016, o mais olímpico atleta madeirense, com seis participações consecutivas.     Francisco J. V. Fernandes (atualizado a 15.12.2017)

Sociedade e Comunicação Social

ogilvie-grant, william robert

William Robert Ogilvie-Grant, ornitólogo britânico, trabalhou no Museu de História Natural de Londres desde 1882 até a sua aposentação em 1918. Realizou numerosas expedições, nomeadamente aos arquipélagos de Socotorá, da Madeira (incluindo as ilhas Selvagens), das Canárias e dos Açores, com a finalidade de melhorar a coleção de aves do Museu e ajudou a organizar e financiar muitas outras viagens. A sua produção científica na área da ornitologia é vasta. Ogilvie-Grant nasceu na Escócia a 25 de março de 1863, estudou no Fettes College em Edimburgo e começou a trabalhar no Museu de História Natural de Londres em 1882. No Museu, incorporou-se como assistente no departamento de zoologia, primeiro na secção de ictiologia e, a partir de 1885, na sala de aves, da qual se tornou responsável em 1909. Em 1913, foi nomeado curador assistente de zoologia, cargo que manteve até à sua aposentação, por motivos de saúde. Entre as várias expedições que efetuou com o objetivo de aumentar a coleção de aves, destacam-se as realizadas aos territórios portugueses, onde visitou as ilhas da Madeira, do Porto Santo e a Deserta Grande em 1890, as ilhas Selvagens em 1895 e os Açores em 1903. Destas explorações resultou a publicação dos seguintes artigos: “Notes on some birds obtained in Madeira, Deserta Grande and Porto Santo” (1890) e “On the birds observed at the Salvage Islands near Madeira” (1896), na revista Ibis; “Expedition to the Salvage Islands” (1895), publicado em conjunto com Cecil Baring, na revista Zoologist; e “On the birds of the Azores” (1905), publicado em coautoria com Ernst Hartert, na revista Novitates Zoologicae, contribuindo significativamente para o conhecimento das aves daqueles locais Ogilvie-Grant também viajou até às ilhas Canárias e a Socotorá, e foi o responsável pela organização e o financiamento das explorações ao monte Ruwenzori (Uganda-Congo) e à Nova Guiné Holandesa. Da sua vasta produção científica são especialmente conhecidos os volumes que escreveu para os Catalogue of the Birds in the British Museum e Catalogue of the Eggs in the British Museum, e a sua importante contribuição para o conhecimento das aves de caça. Foi membro do Conselho da Zoological Society e dos comités da British Ornithologists’ Union, da Avicultural Society, British Ornitologists’ Club e da Royal Society for the Protection of Birds, além de ser um dos fundadores da Society for the Promotion of Nature Reserves. Casou-se, em 1890, com Maud Louisa Pechel e teve um filho e três filhas. Morreu em sua casa, perto de Reading, a 26 de julho de 1924. Obras de William Robert Ogilvie-Grant: “Notes on some birds obtained in Madeira, Deserta Grande and Porto Santo” (1890); Catalogue of the Picariae in the Collection of the British Museum (1892); Catalogue of the Game Birds in the Collection of the British Museum (1893); “Expedition to the Salvage Islands” (1895); “On the birds observed at the Salvage Islands near Madeira” (1896); Catalogue of the Steganopodes (1898); “On the birds of the Azores” (1905); Catalogue of the Eggs in the British Museum (1912).   Pamela Puppo (atualizado a 15.12.2017)

Biologia Terrestre

ofícios e artesãos

Os primeiros povoadores europeus da Madeira tiveram que lançar os alicerces da nova sociedade da Ilha. Deste modo, aos obreiros e cabouqueiros iniciais, seguiram-se diversas levas de gentes necessárias para o rápido arranque da ocupação da Madeira, criando-se várias lojas e oficinas de artesãos indispensáveis para a vida na Ilha. Palavras-chave: ofícios; mesteres; profissões; comércio; economia. O facto de a Madeira estar desabitada facilitou a fixação dos primeiros povoadores europeus, mas atribuiu-lhes redobradas responsabilidades e exigiu-lhes celeridade no lançamento dos alicerces da nova sociedade. Deste modo, aos obreiros e cabouqueiros iniciais, seguiram-se diversas levas de gentes necessárias para o rápido arranque da ocupação da Ilha, com a criação das diversas lojas e oficinas dos artesãos, indispensáveis à vida no novo espaço. Com o progresso económico da Ilha, a sua importância foi reforçada. Todavia, só em 1484 os mesteres fizeram ouvir a sua voz na vereação, por meio de criação da Casa dos Vinte e Quatro. Dois anos mais tarde, assumiram uma participação ativa na procissão do Corpo de Deus. O lugar que os mesteres nela ocupavam poderá significar uma hierarquização dos ofícios, feita de acordo com o estabelecido, em 1453, para Lisboa. A relação dos mordomos dos ofícios, feita no ano de 1486 pela vereação, indica a estrutura socioprofissional existente: pedreiros, sapateiros, alfaiates, barbeiros, vinhateiros, tecelões, besteiros, hortelões, almudeiros, pescadores, mercadores, almocreves, ourives, tabeliães e tanoeiros. Para os anos imediatos, surgem dados referentes à fiança e aos juízes dos ofícios (ferradores, ferreiros, barbeiros e moleiros) que testemunham a dimensão adquirida pela estrutura oficinal, mercê da exigência da sociedade para serem asseguradas as necessidades básicas, pois o isolamento e as dificuldades de contacto com a Europa impossibilitavam o abastecimento dos artefactos de uso corrente aí produzidos. A importância e a fixação dos mesteres em determinadas áreas do burgo vieram dar origem a ruas com o nome dos diversos ofícios aí sediados, como a dos ferreiros, a dos tanoeiros e a dos caixeiros, entre outras. Aos ofícios, juntavam-se os trabalhadores braçais ou assoldadados que se dedicavam a diversas tarefas no campo e no burgo. O seu serviço era onerado com a redízima. Este tributo, prejudicial ao exercício dessas atividades, punha em causa a segurança da terra, pois, segundo se dizia em 1466, tal situação conduzia ao aumento dos escravos. A mesma preocupação evidenciou-se em 1489, apontando-se a saída de homens para as campanhas africanas como um perigo para a segurança da Ilha, dado o elevado número de escravos que nela havia. Verifica-se, portanto, que o grupo servil surgiu com uma importância relevante na sociedade madeirense na segunda metade do séc. XV. O seu peso gerou preocupação e tornou necessária a regulamentação dos movimentos e do espaço de convívio dos que a ele pertenciam. Daí a exigência de usarem um sinal e de se recolherem à casa do seu senhor; daí, também, ter-se ordenado a expulsão dos forros (aqueles a quem fora dada alforria), com exceção dos canários. Os escravos negros surgem como assalariados, vendedores de fruta dos seus senhores, enquanto os guanches, oriundos das Canárias, surgem como pastores e mestres de engenho. O desenvolvimento das pequenas indústrias e dos grupos oficinais foi evidente no decurso do séc. XVI e, paulatinamente, as diversas corporações oficinais foram ganhando importância social, económica e política. A sua presença na vereação passou a ser assídua, no sentido de defender os interesses da classe e intervir na regulamentação da sua atividade. Note-se que a vereação tinha uma intervenção constante na regulamentação dos ofícios, na qualidade do serviço prestado e na tabela de preços das diversas tarefas e produtos daí resultantes. Cada ofício tinha um juiz, que se encarregava de examinar os demais aprendizes, garantindo a qualidade do serviço a prestar. Ao mesmo tempo, a tendência para a fixação dos mesmos em arruamentos determinados resultou da necessidade de um maior controlo. Os ofícios, de acordo com o número de oficiais e a sua importância na sociedade, estavam estruturados em corporações, presentes na vida política local e relacionadas com a posição atribuída na procissão do Corpo de Deus. Note-se que a cada grupo de oficiais correspondia um santo patrono, cujo dia era de redobrada festa para os associados. A valorização económica da Ilha só foi possível com a definição de uma ajustada estrutura socioprofissional, capaz de satisfazer as necessidades fundamentais da sociedade e de gerar mais riqueza para alimentar o comércio externo. Diversas atividades de carácter artesanal completaram o processo económico madeirense, atribuindo uma evidente mais-valia à Ilha e àqueles que nele participam. Muitas dessas atividades faziam-se por necessidade dos próprios, mas outras houve que tinham por objetivo o mercado externo. Neste caso, é de salientar a obra de vimes e o bordado, que foram uma importante forma de gerar riqueza e um complemento importante ao trabalho rural. O nível de desenvolvimento destes trabalhos, até à déc. de 40 do séc. XIX, era muito incipiente. A exposição realizada em 1849, pelo governador civil José Silvestre Ribeiro, documenta este estádio e pode ser considerada o principal impulso para o necessário avanço dessas atividades. O retrato de tal situação surge em 1847 e foi feito para toda a Ilha e para a cidade do Funchal. Assim, as atividades artesanais ocupavam 14% da população da Madeira e 21% da do Funchal, o que demonstra que a cidade paulatinamente se foi especializando nos serviços e atividades transformadoras, perdendo parte da sua ruralidade. Este grupo era dominado pelos carpinteiros, sapateiros e tanoeiros. Em 1862, passados 15 anos, foi feito o retrato completo destas atividades na cidade e nas freguesias rurais, por Francisco de Paula Campos e Oliveira. Os artistas ou artífices e operários representavam então cerca de 38% da população. Se, a este grupo, retirarmos os lavradores, teremos a sua concentração na cidade e se a isto adicionarmos os de Câmara de Lobos, seremos levados a concluir que a maior concentração oficinal tinha lugar aqui, com 19% destes ofícios. Nos concelhos rurais, o maior destaque ia para Ponta do Sol, Calheta e Machico. A incidência relaciona-se com os ofícios ligados ao sector transformador, onde dominavam os sapateiros, carpinteiros e marceneiros, enquanto nos serviços surgiam os barqueiros e boieiros. Em 1862, tínhamos 1029 bordadeiras, cujas toalhas bordadas renderam, nas exportações, cerca de 7 contos. Estes valores continuaram a subir, havendo, em 1906, 30.000 bordadeiras e 2000 profissionais, em oito casas, que contribuíam com 242.342$180 réis. Já em 1912, tínhamos 34.500 bordadeiras. O bordado era uma atividade que ocupava mão de obra em toda a Ilha e desde o séc. XIX. Se, na déc. de 60, as bordadeiras estavam restritas ao Funchal e a Câmara de Lobos, na déc. de 90, a atividade estava em toda a ilha da Madeira e havia chegado ao Porto Santo. Note-se que, em 1862, das 1029 bordadeiras existentes, a maioria situava-se no Funchal e Câmara de Lobos, respetivamente com 844 e 152. De acordo com a evolução do mercado, cresceu o número de bordadeiras. Assim, em 1906, eram 30.000 as bordadeiras, subindo para 45.000, em 1924, atingindo-se, em 1950, as 60.000. O facto de esta atividade ser maioritariamente executada em casa permitia conciliar o ato de bordar com a atividade agrícola e caseira, acrescentando, ao mesmo tempo, um precário suplemento em dinheiro para a economia doméstica. Em 1952, o bordado distribuía 47.252 contos por cerca de 60.000 bordadeiras. Na déc. de 30, a conjuntura económica conduziu à criação do Grémio dos Industriais de Bordado da Madeira (1935), com o objetivo de orientar a indústria e promover o seu comércio. De acordo com um relatório desta associação datado de 1952, o bordado ocupava mais de 50.000 famílias, o que significava mais de metade das famílias da Madeira, nomeadamente do meio rural. Outra atividade importante no domínio do artesanato foi a obra de vime. Desde o séc. XVI que sabemos do fabrico de cestos de verga para os trabalhos agrícolas e serviço de casa. O cultivo do vimeiro adquiriu importância na segunda metade do séc. XIX. A cultura teve um incremento na freguesia da Camacha e rapidamente se espalhou no Funchal, alargando-se às freguesias do norte, nomeadamente a de Boaventura. A par destas indústrias, que assumiram um papel de relevo na economia da Ilha, é necessário considerar os diversos ofícios e atividades artesanais que contribuíram para a pujança dos diversos sectores e a melhoria do conforto humano. A maior parte dos artefactos e produtos daqui resultantes tinham como destino o mercado local, apesar de alguns encontrarem mercado na exportação. Foi o caso dos embutidos, das flores de penas e dos chapéus de palha. Estes últimos tinham, em 1874, uma importante oficina na R. da Alfândega, propriedade de Lacerda & Irmão. O embutidor trabalhava em paralelo com os ofícios anteriores, sendo-lhe atribuída a missão de dar às pequenas peças de mobília um aspeto apelativo. Através de um jogo de cor de diferentes madeiras, traçava retratos, flores ou construções geométricas que decoravam tampos de mesas, cofres, caixas e caixinhas. As referências mais antigas a este ofício reportam ao séc. XVII, mas foi na segunda metade do séc. XIX que esta arte ganhou fama na Ilha e fora dela. A reputação do embutido e a sua procura levou à criação de oficinas especializadas. A primeira foi fundada em 1770, na fortaleza do Pico, mas o estabelecimento que deu maior alento aos embutidos foi, sem dúvida, a escola de desenho industrial, a partir de 1889 e com oficialização em 1916. Ao nível das atividades subsidiárias, merecem a nossa atenção as que se prendem com os sectores dominantes no processo económico. Assim, no caso do vinho, é necessário ter em conta a atividade dos tanoeiros, de que ficou memória no nome de uma rua da cidade. Note-se que, durante muito tempo, a exportação do vinho era feita a granel, havendo necessidade do vasilhame de madeira. Normalmente, a madeira de carvalho era importada dos EUA, de Charleston, por exemplo, e na ilha da Madeira procedia-se ao fabrico das pipas, em oficinas anexas às lojas de vinhos ou independentes. Em 1862, eram 52 as oficinas de tanoaria em laboração com mais de 200 operários, situando-se maioritariamente na cidade. Paralelamente, o trabalho da madeira tinha outros ofícios associados, como era o caso dos carpinteiros e marceneiros. A oficina de marcenaria trabalhava com as madeiras da Ilha ou importadas, sendo de notar a ideia vigente, a partir do séc. XVII, de que, com a madeira das caixas de açúcar, se faziam móveis, nomeadamente armários e contadores, que ficaram designados, precisamente, como caixas de açúcar. Estes ofícios concentravam-se maioritariamente na cidade: em 1863, trabalhavam aí 92 dos 120 marceneiros de toda a Ilha; o Funchal apresentava 112 dos 196 carpinteiros existentes. De entre as diversas atividades artesanais que contribuíam para o conforto das populações, devemos salientar as concernentes ao vestuário, incluído a tecelagem e a tinturaria, o curtume e o fabrico de botas, mas também as respeitantes aos produtos de cozinha e higiene que compreendiam os utensílios de barro e folha e o sabão, e ainda as alimentares, nas quais se incluíam as massas e as bebidas alcoólicas. A estas, juntam-se ainda outras atividades, como o fabrico de cal e telha para a construção de habitações, ou a produção de acessórios, como chapéus de feltro e palha e flores de penas. A presença de barro na Ilha é evidenciada pela toponímia, mas, mesmo assim, ele parece não ter sido suficiente para as necessidades locais, uma vez que, à sua procura para o fabrico de utensílios domésticos, como a telha dita romana, houve que juntar, nos sécs. XV e XVI, a sua procura para a indústria do fabrico de açúcar, quer para as formas, quer para outros elementos da fase de purificação. Lembre-se que, no fabrico do açúcar, as formas só serviam uma vez, necessitando quase sempre de ser partidas para retirar o pão de açúcar. Isto obrigava à existência, na retaguarda, de oleiros e do barro necessário para o seu trabalho. Nas indústrias subsidiárias da construção, temos os fornos de telha, onde se coziam as telhas de barro e os de cal, onde se preparava a cal. Dos primeiros, na passagem para o séc. XXI, temos cinco fornos no Funchal e três no Porto Santo; dos segundos, apenas 10 moinhos no Porto Santo, não obstante terem existido outros no Funchal, Santa Cruz, Câmara de Lobos e São Vicente. A Madeira apresentava, em 1845, quatro fornos, passando para cinco em 1863. Os da vertente sul laboravam a pedra calcária vinda do Porto Santo, tornando-a mais vantajosa, dada a falta de lenha. Apenas em São Vicente, desde o séc. XVI, se dispensava a pedra calcária porto-santense, por motivo da existência de um filão de cal na zona dos Lameiros que foi explorado já no séc. XX, mas que, a exemplo do Porto Santo, deixou de ter importância. Foi no Porto Santo, nomeadamente no ilhéu de Baixo ou da Cal, que a exploração deste material se transformou numa importante fonte de riqueza. No séc. XV, o senhorio da ilha, interessado em manter sem sobressaltos a indústria açucareira, proibiu a exploração da cal, obrigando os madeirenses a importá-la do continente. Todavia, no séc. XVI, a quebra do açúcar e a necessidade desse material para a construção de fortificações levou ao incremento da indústria da cal no Porto Santo, atividade que se manteve até à déc. de 70 do séc. XX. Note-se que, em 1928, funcionavam, em todo o arquipélago, 10 fábricas de cal. O fabrico de panos para cobrir o corpo era, igualmente, uma atividade de tipo caseiro. As matérias-primas fundamentais – linho, lã de ovinos e materiais de tinturaria – eram de produção local, o que fazia com que muitas das peças de lã, linho e estopa fossem mais baratas do que os tecidos de cores garridas vendidos pelos adelos, cuja presença está documentada na Ilha desde o séc. XVII. A Madeira também importava linho, nomeadamente da Inglaterra, da Alemanha e da América do Norte. Todavia, a maior quantidade de linho consumido era de produção local, existindo a cultura, provavelmente, desde os inícios do povoamento da Ilha. As posturas do séc. XVI referem a prática corrente de alagar o linho nas ribeiras da cidade com muito dano das suas águas, pelo que se recomendava o uso de poços separados. A sua cultura espalhou-se por toda a Ilha, ganhando uma posição de destaque nas freguesias do norte, nomeadamente, em São Jorge e Santana. O séc. XVIII é considerado um momento de crise desta cultura, havendo necessidade de importar linho da América, pelo que as autoridades municipais tomaram medidas no sentido da promoção do seu cultivo. Assim, foi possível, com esta matéria, produzir toda a roupa branca que a Ilha necessitava. Todavia, a partir de meados do séc. XIX, teve lugar na Madeira uma invasão de tecidos estrangeiros, vistosos e a preços muito em conta, que destronaram o linho da terra (note-se que o trabalho de preparação do linho era muito custoso, sendo conhecido como o fadário do linho). Ao linho juntava-se a lã, fruto da tosquia dos ovinos. Foi no decurso do séc. XVIII que se assistiu a uma aposta nesta matéria-prima, feita através da promoção do pastoreio e da criação de ovelhas, de forma especial as meirinhas, por serem as que produziam as melhores lãs. Os ovinos de raça irlandesa surgiram na Ilha em finais do séc. XVIII, permitindo um melhor aproveitamento das lãs. Em 1862, a Madeira dispunha de 44.186 cabeças de gado ovelhum, maioritariamente distribuídas no Funchal, que produziam 39 t de lã branca e cerca de 8 t da preta. A estas duas matérias-primas fundamentais juntava-se ainda a seda, de menor dimensão. A sua presença na Ilha está documentada desde o séc. XV, encontrando-se isenta de qualquer direito desde 1485. Na segunda metade do séc. XVIII, foi evidente a aposta na seda, com incentivos da Coroa ao plantio de amoreiras. Uma vez disponível a matéria-prima, eram necessários teares e tecedeiras hábeis que produzissem os panos com os quais os alfaiates e costureiros faziam, depois, o corte do vestuário. De acordo com informação de 1862, o número de teares de linho e lã na Madeira era então de 559 e o de tecedeiras, 359, havendo uma incidência na Calheta, Santana e Funchal. Em 1908, o número de teares tinha subiu para 559, mas paulatinamente foram desaparecendo, como também a disponibilidade do linho e da lã de ovelha. De acordo com uma taxa estabelecida, em 1862, às tecedeiras do Porto Moniz, ficámos a saber que o concelho produzia 3300 m de pano de linho, 550 de lã preta e 110 de lã branca. É de salientar que os alfaiates tinham uma forte incidência na cidade do Funchal, o que poderá significar que no meio rural o corte do vestuário era caseiro. Os curtumes relacionados com o calçado mantiveram-se sempre com grande evidência na vida das populações, dependendo da disponibilização de gado ovino, caprino e, fundamentalmente, bovino e do consumo de carne. Esta indústria existe desde os primórdios da ocupação da Ilha. As intervenções do município contra a poluição das ribeiras por esta atividade, nomeadamente do Funchal, eram constantes. Os pelames e alcaçarias, por necessidade de água abundante, situavam-se quase sempre no leito das ribeiras. Na Tabua e Serra de Água, surgem algumas construções, consideradas popularmente como mouriscas, que nos parecem ter a ver com esta atividade. Tenha-se em conta que esta área da Ilha teve um papel importante nos curtumes. No decurso do séc. XVII, o estado desta indústria deveria ser decadente face à disponibilidade de couros e solas de proveniência brasileira de superior qualidade. Perante esta crise, o município de Machico apostou, em 1780, na reanimação da indústria. Na segunda metade do séc. XIX, o incremento da pecuária deverá ter contribuído para o reforço da atividade. Em 1863, temos notícia de 61 oficinas em que trabalhavam 532 surradores e curtidores. É evidente, nesta atividade, uma acentuada concentração na Calheta e Ponta do Sol, que surgem, respetivamente, com 17 e 19. Em 1908, as oficinas de curtir couros eram 61, passando para 38 em 1910, o que demonstra estarmos perante uma redução da matéria-prima. Todavia, em 1928, Peres Trancoso testemunha uma valorização da atividade com a plena laboração de 203 fábricas. A riqueza de couros repercutia-se no número de oficinas de sapateiro. A sua presença está documentada desde os primórdios do povoamento, com particular incidência no Funchal. De acordo com a regulamentação das posturas, sabemos qual o calçado fabricado na Ilha. Para homem, temos botas, sapatos, botas de montar e botas mouriscas. Já no calçado feminino, temos chapins, botinas e pantufas. Em 1862, laboravam 346 sapateiros, sendo 156 deles ativos no Funchal, número que desceu para menos de metade em 1906, e que voltou a subir, para 215, passados 10 anos. O quadro dos ofícios da Ilha segue uma matriz europeia e ajusta-se à realidade dos novos núcleos de povoamento, tendo em conta os fatores geográficos que os aproximam ou afastam. Desde o início, criou-se tudo do nada com oficiais trazidos do reino, e os municípios tiveram um papel importante na sua organização e controlo. Estes assumem um papel desusado no burgo, e desde 1484, por força de determinação régia, passam a ser ativos na vereação. Muitas das atividades que dão justificação à ocupação destes oficiais mecânicos contribuíram, não só para suprir as necessidades das comunidades locais, mas também para alimentar o comércio com regiões externas.   Alberto Vieira (atualizado a 15.12.2017)

História Económica e Social

livrarias

A existência de livrarias, com espaço físico ou virtual, e a facilidade no acesso ao livro, em termos de preço e disponibilidade no mercado, bem como a vulgarização do livro nas estantes das livrarias e bibliotecas pessoais é uma realidade tardia. Inicialmente, as bibliotecas (designadas de livrarias) eram institucionais. Só as famílias mais destacadas tinham lugar na sua casa para uma biblioteca, uma vez que a maioria da população não dispunha de condições para ter um espaço dedicado a essa função ou, tão-pouco, para comprar um livro. Note-se que em 7 de agosto de 1815, quando Napoleão Bonaparte escalou o Funchal a bordo do HMS Northumberland, a caminho de Santa Helena, o cônsul geral de Inglaterra, Henry Veitch, o visitou para lhe oferecer vinho, livros e fruta fresca. Também, mais tarde, Isabella de França, uma Inglesa casada com um morgado madeirense, que visitou o Funchal em 1853, refere a presença de livros em algumas casas, onde pareciam funcionar como elementos de decoração. Assim, numa visão geral das casas visitadas, refere: “Sobre as mesas encontram-se livros ricamente encadernados, porcelana francesa e outros adornos, entre os quais não faltam jarras de flores delicadas” (FRANÇA, 1970, 67). Sabemos que os livros faziam parte da bagagem dos viajantes, pois Isabella de França testemunha a presença destes no seu baú, entre roupa e outros objetos. Maria Clementina (1803-1867), freira do Convento de S.ta Clara e filha de Pedro Agostinho Teixeira de Vasconcellos e de sua mulher, Ana Augusta de Ornelas, tinha em seu poder uma coleção de livros. Fanny Anne Burney, no jornal que escreveu em 1838 e que só publicou em 1891, refere que a freira era detentora e leitora de obras de Racine, de Corine, de M.me de Stael, da tradução francesa de Abbot de Walter Scott, das Maximes de Chateaubriand, de Paulo e Virgínea, e de Génie du Christianisme. Até ao aparecimento da imprensa, a circulação do livro fazia-se através de cópias entregues a copistas especializados de instituições como conventos. Na Madeira, só com a publicação, em 1821, do jornal O Patriota Funchalense se registou a primeira tipografia, sendo a atividade exclusiva desta a edição de jornais. O primeiro livro que terá sido editado na Ilha foi Saudades da Terra de Gaspar Frutuoso, com as anotações de Álvaro Rodrigues de Azevedo, em 1873, na Tipografia Funchalense. Por outro lado, não podemos esquecer o controlo da edição de livros que existiu em Portugal, primeiro pela Inquisição e depois por ordem política, que condicionou a circulação de livros. O livro era um produto raro e quase só estava disponível em bibliotecas, ou livrarias, de instituições. Conhecemos a importância das livrarias dos conventos, nomeadamente da livraria do Colégio dos Jesuítas, e da livraria da Escola Médico-Cirúrgica, no Funchal. Também podemos assinalar algumas bibliotecas privadas de instituições industriais, como a de Hinton, ou de técnicos especializados, como João Higino Ferraz, que tinham necessidade de obras especializadas de âmbito científico e que encomendavam, por interposta pessoa, livros editados em França e Inglaterra. Mas, na segunda metade do séc. XIX, a realidade madeirense começa a mudar, de forma que José Silvestre Ribeiro refere as livrarias do Paço Episcopal, dos conventos, do Seminário e da Câmara. Ademais, a tradição dos clubes privados e das associações conduziu à valorização da leitura com a disponibilização de livros. Assinale-se o Clube Inglês, onde se anuncia, com muita pompa, a disponibilidade de uma sala de leitura que vinha colmatar as necessidades de lazer dos súbditos britânicos de passagem. Note-se que os Ingleses insistiam nas carências culturais da cidade funchalense, apontando a falta de teatro, cafés e livrarias, como sucede com Emiline Stuart Wortley, em 1854. A venda de livros na Madeira parece ter começado através do comércio a retalho em lojas, mercearias e bazares, onde se vendia tudo. O comércio por miúdo de produtos em lojas especializadas é uma realidade do séc. XX. Mais tarde, vamos encontrar a venda de livros associada às tipografias em geral, às tipografias especializadas e à publicação de jornais, através de anúncios que publicitavam os locais de assinatura das publicações que apareciam em fascículos, a saber, algumas lojas de referência na cidade, que tinham representações das editoras de Lisboa. Em 1850, John Driver estranha a ausência de livrarias no Funchal, afirmando: “There is no literature – no bookseller's shop – on the whole Island; although a few books may be had in other shops, but very few [Não há literatura – não há nenhuma livraria – em toda a Ilha; embora se possa comprar um ou outro livro noutras lojas, mas muito poucos]” (DRIVER, 1850, 381-382). Dennis Embleton confirma esta ausência de livrarias e conclui: “The want of booksellers' shops is a sure sign of the backwardness of education among the people, and it is a great inconvenience to visitors [A ausência de livrarias é um sinal evidente do atraso educativo do povo, e um grande inconveniente para os visitantes]” (EMBLETON, 1862, 36). Em 1868, Gomes Leal esteve no Funchal e, numa das suas missivas, referiu uma biblioteca na Madeira “que o deixou atónito. Era muito cheia de livros de Jesuítas e, entre eles, um Dicionário Universal composto de 200 volumes. É a coisa mais curiosa que tenho visto” (NEPOMUCENO, 2008, 41). Ainda na mesma data, vemos António Nobre dizer que, na sua viagem para a Ilha, ia carregado de livros: “levo livros, muitos livros e o ‘Regresso’ para o completar: desta vez sempre irá” (NEPOMUCENO, 2008, 50). Em 1885, a situação persiste, afirmando J. Y. Johnson que: “A private library is a thing unheard of, and there is not a Portuguese bookseller's shop on the island. Some of the shopkeepers, it is true, keep books on their shelves, hut they are very few in number and chiefly works of religious devotion [Não há bibliotecas particulares, nem existe uma livraria portuguesa na Ilha. É verdade que algumas lojas vendem livros, mas são muito poucos e são essencialmente obras de devoção]” (JOHNSON, 1885, 55). Por tradição, se os leitores da Ilha não importassem os livros do continente e do estrangeiro, tinham de se sujeitar ao regime de assinaturas, que operava apenas com as publicações mais vulgarizadas. Em 1882, O Crime de Alberto Didot, por exemplo, poderia ser comprado mediante assinatura, que poderia ser feita no Funchal, nas lojas Nova Minerva, Camacho & Irs. e Camisaria Central. Já a assinatura da História de Portugal de Manuel Pinheiro Chagas poderia ser feita diretamente no jornal que publicava o respetivo anúncio. No entanto, em 1877, o Diário de Noticias refere que o Bazar Camacho e Irs. já vende livros e que a Casa Camacho e Carregal tem disponível o Almanach das Senhoras para o ano de 1878. As razões que explicam o facto de o livro ser um produto pouco comum na sociedade madeirense e de ser rara a sua venda em lojas são o elevado custo das publicações e o problema do analfabetismo, que chegou, em parte, ao séc. XXI. A paulatina vulgarização do ensino levou à necessidade de livros escolares e abriu caminho para um potencial de leitores. Assim, em 1889, a Gramática de Língua Portuguesa de João de Nóbrega Soares, que apresentava maior procura, vendia-se em diversos estabelecimentos no Funchal. Já o livro de J. C. Faria, O Archipelago da Madeira, tinha um depósito geral na casa Dilley no Funchal. A déc. de 80 do séc. XIX, marca, portanto, uma mudança de atitude em relação à venda dos livros. As publicações que eram vendidas, quase sempre através de anúncio de jornal, passam a dispor de livrarias e de vários estabelecimentos de depósito de livros. O Funchal passa a ter uma loja especializada para a sua venda. Surge, assim, em 1886, a Livraria e Tipografia Esperança, que perdurou como espaço exclusivo para a venda de livros. Em 1914, esta livraria com projeção nacional mudou-se para a R. da Alfândega e, em 1938, para a R. dos Ferreiros. Em 1973, instala-se definitivamente no número 119 da R. dos Ferreiros, com um stock de 12.000 livros diferentes. Em 1991, a continuidade da livraria foi assegurada com a criação da Fundação Livraria Esperança, Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) declarada como sendo de utilidade pública. Passados cinco anos, ampliou-se o espaço de exposição com a aquisição de um prédio que serve de anexo, com uma área de 1200 m2 e mais de 96.000 livros expostos. A partir do séc. XX, começam a surgir novas livrarias, o que quer dizer que o livro, como produto de venda, tem cada vez mais clientes. Assim, em 1906, temos a livraria Funchalense e, em 1907, a livraria Escolar de Polonia & C.ª. O Almanac Madeirense para 1909 apresenta publicidade ao Bureau de la Presse de J. M. da Rosa e Silva, um quiosque da época sito à Pç. da Constituição, onde se vendia: “livros Nacionais e estrangeiros aos preços das casas editoras – sempre as últimas novidades literárias!” (Almanac de Lembranças Madeirense para 1909, 1908). Em 1910, o Roteiro do Funchal de A. Trigo apresenta as seguintes papelarias e livrarias: Antonio d’Andrade, R. dos Ferreiros, 24 e 26; Bazar do Povo, R. do Bettencourt, 1 a 21; Coelho, Irs., Lg. da Sé, 4; livraria Escolar, R. Camara Pestana, 14; livraria Funchalense, R. do Bispo, 25 a 35; Loja Dilley, R. do Aljube, 13 e 15; Minerva Phenix, R. do Príncipe, 53; Nova Minerva, R. da Alfandega, 45. Já o almanaque ilustrado de 1913 refere em anúncio a livraria Popular de José Eduardo Fernandes na R. de João Tavira, que vende “grande variedade de quinquilharias, vidros, objetos para escritório, livros de estudo e objetos de culto religioso” (1913 – Almanach Ilustrado do Diário da Madeira, 1912). Mesmo assim, Charles Thomas-Stanford, no mesmo ano, fica com a imagem de uma terra que não é de amantes de livros, pela sua raridade: “Book-lovers will deplore the booklessness of the town – which does not boast a bookseller of any sort [Os amantes dos livros não deixarão de lamentar que se trate de uma cidade sem livros – uma cidade onde não existe uma única livraria]” (THOMAS-STANFORD, 1910, 201). No séc. XXI, o Funchal, para além destas livrarias, dispunha de outras com menor dimensão, sendo de destacar as livrarias Bertand, FNAC e Worten. Todavia, devemos salientar que o conceito de livraria corre o perigo de se perder com a assimilação por parte dos espaços de venda de produtos variados, como é o caso da livraria FNAC, que está incorporada numa loja de artigos eletrónicos e eletrodomésticos, e das livrarias dos supermercados, nomeadamente da marca Continente e Pingo Doce. O Funchal contava ainda com a Fundação Livraria Esperança, a Julber papelaria e livraria Lda, a Leya SA, e a livraria Papel e Caneta. Por tradição, as lojas especializadas em serviço de papelaria, como a livraria Figueira, a papelaria Condessa, a papelaria do Colégio e o Bazar do Povo, tinham serviço de venda de livros. A livraria Figueira viria a desaparecer. A papelaria Condessa e o Bazar do Povo cessariam o serviço de venda de livros. Apenas a papelaria do Colégio manteria uma diminuta secção de livros Por outro lado, as instituições oficiais dispõem de expositores e de serviço de vendas de publicações tanto num regime material como num virtual, pela Internet. Assim, a Direção Regional de Cultura apresenta, na R. dos Ferreiros, os livros publicados pela extinta DRAC e pelo Arquivo Regional da Madeira; já o Centro de Estudos de História do Atlântico tem, na R. das Mercês, um expositor e serviço de vendas. Também a Câmara Municipal do Funchal apresenta, no átrio do Teatro Municipal, o seu Serviço de Publicações. Com orientação definida em termos das publicações, deveremos referir a Paulinas Multimédia, que existe no Funchal. Esta livraria dedica-se a publicações de carácter religioso. Podemos referir ainda a livraria Inglesa, que funcionava em diminuto espaço do Pateo Photographia Vicentes e que tinha um serviço especializado de venda de publicações em inglês. Num âmbito especializado da banda desenhada, merece, por fim, referência a livraria Quinta Dimensão, criada em setembro de 2004, que se transformou num polo de divulgação de banda desenhada. Ainda no âmbito do mercado livreiro, não podemos esquecer a realização dos festivais literários e das feiras do livro, organizadas, desde 1975, pela Câmara Municipal do Funchal, que sempre foram um espaço de divulgação e de contacto do público com o livro.     Alberto Vieira (atualizado a 14.12.2017)  

História da Educação Literatura Sociedade e Comunicação Social Madeira Cultural

leme, luís da câmara

Filho do morgado D. João Frederico da Câmara Leme e de uma das filhas dos viscondes de Torre Bela, D. Maria Carolina Correia Pinto, nasceu no Funchal a 26 de março de 1819, sendo irmão do Ten. D. Jorge da Câmara Leme (1807-1889), que ainda entrara nas lutas liberais, do Ten.-Cor. e governador civil do Funchal D. João Frederico da Câmara Leme (1821-1878), e ainda de D. José da Câmara Leme (c. 1823-1883), capitão do estado-maior. Descendiam do ramo dos Câmara da linha de Garcia Homem de Sousa e de uma das filhas de Zarco, descendência que se cruzara, entretanto, com os Leme (Genealogias) e de que a principal figura fora, nos meados e finais do séc. XVII, o Ten.-Gen. Inácio da Câmara Leme (1630-1694) (Tenente-general). D. Luís da Câmara Leme assentou praça em 1836, sendo despachado alferes de Caçadores 5 em 1837 e enviado, a 18 de outubro de 1838, para servir no comando da 9.ª Divisão Militar, com sede no Funchal, ordem assinada pelo então ministro da Guerra, conde do Bonfim (1787-1862), que fora governador da Madeira. Pouco tempo depois, no entanto, terá estado em Lisboa, pois, em 1844, concluiu com distinção a Escola do Exército, sendo promovido a tenente em 1845 e a capitão em 9 de abril de 1851, referindo-se na nomeação definitiva como capitão do corpo do estado-maior, de 4 de agosto desse ano, assinada pela Rainha e pelo duque de Saldanha (1790-1876), que frequentara o curso preparatório da extinta Academia de Marinha e da também já extinta Academia de Fortificação, Artilharia e Desenho, onde fizera os cursos de Engenharia e Artilharia, tal como frequentara, na Escola do Exército, o curso de estado-maior. É possível que tenha sido mobilizado para Lourenço Marques, mas não conseguimos confirmar a informação, nem a sua estadia em Moçambique, que, a ter ocorrido, teria sido por pouco tempo. Na déc. de 50, entretanto, D. Luís da Câmara Leme entrava decididamente na política. Havendo terminando a legislatura de 1853 a 1856, mandou o alvará de 18 de agosto de 1856 convocar as comissões de recenseamento para procederem à eleição dos quatro deputados que competiam à Madeira. A realização das eleições teria apresentado dificuldades fora do Funchal, mas, em dezembro desse ano, foram eleitos o antigo governador, José Silvestre Ribeiro (1807-1891), D. Luís da Câmara Leme, Sebastião Frederico Rodrigues Leal, então redator do periódico O Funchalense, e António Correia Herédia (1822-1899). D. Luís da Câmara Leme voltaria a concorrer às eleições de 1860, que uma vez mais conheceriam algumas dificuldades de realização. A 7 de janeiro de 1860, e.g., só existiam as nomeações para as comissões do Funchal e do Porto Santo e, no mesmo dia, oficiava-se para a Ponta do Sol, para que fossem tomadas as devidas providências para “a completa liberdade dos eleitores”, colocando-se a hipótese de se ter de enviar uma força armada para o concelho, dadas as manifestações de violência ocorridas (ABM, Governo Civil do Funchal, liv. 8, fls. 114-115). O figurino mudara entretanto, passando a existir círculos e, sendo a primeira vez que tal ocorria, parece ter sido esse o motivo das dificuldades, embora a acusação recaísse quase sempre sobre os Herédia da Ribeira Brava. Vieram a ser eleitos pelo círculo do Funchal Luís Vicente de Afonseca (1803-1878), pelo da Calheta D. Luís da Câmara Leme, pelo de Santa Cruz Luís de Freitas Branco (1819-1881), e pelo da Ponta do Sol António Gonçalves de Freitas (1827-1875). Sendo dissolvido o Parlamento por decreto de 27 de março de 1861 e mandando-se proceder a novas eleições ordinárias de deputados às Cortes, que decorreram a 20 de maio desse ano, foram eleitos os mesmos deputados das eleições de 1860. Em 1853, D. Luís da Câmara Leme servira sob as ordens do Mar. Saldanha, que muito o considerava e de quem se tornaria muito amigo, justificando-se a dedicatória de “súbdito e obrigadíssimo amigo” no seu primeiro grande trabalho de fundo: Elementos da Arte Militar, em que se não assume como autor, mas somente como coordenador, editado em 1862 com “juízo crítico” do Ten. José Maria Latino Coelho (1825-1891), então secretário da Academia Real das Ciências. Este trabalho ainda teve uma II parte, em 1863; e III e IV partes em 1864, recolhendo logo os melhores elogios, como na Gazeta de Portugal, tendo tido edições aumentadas nos anos seguintes. Por estes anos era chefe da 3.ª secção da secretaria da direção-geral de Engenharia e, em 1864, teve a nomeação de subchefe da 3.ª repartição do Ministério da Guerra, sendo promovido a major em 1866. Nos inícios desse ano de 1866 foi nomeada uma comissão par dar parecer acerca do armamento com que deveria ser dotado o exército português, “visto que a época das armas de carregar pela boca tinha acabado como o último tiro de espingarda de agulha do soldado prussiano nos campos de Sadowa” (LEME, Diário de Lisboa, 19 set. 1866). Luís da Câmara foi o redator dessa comissão, que manifestou a opinião de que se adotasse a carabina do sistema Westley-Richards de carregar pela culatra e do cano Whitworth, como sendo o modelo mais perfeito para os caçadores. Em vista disso ordenou o ministro da Guerra que se fizesse um contrato provisório para a compra de 8000 carabinas desse sistema para caçadores e 2000 clavinas para a cavalaria. O “Relatório apresentado a sua excelência o ministro da Guerra…”, datado de 10 de setembro de 1866, saiu no Diário de Lisboa, de 19 do referido mês, sendo reproduzido no dia seguinte na Gazeta de Portugal. Nessa sequência, Luís da Câmara, então chefe interino do gabinete do ministro da Guerra, teve ordem de ir a Londres ratificar esse contrato, a 25 de outubro desse ano, com ordem de embarque e ajudas de custo despachadas por António Maria Fontes Pereira de Melo (1819-1887), também oficial de engenharia. A deslocação a Londres terá corrido muito bem e, a 18 de julho de 1867, foi nomeado para ir estudar na Exposição Universal de Paris, realizada nesse ano, “tudo o que se faz relativo às artes e ciências militares, formulando depois um relatório das suas observações para ser presente ao Governo” (AHM, Processos Individuais, cx. 1097, n/catalog.). O “Relatório a S. Ex.ª o ministro da Guerra…” de 1867, na sequência da visita à exposição de Paris, saiu no Diário do Governo de 24 de dezembro desse ano, continuando nos números seguintes, e foi depois impresso em separado com data do referido ano, mas, por certo, já no ano seguinte. Face aos contatos estabelecidos em Londres e, depois, em Paris, o Maj. Câmara Leme publicaria novo trabalho em 1868, sob o título Considerações Gerais acerca da Reorganização Militar de Portugal, que o confirmava como um dos militares portugueses mais bem informados do seu tempo. Nesses anos, como chefe da repartição de gabinete da Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra, interessou-se especialmente pela situação económica dos militares, o que granjeou então profunda gratidão e reconhecimento. Entre as várias ações desenvolvidas contam-se os contactos com a congénere Secretaria dos Negócios da Fazenda e o facto de ter levado os militares a seu cargo a aderirem ao Montepio Oficial. Em 1870, quando se deu a revolta de 19 de maio, promovida pelo Mar. de Saldanha, o Maj. Câmara Leme foi chamado ao ministério que o referido marechal organizou, a 22 desse mês, como “antigo deputado da Nação Portuguesa” (AHM, Processos Individuais, 3.ª div., sec. 23.ª, cx. 1097, dec. 22 jun. 1870), tendo sido encarregando da pasta da Marinha e Ultramar, com nomeação datada de 20 de julho, sendo então agraciado com a carta de conselho. Com data de 1 de agosto, ainda seria nomeado interinamente para a pasta das Obras Públicas, Comércio e Indústria, substituindo o marquês de Angeja. O gabinete de Saldanha, entretanto, teria muito curta duração, pois, a 29 de agosto do mesmo ano de 1870, outro golpe levou à queda do ministério, sendo provisoriamente substituído por outro, formado pelo marquês de Sá da Bandeira e o velho marechal teve de aceitar retirar-se para Londres, para onde foi como ministro plenipotenciário e onde veio a falecer com 86 anos, a 20 de novembro de 1876. Nos meados de 1874 era dado por terminado o período legislativo de 1871 a 1874, sendo fixadas para 12 de julho seguinte as eleições, que passariam a partir daí a ocorrer no mesmo dia que no “continente do reino” (ABM, Governo Civil do Funchal, liv. 8, fls. 188v.-189). Nestas eleições foram então eleitos D. Luís da Câmara Leme (irmão do então governador civil), pelo Partido Popular, e Ricardo Júlio Ferraz (1824-1880), pelo Partido Regenerador. Este era sócio da firma açucareira Ferraz & Irmão, sucessora das várias firmas fundadas por seu pai, pelo que juntamente com Câmara Leme viria a apresentar um projeto de lei para a extinção do direito que o açúcar madeirense pagava no continente e nas restantes ilhas – projeto esse que a Comissão da Fazenda veio a aprovar em 22 de março de 1875 pelo prazo de cinco anos. D. Luís da Câmara Leme seria promovido a tenente-coronel em 1874, e a coronel, em 1876. Em 1878 foi eleito par do reino, tomando posse na respetiva Câmara a 10 de janeiro de 1879. Neste ano também exerceu o cargo de governador civil do distrito de Lisboa, sendo promovido a general de brigada em 1883 e reformando-se, como general de divisão, a 4 de junho de 1884. General de divisão reformado, do conselho de Sua Majestade, ministro de Estado, par do reino, deputado, sócio correspondente da Academia Real das Ciências e da Sociedade Literária Almeida Garrett, etc., tratou sempre com conhecimento das questões ligadas aos militares, com que também se salientou na imprensa, em artigos dispersos por vários jornais e revistas militares. Câmara Leme foi um propagandista acérrimo da responsabilidade ministerial e das incompatibilidades entre cargos políticos e, nos últimos tempos, já alquebrado pelos anos mas ainda com admirável lucidez de espírito, renovava em quase todas as sessões legislativas o seu antigo projeto de lei nesse sentido, fazendo sempre largas considerações sobre o assunto, para provar a conveniência da sua aprovação, que nunca viu realizada, e cujas principais linhas ainda veio a publicar em 1893. Nos últimos anos, e quando já muito afastado da política partidária ativa, a sua voz era ainda ouvida no Parlamento com atenção e respeito. A oficialidade do exército português, que sempre lhe consagrou a maior veneração pela defesa dos seus interesses ao longo de muitos anos, cotizou-se, nos finais do século, para lhe oferecer uma comenda especialmente executada num dos melhores ourives da capital. Para esse efeito foi aberta subscrição, que num curto espaço de tempo excedia os 8.000$000 réis. O Gen. D. Luís da Câmara Leme aplicou então metade dessa quantia em esmolas para as viúvas pobres dos oficiais do exército, ficando o resto para custear a comenda. Faleceu em Lisboa, a 27 de janeiro de 1904, sendo cavaleiro da Ordem da Torre e Espada e da de N.ª S.ra da Conceição de Vila Viçosa e comendador da de S. Bento de Avis, em 1866; tal como das de Cristo e de Santiago da Espada; de S. Maurício e de S. Lázaro, de Itália; grã-cruz de Isabel “a católica” e de Carlos III, de Espanha; grande oficial da Legião de Honra, de França; e da de Leopoldo, da Bélgica. Era ainda condecorado com as medalhas militares de ouro de bons serviços, e de prata de comportamento exemplar. Elemento especialmente combativo, já se encontrava envolvido, em finais de 1838, num processo por desacato no passeio público de Lisboa, cujos contornos não conseguimos determinar corretamente, mas que sugere que Câmara Leme era já um nome de certa importância, dado ter sido especificamente nomeado pelo então ministro da Guerra. A referência consta da documentação do seu processo individual e, em princípio, teria sido a razão para o conde do Bonfim lhe passar ordem, a 18 de outubro desse ano, para que regressasse “a servir às ordens do comandante da 9.ª Divisão Militar” no Funchal (Ibid., Processos Individuais., 3.ª div., sec. 23, cx. 7, n.º 9, Minuta de ofício…, 1867). O seu espírito combativo e de defesa da classe militar é referido numa carta de Lisboa, de 15 de março de 1869, do diplomata Agostinho de Ornelas e Vasconcelos (1836-1901) para o irmão, o então Cón. D. Aires de Ornelas e Vasconcelos (1837-1880), onde refere estar em causa a nomeação de governador civil do Funchal para D. João Frederico da Câmara Leme. Escreve o diplomata Agostinho de Ornelas, que era o ministro do Reino, que tinha “muita repugnância a aceitar” a nomeação do “João Câmara, porque o Luís tem feito e faz aqui uma guerra terrível ao Ministério, procurando excitar contra ele os militares que estão geralmente descontentes com as reformas que feriram os seus interesses” (GOMES, 1997, 98-99). Pelos meados da déc. de 40, D. Luís era dado como muito próximo da célebre artista Emília das Neves e Sousa (1820-1883), filha do açoriano Manuel de Sousa, tal como o irmão mais velho de D. Luís, um dos “bravos do Mindelo” (Leme, D. Jorge da Câmara). A “bela Emília” fez a sua estreia nos palcos de Lisboa em 1838, data dos referidos desacatos no passeio público de Lisboa do então Alf. Câmara Leme, e teria sido a primeira grande vedeta feminina a surgir em Portugal, tendo atuado, inclusivamente, no Brasil. Um texto anónimo, Emília das Neves, Documentos para a sua Biografia, por um dos seus Admiradores, editado em 1875, é atribuído a Câmara Leme. Alguns biógrafos citam um primeiro casamento de D. Luís da Câmara com Emília das Neves e que a mesma, falecendo em 1883, o teria feito herdeiro da sua apreciável fortuna, então avaliada em 80 contos de réis. Contudo, à data do seu falecimento, em 1883, Emília é sempre mencionada como solteira, tal como então o seu possível biógrafo. O Gen. D. Luís da Câmara Leme casou-se mais tarde, na freguesia dos Mártires de Lisboa, a 5 ou 15 de outubro de 1887, com D. Ana de Albuquerque (1858-1924), que foi escritora e também atriz no teatro de D. Maria II e que, nascida em São Tomé e Príncipe e filha de Luís Maria do Couto de Albuquerque da Costa, fidalgo e cavaleiro da casa real, bem como sócio correspondente da Academia Real das Ciências de Lisboa, era igualmente senhora de apreciável fortuna, tal como uma das mulheres mais cultas do seu tempo.   Obras de Luís da Câmara Leme: Elementos de Arte Militar (1862-1864) (atr.); “Relatório apresentado a sua excelência o ministro da Guerra em desempenho de uma comissão concernente à aquisição das novas armas de fogo portáteis” (1866); “Relatório a S. Ex.ª o ministro da Guerra acerca dos objectos militares mais notáveis apresentados na exposição universal de Paris em 1867” (1867); Considerações Gerais acerca da Reorganização Militar de Portugal (1868); Emília das Neves, Documentos para a sua Biografia, por um dos seus Admiradores (1875) (atr.); Incompatibilidades Políticas sob o Aspecto Histórico, Jurídico, Político e Moral (1893).   Rui Carita (atualizado a 14.12.2017)

História Militar Personalidades

leme, jorge da câmara

Filho mais velho do morgado D. João Frederico da Câmara Leme, que também usava o apelido Homem de Sousa, e de D. Maria Carolina Correia Henriques, ou Correia Pinto, filha dos viscondes de Torre Bela, nasceu no Funchal, a 13 de março de 1807. Teve como irmãos D. Luís da Câmara Leme (1817-1904), general, deputado e ministro da Guerra, D. João Frederico da Câmara Leme (1821-1878), tenente-coronel, e D. José da Câmara Leme (c. 1825-1883), capitão do estado-maior, secretário do ministro da Guerra e oficial às ordens honorário do rei D. Luís. Este ramo dos Câmara Leme descendia dos Câmara da linha de Garcia Homem de Sousa e de Catarina Gonçalves da Câmara, filha de Zarco, descendência que se cruzou com os Leme (Genealogias), nos inícios do séc. XVII e de que a principal figura foi, em Seiscentos, o Ten.-Gen. Inácio da Câmara Leme (1630-1694) (Tenente-general). O pai de D. Jorge da Câmara Leme, o morgado D. João Frederico, era ainda sobrinho materno do 1.º conde de Carvalhal, pois era filho da irmã do próprio, D. Ana Josefa de Carvalhal, que casara com João Francisco da Câmara Leme, tendo desposado com uma prima em segundo grau, Correia Henriques de Noronha, ou Correia Pinto, como indicámos, neta materna do 1.º visconde de Balsemão. D. Jorge da Câmara Leme seguiu a carreira militar, assentando praça, como voluntário, a 2 de dezembro de 1826, na 1.ª companhia de granadeiros do regimento de infantaria 4. Mas integrou-o por pouco tempo, pois, com a instalação do governo absolutista do infante D. Miguel, o regimento foi dissolvido. Devido às suas ideias liberais, emigrou, pouco depois, para Inglaterra, ao contrário do tio João Carlos Correia Brandão de Bettencourt Henriques de Noronha, 2.º visconde de Torre Bela (1794-1875), ajudante-de-campo de D. Miguel e um dos poucos morgados madeirenses que abraçou o absolutismo. D. Jorge passou, depois, à ilha Terceira, nos Açores, alistando-se no batalhão de caçadores 5, que desembarcou na praia de Mindelo, a 8 de julho de 1832, e participando em toda a campanha liberal, até à convenção de Évora Monte, tendo, na ocasião, o posto de alferes. Todos os seus irmãos integravam, então o exército e , pouco tempo depois, por volta de 1835, pediu a reforma, como tenente, tendo fixado residência na Madeira. Apenas temos notícias da sua participação na vida pública madeirense perto de meados de Oitocentos, no início do governo do conselheiro José Silvestre Ribeiro (1807-1891). As primeiras informações datam das eleições, determinadas para 1846, mas realizadas somente nos finais de 1847, depois dos pronunciamentos da revolução da Maria da Fonte. As circulares para as eleições na Madeira começaram a ser expedidas nos finais de setembro de 1847, mas, em novembro, ainda não se sabia como suprir a falta de D. Jorge da Câmara Leme, que fora nomeado para coordenar as comissões de revisão dos recenseamentos e que, com os pronunciamentos revolucionários desse ano, a referida Maria da Fonte, se retirara da vida pública do Funchal. O seu nome aparece mencionado, na mesma altura, na administração do Asilo de Mendicidade do Funchal, mas não sabemos se, dada a instabilidade política do período, terá abdicado da função. O governador conseguira que o bispo do Funchal, D. José Xavier de Cerveira e Sousa (1810-1862), assumisse a direção geral do asilo, integrando na administração D. Jorge da Câmara Leme e outros elementos da sociedade madeirense, que “tiveram a bondade de se prestarem gostosos a esse serviço”, como refere o próprio governador (FREITAS, 1852, 19-20 e 48-49). A comissão do asilo principiou, a 21 de abril, com cinco membros, aumentando para sete, a 23 do mesmo mês. Começou por funcionar no edifício do extinto convento de S. Francisco, mas, pouco depois, passou para as instalações das Angústias, iniciadas para servir essa mesma função. Como os terrenos haviam pertencido a D. Guiomar Madalena de Vilhena e, depois, passaram ao seu sobrinho bisneto, o 1.º conde de Carvalhal, sendo cedidos para construção do asilo, talvez D. Jorge da Câmara Leme, como herdeiro de ambos, tenha participado, pelo menos, nesta primeira fase da reinstalação. No entanto, somente temos referência ao próprio devido ao seu falecimento, que ocorreu a 8 de julho de 1889, e muito depois desta data.     Rui Carita (atualizado a 14.12.2017)

História Militar