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ferreira, antónio aurélio da costa

António Aurélio da Costa Ferreira nasceu no Funchal a 18 de janeiro de 1879. Era filho de Francisco Joaquim da Costa Ferreira, natural do Porto, e de Teolinda Augusta de Freitas, natural do Funchal. Médico, antropólogo, pedagogo e político, licenciou-se, pela Universidade de Coimbra, em Filosofia (1899) e em Medicina (1905), tendo recebido vários prémios nas duas faculdades. Estagiou em Paris, na Clínica de Tarnier e na Maternidade Lariboisière, e, mais tarde, numa clínica de doenças de crianças, especializando-se em pediatria. Nesta área, publicou Algumas Lições de Psicologia e de Pedologia em 1920 e História natural da criança em 1922. Foi professor no Liceu Camões e em outras instituições de ensino, vereador da Câmara de Lisboa (1908-1911) na altura em que era presidente A. Braancamp Freire, deputado por Setúbal (1910), primeiro-provedor da Assistência Pública (1911-1912) e ministro do Fomento (1912-1913) no Governo presidido por Duarte Leite. No ano de 1913, abandonou, quase por completo, a política. Tendo levado a cabo uma ação notável como educador na Casa Pia de Lisboa, de que foi diretor, criou, na mesma casa, em 1914, o Instituto Médico-Pedagógico, obra pioneira no atendimento e ensino de crianças com dificuldades de aprendizagem escolar. O Instituto António Aurélio da Costa Ferreira, criado em 1941 por influência de Vítor Fontes, era o continuador do Instituto Médico-Pedagógico. Mobilizado durante a Primeira Guerra Mundial, organizou o serviço de assistência aos mutilados portugueses, constituindo uma secção de seleção e orientação profissional no Instituto Médico-Pedagógico e uma secção de reeducação, fisioterapia e prótese no Instituto de Reeducação dos Mutilados de Guerra, em Arroios. Foi promovido a major em 1920. Por sua influência, foi criada, em 1915, na Escola Normal Primária feminina, a cadeira de Pedologia, de que foi professor até 1918 e que regeu juntamente com a de Psicologia Experimental. Foi assistente voluntário de Anatomia na Faculdade de Medicina de Lisboa (desde 1917), segundo assistente (1919) e professor livre de Anatomia Antropológica (1921), mediante concurso, de cujas provas públicas foi dispensado após ter-lhe sido atribuída a nota de 20 valores pelo conjunto de publicações de que era autor. Também exerceu a função especializada de naturalista no Museu Bocage, em 1919. Foi sócio fundador da Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia e sócio de diferentes sociedades científicas e de imprensa nacionais e internacionais e de reputados institutos, como o Instituto Geral Psicológico de Paris, de que era sócio titular, a Sociedade de Antropologia de Paris, o Real Instituto da Grã-Bretanha e Irlanda, e da Reunião Biológica de Lisboa como efetivo. Foi vice-presidente da secção antropológica da Sociedade de Geografia de Lisboa, vice-presidente do comité permanente interaliado para o estudo das questões relativas aos inválidos de guerra e delegado do governo nas conferências interaliadas para o estudo dessas questões, tendo trabalhado em várias cidades, entre as quais Paris, Bruxelas, Londres e Roma. Notabilizou-se especialmente pelos seus estudos antropológicos, um dos quais, Crânios Portugueses, publicou em 1899. Na Sociedade de Antropologia de Paris, apresentou outro estudo, que foi bem recebido pelos cientistas estrangeiros: “La Capacité du Crane et la Composition Ethnique Probable du Peuple Portugais”. Em 6 de março de 1909, fez, na Sociedade de Geografia de Lisboa, uma conferência que foi depois publicada com o título O Povo Português sob o Ponto de Vista Antropológico. Foi vastíssima a colaboração de Costa Ferreira em publicações da sua especialidade, tanto em Portugal como no estrangeiro. Dirigiu o Anuário da Casa Pia de Lisboa desde o volume de 1912-1913 até ao de 1920-1921, as Publicações do Instituto Médico-Pedagógico da mesma casa (1918-1919), bem como o boletim da mesma instituição (1921-1922). Também foi o responsável máximo da revista Esculápio (1913-1914). Relevam-se, para além dos já referidos, os seguintes títulos da sua autoria: Sobre a Psicologia, Estética e Pedagogia do Gesto; Algumas Lições de Psicologia e Pedagogia; “A Agudeza Visual e Auditiva, Debaixo do Ponto de Vista Pedagógico”; “A Visão das Cores”. António Aurélio da Costa Ferreira também era comendador da Ordem de Santiago, cavaleiro da Legião de Honra e tinha a medalha de ouro da Société Académique d’Histoire Internacional (Paris). Sob a influência de uma grave depressão nervosa, a 15 de julho de 1922 suicidou-se em Lourenço Marques (Moçambique), onde se encontrava no desempenho de uma missão de estudos antropológicos a convite de Brito Camacho. Obras de António Aurélio da Costa Ferreira: Crânios Portugueses (1899); “La Capacité du Crane et la Composition Ethnique Probable du Peuple Portugais” (1904); O Povo Português sob o Ponto de Vista Antropológico (1909); Sobre a Psicologia, Estética e Pedagogia do Gesto (1909); “A Agudeza Visual e Auditiva, debaixo do Ponto de Vista Pedagógico” (1916); “A Visão das Cores” (1917); Algumas Lições de Psicologia e Pedagogia (1920); História Natural da Criança (1922).     António José Borges (atualizado a 31.01.2017)

Antropologia e Cultura Material Cultura e Tradições Populares

comércio do funchal

O Comércio do Funchal teve a sua 1.ª edição em 1866 sob a direção do Cón. Abel Martins Ferreira, mantendo-se a sua publicação até ao n.° 13, em 1867. Reaparece em 15 de maio de 1910 e é suspenso a 15 de agosto do mesmo ano. No ano de 1966, um grupo de democratas madeirenses, que tinham atividade profissional ligada à agência de publicidade Foco, uma das duas primeiras agências de publicidade da Madeira, pretendendo fazer ouvir a sua voz através de um jornal autónomo e sem dependência editorial de terceiros, decidiu abalançar-se à publicação de um semanário. Na impossibilidade política e prática, devido à ditadura de Salazar, de criar um título novo, optou por “refundar” o CF, semanário já existente, arrendando-o ao seu proprietário, João Carlos da Veiga Pestana, e criando a sigla CF, para retirar significado ao nome original. Além de ser o proprietário, João Carlos da Veiga Pestana, embora sem exercer o cargo, figurava como diretor do jornal pois, face à legislação vigente, não era possível substituí-lo, aparecendo Vicente Jorge Silva como diretor interino, situação que se manteve até ao 25 de Abril. No grupo inicial de fundadores, que transcendeu os provenientes da Foco, contavam-se Artur Andrade (pai), António Aragão Mendes Correia, José Manuel Barroso, Vítor Rosado, Luís Manuel Angélica, Ricardo França Jardim, José Manuel Coelho, Duarte Sales Caldeira, entre outros. Alguns destes fundadores, apesar de já terem colaborado com outros periódicos regionais, Diário da Madeira, Jornal da Madeira e Eco do Funchal, não possuíam, no entanto, a experiência da publicação autónoma, o que não impediu que o grafismo adotado fosse inovador para a época, bem como a singularidade na escolha da cor (cor-de-rosa), que se ficou a dever ao facto de o preço deste papel ser o mais barato. Apesar da inexperiência e de todos os condicionamentos económicos e políticos, o grupo partilhava, para além da oposição ao regime salazarista, uma decidida vontade de inovar no jornalismo madeirense, rompendo, com esta proposta, o marasmo e a apatia reinantes, levando a liberdade de expressão o mais longe que a censura permitisse. Todos esses constrangimentos obrigavam a que, além de quatro funcionários administrativos, só dois elementos da redação, com dedicação exclusiva, auferissem ordenado. O CF existia graças ao apoio duma certa intelectualidade madeirense e nacional, tendo-se afirmado no panorama da imprensa nacional, com particular incidência junto da juventude universitária e dos milicianos que lutavam nas colónias, leitores fiéis, que constituíam quase exclusivamente o sustentáculo económico do jornal. Esta projeção valeu-lhe, no entanto, fortes dissabores com a censura e, posteriormente, com o exame prévio de Marcelo Caetano. Eram feitos, sistematicamente, cortes parciais e integrais em artigos, que tinham de ser substituídos em cima da hora de fecho da edição, tornando a saída de cada número uma odisseia. O periódico foi, inclusivamente, suspenso pela censura entre maio e outubro de 1968. O CF era paginado às quartas-feiras na Tipografia Minerva, situada na R. dos Netos, onde também era paginado o semanário Voz da Madeira, no qual colaborava Alberto João Jardim. Posteriormente, o jornal era dobrado manualmente e expedido, de modo a estar nas bancas no fim de semana. O jornal Voz da Madeira, da responsabilidade de Agostinho Cardoso, tio e figura tutelar de Alberto João Jardim, defendia e veiculava as ideias e posições da União Nacional e do regime salazarista. Todo o trabalho de dobragem e expedição do CF era realizado com recurso a trabalho voluntário predominantemente por pessoas ligadas à Juventude Operária Católica (JOC). A JOC, caso inédito a nível nacional, apesar de ser um movimento ligado à Igreja Católica, defendia e tinha na Madeira uma militância de esquerda. O CF chegou a atingir tiragens de 15.000 exemplares, a maioria dos quais expedidos para fora da Madeira. As receitas mal chegavam para cobrir os custos de edição e expedição para o continente e para as colónias, sendo o preço de venda do jornal nas colónias inclusivamente inferior ao preço dos portes. Ao longo da sua existência, o jornal ocupou várias sedes, respetivamente na R. dos Aranhas, na Av. do Mar, na R. do Seminário, na R. dos Netos, sendo a sua última fase na R. do Carmo (cedida gratuitamente pelo seu maior mecenas, o médico França Jardim). Paralelamente à sua atividade editorial, o CF apoiava e divulgava nas suas páginas toda uma série de iniciativas de âmbito cultural, fomentando um debate aberto e plural na sociedade madeirense. De entre essas iniciativas inéditas destacam-se debates sobre temas pertinentes tais como: a situação do turismo, a cultura na Madeira e o plano de urbanização do Funchal, da autoria de José Rafael Botelho, prestigiado arquiteto de esquerda, por encomenda do então presidente da Câmara do Funchal, Fernando Couto, plano esse que dividiu profundamente a sociedade madeirense. Outro dos assuntos debatidos versava o tema Portugal perante a Europa, participando nesses debates figuras regionais, algumas com ligações ao regime, e personalidades nacionais de relevo como Francisco Balsemão, António Barreto e João Martins Pereira. Desde os primeiros tempos interiorizou e assumiu o CF o desejo de autonomia como um dos seus traços mais característicos, não só a nível político e administrativo, face à centralização paternalista, asfixiante e castradora do salazarismo, mas um desejo de autonomia das próprias pessoas, no que se refere à sua dignidade de cidadãos. Quando começou a aventura do CF encarava-se a autonomia enquanto conceito libertador da secular dependência e do subdesenvolvimento da Madeira, sendo esse sentimento partilhado por um leque de pessoas dos mais variados quadrantes sociais e políticos, incluindo até responsáveis da União Nacional salazarista, como Agostinho Cardoso.   O CF e a censura do regime salazarista As contradições da época, o isolamento e a quietude social e política da Madeira permitiram que o CF tivesse beneficiado de um ambiente menos hostil à sua difusão local e ao seu posterior crescimento a nível nacional. Ao contrário do que se passava no resto do país, onde os censores eram numerosos e anónimos, na Madeira os censores não possuíam enquadramento ideológico seguro, tendo por vezes de aceitar essas funções, para as quais não estavam vocacionados, por arrasto doutras profissões que exerciam. Graças à proximidade e às boas relações pessoais existentes, era possível estabelecer um diálogo civilizado com os censores, sendo a censura na Madeira de certo modo mais benigna e sendo possível negociar cortes e proibições. Tinham os jornalistas e redatores uma luta constante para “escrever nas entrelinhas” de modo a que os censores não se apercebessem da verdadeira mensagem que estava a ser veiculada de forma sub-reptícia. Contudo, essa situação não se manteve eternamente e, a partir de uma edição sobre o Maio de 68 em França, arrancada quase a ferros ao censor, veio uma ordem do poder central para o CF ser censurado em Lisboa. Considerou o CF que, se obedecesse a essa ordem, estaria a criar um precedente gravíssimo e definitivo. A estratégia adotada foi a de interceder junto dos deputados madeirenses à Assembleia Nacional, invocando, por um lado, precisamente o (alegado e formal) regime de autonomia atribuído às chamadas ilhas adjacentes (distrito autónomo) e, por outro lado, argumentando que todo o material publicado na edição em questão tinha sido previamente visado pela censura local e que deste modo “não havia infringido nenhuma regra ou publicado material interdito […] e que se os textos dessa edição tinham sido carimbados e aprovados pela censura local e, além disso, se existia esse regime autonómico (apesar de formal), então o CF estava a ser alvo de uma medida claramente discricionária e até de uma flagrante ilegalidade” (SILVA, 2006, 19). No entanto, teve de se esperar que Salazar fosse substituído por Marcelo Caetano, iniciando-se a chamada “primavera marcelista” (fictícia primavera política), para que a coação exercida de forma continuada junto dos deputados madeirenses à Assembleia Nacional produzisse resultados. Apesar de ter nascido e ser editado na Madeira, o CF implementou-se em Portugal continental, junto dum público fidelizado, o que, até então, nenhum órgão de comunicação madeirense alcançara. Progressivamente, o CF foi-se afirmando a nível nacional, assumindo o papel de ponto de encontro, de plataforma nacional que espelhava debates ideológicos que as esquerdas, em especial as esquerdas universitárias, vinham travando. Essa abertura alterou, contudo, o “centro de gravidade” do jornal, que de algum modo, e pouco a pouco, começou a refletir as posições políticas e ideológicas dos seus colaboradores. Apesar de debater e refletir os grandes temas de discussão nacional, o CF nunca perdeu de vista nem descurou as suas raízes, dedicando, de forma continuada e permanente, atenção aos temas regionais, tendo inclusivamente uma secção específica para o efeito, a secção “Aqui e Agora”. Os tempos eram contudo de tempestade política que prenunciava, aliás, o fim do Estado Novo. Ninguém escapou a esse movimento que exacerbou as divergências entre as várias tendências da esquerda mais radical, acentuando clivagens ideológicas e o sectarismo das correntes maoistas, neoestalinistas e trotskistas, tanto por parte dos leitores como dos colaboradores. A descontinuidade geográfica em relação ao continente e a circunstância de se encontrar longe do epicentro das lutas que se travavam permitiu uma providencial distanciação física e ideológica insular ou, se se quiser, provinciana, filtrando e atenuando as mais exuberantes manifestações, preservando e possibilitando a existência dum resguardo. Por outro lado, a linha não engajada, que era a linha do socialismo libertário, da autogestão, da social-democracia norte europeia, prosseguida por Vicente Jorge Silva, principal responsável editorial do jornal, conseguiu durante algum tempo exercer uma arbitragem eficaz, mesmo que quixotesca, junto às posições opostas e cada vez mais extremadas dos colaboradores do CF.   O CF e o 25 de Abril Citando o próprio Vicente Jorge Silva, “quando acontece o 25 de Abril, o Comércio do Funchal constituía o núcleo central da oposição visível à ditadura na Madeira. Tinha sido a partir do Comércio do Funchal que se tinha tomado a iniciativa da chamada Carta ao Governador (que era então o coronel Braamcamp Sobral, um homem de grande estreiteza mental e que fazia pressões sistemáticas junto da censura para criar dificuldades crescentes ao jornal). Tinha sido também a partir do CF que se organizou a lista da oposição às eleições de 1969. Nessas iniciativas é justo destacar o papel de José Manuel Barroso e António Loja. Entretanto, tinham afluído ao jornal pessoas de novas proveniências, nomeadamente, a nível local, do militantismo católico e que em grande parte acabariam por converter-se, mais tarde, ao marxismo-leninismo. Foi-se verificando, assim, um choque de tendências entre a chamada oposição moderada e a oposição mais esquerdista que se refletiu também no interior do Comércio do Funchal, onde a influência do esquerdismo predominava (e a que não eram estranhos a maioria dos colaboradores radicados no continente)” (SILVA, 2006, 21). À medida que as posições ideológicas se extremavam, tornava-se cada vez mais difícil a situação de Vicente Jorge Silva, emparedado entre essas tendências, porque, por um lado, considerava a chamada oposição moderada e republicana, protagonizada pelos que mais tarde viriam a fundar o Partido Socialista, demasiado branda, mas, por outro lado, não se identificava “nem com o comunismo soviético (o Comércio do Funchal era, aliás, muito crítico em relação à URSS e aos regimes de Leste), nem com as correntes maoistas dominantes na juventude universitária onde o jornal tinha forte implantação” (SILVA, 2006, 22). O 25 de Abril tomou a todos de surpresa. Nas primeiras horas, a falta de informação e a informação contraditória não permitia descortinar quem eram os reais autores do golpe e a sua verdadeira dimensão, correndo inclusivamente, nessa altura, o boato de que se poderia tratar de um golpe de extrema-direita protagonizado por Kaúlza de Arriaga. Nos dias seguintes, à medida que ia chegando informação de que se tratava da queda do regime, a assimilação das suas verdadeiras implicações por parte dos madeirenses, incluindo as autoridades civis e militares, não foi imediata, pelo que se viveu “na Madeira um tempo de confusão verdadeiramente surreal, em que as autoridades locais fingiam comportar-se como se nada se tivesse passado (apesar de Tomás e Caetano terem sido enviados sob prisão para o Funchal) e em que alguns agentes da PIDE apareciam nos cafés falando em voz alta para serem ouvidos nas mesas vizinhas, alegando que nunca tinham feito mal a ninguém. Sentia-se que era preciso reagir, fazer qualquer coisa, mostrar que o 25 de Abril também tinha chegado à Madeira, apesar de não ter havido na ilha nenhuma movimentação militar. Ora, as comemorações do primeiro 1º de Maio em liberdade constituíam uma ocasião particularmente propícia para isso. E foi a partir das instalações do Comércio do Funchal, transformadas em quartel-general, que se organizou a manifestação do 1.º de Maio que juntou dezenas de milhares de pessoas ao longo das ruas do Funchal, passando pelo palácio de S. Lourenço onde estavam detidos Tomás, Caetano e ministros da ditadura como Moreira Baptista e Silva Cunha, até terminar no largo do Colégio. Os discursos foram feitos a partir da varanda da Câmara Municipal (alguns elementos do MFA destacados na Madeira tinham colaborado na parte logística) que decidimos ocupar simbolicamente, até para exigir a demissão dos responsáveis do antigo regime que se mantinham placidamente nos seus postos, fingindo ignorar o que acontecera no país” (SILVA, 2006, 22). Com a Revolução de 25 de abril, o tradicional papel histórico do CF, sem ninguém disso se aperceber, estava paulatinamente a chegar ao fim. Na primeira edição do período depois do 25 de Abril, dada a indefinição existente, nem se sabia ao certo se seria ou não necessário submete-lo à censura. Nos dias, seguintes, multiplicavam-se as edições, à medida que surgiam novos desenvolvimentos. Foram dias de frenesim e excitação revolucionária, com novos desenvolvimentos hora a hora, minuto a minuto. A excitação e a euforia revolucionária desses dias forneciam a energia para ultrapassar o cansaço. Para além de assegurar as múltiplas tarefas inerentes às sucessivas edições, o núcleo de pessoas pertencentes ao CF teve de conciliar essa ação com as atividades emergentes da militância política. Rapidamente se colocou a questão de saber qual o papel que o jornal deveria assumir futuramente. Adquirido era apenas o facto de que continuaria a ser de esquerda, porém estava em questão se deveria continuar a ser uma publicação politicamente autónoma e independente ou se, pelo contrário, deveria tornar-se o porta-voz de um movimento político e partidário. Vicente Jorge Silva e o núcleo duro dos fundadores moderados defendiam a primeira alternativa, mas estavam claramente em minoria face à vontade dominante, que acabaria por prevalecer. Entretanto, fora criado um movimento político, a União do Povo da Madeira (UPM), que juntou a oposição mais à esquerda, e ao qual aderiram também muitos recém-chegados à democracia. A certa altura, chegou-se a verificar um mimetismo entre a redação do CF e os órgãos de cúpula da UPM, cujos membros eram oriundos em parte dos movimentos cristãos da juventude, embora incluíssem também outros militantes, nomeadamente Liberato Fernandes, Milton Morais Sarmento e Paulo Martins, que formaram uma tendência claramente maoista no interior do CF. A oposição mais tradicional ao regime lançou o Movimento Democrático da Madeira (MDM). “Apesar de algumas tentativas para aproximar os dois movimentos, o corte consumou-se, em larga medida devido à irredutibilidade do chefe do MDM, Fernando Rebelo. O MDM chegou rapidamente ao poder transitório da época, mas acabou também rapidamente por consumir-se no fogo-fátuo do PREC madeirense. Quanto à UPM, tornou-se progressivamente uma sucursal da UDP e ganhou um cariz cada vez mais radical e populista, propagando as teses da revolução operária e camponesa numa terra sociologicamente muito conservadora e marcada pelo caciquismo político-religioso. Um caciquismo a que o novo bispo do Funchal, Francisco Santana, não deixou de recorrer em força: foi ele, aliás, quem escolheu Alberto João Jardim para diretor do jornal da Diocese, o Jornal da Madeira, dando-lhe a notoriedade e a cobertura para lançar a carreira política que se conhece” (SILVA, 2006, 24) Com a fragmentação e clivagem que se verificou, bem como com a consequente radicalização das diferentes fações ideológicas no interior do CF, assumiu preponderância a linha ligada à UPM, com as suas teses marxistas-leninistas-maoistas. Uma das suas exigências era a da fixação dum salário mínimo regional igual ao do continente, sem se considerar a exiguidade e sustentabilidade económica dessa medida, i.e., a possível falência das empresas e o consequente desemprego que poderia provocar. A UPM estava interessada predominantemente na luta de classes e nas teses que dela decorriam, pelo que não olhava com bons olhos os editoriais – do seu ponto de vista pouco ortodoxos –assinados por Vicente Jorge Silva nem o facto de este não estar engajado em qualquer das correntes dominantes e se encontrar preocupado com questões de outra ordem, como as relacionadas com autonomia da Madeira, que não eram consideradas como tendo valia suficientemente revolucionária e que representavam, no entender dos seus delatores, graves desvios em relação à “linha correta” por eles prosseguida. Essas críticas, partilhadas por parte significativa dos colaboradores regulares de Lisboa, foram aumentando de tom até se tornarem insustentáveis e conduzirem ao pedido de demissão de Vicente Jorge Silva, que posteriormente prosseguiu uma carreira profissional a nível da imprensa nacional, desempenhando cargos de chefia no Público e no Expresso. Com a liberdade trazida pelo 25 de Abril, deixou de sociologicamente fazer sentido uma plataforma de encontro entre as várias tendências da esquerda portuguesa, que até aí tinham conseguido coexistir de forma relativamente pacífica e que eram a base de sustentabilidade do CF. As diferentes tendências ou partidos criaram os seus próprios órgãos de comunicação social. Com a saída de Vicente Jorge Silva, chegou ao fim a linha editorial que o CF prosseguira, tendo a tendência ligada à UPM (futuramente União Democrática Popular e Bloco de Esquerda) feito dele o seu órgão de comunicação. Mais tarde, a comissão de trabalhadores, liderada por Vasco Sousa, saneou os elementos maoistas da UPM e assumiu a direção do jornal, tendo-se, por razões táticas que se prenderam sobretudo com a sustentabilidade do periódico, aliado ao Partido Comunista Português. Contudo, tal aliança não foi suficiente para garantir a sustentabilidade do jornal, o qual veio a encerrar algum tempo depois, tendo perdido toda a importância e o prestígio que a oposição ao regime de Salazar e Caetano lhe tinham granjeado.   Helder Melim (atualizado a 28.01.2017)

História Económica e Social História Política e Institucional Literatura Sociedade e Comunicação Social Madeira Cultural

galerias de arte

Entre os finais do séc. XIX e as primeiras décadas do séc. XX, as poucas exposições de arte que ocorreram na Madeira foram organizadas em espaços improvisados. A designação galeria de arte foi usada em 1922, no contexto da primeira exposição de arte moderna que teve lugar no Funchal. Nas décadas seguintes, foram espaços como o Ateneu Comercial do Funchal e a Junta Geral que chamaram a si a organização de exposições. A partir dos anos 60, surgiram projetos privados mais próximos do conceito de galeria, destacando-se as galerias Tempo, Decorama, Mundus, Quetzal, Funchália, Porta 33, Edicarte e Mouraria. Dentro das iniciativas de caráter institucional, merecem registo a galeria da SRTC e o teatro municipal do Funchal. Fora do desta cidade, refira-se a Casa das Mudas, as casas da cultura de Santa Cruz e de Câmara de Lobos e a Galeria dos Prazeres. Palavras-chave: exposições; artes plásticas; artistas. O Grémio Artístico, nos finais do séc. XIX, e a Sociedade Nacional de Belas Artes, a partir de 1901, dominaram o panorama das exposições de pintura e escultura em Portugal, com os seus frequentes “Salões” de inspiração francesa. Na Madeira, em contraste com Lisboa, as exposições esporádicas de que há notícia aconteceram em espaços improvisados de hotéis e casinos da cidade do Funchal. Contudo, o protagonismo dos artistas madeirenses Francisco Franco, Henrique Franco e Alfredo Miguéis, tanto em Lisboa como em Paris, motivou o inesperado aparecimento, embora efémero, da primeira galeria de arte moderna no Funchal, em abril de 1922. A Galeria de Arte do Casino Pavão, como ficou conhecida, foi uma iniciativa do banqueiro e mecenas Henrique Vieira de Castro. Este espaço foi especialmente construído para acolher a, também primeira, exposição de arte moderna na Ilha, e na qual os artistas referidos participaram ao lado dos estrangeiros Bernard England e Madeleine Gervex-Émery, e do aguarelista continental Roberto Vieira de Castro, formando assim o Grupo dos Seis, que deu nome à exposição. Dois meses antes da sua abertura, um artigo no Diário de Notícias do Funchal, anunciando esta inédita exposição, insistia na necessidade de dotar a cidade com museus e galerias de arte, de maneira a promover o necessário e urgente desenvolvimento cultural da Madeira. Apesar das intenções de ali se organizar anualmente uma exposição de arte moderna, tal nunca veio a acontecer. Nesta déc. de 20, encontramos apenas a iniciativa isolada de Adolfo de Noronha que, em 1929, com o apoio da Câmara Municipal, abriu ao público o Museu Municipal do Funchal, que contemplou, nos primeiros anos, uma sala de pintura e escultura, mas que logo se especializou nas ciências naturais. Durante o regime do Estado Novo, o número de galerias privadas a nível nacional foi verdadeiramente exíguo, tendo cabido às instituições do Estado o controlo e organização das exposições artísticas. Nas décs. de 30 e 40, passaram pela Madeira, muito esporadicamente, algumas exposições de pintura organizadas pelo Estado, tendo o átrio da então Junta Geral funcionado como sala de exposições temporárias. Como exemplo, é de mencionar a visita do pintor Alberto de Sousa, que ali expôs em 1934. Às salas de hotéis e casinos que acolheram as exposições no período anterior, acrescentam-se, a partir dos anos 40, espaços não menos provisórios em associações comerciais, clubes, e galerias, que eram mais lojas de antiguidades do que espaços de exposição. Da iniciativa privada, destaca-se o papel dinamizador do Ateneu Comercial do Funchal, que, fundado em 1898, ganhou algum protagonismo cultural, a partir dos anos 30. Durante os anos 40 e 50, o Ateneu promoveu diversas atividades, sobretudo no âmbito da poesia e literatura, através de concursos e prémios. Contudo, é de salientar a criação, em 1936, de um núcleo de fotografia, que promoveu a realização do I Salão de Arte Fotográfica no Funchal, em 1937. Aquando do estabelecimento do museu da Quinta das Cruzes, em 1946, à data conhecido como Museu César Gomes, foi pensada a criação de um espaço que serviria de ateliê a artistas visitantes e um outro que funcionaria como sala de exposições temporárias. Mas tal não aconteceu, a não ser muito pontualmente, pois esta não seria a vocação do museu. A primeira exposição temporária ocorreu em 1949, com a Exposição de Estampas Antigas da Madeira e, durante os anos 50, há notícia de duas mostras, uma do pintor Francisco Maya, em 1953, e outra de desenhos de Egon von der Wehl, no ano seguinte. Para além dos espaços referidos, na sede da Sociedade de Concertos da Madeira ocorreram algumas exposições. Em 1950, foram exibidos 42 trabalhos – entre aguarelas e desenhos de paisagem – de Américo Marinho, pintor de origem continental e, por essa altura, professor da Escola Industrial e Comercial do Funchal. No mesmo ano, foi notícia na revista Das Artes e da História da Madeira uma exposição de aguarelas e óleos de uma pintora inglesa, Bryce Nair, desta vez nas Galerias da Madeira. Este local comercial, situado na esquina da rua 5 de Outubro com a rua Bettencourt, era vocacionado, sobretudo, para a venda de antiguidades. Por sua vez, o Clube Funchalense, entidade de carácter social e cultural, já criada no séc. XIX (foi fundado em 1839), organizava, mormente, bailes e soirées, e só apresentou exposições de arte muito esporadicamente; sendo de destacar, no séc. XX, a primeira exposição individual de Lourdes Castro, em 1955, uma das poucas que realizou na Madeira, e uma mostra de António Aragão, no ano seguinte. A partir dos anos 60, o número de galerias aumentou, em Portugal continental, de forma significativa, passando de três, no início da década, para cerca de 30. Alguns novos projetos seguiram o figurino de loja-galeria ou galeria-livraria, em voga nessa época. Em 1964, é o tempo de inaugurar, na Madeira, o primeiro espaço próximo deste figurino, a Galeria de Artes Decorativas Tempo, sita na rua do Bom Jesus. Iniciativa do Arqt. Rui Goes Ferreira e do escultor madeirense Amândio de Sousa, esta galeria apostou na comercialização de objetos de design moderno e também em exposições temporárias. Na sua exposição inaugural, Sete Pintores Portugueses, foram apresentados trabalhos de Manuel Mouga, Jorge Pinheiro, Espiga Pinto, Manuel Pinto, José Rodrigues, Ângelo de Sousa e Júlio Resende. Num figurino semelhante, merece destaque a abertura da Galeria Mundus, em 1965. Neste espaço comercial foram realizadas as primeiras exposições de arte moderna de uma nova geração de artistas madeirenses. Em 1966, foram expostos desenhos surrealizantes de António Vasconcelos (Nelos) e Humberto Spínola; assim como pintura abstrata de Danilo Gouveia e Ara Gouveia. Por esta galeria passaram também artistas continentais mais ou menos conhecidos, entre os quais António Palolo, que ali expôs individualmente em 1967. Outra iniciativa integrada no conceito de loja-galeria foi a fugaz Decorama, da responsabilidade de João Silvério Cayres. Esta trouxe ao Funchal mobiliário e objetos de gosto contemporâneo, mas cedo deu lugar a uma loja mais vocacionada para mobiliário clássico, mais ao gosto do comprador local. Um projeto ambicioso foi o da utópica Casa do Artista, que partiu da ideia trazida por alguns críticos e galeristas franceses de visita à Madeira por ocasião da II Exposição de Arte Moderna realizada no Funchal, em 1967, entre outros, Victor Lacks e Michel Tapié de Céleyran. A proposta atraiu alguns artistas empreendedores da Região, nomeadamente Amândio de Sousa e António Aragão, que cedo contribuíram para transformá-la num projeto, que chegou a ser apresentado à Junta Geral do Funchal, em 1968. Aquela que parece ter sido a primeira tentativa real para criar uma estrutura cultural de apoio e divulgação das manifestações artísticas de vanguarda, e que incluía um espaço de exposições, próximo do conceito de galeria, acabou por não vingar, por desinteresse das entidades governamentais. Entrados os anos 70, novas intenções de constituir espaços para a exposição de arte moderna foram surgindo, mas não tiveram continuidade. Lembremos o caso da Sociedade de Empreendimentos Turísticos Matur, que organizou duas exposições em 1973, uma com artistas locais e outra com convidados do continente. O objetivo era criar um museu/galeria no Hotel Atlantis, pertencente àquele grupo, mas a ideia não vingou. No pós-25 de Abril, as anteriores iniciativas privadas foram desaparecendo. O Governo Regional, através de algumas galerias institucionais, foi promovendo o desenvolvimento dos espaços expositivos. Foi o recém-criado Instituto de Artes Plásticas da Madeira (ISAPM) que se constituiu como uma das alternativas mais atuantes ao longo das décs. de 80 e 90. Na sua sede, na rua da Carreira, foi criada uma pequena galeria de exposições aberta ao público, onde foram realizadas inúmeras mostras escolares e, com alguma frequência, exposições de artistas locais, nacionais e estrangeiros. Em simultâneo, a galeria da Secretaria Regional do Turismo e Cultura (SRTC), situada na avenida Arriaga, e conhecida localmente como Galeria do Turismo, desempenhou um papel importante ao longo das décs. de 80 e 90 na realização de exposições de artistas locais, nacionais e estrangeiros, tirando partido da sua localização privilegiada no centro da cidade, o que permitiu uma afluência considerável de visitantes. Por outro lado, e no mesmo período, o salão nobre do teatro municipal Baltazar Dias também acolheu numerosas e diversificadas iniciativas apoiadas pela Câmara Municipal do Funchal, em estreita colaboração com várias instituições, sobretudo com o ISAPM e o Cine Forum do Funchal. Ainda na déc. de 80, e em diálogo com as instituições acima mencionadas, assiste-se ao aparecimento de alguns espaços de iniciativa privada, hoje desaparecidos, tais como a galeria Quetzal, em 1981, e a galeria Funchália, em 1989. A primeira, da responsabilidade de Francisco Faria Paulino, e associada a uma editora homónima, trouxe ao Funchal exposições de artistas portugueses contemporâneos. A Quetzal não abriu portas em local próprio, tendo sido as suas exposições montadas em espaços como o teatro municipal Baltazar Dias, o Museu de Arte Sacra do Funchal, e a galeria da SRTC. No contexto da sua atividade como galerista, Francisco Faria Paulino foi também o principal responsável, em 1987, pelo Festival de Arte Contemporânea MARCA-Madeira, evento inédito no Funchal que contou com a participação de 31 galerias portuguesas e incluiu um congresso de arte contemporânea, entre outras ações paralelas que muito dinamizaram o ambiente artístico regional, por esses anos. Por sua vez, a galeria Funchália foi inaugurada no centro comercial Eden Mar sob a direção de Manuel Brito, Maurício Fernandes e Rui Carita, entre outros. De iniciativa local, esta galeria constituiu a primeira iniciativa com sede própria dedicada à arte contemporânea local e nacional. Ali foram organizadas um total de 31 exposições, sete das quais com artistas locais, tendo cessado a sua atividade em 1994. Expuseram na Funchália artistas como Helena Vieira da Silva, Celso Caires, João Moreira, André Sander, Cruzeiro Seixas, Rocha Pinto e António Botelho. Preenchendo o vazio deixado pelo encerramento da Funchália, o galerista Francisco Faria Paulino propôs um novo projeto, desta vez com sede própria: a galeria Edicarte, inaugurada em 1996, com sede na rua dos Aranhas, e que foi responsável pela realização da segunda e terceira edições do festival MARCA-Madeira onde, uma vez mais, estiveram representadas importantes galerias portuguesas. Ainda nos anos 90, regista-se a abertura de uma delegação, na zona turística do Caniço, da galeria Falkenstern Fine Art, sediada na ilha de Sylt, na Alemanha, vocacionada para mostrar trabalho de artistas estrangeiros de passagem pela Madeira e também do seu fundador, Siegward Sprotte. No começo do séc. XXI, a sede alemã continua em atividade, mas a delegação da Madeira, aberta em 1991, revelou-se um projeto efémero. Um caso à parte é a galeria Porta 33, criada em 1989 e ainda em funcionamento. Concebido, nos seus estatutos, como associação cultural, este espaço tem trazido ao Funchal nomes importantes da arte contemporânea. Para mais, tem desenvolvido com alguns artistas projetos específicos de exposição; tem promovido o debate com críticos convidados de âmbito nacional e internacional; e tem organizado diversos workshops e palestras. A Porta 33 trouxe ao Funchal obras de artistas de recorte nacional como Graça Pereira Coutinho, Ilda David, João Penalva, Julião Sarmento, Pedro Cabrita Reis, Pedro Croft e Pedro Calapez. De entre os artistas locais ou madeirenses que fizeram carreira no exterior, destacam-se Lourdes Castro, António Aragão, Rigo, António Dantas e Rui Carvalho. Esta galeria também tem participado em feiras de arte internacionais, tais como a ARCO, em Madrid. No dealbar do séc. XXI, foi inaugurado um novo espaço comercial, a Galeria Mouraria, da responsabilidade de Ricardo Ferreira, e que trouxe ao Funchal algumas coletivas com representantes do contexto nacional, apresentando obra de artistas locais, assim como desenvolvendo a iniciativa project room, com mostras de carácter mais experimental. Alguns dos artistas que a galeria representou individualmente ao longo da sua existência foram reunidos numa coletiva comemorativa do seu 10.º aniversário, em 2011, a saber: Cristina Perneta, Filipe Rodrigues, Guareta, Hernando Mejia, Marcos Milewski, Maria São José, Patricia Morris, Roberto Bolea, Sílvio Sousa Cró e Trindade Vieira. Meses depois, este projeto galerístico fechou portas. O início do séc. XXI viu desaparecer a galeria da SRTC, em 2006, pondo-se assim fim a um intenso trabalho de divulgação e dinamização cultural no centro da cidade. Um ano antes, fora também encerrado o Centro Cívico Edmundo Bettencourt, situado na rua Latino Coelho, e cuja ação foi muito menos marcante do que a daquela galeria, por se ter resumido a exposições coletivas de pouco impacto e com critérios de organização pouco consistentes. Fora do Funchal, outros espaços, sob a tutela das autarquias locais, foram cumprindo a missão de organizar exposição de artes plásticas, complementando assim o trabalho das poucas galerias privadas que se foram mantendo em atividade. É exemplo a Casa da Cultura de Santa Cruz, cuja atividade profícua teve como coordenadores José Baptista e o escultor António Rodrigues, e que apresentou, ao longo dos anos 90, para além de inúmeras coletivas, mostras individuais de António Aragão, Hélder Baptista e Lagoa Henriques. Por sua vez, e sob a coordenação de Paulo Sérgio BEJu, a Casa de Cultura de Câmara de Lobos privilegiou, entre 2005 e 2010, as mostras coletivas em formato de instalação, com propostas temáticas que desafiavam a criatividade dos aristas convidados. Para além destas, foram apresentadas mostras individuais de artistas locais, tais como Teresa Jardim, Domingas Pita e Rita Rodrigues. Neste contexto, é importante destacar o papel da Casa das Mudas, Casa da Cultura da Calheta, inaugurada em 1997, coordenada por Luís Guilherme Nóbrega até 2007. Esta galeria aproveitou a sua localização para operar uma descentralização cultural e uma ação direta no meio. Alguns dos artistas ali apresentados foram José Manuel Gomes, Lígia Gontardo, Élia Pimenta e Ara Gouveia, do contexto local, e Alberto Carneiro, António Palolo e José de Guimarães, do contexto nacional. Este espaço privilegiou também a linguagem fotográfica, trazendo à Madeira mostras coletivas e individuais neste âmbito, assim como mostras de importantes coleções de fundações nacionais, como a da Fundação Serralves. Uma outra iniciativa descentralizadora é a que levou à criação da Galeria dos Prazeres, inaugurada em 2008 e orientada por Patrícia Sumares até 2012. Trata-se de um projeto galerístico inserido na Quinta Pedagógica dos Prazeres, uma iniciativa, por sua vez, de origem paroquial e com carácter recreativo e cultural. A galeria propriamente dita pauta-se por uma estreita ligação com natureza e com o património local, privilegiando exposições de artistas locais e estrangeiros que desenvolvem propostas artísticas nesse sentido. A partir de 2013, a galeria passou a ser coordenada por Hugo Olim, artista visual e docente na Universidade da Madeira. Nesse espaço, destacam-se, para além de artistas estrangeiros, as mostras individuais de artistas locais como Carla Cabral, António Dantas, Paulo Sérgio BEju, Jose Manuel Gomes, Filipa Venâncio, Ara Gouveia, Martinho Mendes e o Arqt. Paulo David.   Carlos Valente (atualizado a 01.02.2017)

Artes e Design Cultura e Tradições Populares Educação Madeira Cultural

gabinetes de leitura

Cidade aberta à presença de estrangeiros, nomeadamente Ingleses, o Funchal do séc. XIX nem sempre respondia às solicitações culturais de quem visitava a cidade. O madeirense era pouco letrado e os estrangeiros queixavam-se do facto de não haver livrarias na cidade. Referiam-se, porém, à existência de gabinetes de leitura, lugares onde podiam conviver, ler jornais e revistas ingleses, em clubes onde pagavam quotas. Estes gabinetes eram, então, de acesso privado. Alguns dos estrangeiros que falam da ilha da Madeira referem-se-lhes. Em 1840, Fitch Taylor regista a sua existência no relato que faz da sua viagem à volta do mundo. O mesmo acontece no texto A Winter in Madeira, de 1850. Estes gabinetes revelam-se uma necessidade dos Ingleses e são referenciados nos guias de viagem. O Clube Inglês disponibilizava aos seus membros, para além dos jornais e das revistas, livros de tipologia diversa – desde ensaios e trabalhos científicos até “literatura ligeira da época” (DIX, 1850, 90). Nos começos do séc. XIX, a biblioteca deste clube detinha cerca de 2000 títulos – afirma-o um guia para viajantes e para “inválidos”. Este Clube Inglês, fundado em 1832, também conhecido como “english rooms”, situava-se na R. da Alfândega, entre as duas entradas do Blandy Brothers (Banqueiros Lda.), segundo consta do guia para o visitante assinado por Gordon Brown, o que evidencia a clara importância que esta estrutura teria para suprir as necessidades dos visitantes. Mediante uma quota semestral de 15 dólares, os estrangeiros poderiam conviver, jogar cartas ou bilhar, assim como consultar os mais recentes jornais, periódicos e livros ingleses. O gabinete de leitura do Clube Português não tinha livros, mas apenas jornais e revistas, em português. Não obstante verificar-se um maior interesse e uma maior divulgação dos gabinetes de leitura que servem os turistas que descobrem a Ilha, a verdade é que há referências a associações mais abrangentes, onde a preocupação com a leitura começa a fazer-se sentir. Numa nota a “Instrução pública”, relativa ao período monárquico-liberal, Álvaro Rodrigues de Azevedo remete para dois clubes recreativos, criados por associações particulares, com gabinetes de leitura: o União, criado a 10 de março de 1836, na Pr. da Constituição; e o Funchalense, estabelecido “ao Carmo, mas desde muitos anos também, no palácio da rua do Peru”. Este autor, nas notas que apõe a Saudades da Terra, faz menção de outro gabinete, inserido na Associação Comercial, que se situava à entrada da cidade, assim como “o princípio de uma biblioteca no Grémio Recreativo dos Artistas” (FRUTUOSO, 1873, 804-805). Na realidade, os estatutos de 1836 da Associação Comercial do Funchal já permitiam o acesso a periódicos, mapas, folhetos, livros e notícias, abrindo caminho para a instalação de um gabinete de leitura que, tal como o seu congénere do Clube Inglês, funcionava como um centro de encontro e convívio entre os sócios e os visitantes. No inventário de 1884 desta Associação consta a existência do mobiliário do gabinete de leitura, não havendo referência a qualquer armário, móvel ou estante para arrumação de livros e jornais, que estariam guardados fora do alcance dos utilizadores, na sala de sessões. Em 1897, é aprovado o projeto de regulamento da biblioteca e do gabinete de leitura desta Associação, clarificando as funções de cada um: o gabinete de leitura teria apenas o catálogo das obras existentes na biblioteca, e jornais, que um amanuense distribuía e recolhia diariamente e que eram facultados, mediante bilhetes de requisição, quer a sócios da Associação, quer a assinantes do gabinete. Nesse espaço, não era permitido fazer barulho, fumar, “levar para fora […], extraviar, mutilar ou danificar os jornais ali expostos” (MELLO e CARITA, 2002, 164), cabendo ao diretor da biblioteca zelar pelo bom funcionamento do gabinete. O gabinete, cujo horário era das 06.00 h às 21.00 h, permanecia aberto até mais tarde nos dias da chegada dos navios de Lisboa e dos paquetes ingleses que traziam notícias do mundo. Não temos conhecimento se as outras Associações que, entretanto, se formaram na cidade do Funchal teriam serviço semelhante. Na realidade, os gabinetes de leitura abriam as portas para a criação das bibliotecas públicas. No Funchal, à semelhança do que acontecia em outras cidades – sobretudo nas capitais dos distritos –, a Câmara fundou uma biblioteca pública, no dia 12 de janeiro de 1838, com um acervo constituído pelos 193 volumes da Encyclopedia Methodica, comprada aos herdeiros do conde de Canavial, e, em 1844, o município do Funchal solicita alguns livros do depósito das bibliotecas dos conventos extintos, tendo recebido, em 1863, 3060 volumes, em latim, português, francês, italiano e inglês. Um relatório americano dá conta dessa Biblioteca Municipal, em 1893. No começo do séc. XXI, as bibliotecas públicas oferecem serviços similares, agora gratuitos, apesar da necessidade de aquisição de um cartão de leitor/utilizador, que permite o acesso aos espaços das bibliotecas e dos centros de documentação, bem como à leitura, empréstimo e reserva de obras, à utilização de computadores e acesso à Internet, à visualização de conteúdos audiovisuais, entre outros serviços.     Graça Alves (atualizado a 01.02.2017)

História da Educação Literatura Sociedade e Comunicação Social

esoterismo

O esoterismo é o lado oculto e não revelado das doutrinas, das religiões e dos grupos espirituais, que apenas se transmite por via oral, de mestre para os discípulos. Também poderá estar associado ao misticismo, no sentido em que sinaliza a busca das leis e dos conhecimentos que regem o Universo. É a busca aprofundada do significado das coisas, naquilo que normalmente escapa à nossa perceção. Tendo em consideração a origem etimológica da palavra, pode-se dizer que o esoterismo é o contrário de exoterismo. Ou seja, esotérico é aquilo que está dentro, escondido e não pode ser revelado, em oposição ao que é exterior e é, ou pode ser, conhecido de todos. Sendo assim, reporta-se a conhecimentos teológicos, filosóficos, religiosos e teosóficos, que não podem ser publicados e revelados. Estes grupos ou ordens são definidos como iniciáticos, no sentido em que os novos membros são submetidos a um ritual de iniciação onde um dos aspetos é o juramento de guardar segredo, relativamente a diversos aspetos da ordem ou associação. Assim, no taoismo e tantra, os novos discípulos recebem um mantra secreto. A primeira utilização do conceito foi feita por Johann Gottfried Herder (1744-1803), em oposição ao racionalismo iluminista. Mas foi Eliphas Lévi (1810-1875) quem o vulgarizou, em conjunto com o ocultismo. Assim, o esoterismo pode ser entendido como ocultismo, misticismo e hermetismo. É ocultismo no sentido de que é oculto, pois há conhecimentos e realidades espirituais e sobrenaturais que não estão visíveis e que implicam o recurso a artes divinatórias, e.g., tarot, astrologia, runas, cartomância, iching, ou práticas espirituais, através da necromancia e da bruxaria. Já o misticismo, como o gnosticismo e a cabala, situa-se a um nível superior e pretende, a partir do estudo, de práticas e de rituais, estabelecer o contacto com o divino através da contemplação, enquanto o hermetismo defende uma realidade visível e invisível e o estabelecimento de contactos entre os dois mundos, estando ligado a Hermes e ao antigo Egito. Em primeiro lugar, é necessário considerar que a figura do chamado feiticeiro ou bruxo não tem qualquer significado esotérico. Aquele representa alguém que domina o conhecimento popular e que se afirma pelos dizeres e cantares, sendo uma referência para a comunidade. Destes, podemos salientar as figuras do Feiticeiro do Norte (Manuel Gonçalves, 1858-1927) e do Feiticeiro da Calheta (João Gomes de Sousa, 1895-1974). A ligação do esoterismo à Madeira começou a partir do momento em que se associou ao mito da Atlântida o próprio arquipélago, considerado como uma reminiscência daquela lendária ilha. Por outro lado, não se pode esquecer as ligações da Madeira à maçonaria, que remontam ao séc. XVIII. Todos os que foram contagiados por conhecimentos esotéricos sentem algo especial relativamente ao arquipélago da Madeira, fazendo da Ilha um local de peregrinação obrigatória na sua missão esotérica. A propensão de vários grupos esotéricos pela Madeira é reveladora dessa situação. Assim, para além do facto de a maçonaria em Portugal ter tido a sua primeira etapa na Madeira, assinalam-se múltiplas presenças pessoais e institucionais com ligações ao esoterismo, relacionadas com locais de emigração, e.g., Brasil, Venezuela e África do Sul. De entre as diversas personalidades adeptas e/ou estudiosas do esoterismo, pode-se assinalar, em primeiro lugar, a figura de Octávio José dos Santos, que assinava com o pseudónimo de Octávio de Marialva (1898-1992). Este apresentou, na sua trajetória, uma formação em escolas esotéricas e escreveu vários estudos (inéditos) sobre o esoterismo: Soluções, Sapiência, Cátedra, Polémicas, Mistérios, Cabala, Iniciação, Panaceia, Astrognose, Arcanos, Suma, Astramundo, Universo e Profecias. Referencie-se ainda o grupo Hermetismo e Nouesis, com ligações ao grupo Corpus Hermeticum, criado em 2000 na rede Facebook.     Alberto Vieira (atualizado a 23.01.2017)

Cultura e Tradições Populares Religiões

c

Em janeiro de 1990, um grupo de escuteiros marítimos fundou o Centro Treino Mar (CTM) na Madeira, com a finalidade de incentivar, a nível de competição, a prática de atividades náuticas entre a população em geral e os seus associados. Os escuteiros marítimos fomentam, além das atividades próprias dos escuteiros, atividades náuticas como a canoagem e a vela. Um ano após a fundação do CTM, porém, e devido a uma divergência com os dirigentes dos escuteiros marítimos, o Centro torna-se autónomo como pessoa coletiva de direito privado. Ao longo da sua existência, o CTM Madeira tem-se salientado pela formação de velejadores na prancha à vela, na vela ligeira, em remo e canoagem com a finalidade da competição a nível federado. O Centro tem também organizado inúmeros campeonatos e provas desportivas, entre as quais se destacam a Volta à Ilha em Canoa, um percurso de 141 km dividido em nove etapas, organizada todos os anos em agosto e integrada na corrida internacional da Federação Portuguesa de Canoagem e na International Canoeing Federation, assim como diversos Campeonatos Nacionais de Prancha à Vela Olímpica, várias passagens da Regata Mini Transat na Madeira e diversas provas do Campeonato Regional de Vela Ligeira. O logótipo do CTM Madeira é uma bandeira triangular dividida ao meio por uma faixa branca ondulada simulando o mar; a metade superior do triângulo é de cor vermelha, a metade inferior é de cor azul, de que emerge um lobo-marinho, ao centro. No azul, há três letras maiúsculas de imprensa, a branco, na horizontal, «C T M», sendo o T um pouco descaído em relação às outras duas.   Pamela Puppo (atualizado a 28.01.2017)

Sociedade e Comunicação Social