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busk, george

(São Petersburgo, 1807 - Londres, 1886) Médico e naturalista, exerceu funções no Seamen’s Hospital Society (SMS), no Reino Unido, e fez importantes contribuições para as áreas da epidemiologia, da parasitologia e da paleontologia. Descobriu, em 1843, 14 vermes parasitários do duodeno, que foram denominados Fasciolopsis buski em sua homenagem e, como naturalista, dedicou-se ao estudo de invertebrados marinhos, tendo descrito 45 espécies de filo Bryozoa da Madeira, a partir de amostras que lhe foram enviadas James Y. Johnson Foi, também, o responsável pela observação do primeiro crânio adulto de Neandertal descoberto, em 1848, em Gibraltar. Trocou correspondência com Darwin, recebeu numerosos prémios de reconhecimento e foi membro fundador da Microscopical Society.   Palavras-chave: George Busk; Bryozoa da Madeira; Buskia; Fasciolopsis buski; crânio de Gibraltar; correspondentes de Darwin . Busk nasceu a 12 de agosto de 1807, filho de colonos ingleses, em São Petersburgo, Rússia. Completou todos os seus estudos no Reino Unido, primeiro na Dr. Hartley’s School, em Yorkshire e, depois, na Royal College of Surgeons, em Londres. Como médico, contribuiu para o conhecimento de diferentes epidemias. Em 1838, e.g., publicou, juntamente com o seu colega George Budd, um relatório sobre 20 casos de cólera (Report of Twenty Cases of Malignant Cholera that Occurred in the Seamen’s Hospital-Ship) e escreveu relatórios para a SHS sobre outras doenças, como o escorbuto e a varíola. Também no campo da parasitologia, fez valiosas descobertas, tendo, em 1843, descrito 14 vermes parasitários do duodeno. Estes trematodes foram depois chamados Fasciolopsis buski em sua honra. As suas aportações nesta área tornaram-no tão conhecido que, numa carta a Charles Darwin de 1863, Joseph Hooker descreve Busk como “o cérebro mais fértil que conheço em tudo o que diz respeito ao estômago” (“George Busk”, Darwin Correspondence…), facto que levou Darwin a escrever-lhe para pedir conselho sobre os seus próprios sintomas gástricos. Darwin também escrevera a Busk para pedir a sua opinião sobre outros assuntos, nomeadamente se haveria alguma relação entre a cor do cabelo e a suscetibilidade às doenças tropicais nos soldados britânicos, e sobre a evolução dos Bryozoa. Em 1864, Busk, na altura membro do conselho da Royal Society, foi um dos que persuadiram a Sociedade a outorgar a Darwin a Medalha Copley, a condecoração de maior prestígio no domínio das ciências. Durante a sua vida, especialmente após a sua reforma da SHS, em 1855, George Busk dedicou-se ao estudo dos Bryozoa (ou Polyzoa). Embora não haja registos de ter estado alguma vez na Madeira, recebeu muitas amostras de Bryozoa desta ilha enviadas por James Yate Johnson (1820-1900), e fez uma contribuição importante para o seu conhecimento, descrevendo no total – como se referiu – 45 espécies nos vários artigos que publicou no Quarterly Journal of Microscopical Science: “Zoophytology”, “On some Madeiran Polyzoa”, e “Catalogue of the Polyzoa, collected by J. Y. Johnson, Esq. at Madeira in the years 1859 and 1860”. A sua coleção foi depositada no Museu de História Natural de Londres. Um novo género de Bryozoa, Buskia, foi-lhe dedicado por Alder, em 1856. George Busk também se interessou pela paleontologia. Traduziu o trabalho onde Shaaffhausen descrevia os restos de esqueletos humanos descobertos no vale de Neander (“o homem de Neandertal”) e, em 1863, viajou até Gibraltar, para visitar a caverna onde tinha sido descoberto, em 1848, o primeiro crânio adulto de Neandertal. Foi o responsável por levar para Londres este “crânio de Gibraltar”, publicando o resultado das suas observações em 1864, no The Reader, com o título “Pithecoid priscan man from Gibraltar”. Casou-se, em 1843, com uma prima direita, Ellen, e teve duas filhas. Foi membro de muitas sociedades científicas e ganhou vários reconhecimentos. Por exemplo, foi um dos fundadores da Microscopical Society, em 1839, foi nomeado membro da Linnean Society em 1846, da Royal Society em 1850, da Zoological Society em 1856 e da Geological Society em 1859. Recebeu a Medalha Real em 1871, a Medalha Lyell em 1878 e a Medalha Wollaston em 1885. Faleceu na sua residência em Londres, a 10 de agosto de 1886. Obras de George Busk: Report of Twenty Cases of Malignant Cholera that Occurred in the Seamen’s Hospital-Ship (1838), com George Budd; “Zoophytology” (1858); “On some Madeiran Polyzoa” (1858 e 1859); “Catalogue of the Polyzoa, collected by J. Y. Johnson, Esq. at Madeira in the years 1859 and 1860” (1860 e 1861); “Pithecoid priscan man from Gibraltar” (1864).   Pamela Puppo (atualizado a 25.01.2017)

Biologia Terrestre Ciências da Saúde

bombardeamentos (primeira guerra mundial)

Durante a Primeira Guerra Mundial, a baía e a cidade do Funchal foram atingidas por dois bombardeamentos realizados por submarinos alemães: o primeiro ocorreu na manhã de 3 de dezembro, pelo U38; o segundo na manhã de 12 de dezembro de 1917, realizado pelo U156. Foi o único espaço português no hemisfério norte a sofrer um ataque de tal dimensão, ao qual se podem ainda juntar os momentos em que se registou ou houve apenas notícia da atividade dos U-boats no mar do arquipélago, com todas as consequências, políticas e militares, que daí resultaram. A canhoneira francesa La Surprise, em serviço de escolta, e o vapor Dácia, usado na reparação de cabos submarinos, chegaram a 3 de dezembro de 1916, pelas 8.30 h, provenientes de Gibraltar. A missão do Dácia era desviar para Brest o cabo alemão da América do Sul. No Funchal, já se encontrava então o vapor armado francês Kanguroo, desde 24 de novembro, proveniente de Bordéus e utilizado para o transporte e para a reparação de submersíveis. Seguindo-os e à sua espera estava o U-38, sob o comando do Cap.-Ten. Max Valentiner. A primeira explosão deu-se cerca de 30 minutos depois do Dácia e da Surprise terem fundeado, em frente ao cais. A canhoneira foi a primeira a ser atingida e começou logo a submergir. A confusão que se gerou não permitiu que se tivesse percebido o que estava a suceder. Como a Surprise foi atingida no paiol, deduziu-se que a deflagração fora acidental. Junto à canhoneira, encontrava-se uma barca de abastecimento, da Firma Blandy, que se afundou. O Kanguroo, fundeado em frente ao Mercado do Peixe, foi atingido por um segundo torpedo, cinco minutos depois, adornando para estibordo. Só após esta explosão se percebeu que era um ataque. O U-38 passou ao largo, pela popa do Kanguroo, e, com o seu terceiro torpedo, atingiu o Dácia, fundeado em frente ao campo Almirante Reis, fazendo-o submergir. Tudo se passou entre os 200 e 400 m da praia, e a única resposta foram os 25 disparos efetuados pelo Kanguroo, antes de adornar. Ao largo, encontrava-se uma barca dos EUA, a Eleonor H. Percy, e, na Pontinha, várias embarcações pequenas. Nenhuma delas foi atingida. O objetivo do U-38 era afundar o Dácia e a sua escolta. A presença, inesperada, do Kanguroo condicionou a abordagem, mas a sequência dos torpedeamentos comprova como tudo foi facilmente ultrapassado, com rapidez e eficácia, algo que também se deve alargar aos disparos sobre a cidade. A este respeito, o U-38 também mostrou ter alvos definidos, sendo evidente que o Cap. Valentiner possuía informações detalhadas sobre a sua localização. Este facto também nos ajuda a negar a ideia (defendida na época), de que o submarino não teria atacado os alvos terrestres se as baterias não tivessem ripostado. Embora não sendo estes os seus alvos principais, a verdade é que os disparos efetuados a 4 milhas, com uma peça de 105 mm, de tiro rápido, visaram a amarração do cabo submarino, a central elétrica, a bateria da Qt. Vigia e o Forte de S. Tiago (onde estavam as defesas). Foram mais de 50 granadas, que a distância e a agitação marítima terão impedido de atingir os alvos com precisão, pois em nenhum deles se registaram danos significativos. A resposta da artilharia terrestre, mesmo sem a qualidade pretendida, foi suficiente para afastar o submarino, obrigando-o a colocar-se numa posição de onde os disparos eram menos certeiros. Surpreendidas pelo ataque, as forças de defesa sofreram diversos reveses, não só devido à má qualidade dos apetrechos, à lentidão e ao reduzido alcance do tiro, mas também devido à circunstância de se tratar de um submarino, unidade contra a qual nenhum dos artilheiros alguma vez disparara. Por outro lado, se as peças de 8 tinham um tiro pouco certeiro, as de 15 eram impróprias para alvos móveis. Assim, quando o submarino se colocou ao largo, a defesa tornou-se obsoleta. Aliás, o Com. Ricardo Martinho de Andrade mandou suster o fogo, procurando induzir o submarino a aproximar-se, mas tal não sucedeu. Apesar de tudo, logo que se percebeu o que estava a suceder, as peças de S. Tiago e da Qt. Vigia abriram fogo, disparando 18 e 34 vezes, respetivamente. Na Qt. Vigia, uma das peças explodiu, ficando fora de serviço e provocando alguns feridos. Ambas as baterias se queixaram do mau funcionamento das culatras e do rebentamento de muitas granadas à boca dos obuses. A causa era simples: as munições estavam carregadas havia alguns anos e, para além disso, encontravam-se expostas à humidade, pois o paiol no Forte de S. Tiago ficava quase paredes-meias com o mar. Convém também esclarecer que a peça Krupp, desembarcada em agosto, ainda não tinha sido montada, por falta de financiamento. Por causa deste atraso, que ainda mais se evidenciou devido ao bombardeamento, verificou-se uma acesa polémica entre os capitães de artilharia e do porto. O assunto chegou aos periódicos e a peça acabou por ser montada ainda em dezembro de 1916. Cumprida a missão, o U-38 rumou para Leste, tendo sido visto na Ponta de S. Lourenço, quando seguia em direção ao Porto Santo. Toda a operação durou cerca de 2 h e cifrou-se na morte de 34 tripulantes da Surprise, de 5 carregadores de carvão e de 1 empregado da firma Blandy. Em terra, os feridos (2 praças e 1 sargento) resultaram do incidente que se referiu com uma das peças da Qt. Vigia. Os prejuízos nos edifícios não foram significativos e apenas a estação do cabo poderia ter sido gravemente atingida, se não tivesse sido protegida por uma casa alta, que ficava à sua frente, onde embateu um dos projéteis. O segundo bombardeamento, a 12 de dezembro, foi substancialmente diferente do primeiro. Começou mais cedo, pelas 6.20 h, e visou apenas alvos terrestres. A ação só demorou 30 minutos, e o U-156, sob o comando do Cap.-Ten. Konrad Gansser, usou peças de calibre 120 e 150 mm de tiro rápido. O submarino foi avistado em frente ao Forte de S. Tiago, por pescadores, a duas léguas de distância de terra. Dado o alerta, ainda assim, quando o Dekade I iniciou a perseguição, já o submarino efetuara entre 40 a 50 disparos. Depois, vindo de Oeste, surgiu o Mariano de Carvalho, que começou a ripostar a 700 m. Esta ação concertada contribuiu para que o submarino se afastasse. As baterias (Qts. Vigia, das Neves, e S. Tiago) não participaram no confronto, justificando-se o comandante militar, mais tarde, com a distância a que se encontrava o submarino e com a proximidade a que dele estavam os vapores portugueses. A conhecida imprecisão de tiro e a escuridão que ainda se verificava também contribuíram para aquela opção. Na cidade, os alvos foram o cabo submarino, a estação de TSF (contígua ao Convento de S.ta Clara), o Palácio de S. Lourenço, as plataformas de artilharia e o Forte de S. Tiago. Apesar de tudo, nenhum dos alvos foi seriamente danificado e as consequências mais graves foram a morte de 5 civis, os vários feridos e o pânico generalizado. Pela relativa precisão do tiro, aumentaram as suspeitas de que os submarinos alemães estariam a receber informações provenientes da Ilha. Logo após o bombardeamento de 1917, foi proibida a iluminação noturna, o que se manteve até ao fim da guerra, e nomeado um novo governador civil, Carlos José Barata Pinto Feio. Em Lisboa, foi criada uma comissão com o objetivo de apresentar uma proposta para a remodelação da defesa das ilhas. Para o Funchal, foi enviada, entretanto, uma companhia de artilharia de guarnição. Contudo, um pouco à semelhança do que sucedera em 1916, a maior consequência do bombardeamento foi ter apressado o pedido de ajuda aos EUA, por intermédio do agente consular na Madeira, Humberto dos Passos Freitas, que solicitou ao chefe da divisão naval norte-americana, estacionada nos Açores, o envio de um destroyer, para a defesa do porto. O pedido não foi atendido de imediato, mas, passados dois meses, foi destacada uma canhoneira da marinha americana para patrulhar as águas madeirenses. Firmou-se depois um acordo, para o estacionamento da referida unidade no Funchal, a fim de levantar o espírito da população. Ao mesmo tempo, solicitou-se ao Governo de Lisboa a presença de um caça-minas. Na prática, contudo, pouco ou nada se concretizou. Ainda assim, tentou-se delinear uma aproximação da Madeira aos EUA e com ela a construção de um novo paradigma militar, que representava o início do fim da multissecular inserção do arquipélago na esfera de influência britânica. Depois, em tempo de crise, regressou, como já sucedera no passado, a aposta no aumento da produção da cana sacarina e, com o fim da guerra, o desenvolvimento da indústria turística. Por último, com as crises, regressou também o debate sobre a questão da autonomia insular, que se iria prolongar pela déc. de 20.     Paulo Miguel Rodrigues (atualizado a 24.01.2017)

História Militar

azevedo, jaime boaventura de

Jaime Boaventura de Azevedo (1887-1944) nasceu no Funchal mas muito novo viajou para Lisboa, onde fixou residência. Licenciou-se em 1916 em Agronomia, foi responsável pela reconstrução do Horto de Química Agrícola, e integrou o Instituto Superior de Agronomia, onde foi docente das disciplinas de Química Geral e Análise e de Química Agrícola, esta última, a partir de 1929. Ao longo da sua carreira, desenvolveu investigação na área da análise química agrária, que era indispensável para o cálculo da adubação. Não desenvolveu de forma direta a divulgação dos adubos em Portugal mas contribuiu para o estudo científico destas substâncias. A sua investigação surgiu no momento do início do fabrico de superfosfatos em Portugal e do começo da comercialização de diversos adubos minerais elementares, que estavam a ser importados. Boaventura de Azevedo criou o Curso de Aperfeiçoamento de Química destinado a engenheiros agrónomos que exerciam a sua atividade no campo químico da investigação agronómica, cujo principal objetivo seria o de intensificar os conhecimentos de análise química. Os seus estudos permaneceram no mundo académico através das suas publicações: em 1933 publicou Apontamentos da Cadeira de Química Agrícola, o primeiro conjunto de textos de apoio aos seus alunos, onde contempla vários tópicos, desde a matéria orgânica do solo à fertilização e adubos químicos; em 1939, foi divulgada a obra Nitreiras sem Moscas. Outros ensaios estavam a ser preparados; contudo, o falecimento de Boaventura em 1944, aos 56 anos, impossibilitou a sua publicação. Jaime Boaventura de Azevedo teve ao longo da sua vida de docente e engenheiro agrónomo o objetivo de educar as novas gerações para o desenvolvimento agrário, principalmente na região portuguesa. Obras de Jaime Boaventura de Azevedo: Apontamentos da Cadeira de Química Agrícola (1936); Nitreiras sem Moscas (1939).   Joana Pinto Salvador Costa (atualizado a 23.01.2017)

Biologia Terrestre Física, Química e Engenharia

ateneu comercial do funchal

Fig. 1 – Capa do jornal Re-Nhau-Nhau (Funchal, 4 abr. 1935). O Ateneu Comercial do Funchal (AtCF) surgiu em nome dos interesses dos empregados do comércio a 8 de dezembro de 1898, sendo os seus estatutos votados só a 8 de janeiro de 1899 e o alvará que os aprovou datado de 22 de dezembro do mesmo ano. Em fevereiro de 1895 fundou-se a Associação de Socorros Mútuos dos Empregados do Comércio, que acabaria por ter uma curta duração, pois em abril do ano seguinte terá sido decidido exonerar os sócios que não pagavam as quotas; alguns destes membros, inseridos num grupo de empregados do comércio, estiveram na origem da criação do futuro Ateneu. Em novembro de 1897, alugaram um quarto ao número 14 da Rua da Sé, com os objetivos de se distraírem nas horas vagas e difundirem palestras educativas, levando assim ao nascimento de uma associação de classe. Os empregados pretendiam também encontrar proteção e apoio na defesa dos seus interesses junto dos patrões. Sob o impulso dos seus principais promotores, empenharam-se na recolha de um avultado número de adesões entre os seus colegas, abrindo, assim, caminho para a primeira reunião, na qual ficou deliberado nomear-se uma comissão para se constituir uma associação da respetiva classe profissional. O grupo reunia-se frequentemente no escritório de comissões de Júlio A. de Carvalho, à Rua do Sabão, e em estabelecimentos comerciais, em assembleias que somavam o empenho de vários colaboradores, o que permitiu que, em pouco tempo, fosse concretizada a aspiração de fundar uma agremiação para defesa dos empregados do comércio. À época debatiam-se, na sociedade local, questões relacionadas com a construção de um jardim no espaço do demolido Convento de São Francisco e do Teatro Municipal (inaugurado em 1888 com o nome de Teatro D. Maria Pia), a par de temas políticos. É neste contexto que nasce, em 1898, o AtCF, associação cujos membros lutam pela concretização daquilo que consideram serem as aspirações dos madeirenses. A atividade do AtCF abarca, assim, não só a defesa dos interesses dos empregados do comércio, mas também o domínio intelectual e o âmbito das obras de utilidade pública, procurando contribuir, dessa forma, para o progresso social da Madeira. Desde a sua fundação até 1900 o Ateneu funcionou no segundo andar do número 24 da Rua Direita, mudando-se, depois, para o número 3 do Largo da Sé, onde permaneceu até 1905. Nesse ano, transferiu-se para o número 108 da Rua dos Ferreiros, onde passou a dispor de instalações mais cómodas e capazes de permitirem o alargamento das diversas iniciativas. Com mais de 90 sócios fundadores, era constituído por personalidades influentes como César de Oliveira, Francisco António Ribeiro, João Maria Valente, Manuel Dias Tavares, Agostinho Dias Tavares, Luís Canuto Gonçalves, Vasco M. de Ornelas, João Gonçalves Farinha, João Pereira Martins, José de Freitas, Manuel Marques Júnior. Júlio A. de Carvalho, que acompanhava os acontecimentos do Ateneu Comercial de Lisboa, foi apontado como impulsionador deste projeto; Vieira de Castro, delegado do Banco de Portugal, fez a redação dos estatutos conforme os do Ateneu Comercial de Lisboa (AtCL) e tratou da sua aprovação. O Ateneu recebeu influências do AtCL, fundado a 10 de junho de 1880, bem como da Sociedade Nova Euterpe – que, em 1884, adotou o nome de Ateneu Comercial do Porto – e do Ateneu Popular, inaugurado em Coimbra em 1885. Segundo José Laurindo de Goes, a partir de 1850 surgiram, por toda a Europa, diversas coletividades com a designação de ateneu, bebendo a sua inspiração da antiguidade clássica Madrid, Roma, Londres ou Paris são exemplo dessa realidade. Fig. 2 – Imagem da simbologia do Ateneu Comercial do Funchal Para Jaime Vieira dos Santos, os fundadores destas coletividades eram homens de amplos horizontes, já que, para além dos proveitos resultantes da atividade comercial, tinham em vista ser homens de cultura, dignificando a sua profissão e elevando o seu espírito. Procuravam a sua própria valorização intelectual, bem como a de todos os membros do Ateneu e respetivas famílias. O comerciante não poderia ser um simples burguês boçal e inculto, mas deveria ser um verdadeiro homem de sociedade, que, ao lado das preocupações do lucro, se interessava também pelos acontecimentos que marcavam a realidade à sua volta Na Madeira, vivia-se um moderado progresso comercial e uma agitada discussão sobre os fundamentos da instauração da República, com vários títulos dedicados à causa republicana, bem demonstrativos do envolvimento e da participação da população na vida política da Ilha. Rafael Bordalo Pinheiro descrevia a época através de uma caricatura que apresentava o vilão madeirense, vestido a rigor, a segurar o deputado Manuel de Arriaga, enquanto pontapeava Fontes Pereira de Melo, chefe do governo da época. Para republicanos como Teófilo Braga, as comemorações camonianas realizadas no Ateneu significavamo começo de uma era nova da democracia portuguesa. A história desta instituição reparte-se em três fases. A primeira, desde a fundação até 1925, consiste sobretudo na sua afirmação enquanto coletividade. É a fase embrionária, marcada pelo entusiasmo dos membros do Ateneu, na qual assumiram grande significado as reivindicações sócio económicas dos anos 20. A segunda fase inicia-se em 1925, com a elaboração dos segundos estatutos, e prolonga-se até aos anos 60, sendo conhecida como o período áureo do AtCF pelos acontecimentos que nesta altura se despoletaram; considerada uma fase mais intelectual que sindical, atinge o seu clímax na década de 50. A terceira fase, iniciada nos anos 60, reflete algum esmorecimento das iniciativas, mantendo-se, no entanto, a realização de atividades como a Festa da Flor. Nos seus primeiros estatutos, o AtCF definia-se como “uma associação de instrução profissional, física e recreativa, representação e proteção mútuas, criada pelos empregados do comércio”, que tinha como finalidade proporcionar a “aquisição de conhecimentos teóricos e práticos que mais diretamente interessem à profissão do comércio em geral” (GOES, 1985, 128). Não se limitaria a agremiar empregados e a zelar pelos seus interesses, mas teria objetivos mais ambiciosos, os quais compreendiam os campos da cultura e da arte. Ao mesmo tempo, pretendia ser um espaço de descanso e partilha de opiniões. O projeto do AtCF visava a valorização intelectual dos associados e respetivas famílias, o que passava pela criação de escolas primárias para os filhos dos seus membros, por cursos de aperfeiçoamento linguístico para os sócios, por lições para o melhoramento da técnica comercial, por conferências sobre arte e literatura, por sessões científicas e palestras, pela ampliação progressiva da sua biblioteca, pela criação de divertimentos – como as tardes dançantes, festas de carácter regional, matinées destinadas às crianças, representações de pequenas peças teatrais – e por outras iniciativas que contribuíssem para estreitar os laços de solidariedade no interior da classe profissional. Seriam estas as linhas gerais estatutárias que algumas direções do AtCF procurariam concretizar ao longo dos tempos. Na qualidade de primeiro presidente da direção do Ateneu, entre 1898 e 1900, Sabino Joaquim Rodrigues procurou promover o desenvolvimento intelectual e social da vida da agremiação, zelando pelo melhoramento do nível de instrução dos seus sócios. Em fevereiro de 1899, inauguraram-se aulas ministradas por personalidades como Manuel Augusto Martins, Francisco Correia Caldas e Jaime Campos Ramalho. Em 1901, nos mandatos de José de Freitas e de Maximiano de Sousa Rodrigues, destacam-se a realização de uma exposição industrial e de uma récita no Teatro D. Maria, aquando da trasladação dos restos mortais de Almeida Garrett para o Mosteiro dos Jerónimos; em 1903, ocorreram a fundação de uma tuna e de um grupo dramático, a recolha de fundos para a construção de um monumento a Câmara Pestana e uma quermesse no então Jardim de São Francisco. Nesta altura, lutou-se pela Lei do Descanso Semanal, fizeram-se viagens pela Ilha e melhoramentos na sede do AtCF. Em 1905, sob a direção de João Lomelino Ferreira, a atividade reivindicativa diminuiu e a instituição virou-se para as áreas do desporto e das artes e letras. No final da primeira década, fundou-se o Grupo Desportivo do Ateneu Comercial, pela mão de Luíz César Vieira, Francisco Melim e Aquino Baptista; no ano de 1912, foi criada uma escola de instrução primária para as crianças pobres, por proposta do presidente Agostinho Dias Tavares. Em 1913, com o objetivo de congregar a classe do comércio e de defender os seus interesses, alguns elementos do grupo desportivo fundaram O Athenista, jornal que se dedicava aos problemas mais graves da classe. Todavia, por pressão do patronato, por falta de apoio dos comerciantes e pela proximidade da Primeira Grande Guerra, O Athenista deixou de se publicar, o que coincidiu com o colapso do Ateneu. Só depois de 1925 foi possível assistir à retoma da associação e restituir-lhe a dinâmica dos primeiros tempos, por influência do presidente da direção, Carlos Alberto Ferreira, e dos presidentes que se lhe seguiram, personalidades como Diogo M. de Freitas, Juvenal de Araújo e Luís Vieira de Castro. A segunda fase do Ateneu seria marcada pela modificação dos estatutos iniciais, em março de 1925, cujo projeto de reforma foi elaborado pela comissão nomeada a 1 de março, sendo os princípios que regiam a coletividade lidos e aprovados em sessão de 29 de julho de 1925. Os 130 artigos dos novos estatutos veiculavam uma nova compreensão do Ateneu, que passou a definir-se como uma associação de classe de profissionais do comércio constituída tanto por empregados como por patrões – beneficiando, assim, de um critério mais alargado na admissão dos seus sócios, até porque muitos empregados do comércio se tinham tornado patrões com o passar dos anos. Para além da redefinição dos estatutos, também houve alterações nas atas, que recomeçaram a ser numeradas; escolheu-se, para símbolo do comércio, a figura alegórica de Mercúrio; e foi ainda decidido colocar um busto desta divindade no átrio do Ateneu. Seguiram-se tempos marcados por uma conjuntura de sentimentos autonomistas, pela falência de bancos da praça funchalense, em consequência da grande depressão, e pela Revolta da Madeira, bem como pelas transformações políticas que iriam consolidar a governação do Estado Novo. Apesar destas circunstâncias, o Ateneu impôs-se uma nova dinâmica, que acabaria por resultar num vasto conjunto de iniciativas de sucesso. As preocupações dos sócios não se cingiam às questões económicas, mas incluíam também a transmissão de uma panorâmica etnográfica dos costumes da Madeira. Além disso, voltou a incentivar-se o sentido lúdico do baile. Nesta altura, vivia-se um período de maior participação política. Em 1926, foi enviada a Lisboa uma delegação para se encontrar com vários ministros, com o propósito de solucionar as reclamações do comércio local e da própria associação. Pretendia criar uma comissão de verificação e defesa do bordado da Madeira e garantir uma melhor proteção à indústria do bordado; ambicionava a expedição direta de encomendas postais e maior celeridade na sua entrega; apostava na criação de uma representação do comércio na Junta Autónoma da Madeira, no aumento da carteira de descontos nos bancos locais e na simplificação da contribuição industrial. Ao levar as suas pretensões ao Governo Central, os empregados do comércio procuravam também afirmar-se no interior da sociedade madeirense. Insistiram em requerimentos ao Poder Central, sendo 1927 o ano mais ativo, em que trocaram correspondência com o Conselho da Bolsa Agrícola em defesa dos agricultores; com o chefe de serviços da Alfândega, o Governo e a Câmara sobre a questão dos linhos, que era fundamental para a indústria dos Bordados Madeira; com a Direção da Associação Comercial de Lojistas de Lisboa sobre a pauta alfandegária; com o Ministro do Comércio acerca de mercadorias e do movimento de turistas; com o Ministério das Finanças sobre a situação dos impostos, a carteira de descontos, a recolha de moeda, a situação da vinicultura e da obra de verga, a importação das farinhas e outros temas do interesse dos madeirenses. O Ateneu funcionava como uma Câmara de Comércio, que promovia o diálogo com as entidades oficiais em vista da luta pela defesa do comércio da Ilha. Estas conversações permitiram que, em 1928, o Ateneu solicitasse às entidades competentes que os bilhetes de identidade passassem a ser feitos no Funchal; que, em 1929, a importação de farinhas fosse livre; que a situação dos vendedores ambulantes fosse regularizada; simultaneamente, procurou intervir no sentido de que o liceu do Funchal tivesse um edifício próprio. Quanto à década seguinte, destaca-se, em primeiro lugar, o facto de, em 1933, se ter preparado uma exposição de flores naturais, a realizar, em agosto, nos salões do Ateneu, iniciativa que não chegaria a concretizar-se, por motivos políticos. A questão viria a ser ultrapassada por uma manifestação de rua, já que se procurava utilizar as flores, com a sua cor e vivacidade, para fazer a propaganda relativa ao golpe de Estado de 28 de maio de 1926 e, desta forma, impressionar não só os madeirenses, como todos os visitantes da Ilha. O cuidado da questão etnográfica justificou que, em 1935, se efetuasse um levantamento das vendedoras de flores e se publicasse uma postura camarária onde se estipulava o uso do traje obrigatório para as floristas, que usaram o vestuário, pela primeira vez, nas comemorações do 28 de maio, instituindo-se assim, um traje-padrão. Em 1935, após a substituição de diversos dirigentes governativos da Ilha, face às nomeações de Salazar, com Fernão de Ornelas na Câmara Municipal do Funchal e João Abel de Freitas na Junta Geral, o AtCF iria ser o palco escolhido para debater os problemas económicos da Ilha e para procurar esclarecer o rumo dos dinheiros enviados para a Região. Pó, fumo e nada foi o resultado do debate, o que motivaria uma firme resposta de Salazar, em carta enviada ao Presidente da Junta Geral, caricaturada a 6 de junho de 1935 pelo trimensário humorístico Re-Nhau-Nhau. Apesar das dificuldades económicas, cria-se, em 1936, o Núcleo Fotográfico do Ateneu e faz-se o I Salão de Arte Fotográfica, tendo-se destacado, como colaboradores mais distintos, José Carlos de Mendonça, António Manuel Trigo, Eduardo Pereira, Pita Ferreira e Carlos Maria dos Santos. Com a Segunda Guerra Mundial, o comércio da Madeira viveu uma fase crítica, visto que muitos dos bens essenciais foram racionados – além disso, a população padeceu de fome com o conflito. Neste período, a atividade do AtCF enfraqueceu, levando, depois, algum tempo a recuperar a sua dinâmica. Nos primeiros anos da década de 40 fazem-se jogos florais com atribuição de prémios e, em 1942, surge a Festa da Primavera. Assiste-se à afirmação da literatura e do seu aspecto criativo. Carlos Cristóvão, Alfredo Vieira de Freitas e Florival dos Passos são personalidades que marcaram esta época. Horácio Bento de Gouveia assegura que foi “pelo fim da década de 1940 e por todo o decénio de 50” que o Ateneu teve “uma função retintamente cultural” e que desenvolveu, com consciência esclarecida, uma ação de mecenato (GOES, 1985, 131). Vivia-se o espírito clássico do ateneu, que implicava a crítica e o diálogo, com conferências de variadas temáticas em que várias figuras apresentaram as suas ideias. Passaram pelo AtCF, inscrevendo-se na sua história, Ângelo Augusto da Silva, Ernesto Baltazar Gonçalves, José Pereira da Costa, Horácio Bento de Gouveia, J. Vieira dos Santos, J. Brito Câmara, Aragão Mendes Correia, Carlos Lélis e Maria Mendonça, entre outros, os quais marcaram esta época e deram o seu contributo para a literatura da Madeira. Para lá das atividades de pendor intelectual, distinguia-se, no AtCF, uma vertente recreativa, no âmbito da qual havia lugar para diversas modalidades desportivas e passeios a pé, bailes, serões e convívios, ao jeito da belle époque, procurando o descanso mental e a distração da conjuntura económico-social que então se vivia. Em 1954, o Ateneu organizou o Natal do Recém-Nascido e a Festa da Rosa. Seguiram-se a Festa do Avental, em 1956, a organização do I Rally Automóvel do Ateneu e da Festa da Uva, em 1957, para além de uma excursão às Ilhas Canárias e, nos anos 60, uma viagem aos Açores. As relações de amizade com outras regiões do País e com outros países iam-se consolidando, conferindo ao Ateneu um carácter universal. Figuras de toda a Europa e de diferentes ramos de atividade ficaram ligadas a esta instituição, como foi o caso da Viscondessa de Porto Formoso. A Festa da Flor está indissociavelmente ligada ao Ateneu. A Festa da Flor terá a sua origem na Festa da Rosa, quando a direção do AtCF realizou um evento de que fazia parte uma exposição/concurso desta espécie de flores. Para estimular a participação e aumentar o entusiasmo dos membros do Ateneu, foram atribuídos vários prémios, alguns bastante valiosos. O êxito da iniciativa levou a que esta se realizasse todos os anos, não apenas com rosas, mas com qualquer flor, mudando-se a designação, em 1955, para Festa da Flor. Numa terra onde são abundantes as flores de várias espécies, o acontecimento ganhou projeção e adquiriu um valor turístico excecional, dando razão aos que defendiam que podia ali estar a génese de um atrativo turístico de categoria mundial. Ao longo desta década, o AtCF desempenhou papel relevante na procura da elevação do nível cultural da cidade, promovendo conferências, proporcionando noites de arte e outras distrações de carácter cultural. A partir dos anos 60, o associativismo ressente-se não só da adversidade da conjuntura sociopolítica, como também da falta de novas ideias. Nesta altura, o dinamismo e a capacidade criativa do Ateneu perdem fulgor, atravessando-se anos de reduzida expressão cultural pública, o que caracteriza a terceira fase desta instituição. Mantêm-se, no entanto, algumas atividades, nas quais se recordam momentos da história do Ateneu, ou de que fazem parte vários intelectuais madeirenses: por exemplo, Bernardete Falcão, Elisa de Carvalho e Alice Ogando participaram nas conferências realizadas nos anos 60, salientando o papel da mulher. Nos anos 70, destaca-se o aspeto alegórico e renova-se a Festa da Flor, sob a direção do paisagista Fernando Pessoa e do professor Francisco Simões, que aproximam a coletividade das artes plásticas. Depois de se ter realizado, em 1957, no Casino da Madeira, a Festa da Flor volta à sede por razões de espaço. Em 1974 autorizou-se o regresso das atividades culturais ao AtCF; esta retoma cultural foi assinalada no dia 10 de junho com uma conferência sobre Camões, proferida no Teatro Municipal do Funchal. Organizaram-se também exposições de autores como Isabel Cabral, Afonso Costa, Ruy Teles, Carlos Luz e Francisco Simões (Francisco d’Almada). Nesta terceira fase, a atividade do AtCF não se caracterizou pela novidade das suas iniciativas, mas pela repetição da realização de eventos culturais já anteriormente levados a cabo. Os associados organizaram conferências, colóquios, saraus musicais e literários, jogos florais, bailes, exposições, a Mostra do Antúrio e do Sapatinho e, em especial, a Festa da Flor. Em 1981, em razão do trabalho desenvolvido ao longo de várias décadas, o Governo Regional da Madeira (GRM), reunido em plenário, resolveu declarar de utilidade pública o AtCF por intermédio da Resolução n.º 268/81. Foram reconhecidos os importantes serviços que o Ateneu prestou à Região nos setores cultural, artístico, desportivo e comercial, dinamizando a participação cívica dos seus associados e promovendo o associativismo da Região, aos quais se ficou a dever o seu lugar de destaque no interior da sociedade madeirense. Em 1982 reabriu-se o ciclo cultural do Ateneu, com uma forte participação da juventude. Organizaram-se os Jogos Florais de Verão e convidaram-se personalidades como Maria Aurora, Ângela Varela e Gonçalo Nuno, para estimular o renascimento do Ateneu. Nas comemorações do Dia de Camões de 1983 assumiu especial relevo a conferência de Mendes Marques, designada “O Ateneu Comercial do Funchal do Passado ao Presente”, assim como a de Maria Margarida M. Silva. Foram, ainda, expostas várias obras de interesse existentes na biblioteca. Nos anos seguintes, a coletividade continuaria a desempenhar um papel importante na dinamização de atividades socioculturais. Ao assinalar o seu 85.º aniversário, em 1983, ficou claro que o Ateneu, paladino de todos os verdadeiros valores, não estava, nem nunca estaria ultrapassado, assim o quisessem as suas gentes. Entre períodos difíceis e épocas áureas, faziam-se balanços anuais, esperando, ao mesmo tempo, a revitalização desta associação da sociedade madeirense. Procurando adaptar-se à evolução da sociedade, os professores Atanásio e Vítor Costa souberam captar os jovens para as iniciativas do AtCF. Ao longo dos tempos, vários membros desta instituição têm colaborado com ela espontaneamente, empenhando a sua inteligência e o seu esforço em valorizar a atividade do Ateneu. Atingido o centenário da fundação do AtCF, o GRM afirmou-se disposto a apoiar esta instituição, que apresentou formalmente o projeto de reconstrução do edifício-sede, considerado monumento de interesse público. O palacete urbano do século XIX, situado na Rua dos Netos, foi adaptado às exigências da época, procurando contribuir-se, deste modo, para a revitalização do Ateneu, que enfrentara, desde os anos 60, um crescente esmorecimento das suas iniciativas. João Evangelista, presidente desta instituição entre 1983 e 1992, expressaria o seu descontentamento, referindo, com tristeza, que parecia ter caído uma maldição sobre o Ateneu. Os anos iniciais do século XXI foram difíceis, com David Abreu, presidente demissionário desde 2002, a confirmar a acumulação de dívidas, a degradação do edifício e o afastamento dos sócios, não permitindo o desenvolvimento do tipo de atividades que, no passado, o AtCF, na sua qualidade de associação interventiva, havia realizado.   Agostinho Lopes (atualizado a 23.01.2017)

Cultura e Tradições Populares Sociedade e Comunicação Social Madeira Cultural

araújo, norberto de

  Norberto Moreira de Araújo, escritor, dramaturgo e jornalista, nasceu em Lisboa, em 1889, e faleceu na mesma cidade, a 24 de novembro de 1952. Autor de vasta bibliografia, que inclui livros técnicos sobre as artes gráficas, como Da Iluminura à Tricomia (1915), e diversas obras sobre Lisboa, como Inventário de Lisboa (1939), Peregrinações de Lisboa (1939) e Legendas de Lisboa (1943), foi uma figura importante do jornalismo português. Iniciou a sua carreira no periódico O Mundo e trabalhou em várias publicações, tais como A Manhã, Século da Noite, Diário de Notícias e Diário de Lisboa, do qual foi redator principal. Colaborou igualmente no semanário Goal, dirigido por Alves Redol, na revista Ilustração e na Revista Municipal. Em dezembro de 1948, acompanhou, como correspondente do Diário de Lisboa, um grupo de excursionistas que se deslocou à Madeira para participar nas festas de final de ano. Da viagem resultaram diversas crónicas, com o título genérico “Impressões da Madeira”, publicadas durante o mês de janeiro seguinte, com honras de primeira página, e uma entrevista ao governador civil da Madeira, Cor. Lobo da Costa. A excursão, organizada pela Casa da Madeira de Lisboa, era constituída, segundo o editor do Diário de Lisboa, João Crisóstomo de Sá, por cerca de 600 pessoas, entre as quais se encontravam os membros da Tuna Académica de Coimbra, que realizaram três espetáculos no Teatro Municipal do Funchal. O grupo incluía, igualmente, diversos jornalistas nacionais e estrangeiros, e o representante da United Press, que, a bordo do Serpa Pinto, cedido pela Companhia Colonial de Navegação, fizeram o relato da visita. Norberto de Araújo iniciou as suas “pequenas crónicas impressivas” (SÁ, DL, 5 jan. 1949, 6), sobre a Ilha, como anunciado pelo editor, no dia 6 de janeiro. A Madeira provocou no autor deslumbramento, exaltação, imagens de sonho e, sobretudo, levou-o a refletir sobre o panorama panteísta que oferecia. As frutas, as flores, as vinhas eram o resultado do esforço do homem na sua constante humildade perante a natureza. Se a terra era doce e forte, os homens simples que a cultivavam encontravam-se face a horizontes serenos e contemplativos, desenvolvendo uma alma suave e vigorosa. Numa antropomorfização da Ilha, Norberto de Araújo afirmou apetecer-lhe descansar no seu regaço, no seu coração robusto e amoroso. O tópos do deslumbramento e da terra-mãe que acolhia e nutria o homem esteve igualmente presente nas outras crónicas, assim como o da beleza da terra que continha em si “peregrinas belezas da terra toda do Mundo” (ARAÚJO, DL, 6 jan. 1949, 1). A mesma conceção edénica da Madeira foi repetida na crónica de 7 de janeiro, com o título significativo de “A Ilha das cem maravilhas onde nasceram, gémeos, Adão e Eva” (Id., DL, 7 de jan. 1949). Foi justamente este texto que João Cabral do Nascimento incluiu no volume Lugares Selectos de Autores Portugueses que Escreveram sobre o Arquipélago da Madeira (1949). O espetáculo da passagem de ano inspirou no autor uma descrição superlativa com imagens que apelavam aos sentidos, em “volupia sensual contemplativa”, e à ligação da terra com o divino, quando o fogo no céu lhe lembrou “cataclismo de sois, diluvio de estrelas”, com a Ilha que conquista o espaço acima das montanhas, “já não pertence ao mar e entrega-se ao espaço, querendo atingir o céu” (Id., DL, 6 jan. 1949, 7). As crónicas seguintes repetiam a temática do espaço edénico da Ilha, lugar de paz e felicidade familiar. As famílias, mesmo pobres, viviam felizes, com o pai que trabalhava a terra e a mãe e as filhas que bordavam como se tecessem renda de “mantos florentinos de ‘madonas’”. Entre a terra (das vinhas, das árvores de fruto, das flores) e o céu, a Ilha tinha “pequenos Mundos de beleza”. No campo arquitetónico e urbanístico, o Funchal pareceu-lhe uma mistura das várias regiões de Portugal, uma cidade que, a 1000 km de Lisboa, era “Portugal puro” (Id., DL, 7 jan. 1949, 7). Norberto de Araújo deteve-se, nos textos publicados a 10 de janeiro, nas questões económicas ligadas à Madeira, como o turismo, o vinho, os bordados, o cultivo e exploração da cana de açúcar e da banana e a industrialização dos lacticínios. Partindo do lugar-comum de que a Madeira vivia do turismo, o jornalista afirmou que, apesar de a Ilha retirar dessa atividade proventos importantes, acreditava que tal não significava viver à custa dos estrangeiros, sobretudo dos Ingleses. Desenvolver o turismo era proporcionar ao visitante “esse dom de Deus” (Id., DL, 10 jan. 1949, 1) que era a Ilha, onde se concentrava grande variedade geológica e botânica. Assim, não se vivia à custa dos que iam de fora, mas o turista pagava a dádiva generosa que a natureza lhe proporcionava. No entanto, era no trabalho do homem que a Madeira tinha a sua maior fonte de riqueza, desse “homem lusíada […] do trabalho obscuro, cantante, fomentador, fortalizador – não apenas do ouro inglês deixado cair dos ‘decks’ dos transatlânticos” (Id., DL, 7 jan. 1949, 7). As diversas atividades económicas foram, por isso, elencadas, demonstrando o seu desenvolvimento e papel na economia da Ilha. A entrevista ao governador civil encerrou os textos de Norberto de Araújo para o Diário de Lisboa. Chegado havia pouco à Madeira, o Cor. Lobo da Costa abordou diversas temáticas como o turismo, os transportes (considerando a necessidade de formas mais acessíveis de chegar à Ilha) e a expansão dos produtos madeirenses, que exigia mais possibilidades de saída. Considerava o governador que a Madeira, além destas grandes questões, tinha pouco a resolver, já que tanto o Governo do país, como as câmaras municipais e as entidades fomentadoras já tinham realizado a maior parte do trabalho. Norberto de Araújo terminou desta forma o relato da sua excursão, desenhando para os leitores uma Ilha paradisíaca, moderna e humilde. O retrato, no fundo, do produto das melhores capacidades do homem lusíada do Estado Novo e da sua forma de se relacionar com a terra e com as gentes. Obras de Norberto de Araújo: Da Iluminura à Tricomia (1915); Inventário de Lisboa (1939); Peregrinações de Lisboa (1939); Legendas de Lisboa (1943); “Impressões da Madeira (1) – A noite de S. Silvestre e o panorama panteísta ante o panorama humano” (1949); “Impressões da Madeira (2) – A ilha das cem maravilhas onde nasceram, gémeos, Adão e Eva” (1949); “Impressões da Madeira (3) – A ilusão do turismo criada e a realidade do trabalho fertilizante” (1949); “A Madeira em fogo – O espetáculo deslumbrante” (1949); “A Madeira tem os seus direitos – As declarações que fez ao ‘Diário de Lisboa’ o governador, coronel Lobo da Costa” (1949); “As possibilidades permanentes do turismo na Madeira” (1949); “O que nos diz o coronel Lobo da Costa sobre as actuais aspirações da Ilha da Madeira” (1949); “O regresso da excursão que foi ao Funchal para assistir às festas do fim do ano” (1949); “A vida do Funchal e os progressos urbanísticos registados nos últimos anos” (1949).     Luísa Marinho Antunes (atualizado a 23.01.2017)

Literatura Sociedade e Comunicação Social

telegrafia sem fios (tsf)

De início, a comunicação a longa distância fazia-se por intermédio de meios pouco adequados, mas capazes de cumprir a sua missão. Eram os sinais sonoros ou visuais que, a partir de um código preestabelecido, tornavam o ato possível. O sistema de telegrafia com fios surgiu em Portugal, a partir de 1855, mas só em agosto de 1873 se procedeu à sua instalação na Madeira, por meio de uma linha que ligava a Ponta de São Lourenço ao Funchal e à Ponta do Sol, e, no ano imediato, com a Ponta do Pargo e Machico. Este serviço estava a cargo da Estação Telegráfica e Faróis do Reino e terá entrado em funcionamento a 24 de agosto de 1874. O serviço é montado no momento em que a Madeira passa a estar ligada ao continente por um cabo submarino. A descoberta da telegrafia sem fios, patenteada a 2 de junho de 1896, veio alterar para sempre o panorama das comunicações em Portugal e, em particular, na Madeira. Palavras-chave: comunicação; Madeira; Marconi; telegrafia; telegrafia sem fios. De início, a comunicação a longa distância fazia-se por intermédio de meios pouco adequados, mas capazes de cumprir a sua missão. Eram os sinais sonoros ou visuais que, a partir de um código preestabelecido, tornavam o ato possível. O sistema de transmissão por combinações de luzes, que teve a primeira aplicação prática no exército de Alexandre, o Grande. Todavia, os grandes aperfeiçoamentos do sistema tiveram lugar muito mais tarde, sendo obra de Lippershem, Galileu e Kipler. Esse sistema manteve-se até finais do séc. XVIII, altura em que os irmãos Chappe, em França, criaram o primeiro sistema semafórico, cujo princípio estará na origem do telégrafo (1844). Ambos foram também aplicados em Portugal e na Madeira, servindo de meio de comunicação das embarcações entre si, com os portos e entre os vários núcleos de povoamento. Uma das principais utilidades do sistema na Madeira, foi o aviso da presença de corsários, prontos a assaltar barcos e povoações. Desde o início da ocupação da Ilha que os seus habitantes estiveram expostos ao livre arbítrio de piratas e corsários, que frequentavam com assiduidade o mar madeirense e se apresentavam como uma permanente ameaça para as populações costeiras. Ficaram célebres os assaltos dos franceses ao Funchal, em 1566, e dos argelinos ao Porto Santo, em 1616. Perante esta permanente ameaça, foi necessário estabelecer medidas de vigilância e proteção na costa. No primeiro caso, destacam-se as vigias colocadas em locais estratégicos, ao longo da vertente sul da Madeira, onde permaneciam turnos de guarda da ordenança local. A presença de um navio estranho, indiciador de um pirata ou corsário, era, de imediato, avisada aos comandantes das ordenanças que reuniam as hostes, através de um sinal sonoro: o repicar dos sinos da igreja ou o toque do tambor. Todavia, as populações costeiras também precisavam de ser avisadas, de modo a poderem preparar a defesa – daí a utilização destes sinais, que eram mais rápidos do que um mensageiro a cavalo. Estabeleceu-se, em toda a Ilha, um sistema de comunicação por sinais luminosos (os fachos), que circulavam ao longo da orla costeira por intermédio das elevações que propiciavam este contacto. A rede terminava no Pico da Cruz, em São Martinho, que foi conhecido como o Pico Telégrafo. Daí resultou a designação de Pico do Facho às elevações onde se faziam os sinais luminosos; com este nome, surgem-nos dois picos, um no Porto Santo e outro na Madeira (em Machico). A forma de organização desta comunicação por sinais óticos é-nos apresentada, em 1805, pelo governador D. Diogo Pereira Forjaz Coutinho, num regimento que estabeleceu para tal fim. Desta forma, existia uma linha visual de comunicação que ligava o Pico do Facho, no Porto Santo, com o de Machico, o Pico da Água (Caniço), o Pico da Cruz (São Martinho) e Cabo Girão (Câmara De Lobos). Como é óbvio, o sistema não permitia uma perfeita e total comunicação entre os dois interlocutores, atuando apenas como um meio de aviso, rápido e eficaz. Por outro lado, inúmeros obstáculos se colocavam à sua concretização, numa ilha marcada pelo acidentado do terreno. Estas dificuldades só podiam ser ultrapassadas com o aparecimento de um novo meio de comunicação – no caso, o telégrafo elétrico, surgido em 1837. Foi neste ano que William Cooke e Charles Whatstone registaram a patente. Aqui há a considerar a telegrafia com fios e sem fios, sendo de destacar, na primeira, a que se realizava por via terrestre ou marítima (cabo submarino). O sistema de telegrafia com fios surgiu em Portugal a partir de 1855, mas só em agosto de 1873 se procedeu à sua instalação na Madeira, por meio de uma linha que ligava a Ponta de São Lourenço ao Funchal e à Ponta do Sol, e, no ano imediato, à Ponta do Pargo e a Machico. Este serviço estava a cargo da Estação Telegráfica e dos Faróis do Reino e terá entrado em funcionamento a 24 de agosto de 1874. O serviço é montado no momento em que a Madeira passa a estar ligada ao continente por um cabo submarino. Recorde-se que, a 7 de abril de 1859, os deputados madeirenses, Jacinto Augusto de Sant’Ana e Vasconcelos, Moniz de Bettencourt, Luís de Freitas Branco, Luís da Câmara Leme, requereram, ao Governo, informações sobre os custos e a instalação de cabo elétrico, bem como sobre despesas de instalação e funcionamento de uma estação, certamente a pensar na sua instalação no Funchal. Para trás, ficaram a telegrafia semafórica, surgida em 1803, e a ótica de 1810. Mesmo assim, na Ilha, continuaram a conviver com esta nova forma de comunicação, permanecendo ativas as estações semafóricas da Ponta do Pargo e da Ponta de São Lourenço. Atente-se a que a semafórica continuou por muito tempo a marcar presença na baía do Funchal, servindo a comunicação entre os navios e o Calhau. Para isso, usava-se o Pilar de Banger. O facto de, a 10 de março de 1876, Alexandre Bell ter patenteado o seu novo invento, o telefone, fez com que o sistema de telegrafia se tornasse obsoleto. Todavia, ele tardou em chegar à Madeira: em 1881, foi concedido o alvará de exploração à companhia Edison Gower Bell Company, para a rede de Lisboa, mas só em 1911 é que os madeirenses puderam usufruir dele. A primeira ligação telefónica teve lugar a 6 de outubro entre o governador e o Diário de Notícias, que tinha o número 32. Entretanto, no ano seguinte, a Câmara solicitava o seu alargamento a toda a Ilha, o que só foi conseguido nos 40 anos que se seguiram. Para as ligações com o exterior, continuou a manter-se o sistema telegráfico, e o usufruto do mesmo, por meio do TSF ou cabo submarino, teve lugar muito mais cedo, mercê do facto de a Ilha se situar num eixo importante das comunicações com o continente africano. A conjuntura da primeira metade do século foi favorável ao rápido desenvolvimento da TSF. A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e os conflitos militares isolados, como o dos bóeres na África do Sul, criaram a necessidade de um rápido e eficaz sistema de comunicações, só possível com a telegrafia sem fios. A utilização do rádio, a partir de 1905,  nas comunicações militares, e a acuidade destes conflitos, nos primeiros decénios do séc. XX, traçaram o caminho para a plena afirmação das comunicações via rádio. Foi Marconi quem, durante a guerra, divulgou, no seu país, o serviço de telegrafia e telefonia. O invento patenteado por Marconi ia dando os primeiros resultados. Dos iniciais 4 km de comunicação, passou-se para os 400 km e para a total cobertura do mundo. As experiências realizadas entre julho e dezembro de 1902, a bordo do vapor Carlos Alberto, levaram ao desenvolvimento do sistema de transmissão em morse e à receção telefónica de ondas, que lhe propiciaram, em 1902, a transmissão da primeira mensagem radiotelegráfica entre o Canadá e a Inglaterra e, no ano imediato, com os EUA. A 16 de setembro de 1906, foi inaugurado o primeiro serviço radiotelegráfico regular entre a Europa e os EUA. Os benefícios deste novo sistema de comunicações tornam-se evidentes na guerra e no salvamento de embarcações naufragadas, como sucedeu, em 1909, com os vapores Florida e Republica e, em 1912, com o grande paquete Titanic. Em 1916, Marconi apresentava o primeiro aparelho de telefonia por ondas curtas e contribuía assim, decisivamente, para o progresso das comunicações a longa distância, e para a afirmação de uma nova realidade que marcou a sociedade mundial a partir da déc. de 20. Foram os anos da rádio: primeiro, nos EUA, desde 1914, depois na Europa, com a BBC (1922). Após isso, o inventor desenvolveu as investigações sobre o sistema de ondas curtas, servindo-se, para o efeito, do vapor Electra. Deste modo, em maio de 1924, transmitia, pela primeira vez, a voz humana, por meio da radiofonia entre a Inglaterra e os EUA. A descoberta da TSF, patenteada a 2 de junho de 1896, colocou-o entre as personalidades ilustres e mais badaladas da primeira metade do séc. XX, e levou-o ao panteão do prémio Nobel, ao receber o da Física, em 1909. O iate Electra, o seu mundo ambulante, considerado pelos italianos “nave del miracolo”, tornou-se no centro das experiências, enquanto Roma e Londres funcionavam como o meio de concretização técnica dos inventos, nomeadamente por meio da companhia que criara em julho de 1897. Entre as primeiras experiências, em 1896, e a generalização do uso da TSF nas comunicações marítimas, terrestres e aéreas, desde 1913-14, medeia um curto período, pelo que estes anos e os seguintes foram de intensa atividade para o cientista. Entre 1922 e 1924, percorreu o Atlântico, desde Cabo Verde aos Açores e à Madeira, no sentido de encontrar uma solução adequada à dirigibilidade das ondas de pequena extensão: de 17 a 18 de julho de 1922 esteve na Horta (Faial-Açores) e, de 26 de agosto (madrugada) a 2 de setembro de 1924, passou pela Madeira. Esta curta estância na Madeira enquadrava-se no plano de experiências traçado para o mesmo ano e que o levou a Lisboa, ao Funchal, ao Porto Santo, a Cabo Verde e a Gibraltar. Foram três meses de demoradas pesquisas que contribuíram para a solução das principais dificuldades resultantes da comunicação radioeléctrica. Deste modo, aquando do regresso a Londres, a 3 de novembro, deu início à construção da primeira estação equipada com o novo invento. Até à inauguração do serviço radiotelegráfico da Marconi, em 15 de dezembro de 1926, todo o serviço de comunicação entre a ilha da Madeira e o exterior fazia-se por cabo submarino ou por uma incipiente estação de TSF, montada em junho de 1922, na estação Rádio Telegráfica do Funchal, situada na R. de João Gago. Durante a Primeira Guerra Mundial, o Governo inglês havia montado uma estação na Qt. Santana, que foi encerrada a 2 de abril de 1919. Um despacho do Ministério das Finanças, de 12 de dezembro de 1921, determinava a instalação de um posto radiotelegráfico na Madeira, o que nunca aconteceu. Entretanto, já em 1925, o semfilismo teve novo impulso na ilha da Madeira, por iniciativa de Alberto Carlos d´Oliveira, funcionário da estação telegráfica do Funchal, que havia sido transferido para aqui, em 1920. Este, que havia exercido idênticas funções em São Vicente, no arquipélago de Cabo Verde, tinha iniciado, em 1912, as transmissões, e estabelecido inúmeros contactos com embarcações. A abertura da estação, em 1925, abriu as portas para novos adeptos, de forma que, passados 4 anos, eram já 12 os radioamadores em funcionamento na Ilha. Assim, à saída de Alberto Oliveira para a Estação Telegráfica de Lisboa, em 1931, havia, na Ilha, um grupo significativo de radioamadores. Com a Segunda Guerra Mundial, todavia, em 1939, todos os radioamadores foram obrigados a silenciar a sua presença. Através dos debates parlamentares, sabemos da preocupação dos deputados madeirenses relativamente ao facto de as duas ilhas do arquipélago estarem devidamente servidas de telegrafia sem fios. A par disso, pretende-se que este novo meio não fique ignorado, apelando-se, a 5 de março de 1904, pela voz dos deputados Alexandre José Sarsfield e Frederico dos Santos Martins, à criação de uma escola prática de telegrafia no Funchal. Apenas a ilha do Porto Santo continuava isolada do mundo. Desta forma, são insistentes as reclamações de alguns dos deputados madeirenses no sentido de levar a cabo a instalação de um cabo submarino ou de uma estação de TSF. Sabemos de um projeto de cabo submarino que deveria ligar aquela ilha à Ponta de São Lourenço, mas que não passou de projeto, pois, entre 1922 e 1925, César Procópio de Freitas insiste na necessidade de atender a este problema, nem que seja com um simples posto de telegrafia sem fios, sugerindo, também, que se transferisse a estação existente no Funchal quando a Marinha instalasse a sua nova estação. Entretanto, em março de 1926, o Funchal estava servido de duas estações telegráficas, uma na estação dos correios, e outra, nova, na Marinha no Castelo do Pico; o Porto Santo, contudo, continuava à espera. A telegrafia sem fios era considerada importante para a Madeira. A 5 de novembro de 1919, para voltarmos um pouco atrás nas datas, o deputado Pedro Pita era perentório: “A navegação afasta-se da Madeira, preferindo os portos das Canárias – essas ilhas rivais – porque aí tem telegrafia sem fios, e, portanto, uma maior facilidade para os pedidos de fornecimentos. De modo que em vez de virem à Madeira procurar mantimentos e refrescos, que só podem ser-lhes preparados depois de cá estarem, porque também só depois disto é que os podem pedir, preferem as Canárias, para onde comunicam a distância por intermédio da telegrafia sem fios, e onde, mal chegam, podem fornecer-se e retomar a sua marcha” (VIEIRA, 2014, 1747). Os mesmos argumentos são repetidos a 4 de julho de 1922 pelo deputado Vasco Marques, que reclamava da perda de competitividade do porto madeirense em relação aos das Canárias, por falta deste meio: “O porto do Funchal deixou, sim, de ser visitado como era antes da guerra, por dois principais motivos: Primeiro, porque só agora, e não obstante as reclamações dos parlamentares e de toda a Madeira, é que montaram uma estação de telegrafia sem fios, cujos aparelhos de transmissão, por sinal, são insuficientes; tal melhoramento só agora começou; por isso a navegação preferia as Canárias, porque lá, devido aos sem fios, encontraria tudo ao fundear, ao passo que na Madeira, só depois da chegada ao porto é que podiam dizer aquilo de que necessitavam, o que forçava a navegação a perder um tempo precioso; em segundo lugar, porque o decreto chamado de proteção à marinha mercante lançou impostos gravosos sobre os vapores estrangeiros, pelo que muitos destes deixaram de tocar na Madeira” (Id., Ibid., 2174). A 6 de fevereiro de 1925, Procópio de Freitas insiste na ideia de que o porto do Funchal era o único sem posto telegráfico e que, com isso, perdia em relação aos demais: “Hoje todos os portos bastante frequentados têm postos de telegrafia sem fios com a altura suficiente para poder receber as comunicações dos navios que desejam, ao demandarem esses portos, que neles haja todas as facilidades para embarque e desembarque de passageiros, e abastecimentos” (Id., Ibid., 2342). Atente-se que esta ausência de uma estação de TSF em condições, no Funchal e no Porto Santo, é entendida pelos deputados madeirenses – como era o caso de Procópio de Freitas, Juvenal Araújo e Pedro Góis Pita – como uma expressão do abandono a que o arquipélago continuava votado, funcionando como um entrave ao progresso e à afirmação da Ilha na navegação oceânica, face às Canárias. Por outro lado, era assinalada como uma injustiça, quando nos Açores todas as ilhas já estavam ligadas. O cabo submarino, como meio privilegiado de comunicação com o exterior, não durou muito, devido à concorrência da telegrafia sem fio e do desenvolvimento do correio aéreo, que o tornaram obsoleto e de elevados custos; deu por isso lugar a uma complexa rede de TSF. Foi o primeiro passo para uma rápida ligação entre todo o mundo, sistematizada por completo, no séc. XX, com os satélites. O desenvolvimento das tecnologias de comunicação conduziu ao paulatino apagamento da Wireless Telegraph Company, que acabou por ser silenciada em 1982, com o aparecimento de uma via alternativa para o cabo submarino, com a inauguração da estação de satélites. Desde esta data, com as remodelações posteriormente realizadas, passou a funcionar apenas uma estação do serviço móvel marítimo e uma casa de repouso para os funcionários da empresa. Na déc. de 50, redobram as responsabilidades da Companhia Portuguesa Rádio Marconi (CPRM), ao ser-lhe atribuída a exploração do rádio móvel marítimo. O Garajau permanece como central, dispondo apenas das antenas de receção, enquanto o Caniçal é reativado como posto de emissão e, no Funchal, ficavam centralizados desde 4 de julho de 1951 todos os serviços de escuta rádio naval. A mudança técnica das instalações do Caniço só ficou concluída em 25 de março de 1968, com a inauguração da nova estação do Caniçal. Os radioamadores foram os primeiros a apostar, com total confiança, neste suporte de comunicação, sendo o seu elo de continuidade. A Madeira tem uma tradição significativa de semfilismo, estando ligada a esta atividade desde os primórdios do seu aparecimento em Portugal.   Alberto Vieira (atualizado a 23.01.2017)

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