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casa de saúde câmara pestana

A partir de  9 de maio de 1925 as Irmãs Hospitaleiras  iniciaram a assistência psiquiátrica na Casa de Saúde Câmara Pestana em S. Gonçalo a 18 mulheres doentes  do Manicómio Câmara Pestana (1906-1925) que as Irmãs compraram à Junta Geral.  Admitiram mais 12 e de década para década  o número das enfermas cresceu sempre: em 1930 eram 103; 1940, 245; 1950, 274; 1960, 470; 1970, 679. Este aumento explica-se devido ao vazio de respostas, à regresso de doentes dos países de emigração, aos pobres e doentes da região e às correntes residuais  das teorias da degenerescência  da doença: Os grandes alienistas abraçavam no dobrar do séc. XIX para o séc. XX nos  quais se integra Miguel Bombarda  (1851-1910), e se prolongou  até  1970 mantinham que o doente uma vez doente o seria para sempre. As novas correntes de psiquiatria emergentes:  porta aberta,  desinstitucionalização, porta giratória, anti psiquiatria, saúde mental comunitária, instituições para deficientes mentais e uso de novos psicofármacos reduziu os internamentos. Em 1980 reduziram para 474; e em 1990, para 389. O novo paradigma de reabilitação psicossocial e dos novos olhares sobre a saúde e capacidades preservadas dos doentes mentais, e o uso de psicofármacos de segunda e terceira geração   permitiram  continuar a reduzir as admissões, a dar alta às pacientes antes consideradas crónicas, a colocar as mais autónomas em unidades na comunidade e na família. Em 2000 as doentes baixaram para 305. Contudo,  novas instalações, a pobreza e o envelhecimento da população, aumentaram ligeiramente o número que  atingiu 329  em 2010 e se estabilizou à volta de 350. Até 1940 predominavam os cuidados de higiene, alimentação adequada, as ocupações ergoterápicas e a animação social e pastoral. Os tratamentos eram à base de calmantes  e   convulsivantes: sistocardil, cardiozol, eletrochoque e insulinoterapia. As ocupações mais comuns eram as atividades domésticas e os ateliês de bordados em troca de compensações  gratificantes.  Nos últimos 25 anos foram incrementadas ações de treino de reabilitação psicossocial e psicofármacos de ação prolongada. A Casa dispôs desde o  início dos serviços do João de Almada.  Já tinha sido diretor do Manicómio desde 1907 a 1925 em que pediu a demissão, sendo admitido pela direção da Casa de Saúde  nesse mesmo  ano e mantendo-se em funções até à morte em 1942. Sucedeu-lhe Aníbal Augusto de Faria de 1942  a 1969; e Armindo Saturnino Pinto Figueira da Silva  até 2005. O seu sucessor, José Vieira Nóbrega Fernandes, deixou  recentemente o cargo sucedendo-lhe Luís Filipe Fernandes. Os diretores clínicos sempre foram coadjuvados por outros clínicos. Atualmente, a Casa conta ao seu serviço seis psiquiatras,  um neurologista, três clínicos gerais, um dentista, um ginecologista e um oftalmologista. As funções de enfermagem, administrativas e de coordenação dos serviços  até  aos anos oitenta do séc. XX foram exercidas quase exclusivamente pelas Irmãs. Nesse período a Casa começou a recorrer a enfermeiros leigos e outros técnicos. No presente trabalham na Casa cerca de 220 colaboradores, entre técnicos e auxiliares, incluindo 45 enfermeiros e 30 técnicos de várias áreas. Contando ainda com voluntários, adultos e jovens. Todos os colaboradores e Irmãs participam em inúmeros encontros de formação e jornadas técnicas, na Madeira e no Continente,  incluindo, as dos 75 anos da Casa, ano 2000, em conjunto  com a Casa de Saúde S. João de Deus e as dos congressos de psiquiatria S. João de Deus para comemorar datas significativas dos dois institutos. A partir de 1980 as ações de formação para Irmãs, auxiliares e técnicos, cobrem as áreas da humanização da vida quotidiana, da animação pastoral, dos temas de liberdade religiosa e direitos das doentes mentais. A animação sócio educativa nas áreas da alfabetização, musicoterapia, psicomotricidade, em ateliês ocupacionais, saídas a passeio e à praia, são algumas das atividades  do dia a dia incrementadas nos últimos anos . As instalações foram renovadas e aumentadas progressivamente, sendo inauguradas a nova cozinha, despensa e a casa das Irmãs em 1970, seguidos de melhoramentos  noutros pavilhões e construído o pavilhão do S. Coração de Jesus e o bar. A partir  dos anos 90 do séc. XX a Casa iniciou planos de reconstrução total das instalações, sendo a primeira fase inaugurada  em 15 de dezembro de 2000 e a segunda em 15 julho de 2011; dos edifícios anteriores só ficou a igreja e a residência das Irmãs. A reabilitação psicossocial deu lugar a comunidades redimensionadas com as doentes mais autónomas,  dentro e fora da instituição:  “Santa Luzia”  com cinco residentes em 2004; e a de “Santo Amaro” em 2008 também com cinco residentes. Desenvolveram-se ainda atividades das doentes na casa e fora dos muros  em passeios  pela ilha e ações de animação e lazer em parceria com outras instituições. As Irmãs ajudaram famílias e crianças pobres,  deram catequese, participaram na pastoral da saúde da diocese, etc. A Casa tem acolhido também milhares de familiares das doentes e visitantes que anualmente acorrem a  contemplar os  presépios e assistir a festas em que participam ativamente muitas doentes; e a associação das famílias, a “Âncora” que desde 2004 tem incrementado este intercâmbio com atividades próprias. A Carta de Identidade da Instituição da Congregação da Irmãs Hospitaleiras afirma no n.º 46  a fidelidade à sua tradição e valores no «respeito absoluto pela dignidade da pessoa»,   considerando a «atenção integral pilar fundamental do processo terapêutico, o qual inclui o direito aos cuidados espirituais e religiosos». A Casa de Saúde está certificada no âmbito do Modelo EQUASS, desde junho de 2014, com formação continuada ao nível dos serviços de psiquiatria e saúde mental, enfermagem, psicogeriatria, deficiência intelectual; serviço de admissão, serviços de apoio e suporte, serviços administrativos, recursos humanos, gabinete do utente, pastoral da saúde, serviços sócio-terapêuticos e socioculturais, serviços gerais, higiene hospitalar e de manutenção. esta certificação de qualidade é sinónimo de muito caminho  percorrido e de formação contínua em ordem à excelência. Em 2014, centenário da morte de S. Bento Menni, criador de um novo modelo de casas de saúde de psiquiatria, a Casa integrou as ações celebrativas do fundador e patrono das Irmãs sob o lema: “Um coração sem fronteiras” e um programa de formação polifacetado sobre cuidados holísticos com ética e qualidade, ciência e humanização destinado a ultrapassar as barreiras dos estigmas, a inovar formas de cuidar e de pensar a saúde mental com criatividade e fidelidade ao carisma hospitaleiro do Fundador da Congregação. Bibliog. impressa: RIBEIRO, João Adriano, A Casa de Saúde Câmara Pestana, percurso histórico da Obra Hospitaleira na Madeiram, in I Jornadas Hospitaleiras de Saúde Mental da Região Autónoma da Madeira....2000; GAMEIRO, oh Aires e Manuel Maria GONÇALVES, OH, História da Casa de Saúde S. João de Deus na Madeira,  vol. I, Os Irmão de S. João de Deus e os alienados. Dos antecedentes a 1960, Lisboa, 1914, Esfera do Caos editores, pp. 34-36; CASA DE SAÚDE CÂMARA PESTANA, Breve Historial,1925-2012; IRMÃS HOSPITALEIRAS, Casa de Saúde Câmara Pestana, 1925-2010; manuscrita: ARM, Livro 11, Correspondência Expedida, Cartas 308126.05.1924;42 20.12.1924; ARM Livro JGDFUN, Secretaria 2263 Sessão de 4 de junho de 1925 126v,127f e v e 128 f e v Contrato com as Irmãs; “Memórias” Crónicas Manuscritas das Irmãs Hospitaleiras” [Cronologia da Casa de Saúde Câmara Pestana] Arq. da Casa de Saúde Câmara Pestana. Aires Gameiro (atualizado a 22.08.2016)

psicologia (na universidade da madeira)

A 26 de março de 2004, por deliberação do Conselho da Universidade da Madeira (UMa), foi criado o Departamento de Psicologia e Estudos Humanísticos (DPEH), decisão mais tarde ratificada em Senado Universitário a 7 de maio de 2004. Este Departamento, tal como o seu nome indica, compreendia duas áreas disciplinares: os Estudos Humanísticos e a Psicologia. No que diz respeito à área da Psicologia, a criação do Departamento teve como objetivo, entre outros, capitalizar e rentabilizar a área da Psicologia, tornando-a uma área mais estruturante e de investigação fundamental, com vista à sua aplicação nas áreas política, social, organizacional, artística e de apoio individual. Até esta data os docentes da área da Psicologia da UMa estavam integrados no Departamento de Ciências da Educação, a lecionar as disciplinas dos cursos da área da Educação. Na senda do projeto de criação do DPEH e dadas as necessidades detetadas nas instituições da RAM, a 28 de janeiro de 2004, por deliberação do Senado Universitário da UMa, foi criado o curso de Psicologia (Deliberação n.º 892/2004). Este estava estruturado em cinco anos letivos, sendo os três primeiros anos um tronco comum e os dois últimos de especialização numa das seguintes áreas de intervenção: Psicologia de Desenvolvimento Social e Comunitário, Psicologia Clínica, Psicologia de Orientação Escolar e Vocacional. Os três primeiros anos, seis semestres curriculares, eram compostos por um total de 30 disciplinas de diferentes áreas disciplinares: Psicologia, Estatística, Biologia, Cultura, Expressão e Comunicação e Informática. Estas disciplinas davam um suporte teórico que servia de base para a compreensão e reflexão da intervenção em Psicologia. Os dois últimos anos, quatro semestres curriculares, eram de especialização e as 18 unidades curriculares (UCs) que o compunham eram quase na totalidade da área da Psicologia, existindo, no último ano, um estágio curricular que decorria durante todo o ano letivo. Os estágios eram realizados em instituições da RAM em estreita articulação com a UMa, como foram o caso de diferentes Centros e Casas de Saúde (Câmara Pestana e S. João de Deus) e do Centro de Reabilitação da Sagrada Família. Este plano curricular da licenciatura entrou em funcionamento no ano letivo de 2004-2005 e teve três edições. Por decisão da comissão científica do DPEH, a 11 de maio de 2006, abre apenas o ramo de especialidade de Psicologia Clínica, que funcionou numa única edição (dois anos letivos: 2007-2008 e 2008-2009), terminando em junho de 2009. Em 2004, para além do curso de Psicologia, foram também aprovadas, a 24 de março de 2004, pelo Senado Universitário da UMa (Deliberação n.º 909/2004), as diversas áreas de Doutoramento no ramo de Psicologia com as seguintes especialidades: Psicologia Geral, Psicologia Social, Orientação Vocacional e Profissional, Psicologia da Educação, Psicologia Clínica, Psicoterapias, Avaliação Psicológica. O grupo de docentes de Psicologia, para além de lecionar na licenciatura da sua área, continuou a prestar apoio às licenciaturas da área da Educação: Educação de Infância, Ensino do 1.º Ciclo do Ensino Básico, Ciências da Educação, Educação Sénior, Licenciaturas via ensino de diferentes áreas (Educação Física e Desporto, Matemática, Química, etc.) e Profissionalização em Serviço. Da mesma forma, apoiaram as das áreas da saúde (Medicina e Enfermagem) e de Serviço Social. Em 2007, a UMa procede à reorganização da sua oferta educativa de acordo com o Processo de Bolonha, legislado em Portugal no Decreto-Lei n.º 49/2005, de 30 de agosto, que estrutura o ensino superior em três ciclos. Na área da Psicologia, foram igualmente propostos três ciclos: um 1.º ciclo, designado por licenciatura em Psicologia, com seis semestres curriculares de trabalho; um 2.º ciclo, designado por mestrado, na área de Psicologia da Educação, que compreende quatro semestres curriculares; e um 3.º ciclo em Psicologia, sem parte curricular. O 1.º ciclo (Retificação n.º 1509/2008) englobava um total de 24 UCs, com um peso de 7,5 ECTS cada, das quais 18 eram da área da Psicologia. Este ciclo de estudos, de caráter generalista, tinha como objetivo desenvolver competências de conhecimento dos processos psicológicos básicos, dos processos de investigação, dos processos de avaliação e de intervenção psicológica. Com ele, não se pretendia preparar os estudantes para o exercício da profissão, mas sim capacitá-los para a frequência de outro ciclo de estudos aprofundado em qualquer uma das áreas da Psicologia: Clínica, Educacional ou Social e das Organizações. O 2.º ciclo em Psicologia da Educação pretendia preparar os indivíduos para a inserção na prática profissional, através do desenvolvimento de competências na área da criação de Produtos e Serviços Psicológicos, em dois eixos essenciais: a avaliação psicológica – diagnóstico e peritagem – e a intervenção psicológica – prevenção, tratamento e reabilitação. Era composto por 10 UCs, maioritariamente da área da psicologia, distribuídas ao longo de 4 semestres. Os dois primeiros semestres, ou seja, o 1.º ano, contava com 8 unidades curriculares dedicadas à aquisição de um corpo de conhecimentos específico da área, a nível da metodologia da investigação, da conceptualização teórica, da avaliação e da intervenção na área da Psicologia da Educação. Os dois últimos semestres, o 2.º ano, eram de aproximação ao exercício da profissão, com um estágio curricular anual, e de desenvolvimento de competências de investigação, com a elaboração e defesa pública de uma dissertação de Mestrado na área da Psicologia da Educação. Os estágios, com a duração de 580 h, realizaram-se em diversas instituições da RAM, abrangendo vários contextos educativos e diferentes fases do desenvolvimento, como sejam as instituições ligadas ao Ensino Formal (Escolas do 2.º e 3.º ciclos da RAM), ao Ensino Especializado (Centros de Apoio Psicopedagógico – onde se realiza o apoio dos psicólogos da Secretaria Regional da Educação às Escolas do 1.º Ciclo com Pré da RAM e a Intervenção Precoce – e Centros de Atividades Ocupacionais), ao Ensino Profissional (como a Escola Cristóvão Colombo e a Escola Francisco Fernandes), as instituições de Reinserção Social (como o Centro Educativo da Madeira ou o Estabelecimento Prisional do Funchal) e os Lares de Idosos. No âmbito do Mestrado em Psicologia da Educação, foram apresentadas e defendidas, até ao início de 2015, 62 dissertações, abrangendo diversas áreas e diferentes temáticas. O 3.º ciclo em Psicologia (DR, 23 fev. 2010) teve como objetivos desenvolver competências de aprofundamento teórico e de investigação. O curso de Doutoramento era organizado em 180 ECTS da área de Psicologia, correspondentes à realização de uma tese original nessa área, e estava estruturado nas seguintes especialidades: Psicologia Geral, Psicologia Social, Orientação Vocacional e Profissional, Psicologia da Educação, Psicologia Clínica, Psicoterapias e Avaliação Psicológica. Até 2015, foram apresentadas e defendidas cinco dissertações de Doutoramento, abrangendo diversas áreas e diferentes temáticas: Psicologia Clínica, Psicologia da Educação e Psicologia Geral. Na área da Psicologia foram também promovidas algumas pós-graduações: entre 2009 e 2011, funcionou o curso de Arte-Terapia, em colaboração com a Sociedade Portuguesa de Arte-Terapia. Entre 2009 e 2011, decorreu a pós-graduação em Intervenção Sistémica e Terapia Familiar e, entre 2011 e 2013, o curso de especialização em Terapia Familiar e Intervenção Sistémica, tendo estas duas últimas resultado de uma parceria com a Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar. A pós-graduação em Arte-Terapia era uma formação de nível I de Arte-Tepareutas Institucionais, sob Supervisão, e tinha como objetivo o desenvolvimento pessoal através da Arte-Terapia, fornecendo o aporte teórico e prático para este tipo de intervenção. Assim, pretendia, através das ações de formação, estimular o desenvolvimento do autoconhecimento, do imaginário e da criatividade através das Artes. Esta pós-graduação tinha a duração de cerca de 500 h e o 1.º ano, 1.º nível, compreendeu diversas atividades: Grupos de Reflexão, Grupos de Arte-Terapia Psico-Educacional ou Experimentais, Ateliês de Arte-Terapia Vivencial, Ateliês de Artes Plásticas e Workshops Temáticos. No 2.º ano, 1.º nível, as atividades centraram-se à volta de: Dinâmicas de Grupos de Arte-Terapia, Facilitação de um Grupo Institucional de Arte-Terapia e Grupos de Supervisão. A pós-graduação em Intervenção Sistémica e Terapia Familiar tinha a duração de 360 h, 60 h correspondentes a um curso de sensibilização à intervenção sistémica e familiar e 300 h a uma formação em intervenção sistémica e familiar. Esta pós-graduação procurou desenvolver uma postura epistemológica consonante com os princípios da Sistémica, a promoção de competências teóricas no domínio das diferentes escolas ou modelos de terapia familiar e de intervenção sistémica, a formação pessoal e a potenciação de trabalho sistémico (clínico ou outro) no quadro profissional ou extraprofissional dos formandos. A formação era dividida em três módulos: Escolas e Modelos de Terapia Familiar e de Intervenção Sistémica, Formação Pessoal e Prática do Trabalho Sistémico, Formação Clínica. O curso de Especialização em Terapia Familiar e Intervenção Sistémica teve como objetivo a especialização de profissionais na intervenção sistémica e familiar através da supervisão de casos. Pretendia-se que os formandos, através da prática supervisionada de intervenção sistémica com famílias e redes e de uma análise e reflexão sistemáticas desta mesma prática, desenvolvessem competências específicas de terapia familiar e intervenção sistémica, adquirissem maior capacidade de reflexão e questionamento sobre a sua prática de intervenção com famílias, redes e grupos sociais e construíssem a sua própria identidade enquanto terapeutas familiares e sistémicos. Integrado no DPEH, existiu também um serviço de prestação de serviços à comunidade, o Gabinete de Psicologia Aplicada, cuja finalidade era o desenvolvimento de projetos de prestação de serviços à comunidade. Em novembro de 2009, e por despacho reitoral, foi criado o Serviço de Consulta Psicológica da UMa (SCP-UMa), na dependência da reitoria. Este serviço tem como propósito promover o desenvolvimento pessoal e o bem-estar psicológico dos estudantes e funcionários da Academia, bem como da restante comunidade da RAM. Em 2014-2015, este serviço realizava por ano, em média, 700 atendimentos, sendo que 50% deles se destinava a estudantes universitários. No âmbito da intervenção com os estudantes universitários, a sua principal população alvo, destacam-se: a implementação do Programa de Tutoria de Pares, no ano letivo 2012-2013, que visa a adaptação do estudante à Universidade e sua inserção na mesma; a realização de grupos de treino de competências de estudo, o Grupo Eficaz no Estudo; a dinamização de atividades de promoção da integração/adaptação otimizada de estudantes em programas de mobilidade; a dinamização de iniciativas de promoção de Saúde Mental e Bem-Estar Psicológico, como Mensagens pela UMA; a realização de dias abertos, a par de disponibilização de material de autoajuda e de uma newsletter digital. Este serviço desenvolve ainda outros projetos: a) ao nível da biblioterapia, com vários grupos alvo, tida também como um adjuvante importante da prática clínica; b) de promoção do capital psicológico junto dos funcionários da Academia, no sentido da promoção do bem-estar e gestão de stress; c) de desenvolvimento de competências pessoais e sociais destinados a utentes do Centro de Porta Amiga. Integrado nas atividades da Associação de Estudantes da UMa, foi constituído, em 2008, o Núcleo de Estudantes de Psicologia da UMa (NEPUMa). Este núcleo permite aos estudantes partilharem entre si informações sobre os cursos, bem como artigos (científicos e outros), divulgarem sítios na internet de interesse na área da Psicologia e organizarem convívios e encontros científicos (workshops, seminários, conferências, etc.). Bibliog.: Decreto-lei n.º 49/2005, de 30 de agosto; Decreto-lei n.º 74/2006, de 24 de março; Deliberação n.º 909/2004, de 24 de março; Deliberação n.º 892/2004, de 26 de junho; Despacho n.º 22030-N/2007, de 19 de setembro; Despacho n.º 22030-N/2007, de 26 de setembro; Despacho n.º 752/2008, de 7 de janeiro; Despacho n.º 3377/2010, de 23 de fevereiro; Regulamento n.º 23/2004, de 14 de junho; Retificação n.º 1509/2008, de 4 de julho. Glória Franco (atualizado a 18.02.2016)

trapiche (casa de saúde são joão de deus)

Após adaptações  das casas existentes foi inaugurada a Casa de Saúde do Trapiche, na quinta do mesmo nome, em 10 de agosto de  1924 com 40 doentes incluindo 38 transferidos do Manicómio Câmara.  A  construção do pavilhão de S. José em 1928 e por 1932-1935 da capela e os edifícios centrais permitiu o aumento dos doentes  e  assistência de melhor qualidade.  A construção do pavilhão de S. João de Deus em 1938  e o de Santo António em 1950-1954 permitiram melhorar mais e aumentar dos 122 doentes, em 1930, para  194 em 1940, 361 em 1950  e  405 em 1960, atingindo 492 em 1970 e  506 em 1976, número máximo. [caption id="attachment_3076" align="aligncenter" width="423"] Casa Saúde S. João de Deus[/caption] Os tratamentos  evoluíram  de acordo com o modelo criado por S. Bento Menni na Espanha, em Portugal e no México e com as praticas das Casas da Ordem Hospitaleira. A higiene, alimentação, ocupações utilitárias e de lazer, a hidroterapia e calmantes: morfina, escopolamina e brometos associados à humanização e pastoral da saúde foram de início as práticas mais comuns. Nos anos 40 do séc. XX introduzem-se os convulsivantes, sistocardil,  cardiozol, eletrochoque  e insulinoterapia; e por 1950 os psicofármacos: cloropromazina, serpasil, os antidepressivos e neurolépticos, sempre associados à ergoterapia e ocupações ao ar livre. A benzodiazepinas, o valium, o librium, os antipepressivos, os antipsicóticos, os  psicofármacos de segunda geração continuaram a ser incrementadas. A Casa contou sempre com clínicos  competentes, sendo o primeiro diretor clínico o Dr. João Francisco d’Almada (Santana, 1874-Funchal, 1942), de 1924 até ao seu falecimento em 1942. Foi sócio fundador da Associação Irmãos de S. João de Deus e presidente da União Familiar, uma de gestão e outra proprietária  da Casa, o qual foi coadjuvado por William Clode (1932-1942. O segundo diretor clínico até 1969, o psiquiatra Aníbal Augusto de Faria (São Vicente, 1901-Funchal, 1972), da universidade de Coimbra e especializado em psiquiatria na de Lisboa, introduziu as terapêuticas de eletrochoque, insulina e psicofármacos. Sucedeu-lhe Armindo Saturnino Pinto Figueira da Silva, de 1969 a 2001, que se distinguiu no tratamento dos alcoólicos em unidade aberta, a partir de 1979, na desinstitucionalização e na reabilitação psicossocial. O seu sucessor, José Vieira Nóbrega Fernandes deu continuidade a essas orientações até 2010 em que José Paulo Abreu o substituiu. Neste ano  foi nomeado  para esta função o atual  diretor, Luís Filipe Fernandes. A enfermagem esteve a cargo dos Irmãos até cerca de 1980 em que os primeiros enfermeiros  não Irmãos começara a trabalhar na Casa. Hoje dispõe de quatro psiquiatras, um neurologista, um gastroenterologista e um médico de medicina interna. Dos outros  146 colaboradores, contam-se 37 técnicos incluindo 3  psicólogos, 28  enfermeiros, 1 gestor de empresas, 1 técnico de serviço social, 1 técnico de recursos humanos, 1 educador social, 1 farmacêutico, 1 nutricionista e um animador  de atividades e da pastoral. Dispõe ainda de 2 telefonistas, 6 administrativos, 5 cozinheiros, 2 técnicos manutenção, 3 responsáveis de serviços gerais, 1 cabeleireira e cerca de  70 auxiliares e alguns voluntários. A Casa assiste doentes   psicóticos, maníaco depressivos, psicopatas,  grande número de alcoólicos  e oligofrénicos frequentemente por sequelas  do álcool das mães na gravidez e de casamentos entre consanguíneos.  Estas patologias, os excessos de álcool e a corrente da degenerescência ou incurabilidade e a pobreza ocasionaram internamentos longos e por toda a vida, tendência que só se começou a inverter pelo fim dos anos 1970, no tempo de Saturnino, pelas correntes  de desinstitucionalização,  porta aberta e giratória  e da psiquiatria comunitária. Medidas inovadoras reduziram o número de doentes para 374 em 1980; e, dez anos depois, em 1990, para 274, continuando ainda a descer até 2000. A implementação  do paradigma de reabilitação psicossocial envolvendo cerca de  60 pacientes em treinos nas atividades de vida diária, maior  autonomia e empoderamento em cinco unidades redimensionadas; e os  novos medicamentos e tratamentos de alcoólicos  em programa curto estabilizaram o número de doentes à volta de  270-280 até hoje. O antigo pavilhão de S. José foi substituído em 1980-1984, por um grande edifício que alojou os doentes agudos; lavandaria nova, anfiteatro de 200 cadeiras para cinema, encontros e espetáculos; e um gimnodesportivo. O local do bar foi convertido em ateliê e construído  o Bar Panorâmico com biblioteca anexa por 1992-1995. Nos anos 2001-2010  criaram-se unidades redimensionadas de  gerontopsiquiatria,   pacientes estabilizados e  autónomos, cinco unidades de reabilitação psicossocial, “Caminho” com 14 pacientes, reabilitação psicossocial avançada “Elvira” e “Lucena” para 8 a 12 cada uma; a “Coragem” de 20 em reabilitação intermédia e “Estrelícia” em apartamentos fora da casa de saúde. Nos últimos 10 anos, e apesar da crise,  as instalações e  equipamentos foram renovados. Abrangeram um elevador  para servir seis pisos e nove unidades; a cozinha, portaria e receção, rede informática, lavandaria, mobiliário, etc. Foi inaugurada a 12 de dezembro de 2014, totalmente requalificada,  a unidade de pacientes agudos, incluindo acessos,  esplanada do bar e o claustro de S. João de Deus. Após  medidas adequadas de formação pontual, jornadas e encontros, formação contínua sobre reabilitação, alcoologia,  família, áreas assistenciais especializadas, formação de pós graduação, animação e pastoral da saúde, a Casa recebeu este ano a creditação da EQUAS. Na área da  interação com a vizinhança e outros parceiros  a Casa manteve desde o início uma relação interativa de ajudas recebidas e dadas, sendo a última no temporal de 20 de fevereiro de 210 em que acolheu 150 pessoas.  O pessoal e vizinhos têm colaborando  na ajuda às obras da Ordem Hospitaleira de  Nampula, Timor, etc. Os voluntários, a associação de família “Entrelaços”,  inúmeros parceiros sociais   e  estagiários de entidades formativas têm-se envolvido na dinamização das interações casa/ambiente social. O desenvolvimento de uma política de gestão e de formação dos recursos humanos têm  incrementado a fidelização e o envolvimento  dos colaboradores na participação  na Missão de Hospitalidade segundo os valores e a ética da Carta de Identidade da Ordem Hospitaleira. Bibliog. impressa: SILVA, P. Fernando Augusto da, Paróquia de Santo António, 1.ª ed. 1929, Funchal, Funchal Typografia “Esperança”, 1929, pp 201-202; e FSA 2.ª ed. 1997, p. 130; GAMEIRO, oh Aires e Manuel Maria GONÇALVES, oh, História da Casa de Saúde S. João de Deus na Madeira: Os Irmãos de S. João de Deus e os alienados: Dos antecedentes a 1960, vol. i, Esfera do Caos Editores, Lisboa, 1914; manuscrita: Arquivo ARM, [ARM, livro JGDFUN Secretaria,.] 1920,  Sessão Ordinária do mês de Maio, 6 Reunião [28 de maio], folhas 17v a 29 e v,  n.º 1282-130; AHDF, (Arquivo dos Bispos); Arq.  OH, Lisboa; Arq. OH, Funchal. Aires Gameiro (atualizado a 14.06.2016)

toxicodependência

O consumo de drogas está presente ao longo da história e evolução da humanidade, neste sentido, em muitas sociedades existe a prática assumida de consumos com raízes culturais, medicinais, recreativas ou de outra natureza. Por mais antiga que seja esta problemática, a sua atualidade é incontestável e a verdade é que tem vindo a assumir uma relevância crescente, sobretudo nos países desenvolvidos. A toxicodependência gera atitudes controversas e de difícil definição, fruto de um fenómeno complexo, com diferentes perspetivas e gerador de múltiplas abordagens, numa forma global e transdisciplinar, na qual se conjugam conceções médicas, psicológicas, sociológicas, jurídicas e ambientais. “Porém, a natureza complexa do fator toxicodependência tem impedido a emergência de uma teoria explicativa que consiga conceptualizar, de uma forma satisfatória, todas as suas variáveis” (Moreira, 2005, 18). De acordo com a revisão de literatura efetuada por Mónica Sousa e Georgina Neves, 2013, o comportamento humano, incluindo a toxicodependência, tem a sua origem na interação de elementos, que se influenciam de forma contínua. Neste sentido, os consumos de drogas resultam da ação conjunta de três grupos de fatores. Sendo o primeiro fator a substância, que possui determinadas propriedades farmacológicas. Em segundo lugar, as características pessoais do indivíduo. E, por último, a natureza do contexto sociocultural em que o sujeito consome. Por conseguinte, não existe um único motivo nem uma única maneira de tornar-se toxicodependente, na etiologia deste fenómeno deverão ser considerados os três vértices do triângulo: sujeito, substância e contexto. O diagnóstico da toxicodependência assenta em dois sistemas de classificação distintos, assumidos pela comunidade científica. A Organização Mundial de Saúde concebeu a Classificação Internacional das Doenças, e a Associação Psiquiátrica Americana é responsável pelo Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais. A Organização Mundial de Saúde, em 1969, definia toxicodependência como “um estado psíquico e, por vezes, também físico, resultante da interação entre um organismo vivo e um produto tóxico, caracterizando-se por modificações do comportamento e, por outras reações, que incluem sempre a compulsão para tomar drogas dum modo contínuo ou periódico, a fim de experimentar efeitos específicos ou de evitar o mal-estar da privação”. A mesma organização conceptualiza a dependência física como “um estado anormal, produzido pelo uso repetido de droga”. Com o passar do tempo e com o uso crescente de drogas, o organismo deixa de conseguir funcionar sem a substância psicoativa, vai-se adaptando ao estado de droga, emergindo, na sua ausência, o Síndrome de Abstinência. Este refere-se a um “conjunto de sintomas físicos e psíquicos resultantes da supressão da ingestão de uma droga, da qual há dependência física”. Por outro lado, a tolerância é um estado de adaptação, caracterizado pela diminuição da resposta a uma mesma quantidade de uma droga, ou seja, para continuar a experimentar efeitos semelhantes, é necessário aumentar a dose. Por sua vez, a dependência psicológica “é um estado de vontade incontrolável de ingerir drogas, periódica ou continuamente” (Organização Mundial de Saúde, 1995). Outro conceito relacionado refere-se à comorbilidade ou diagnóstico duplo, definida, pela Organização Mundial de Saúde (1995), como “coocorrência de doenças psiquiátricas e de perturbações induzidas pelo consumo de drogas” (OEDT, 2004, 94). Na Classificação Internacional das Doenças - Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento (CID 10), mantida pela Organização Mundial de Saúde, o uso foi definido como qualquer consumo de substâncias (experimental, esporádico ou episódico), abuso ou uso nocivo como sendo um consumo que já está associado a algum prejuízo (quer em termos biológicos, psicológicos ou sociais) e, por fim, dependência como o consumo sem controlo, geralmente associado a problemas sérios para o consumidor. Estes conceitos traduzem a noção de continuidade, com uma evolução progressiva entre os níveis de consumo: os indivíduos passariam inicialmente por uma fase de uso, alguns deles evoluiriam, posteriormente, para o estádio de abuso e, finalmente, alguns destes últimos tornar-se-iam dependentes. As classificações atuais de distúrbios, provocados por drogas, apresentam critérios gerais para o diagnóstico de abuso/uso nocivo ou dependência, independentemente da substância consumida. Nem todo o uso de drogas é devido à dependência e a maior parte das pessoas que apresentam uso disfuncional de alguma droga não é dependente. A evidência tem vindo a mostrar que a condição de uso nocivo de uma droga nem sempre progride para a dependência. A Síndrome de Dependência, segundo a Classificação Internacional de Doenças, é descrita por “um conjunto de fenómenos comportamentais, cognitivos e fisiológicos que se desenvolvem após repetido consumo de uma substância psicoativa. Tipicamente associado ao desejo poderoso de tomar a droga; à dificuldade de controlar o consumo; à utilização persistente, apesar das suas consequências nefastas; a uma maior prioridade dada ao uso da droga, em detrimento de outras atividades e obrigações; a um aumento da tolerância pela droga e, por vezes, a um estado de abstinência física. Pode estar relacionado com uma substância específica, como por exemplo o álcool ou o tabaco, a uma categoria de substância psicoativa, por ex., substâncias opiáceas ou a um conjunto mais vasto de substâncias farmacologicamente diferentes” (CID10, 2014). Um diagnóstico de dependência deve, usualmente, ser feito somente se três ou mais dos seguintes requisitos tenham sido experimentados ou exibidos em algum momento, durante o ano anterior: “(1) um desejo forte ou compulsivo para consumir a substância; (2) dificuldades em controlar o comportamento de consumir a substância em termos de início, fim ou níveis de consumo; (3) um estado de abstinência fisiológica, quando o consumo é suspenso ou reduzido, evidenciado por: Síndrome de Abstinência característica para a substância ou o uso da mesma substância (ou outra muito semelhante) com a intenção de aliviar ou evitar sintomas de abstinência; (4) evidência de tolerância, segundo a qual há a necessidade de doses crescentes da substância psicoativa para obter os efeitos anteriormente produzidos com doses inferiores; (5) abandono progressivo de outros prazeres ou interesses devido ao consumo de substâncias psicoativas, aumento do tempo empregado em conseguir ou consumir a substância ou recuperar dos seus efeitos; (6) persistência no consumo de substâncias, apesar de provas evidentes de consequências manifestamente prejudiciais, tais como lesões hepáticas, causadas por consumo excessivo de álcool, humor deprimido consequente a um grande consumo de substâncias ou perturbação das funções cognitivas relacionada com a substância. Devem fazer-se esforços para determinar se o consumidor estava realmente, ou poderia estar, consciente da natureza e da gravidade do dano”. O dependente é alguém que desenvolve um comportamento que, em grande parte, não consegue controlar. Todavia, não podemos afirmar a priori quem, de entre os consumidores de drogas, vai tornar-se dependente. O cenário é de possibilidades, de riscos e/ou de situações relativas. O Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM IV, 2002), da Associação Psiquiátrica Americana (APA), adota a designação de “Perturbações pela Utilização de Substâncias”. A toxicodependência é uma doença crónica, com tendência a recidiva que, afeta sobretudo, o Sistema Nervoso Central. O consumo de drogas de abuso afeta todo o organismo, com lesões que se tornam muitas vezes crónicas, mesmo após o doente parar os consumos. Define a Dependência de Substâncias como “um conjunto de sintomas cognitivos, comportamentais e fisiológicos, indicativos de que o sujeito continua a utilizar a substância, apesar dos problemas significativos relacionados com esta. Existe um padrão de autoadministração repetida que resulta geralmente em tolerância, abstinência e comportamento compulsivo quanto ao consumo de drogas. O diagnóstico de Dependência de Substâncias pode ser aplicado a todas as classes de substâncias exceto à cafeína. Os sintomas de dependência são semelhantes para as várias categorias de substâncias, mas para algumas classes, alguns sintomas são menos proeminentes e, nalguns casos, nem todos os sintomas se aplicam”. O Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (2002) enumera os critérios para a dependência de substâncias como um padrão desadaptativo da utilização de substâncias levando a défice ou sofrimento, clinicamente manifestado por três (ou mais) dos seguintes sintomas, ocorrendo em qualquer ocasião, no mesmo período de 12 meses: “(1) tolerância, definida ou pela necessidade de quantidades crescentes de substância para atingir a intoxicação ou pelo efeito desejado, ou definida como a diminuição acentuada do efeito com a utilização continuada da mesma quantidade de substância; (2) abstinência, manifestado por síndrome de abstinência característica da substância ou quando a mesma substância (ou outra relacionada) é consumida para aliviar ou evitar os sintomas de abstinência; (3) a substância é frequentemente consumida em quantidades superiores ou por um período mais longo do que se pretendia; (4) existe o desejo persistente ou esforços, sem êxito, para diminuir ou controlar a utilização da substância; (5) é despendida grande quantidade de tempo em atividades necessárias à obtenção e utilização da substância e à recuperação dos seus efeitos; (6) são abandonadas importantes atividades sociais, ocupacionais ou recreacionais devido à utilização da substância; (7) a utilização da substância é continuada apesar da existência de um problema persistente ou recorrente, físico ou psicológico, provavelmente causado ou exacerbado pela utilização da substância”. Todos estes conceitos são importantes para a compreensão e atuação face ao fenómeno da toxicodependência a nível mundial. Em Portugal, assistiu-se à emergência desta problemática a partir dos anos setenta, do séc. XX. Na Região Autónoma da Madeira, podemos distinguir dois períodos no fenómeno das drogas e da toxicodependência: um primeiro período que vai até meados da década de setenta do séc. XX, onde o consumo de substâncias psicoativas ilícitas não tinha uma dimensão expressiva, restringindo-se a casos pontuais, os quais não são possíveis de caracterizar pela inexistência de dados. Por outro lado, um segundo período, a partir de meados da década de setenta até ao presente. Com as mudanças políticas e socioculturais decorrentes do 25 de abril, conquistou-se a liberdade em várias dimensões, o que facilitou, progressivamente, o contato com novas formas de recreação e procura de prazer através do consumo de substâncias psicoativas. A Casa de Saúde S. João de Deus, instituição de saúde na área da Psiquiatria, Saúde Mental, Dependências e Reabilitação Psicossocial, situada no Funchal, foi inaugurada a 10 de agosto de 1924. Assiste todas as pessoas do sexo masculino da Região Autónoma da Madeira e outras que se encontrem a residir temporariamente, ou de visita, e, pessoas do sexo feminino no Centro de Recuperação Alcoologia S. Ricardo Pampuri. De acordo com as pesquisas realizadas, verificou-se que esta foi a primeira entidade na Região a receber, em regime de internamento utentes com problemas decorrentes do consumo de drogas. Desde muito cedo, foram reportados alguns tratamentos episódicos de pessoas que, inicialmente, eram tratados junto dos utentes com doença mental aguda e na unidade de agudos. No final da década de setenta, do séc. XX, com a abertura do Centro de Recuperação da Casa de Saúde São João de Deus, para pessoas com problemas ligados ao álcool, em novembro de 1979, tratavam-se pessoas de ambos os sexos, normalmente um a dois utentes por ano, que faziam um programa de um a três meses. Segundo informações clínicas obtidas, alguns conseguiram recuperar-se completamente, deixando as drogas. Por seu lado, os serviços de medicina privada disponibilizavam respostas aos consumidores de substâncias psicoativas, embora não seja possível especificar e quantificar os atendimentos efetuados, quer em termos cronológicos, quer em termos clínicos. Na Madeira, a partir dos anos oitenta, do séc. XX, começaram a surgir estruturas específicas de suporte na área da toxicodependência, primeiro, respostas no âmbito do tratamento e reinserção e, só posteriormente, a criação de serviços especialmente vocacionados para a intervenção no âmbito da prevenção, redução de riscos e minimização de danos e dissuasão dos consumos de drogas. O tratamento da toxicodependência é um domínio de intervenção que surgiu da necessidade de disponibilizar respostas específicas de saúde aos indivíduos consumidores de substâncias psicoativas ilícitas. Na Região, comparativamente à intervenção de âmbito nacional, e em resultado da crescente procura específica de tratamento, foram criadas e ajustadas ao longo dos anos respostas, quer ao nível das estruturas de saúde, quer ao nível da qualificação de profissionais. Numa fase inicial, integradas no programa de saúde mental existente, até culminar na criação de uma unidade específica vocacionada unicamente para o tratamento das toxicodependências resultantes de consumo de substâncias ilícitas, em particular a heroína. Com efeito, a Secretaria Regional dos Assuntos Sociais, através de um Despacho de 2 de maio de 1988, criou o Projeto de Saúde Mental, Alcoologia e Droga, designado por PROSALD, que visava alcançar uma intervenção mais eficiente e eficaz nas áreas da saúde mental, alcoologia e droga. E entre outras medidas, pretendia assegurar uma resposta mais adequada aos problemas da juventude em geral. Para a prossecução dos objetivos delineados para esta estrutura, é criado o “Centro de Dia e Apoio à Juventude”, “preocupando-se especialmente com medidas preventivas nas áreas de Saúde Mental, Alcoologia e Droga, com particular destaque para os problemas da Juventude”. (Secretaria Regional dos Assuntos Sociais, 1988, 325-326) A partir da década de 90, começa a registar-se um acréscimo na procura de tratamento por parte das pessoas consumidoras de substâncias psicoativas. Em resultado de uma crescente preocupação, quer por parte da população, quer por parte das autoridades regionais com o fenómeno da toxicodependência, que foi adquirindo maior visibilidade e procura para tratamento por parte de indivíduos consumidores de drogas, com particular destaque para o consumo de cannabis e heroína, constatou-se a necessidade urgente de intervir a montante do problema através da implementação de estratégias preventivas - prevenção primária. Com a criação e implementação do Programa Nacional de Combate à Droga em 1987, designado Projecto VIDA, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 23/87, de 21 de abril, destacou-se a prevenção primária da toxicodependência com indicação para aplicação de ações orientadas para contextos e público-alvo específicos, assumindo-se como área de intervenção prioritária. A 21 de abril de 1990 foi publicada a Resolução do Conselho de Ministros n.º 17/90, a qual reformulou o Projeto VIDA, nomeadamente com a criação de um coordenador nacional para o combate à droga, a existência de uma comissão interministerial e um conselho nacional - órgão consultivo – o qual teve como objetivo assegurar a mobilização e sensibilização de setores mais representativos da sociedade civil na luta contra a droga. A Região Autónoma da Madeira passou a ter um representante nesta estrutura, a nível nacional. Sensível à problemática da toxicodependência, o Governo Regional criou pela Resolução n.º 1233/91, de 14 de novembro, o Núcleo Regional do Projeto VIDA, que teve como objetivo principal o combate à droga e a responsabilidade de adotar medidas orientadas para prevenir os problemas relacionados com o consumo de estupefacientes na Região Autónoma da Madeira, bem como avaliar posteriormente os seus resultados. Por conseguinte, propôs a realização de ações nos domínios: prevenção; tratamento; reinserção dos toxicodependentes e ações de combate ao tráfico; mediante o envolvimento de todos os sectores da sociedade. Enfatizou-se a importância dos programas de combate à droga e da dotação regional dos meios necessários para a sua execução. Previu-se igualmente o envolvimento do Procurador da República e da Polícia Judiciária, com o apoio logístico e administrativo da Direção Regional de Saúde Pública. Definiu-se a implementação de uma estratégia preventiva que considerasse o envolvimento psicoafetivo e social dos jovens, a família, a escola, e o ambiente laboral, considerando que os problemas de uso e abuso do consumo de drogas e substâncias psicotrópicas, constituem uma preocupação das sociedades modernas e geram uma situação cuja complexidade exige uma intervenção conjunta do Estado, das famílias, de instituições particulares e dos cidadãos. Considerando que o problema da toxicodependência afetava um número crescente de cidadãos e suas famílias, foram apresentadas em fevereiro de 1994, as Linhas Estratégicas do Núcleo Regional do Projeto VIDA - Para uma Vida com Projetos, para o triénio 1994-1996, no âmbito da redução da procura. Este documento estratégico definiu, no seu âmbito de atuação, as áreas da prevenção primária, secundária e terciária. Na área da prevenção primária, propôs o desenvolvimento de programas integrados, contemplando as diferentes áreas: saúde, educação, família, juventude, comunidade e laboral. No que concerne à prevenção secundária, previu a concretização de um programa completo de tratamento dos toxicodependentes e a criação de um centro de atendimento com consultas para toxicodependentes e apoio às famílias. No âmbito da prevenção terciária verificou-se a necessidade da criação de serviços de reinserção socioprofissional e de outras estruturas de apoio à reinserção, nomeadamente famílias de acolhimento, ateliês ludo-ocupacionais e formativos. Destacou a necessidade de sensibilizar a classe empresarial para a sua participação, ao nível da inserção profissional. Para a concretização destas linhas orientadoras intervieram conjuntamente vários departamentos do Governo Regional, nomeadamente das Secretarias Regionais dos Assuntos Sociais e da Educação, e das Câmaras Municipais da Região. Em outubro de 1994, foi apresentada uma proposta de plano de ação para 1995, que destacou as várias medidas em curso e propôs um conjunto de iniciativas a desenvolver e implementar na Região Autónoma da Madeira, designadamente: maior ativação do Núcleo Regional do Projeto VIDA; disponibilização de atendimento médico-social diário; atuação nos estabelecimentos de ensino regionais; formação de professores e outros profissionais; campanha nos meios de comunicação; intervenção no absentismo escolar; alargamento dos espaços do Centro Polivalente e criação de uma Comissão de Proteção de Menores por concelho. Em julho de 1997, foi criado o Centro de Saúde Mental, em substituição do PROSALD, com o objetivo de integrar o programa de saúde mental implementado no Centro de Saúde do Bom Jesus, o Centro de Dia e Apoio à Juventude e possibilitar o surgimento de um novo serviço com autonomia técnica e administrativa, vocacionado para o tratamento de patologia psiquiátrica clássica e toxicodependências. Em janeiro de 1998, o diretor do Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência, a nível nacional, participou numa reunião com o Secretário Regional dos Assuntos Sociais e Parlamentares e com os diretores Regionais de Saúde, da Segurança Social, do Centro de Saúde Mental e do Centro Hospitalar do Funchal, para a definição de estratégias no âmbito do tratamento da toxicodependência na Região Autónoma da Madeira. Na mesma data foi elaborado um Plano Regional, enviado aos diversos serviços da Região, cujo principal objetivo assentava na criação de uma plataforma comum objetiva e articulada, das diferentes intervenções no âmbito da toxicodependência. A partir de janeiro do mesmo ano, o Centro de Saúde Mental, passou a ter disponibilidade para o tratamento de toxicodependentes em regime ambulatório. A 23 de dezembro foi assinado um protocolo de cooperação entre a Secretaria Regional dos Assuntos Sociais e Parlamentares da Região Autónoma da Madeira, através do Centro Regional de Saúde – Centro de Saúde Mental, e o Ministério da Saúde, através do Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência, que surgiu do empenho regional no combate à toxicodependência, através da implementação de múltiplas ações sectoriais nas quais se incluem as ações desencadeadas sob a responsabilidade dos serviços de saúde. Este protocolo previa enquadrar o apoio no domínio da formação de técnicos de saúde, facilitar o internamento de toxicodependentes residentes na Região em comunidades terapêuticas convencionadas com o Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência e, por último, estabelecer as condições de fornecimento e utilização de medicamentos opiáceos substitutos, nomeadamente a metadona (Cloridrato de Metadona, opiáceo sintético, agonista opióide, utilizado para substituir alguns efeitos da heroína), e o LAAM (agonista opióide sintético de longa ação: Levo-alfa-acetilmetadol), num quadro de realização de programas de substituição para manutenção e desabituação de opiáceos. De acordo com o Decreto Legislativo Regional n.º 1/98/M, de 10 de março, que institui o Núcleo Regional do Projecto VIDA como organismo próprio da Região, o Governo Regional, conferiu prioridade e relevância à problemática da toxicodependência. A localização geofísica da Madeira proporciona uma circulação elevada de pessoas e bens, a qual exige uma atenção e dinâmica permanente face à probabilidade de entrada de drogas. As entidades regionais consideravam que o número e o grau de dependência dos toxicodependentes da região não constituíam um problema social com caráter expressivo. Tudo isto, resultante, por um lado, do trabalho realizado pelas estruturas regionais, no domínio da redução da procura, e por outro lado, pela ação eficiente levada a cabo pelas entidades e organizações policiais e judiciárias, no domínio da redução da oferta. O Núcleo Regional do Projeto VIDA tinha por missão definir os objetivos, as ações e os programas regionais de prevenção da toxicodependência. São órgãos do Projeto VIDA: o coordenador, o conselho regional e a comissão regional. A publicação deste decreto conferiu ao núcleo regional uma nova estrutura e permitiu uma dinâmica de funcionamento que envolvia, em parceria, a sociedade civil e diferentes entidades e instituições públicas e privadas. A intervenção no âmbito da prevenção da toxicodependência não foi da competência exclusiva do Núcleo Regional do Projeto VIDA, destacando-se também as atividades desenvolvidas pelo Centro Regional de Saúde, pelo Centro de Saúde Mental, pelo Serviço de Formação de Pessoal da Secretaria Regional dos Assuntos Sociais e pelas escolas com ensino secundário. Decorrente do investimento realizado, da diversidade de estratégias implementadas e do empenho das entidades envolvidas no combate ao fenómeno da droga e da toxicodependência, a partir de 1998, começou a estruturar-se uma rede de prevenção. Ainda no decurso do ano de 1998, passou a ser disponibilizada nos centros de saúde regionais uma resposta específica, no âmbito do tratamento da toxicodependência, através da consulta de Psicologia, em articulação com a equipa médica do Centro de Saúde Mental e da consulta de Psiquiatria do Centro Hospitalar do Funchal, para os jovens com consumo de cannabinóides. Neste ano, a Delegação Regional da Fundação Portuguesa A Comunidade Contra a SIDA, no âmbito do Programa Quadro Reinserir promovido pelo Projecto VIDA, criou o grupo Famílias Anónimas no Funchal, no Caniçal e em Câmara de Lobos, com uma periodicidade quinzenal, com a presença de dois técnicos, e o Serviço de Orientação para o Emprego no apoio ao Toxicodependente na Reinserção Laboral. No final da década de 90, foi implementada a associação internacional sem fins lucrativos designada Narcóticos Anónimos, no Funchal. Afirmou-se como um recurso comunitário para toxicodependentes em recuperação, que se ajudam mutuamente, reunindo-se regularmente para falar acerca das suas experiências. Em março de 1999, foi criado o Gabinete de Informação e Prevenção, com o objetivo de assegurar uma resposta específica através da disponibilização de um espaço de acolhimento, apoio e escuta dirigido à comunidade, à família e aos jovens bem como proporcionar ações de prevenção primária das toxicodependências. Em outubro foi criado, pelo Centro Regional de Saúde, o Centro de Tratamento da Toxicodependência e Saúde Mental da Região Autónoma da Madeira, para intervir na área da recuperação dos toxicodependentes. Nesse mesmo ano, a 13 de outubro, foi apresentado o projeto do Plano Regional de Combate à Toxicodependência pelo coordenador do Núcleo Regional do Projeto VIDA, que englobava as vertentes da prevenção primária, secundária e terciária. Na última década do séc. XX, o forte investimento das entidades regionais públicas e privadas com competência nestas áreas, bem como as parcerias estabelecidas, facilitou a reestruturação e a consolidação das estruturas e estratégias de intervenção, sendo decisivos para a construção de uma rede regional de combate ao fenómeno da droga e da toxicodependência. No início do séc. XXI, em 2000, foi realizado na Região um inquérito sobre a experiência de drogas nos meios: escolar, militar (jovens recrutas do Regimento de Guarnição nº 3 do Exército) e estabelecimentos prisionais da Madeira, designado “A Representação Social do Fenómeno da Toxicodependência na RAM”, da responsabilidade da equipa do Núcleo Regional do Projeto VIDA – Madeira, com a colaboração da Universidade da Madeira. Este estudo destinou-se a indivíduos com idades compreendidas entre os 12 e os 45 anos, pertencentes às seguintes populações: estudantes, recrutas e reclusos. Pretendia melhorar a compreensão sobre o fenómeno das drogas e das toxicodependências e, consequentemente, desenvolver e implementar uma intervenção preventiva mais eficiente e eficaz. Em 2000 e nos anos subsequentes, a resposta regional aos utentes toxicodependentes e famílias alargou-se, diversificou-se e qualificou-se com a criação do Centro de Santiago, unidade de saúde regional vocacionada para o tratamento de toxicodependentes, em particular heroinómanos. Em abril desse ano, iniciou-se o programa de tratamento de toxicodependência do Centro Regional de Saúde, com coordenação própria, uma área de intervenção que, anteriormente, estava orgânica e funcionalmente dependente do Centro de Saúde Mental. Esta unidade de saúde iniciou a sua atividade no mês de junho, com um modelo integrado de funcionamento similar aos Centros de Tratamento de Toxicodependência existentes a nível nacional. A sua missão tem sido a prestação global de cuidados nas vertentes de tratamento, reinserção e redução de riscos e minimização de danos, a toxicodependentes da Região Autónoma da Madeira, com idade superior a dezasseis anos e seus familiares, ou outros indivíduos oriundos de território nacional ou estrangeiro, que se encontrem na região temporariamente ou ainda famílias que necessitem de apoio e orientação, apesar dos utentes não se encontrarem em tratamento. A articulação constante com os centros de saúde e alguns serviços do Hospital Central do Funchal, no encaminhamento e apoio mútuo, em situações particulares, como é exemplo a administração de terapêuticas, é outro aspeto fundamental da missão do Centro de Santiago, cujo trabalho em rede assume-se como peça fundamental para uma concretização mais eficaz dos seus objetivos. Este centro de tratamento organiza-se nas seguintes unidades: consulta externa; terapias medicamentosas e de substituição; intervenção familiar e extensão do Centro de Santiago no Estabelecimento Prisional do Funchal; internamento (que possui uma lotação de cinco camas e tem capacidade para tratar 200 doentes por ano e, para além do tratamento dos síndromes de privação de heroína, são internados utentes com patologia psiquiátrica associada a esclarecer ou com ideação suicida); intervenção na comunidade e redução de riscos e minimização de danos; Centro de Dia; Programa Vida e Trabalho e investigação e estatística. Em outubro de 2000, a Região Autónoma da Madeira disponha de um espaço terapêutico de Centro de Dia, estrutura complementar no tratamento cuja ação principal estava orientada para a reorganização dos utentes e a sua ressocialização. Este espaço promovia capacidades no utente para a continuidade do projeto terapêutico delineado, preparando-o para a sua reinserção social, nomeadamente ao nível do seu tratamento em Comunidade Terapêutica, integração laboral ou formação profissional. No seu funcionamento integrava os ateliês de informática, artes, culinária, música, saídas ao exterior, além do grupo terapêutico semanal. Este Centro de Dia foi desativado em julho de 2004 por falta de instalações e quadros técnicos. Em 2005, começou a ser preparada uma proposta para a sua reativação, procedendo-se à reconstituição de uma nova equipa técnica e à procura, construção e adaptação de um novo espaço que fosse ao encontro das necessidades do Centro de Santiago. Tal veio a ocorrer a 21 de maio de 2007, com capacidade para 10 utentes, com maior diversidade de ateliês e melhores condições de espaço e equipamento. À medida que se incrementavam as respostas no âmbito do tratamento, assistiu-se simultaneamente a um marco legislativo, a nível nacional com repercussões regionais, que constituiu uma abordagem mais humanizada da pessoa toxicodependente que, pela primeira vez, descriminaliza o consumo. A 4 de agosto de 2001, foi publicado o Decreto Legislativo Regional n.º 22/2001/M, que adaptou e regulamentou, na Região, o novo regime jurídico aplicável ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, aprovado pela Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro. Esta lei descriminalizou o consumo de substâncias psicoativas nos números 1 e 2 do Artigo 2º: “1º O consumo, a aquisição e a detenção para o consumo próprio de plantas, substâncias ou preparações…constituem contra-ordenação”; e “2º Para os efeitos da presente lei, a aquisição e a detenção para consumo próprio…não poderão exceder à quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias”. (Diário da República, Lei 30/2000, 6829) Para a operacionalização deste decreto legislativo, a nível regional, foi criada a Comissão para a Dissuasão da Toxicodependência, com competência para o processamento das contraordenações, aplicação das respetivas sanções e demais atribuições previstas na lei. Um outro domínio fundamental face ao fenómeno da toxicodependência, foi a definição de políticas orientadas para a prevenção do risco de propagação de doenças infetocontagiosas, verificadas com o aumento do número de casos de Síndrome da Imunodeficiência Adquirida nos consumidores de drogas injetáveis. Nesta sequência, no âmbito da redução de riscos e minimização de danos, a 26 de junho de 2001, foi assinado um protocolo para a implementação, a nível regional, do Projeto “Diz não a uma seringa em segunda mão”, de âmbito nacional, com início em 1993. Com este programa pretendeu-se reduzir o risco de transmissão de doenças infeciosas, nomeadamente por Vírus da Imunodeficiência Humana e por Vírus de Hepatite B e C entre outras, nos toxicodependentes, assim como assegurar a diminuição do abandono de seringas usadas em espaço público, selecionando-se as farmácias como local ideal para a troca, considerando que a venda de seringas já era praticada nestes locais. A coordenação deste projeto ficou a cargo do Centro de Santiago, tendo como parceiros a Direção Regional de Segurança Social, o Projeto VIDA, a Comissão Regional de Luta Contra a SIDA, a Associação Nacional de Farmácias, a Agência de Desenvolvimento da Região Autónoma da Madeira e a FarMadeira, Farmacêuticos da Madeira, Lda. No mesmo ano, a 28 de novembro, foi celebrado um protocolo entre a Secretaria Regional dos Assuntos Sociais, através do Centro Regional de Saúde e Núcleo Regional do Projeto VIDA, e o Ministério da Justiça, através da Direção Geral dos Serviços Prisionais/Estabelecimento Prisional do Funchal. Com este protocolo pretendeu-se efetivar a necessária colaboração, com o intuito de contribuir para a prevenção primária e para a avaliação do tratamento das toxicodependências. Definiram-se como objetivos específicos: o desenvolvimento de programas de prevenção primária das toxicodependências em meio prisional; a motivação dos reclusos toxicodependentes para iniciarem um processo terapêutico; a execução de programas de tratamento; a garantia de continuidade do processo terapêutico, após o cumprimento da pena e a formação dos funcionários do estabelecimento prisional do Funchal ao nível da área do tratamento. Igualmente, procurando reforçar a área da prevenção das toxicodependências, a 30 de novembro de 2001, foi assinado um protocolo entre o Núcleo Regional do Projeto VIDA da Região Autónoma da Madeira e a Comissão de Coordenação da Promoção e Educação para a Saúde, de âmbito nacional. Este protocolo surgiu na sequência do empenho regional na prevenção do consumo de substâncias lícitas e ilícitas, integrada numa perspetiva global de promoção e educação para a saúde em meio escolar. Pretendeu regular os termos da colaboração entre o Núcleo Regional do Projeto VIDA e a Comissão de Coordenação da Promoção e Educação para a Saúde, no âmbito da formação de profissionais. À medida que as ligações institucionais foram alicerçadas com estas diferentes iniciativas, houve uma maior consciencialização da necessidade de recolher e sistematizar dados relativos às prevalências de consumo de substâncias psicoativas, na população escolarizada e geral, na região. Assim, em 2001, a Região Autónoma da Madeira integrou, pela primeira vez, dois estudos de âmbito nacional. O Inquérito Nacional em Meio Escolar, no âmbito do Programa de Estudos em Meio Escolar, do Núcleo de Investigação do Instituto Português da Droga e da Toxicodependência, incidindo na cultura dos tempos livres dos jovens, no consumo de substâncias psicoativas, nas dimensões individuais, familiares, escolares e da comunidade habitacional. Foi igualmente desenvolvido, nesse ano, o Inquérito Nacional ao Consumo de Substâncias Psicoativas na População Portuguesa, abrangendo os indivíduos com idades compreendidas entre os 15 e os 64 anos. Consciente da importância de assegurar a continuidade do percurso desenvolvido, consolidar as formas de atuação, envolver a sociedade civil e as entidades públicas e privadas na implementação de uma ação consistente e concertada de luta contra a droga e a toxicodependência, nos vários domínios (prevenção; redução de riscos e minimização de danos; tratamento; reinserção social; formação e investigação; aplicação da lei e  cooperação), o Governo Regional aprovou a elaboração de um Plano Regional de Luta contra a Droga e a Toxicodependência para o triénio 2001-2004 (documento de âmbito regional que consubstanciou as principais linhas de orientação nesta área, da Administração Pública Regional e dos seus Parceiros Sociais, através da Resolução do Conselho do Governo Regional da Madeira n.º 1744/2001, 13 dez.). Destacam-se os objetivos 3, 4 e 6 que estabelecem a criação de novas condições de acompanhamento e reinserção dos toxicodependentes em tratamento, a reformulação da estrutura regional de luta contra a droga e a toxicodependência, de luta contra o alcoolismo, o tabagismo, o Vírus da Imunodeficiência Humana e a necessidade de potenciar recursos, a melhoria e reestruturação da rede de tratamento e de redução de riscos e minimização de danos, bem como os circuitos terapêuticos e comunicacionais. A área da reinserção social, a nível regional, evidenciou-se com o evoluir do fenómeno da toxicodependência, e alcançou contornos relevantes com a publicação do Plano Regional de Luta contra a Droga 2001-2004, aprovado pela Resolução n.º 1744/2001, de 18 de dezembro, que, no seu âmbito de intervenção abrange esta dimensão - definindo seis ações, nomeadamente: criação de uma rede de centros de dia; a criação de dois apartamentos para reinserção destinados a toxicodependentes em reabilitação, um para homens, outro para mulheres; o desenvolvimento de diferentes grupos de autoajuda; a introdução do programa Vida Emprego para o apoio à reinserção dos toxicodependentes em tratamento e dos toxicodependentes ex-reclusos; a manutenção do apoio ao Estabelecimento prisional do Funchal e a criação de programas de sensibilização das escolas e empresas para prevenir a exclusão dos toxicodependentes. Ao nível das políticas de proteção e reinserção social, nomeadamente no âmbito das medidas ativas de emprego, foi criado, através da Portaria n.º 177/2002, de 20 de novembro, o programa de integração socio laboral dos toxicodependentes em tratamento - “Vida e Trabalho” - com a sua implementação em maio de 2003 e com a constituição da Comissão de acompanhamento do mesmo. Este programa resultou da iniciativa conjunta do Instituto Regional de Emprego, do Centro de Santiago e da Consulta de Alcoologia e Toxicodependência (Unidade de Psiquiatria do Hospital Central do Funchal). Estabeleceu-se como uma medida de emprego viável, reinserindo toxicodependentes em cumprimento do seu projeto terapêutico e abstinentes (há pelo menos três meses), capacitando-os com formação e conhecimentos adequados para o desempenho de tarefas socio laborais. No âmbito da intervenção orientada para a redução de riscos e minimização de danos, em complementaridade com o programa “Diz não a uma seringa em segunda mão”, implementou-se o projeto “Manus”, que iniciou a sua atividade em 2002, em vários concelhos da região, ao nível do trabalho de rua, e, no ano de 2003, a troca de material de consumo. O projeto “Manus” possuía uma medida ativa - a equipa de rua - cujos objetivos prioritários eram: a promoção da alteração dos hábitos relacionados com o consumo endovenoso, através da troca de material de consumo e a promoção da integração dos toxicodependentes em programas de redução de riscos. A intervenção da equipa de rua tornou-se progressivamente mais estruturada e aumentou a sua aceitação junto da população alvo, bem como o número de trocas de seringas efetuadas. Na área da dissuasão, a 30 de novembro de 2002, é celebrado um protocolo de cooperação na luta contra a droga e a toxicodependência, entre o Governo da República (Ministério da Saúde) e o Governo Regional da Madeira (Secretaria Regional dos Assuntos Sociais). Este documento estabeleceu as regras de cooperação, técnica e financeira, entre as entidades supramencionadas, relativas à Comissão para a Dissuasão da Toxicodependência, à prevenção primária e à redução de riscos e minimização de danos. O Núcleo Regional do Projeto VIDA mantém-se em funcionamento até outubro de 2002, altura em que é extinto pelo Decreto Legislativo Regional nº 10/2002/M. Na sequência da extinção desta estrutura e em resultado da necessidade assumida de criação de um serviço que responda aos desafios que a prevenção deste fenómeno implica, o Governo Regional da Madeira criou, no mesmo ano, o Serviço Regional de Prevenção da Toxicodependência, com uma orgânica mais estruturada, na direta dependência da Secretaria Regional dos Assuntos Sociais: Decreto Regulamentar Regional nº 9/2002/M, de 25 de junho. Este serviço tinha por missão coordenar e executar as medidas e políticas relativas à problemática da toxicodependência, bem como dinamizar e proceder ao acompanhamento da execução do Plano Regional de Luta Contra a Droga e a Toxicodependência. Em 2003 é publicado o Plano de Saúde da Região Autónoma da Madeira 2004 – 2010, através da Resolução n.º 303/2004, que contempla a área do consumo de drogas ilícitas, no capítulo alusivo aos estilos de vida saudável. Este documento enfatiza como meta a redução da incidência dos problemas e da mortalidade ligada ao consumo de substâncias psicoativas ilícitas, até 2010. Para isso elenca um conjunto de objetivos e intervenções estratégicas, em que são envolvidas as várias estruturas regionais públicas, privadas e sociedade civil. Por outro lado, é realçada a necessidade de realização de um estudo que determine a incidência e a prevalência da toxicodependência na Região, uma vez que os dados disponíveis na altura são incompletos. Todavia, apesar desta lacuna, o Governo Regional refere “Embora não se disponha de dados que permitam afirmar que o fenómeno da toxicodependência aumentou, podemos contudo dizer que se tornou mais visível nos últimos anos face ao número de apreensões de drogas ilícitas” (SECRETARIA REGIONAL DOS ASSUNTOS SOCIAIS, 2003, 18). Em 2004, o Serviço Regional de Saúde, E.P.E, contava com duas respostas terapêuticas na área dos comportamentos aditivos, designadamente o Centro de Santiago e a Consulta de Alcoologia e Toxicodependência da Unidade de Psiquiatria do Hospital Central do Funchal, que iniciou, na primeira metade da década de 90, o atendimento a alcoólicos e toxicodependentes. Da necessidade sentida em dar continuidade à dinâmica instituída a nível regional, no âmbito da redução da procura no domínio das toxicodependências, definiu-se o Plano Regional de Luta Contra a Droga, que congregou a Estratégia Regional para o triénio 2005-2008: Resolução nº 1402/2005, de 6 de outubro, consignando um conjunto abrangente de linhas orientadoras e estratégicas. Este documento integrou as áreas da prevenção, da dissuasão, do tratamento, da redução de riscos e minimização de danos e da reinserção. Considerou, ainda, as perspetivas estratégicas para orientar o trabalho a desenvolver, pelas várias entidades regionais, no período em apreço. Neste Plano Regional (2005-2008), o domínio da redução da oferta (competência do Governo e da Assembleia da República), foi enfatizado como área fundamental na luta contra a droga. Considerando a premência da implementação de medidas específicas no combate ao narcotráfico nas Regiões Autónomas, a 21 de março de 2006, a Assembleia Legislativa da Madeira aprovou a Resolução n.º 7/2006, propondo ao Governo da República meios de resposta necessários à resolução deste problema. Com a operacionalização deste Plano Regional, num percurso iniciado em 2001, prosseguiu-se a luta contra a droga, potenciando fatores e condições, que congregou a vontade de participação, as opiniões críticas e os contributos avaliativos de múltiplas entidades e organismos representativos dos vários setores sociais e comunitários. Este trabalho revelou-se imprescindível na atenuação dos problemas decorrentes das dependências de substâncias psicoativas. No decorrer do tempo foram introduzidas várias reformulações na área da toxicodependência. Em 2008, cinco anos após a criação do Serviço Regional de Prevenção de Toxicodependência, e na sequência da reorganização dos departamentos do Governo Regional, é criado o Instituto de Administração da Saúde e Assuntos Sociais, IP-RAM, pelo Decreto Legislativo Regional n.º 22/2008, de 23 de junho. Esta estrutura pública passou a integrar na sua orgânica, o Serviço de Prevenção de Toxicodependência, em substituição do extinto Serviço Regional de Prevenção de Toxicodependência. A implementação do Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira, através do Decreto Legislativo Regional nº 23/2008/M, de 23 de junho, alterou a designação do Centro de Santiago para Unidade de Tratamento da Toxicodependência, o qual foi integrado no Departamento de Saúde Mental, que englobou também os serviços de Psiquiatria, Pedopsiquiatria e Psicologia. Na sequência destas alterações, a 26 de setembro de 2011, é inaugurado um novo edifício do Departamento de Saúde Mental para congregar a Unidade de Tratamento de Toxicodependência e o Serviço de Psiquiatria. Esta unidade de tratamento integra a valência de internamento, com um aumento do número de camas, permitindo desta forma, uma melhoria significativa das condições de tratamento. O fenómeno dos consumos de substâncias psicoativas é dinâmico, sendo que, ao longo das décadas, os padrões de consumo sofrem alterações em função de vários fatores. Estes relacionam-se com a disponibilidade da oferta, da procura, das condicionantes socioeconómicas, de variáveis inerentes à pessoa, da produção e disponibilidade de novas drogas emergentes nos mercados, com características atrativas e em conformidade com a vivência das sociedades atuais. À semelhança da realidade internacional, em particular europeia, constatou-se a partir de 2008, na Região Autónoma da Madeira, a emergência de um novo fenómeno: o consumo de novas substâncias psicoativas lícitas (não controladas pelas convenções internacionais), denominadas “drogas legais” ou “legal highs”, vendidas na internet ou em estabelecimentos designados “smartshops” ou “headshops”. Nesse ano abriu, no Funchal, a primeira loja que vendia legalmente estas novas substâncias, incluídas em produtos comerciais, com diversas apresentações: pó, comprimidos, cápsulas, partes ou extratos de plantas. Estes produtos eram anunciados como sais de banho, ambientadores, incensos ou fertilizantes. Esta prática comercial enganosa permitiu aos donos dos estabelecimentos contornar a legislação. Nas embalagens constava a advertência de que os produtos não se destinavam ao consumo humano. As substâncias mais procuradas designavam-se Spice, Sálvia e Bloom. Em 2011, este problema adquiriu uma dimensão expressiva do fenómeno ao nível da comercialização, do consumo das novas substâncias psicoativas, resultando em consequências a nível de saúde pública (ocorrência significativa de perturbações psiquiátricas, nomeadamente perturbações de humor e de ansiedade) e ameaças à segurança de pessoas e bens. Devido aos danos causados na população, a emergência desta problemática desencadeou a consciencialização da sociedade madeirense para a necessidade de uma resposta eficiente em torno dos consumos das “drogas legais”, que nunca tinham sido regulamentadas em Portugal. Em maio de 2011, o Instituto de Administração da Saúde e Assuntos Sociais, IP-RAM, através do Serviço de Prevenção de Toxicodependência, liderou um grupo de trabalho intersectorial, constituído por elementos das entidades das áreas da saúde, forças policiais, entidades reguladoras e administrativas: Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira, através do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental, Comissão para a Dissuasão da Toxicodependência, Direção da Alfândega do Funchal, Ministério Público, Polícia de Segurança Pública, Polícia Judiciária, da Inspeção Regional das Atividades Económicas da Madeira, Serviço da Defesa do Consumidor. As entidades regionais continuaram a acompanhar este fenómeno, que culminou em 2012, com repercussões mais graves, nomeadamente com a suspeita de mortes e um aumento significativo de internamentos devido a quadros clínicos desencadeados pelo consumo destas drogas, nos serviços de urgência das unidades de saúde regionais e na Casa de Saúde São João de Deus. A partir de junho de 2012, contabilizavam-se seis estabelecimentos que vendiam as “drogas legais”, constatando-se a urgência em alterar o quadro legislativo regional, introduzindo medidas legislativas que proibissem a venda destas drogas e protegessem os cidadãos. Uma vez que a Assembleia Legislativa da Madeira não detém competência em matéria criminal, remeteu à Assembleia da República a Resolução da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, n.º 32/2012/M, de 1 de agosto, que recomendou à Assembleia da República a proibição genérica de todas as substâncias psicoativas, realçando que o entendimento é unânime quanto aos seus danos irreversíveis para a saúde - físicos e mentais - ao nível do sistema nervoso central, designadamente, aparecimento de indivíduos com Perturbações Psicóticas, induzidas por substância, que se caracterizam por alucinações e delírios de vária ordem, dependência ou alterações significativas da função motora. No Decreto Legislativo Regional n.º 28/2012/M de 25 de outubro, a Região Autónoma da Madeira tornou-se a primeira região do país a implementar um regime contraordenacional de proibição das novas drogas, sem prejuízo do quadro penal que venha a ser aprovado na Assembleia da República, criando normas para a proteção dos cidadãos e medidas para a redução da oferta de “drogas legais”, também designadas por novas substâncias psicoativas, o que levou ao encerramento das seis lojas existentes no arquipélago. Este decreto contou com a colaboração do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência e da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto. Em resultado da conjugação de várias intervenções, desencadeadas pelas entidades que integraram o grupo intersectorial de monitorização e intervenção no fenómeno das “drogas legais”, foi possível a sua contenção, tendo sempre presente a impossibilidade da sua total diluição, uma vez que o mercado está continuamente em renovação, devido à introdução de novas substâncias e de estratégias para a sua aquisição, destacando-se o recurso à internet. No seguimento de novas e necessárias reestruturações, o Serviço de Prevenção de Toxicodependência, integrado no Instituto de Administração da Saúde e Assuntos Sociais, IP-RAM, foi convertido na Unidade Operacional de Intervenção em Comportamentos Aditivos e Dependências, através da Portaria n.º 178/2012, que aprova os estatutos do Instituto de Administração da Saúde e Assuntos Sociais, IP-RAM. Tem como missão acompanhar a visão e atuação, a nível internacional e nacional, no âmbito da intervenção das dependências, não se considerando apenas o consumo de substâncias lícitas e ilícitas, mas também, orientando a atenção para outros comportamentos aditivos em geral (com e/ou sem substância), que se têm observado em crescendo, em resultado das contingências da sociedade. O “mundo da droga” tem contornos mundiais. Ao mesmo subjazem interesses económicos obscuros, destrutivos e prejudiciais para as sociedades. É pois fundamental que as entidades e organismos competentes congreguem esforços e iniciativas que sejam obstáculos à sua progressão e reduzam as consequências negativas e os danos associados ao mesmo. Atualmente, em 2014, na Região Autónoma da Madeira, existem estruturas que asseguram uma resposta especializada no domínio da redução da procura da toxicodependência e de outros comportamentos aditivos: Instituto de Administração da Saúde e Assuntos Sociais, IP-RAM, através da Unidade Operacional de Intervenção em Comportamentos Aditivos e Dependências, na área da prevenção; Comissão para a Dissuasão da Toxicodependência, na área da dissuasão; Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira, E.P.E., através da Unidade de Tratamento da Toxicodependência e dos centros de saúde, nas áreas do tratamento, redução de riscos e minimização de danos e reinserção social; unidades de saúde privadas - Casa de Saúde São João de Deus, Casa de Saúde Câmara Pestana, clínicas e consultórios privados - na área do tratamento. Realça-se, em paralelo, a existência de outros organismos comunitários – associações, clubes, organizações não governamentais – que desenvolvem iniciativas nas diferentes áreas, em parceria com as entidades regionais especializadas. No que concerne ao encaminhamento dos utentes para as unidades de desabituação – comunidades terapêuticas - existentes em Portugal Continental, existem protocolos com as entidades coordenadoras destas áreas; no passado, o Instituto da Droga e da Toxicodependência, atualmente com a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo. Esta cooperação institucional tem permitido a disponibilização de camas, sempre que se justifique encaminhar os utentes para fora da Região. Tem sido utilizado um modelo de respostas integradas, o qual se baseia numa visão multidimensional da realidade dos comportamentos aditivos, bem como numa intervenção de proximidade, intersectorial que permite maximizar os resultados e obter ganhos sociais e da saúde. Esta forma de atuação tem sido possível graças à mobilização, envolvimento e empenho das entidades públicas e privadas, bem como a sociedade civil, aproveitando os recursos disponíveis e potenciando as parcerias. Decorridas cerca de três décadas, e presentemente, em 2014, o Governo Regional assumiu a luta contra a droga como prioritária, para tal foram desenvolvidos espaços no sentido de criar respostas, sendo estas consolidadas em estruturas físicas, técnicos especializados, identificação de dados/ indicadores, adoção de boas práticas, introdução de programas e projetos adequados nos diferentes domínios envolvidos no combate ao fenómeno da droga e das toxicodependências. Toda esta intervenção foi acompanhada por uma articulação com as entidades nacionais e europeias, adotando as devidas medidas legislativas, existindo uma coordenação regional intersectorial na sua operacionalização. A pessoa consumidora de substâncias psicoativas era considerada criminosa, no entanto, ao longo dos tempos, essa conceção foi alterada, em consequência de uma perspetiva gradual mais humanista do toxicodependente, passando este à condição de doente, com potencial para se reabilitar e reinserir socialmente. Por outro lado, a comunidade científica instituiu a prevenção como uma ciência, o que evidencia a premência desta área na intervenção face ao fenómeno dos consumos. Esta demarcação tem sido acompanhada pelo governo regional, através das sucessivas políticas de atuação, elencados nos documentos estratégicos, onde se priorizou esta área como uma dimensão fundamental. No presente, assume-se que o consumo de drogas é uma problemática de saúde pública. Na Região Autónoma da Madeira constata-se que a toxicodependência e os contornos que assume a nível pessoal, familiar e social mantém-se como um desafio e continuam a exigir uma ação concertada, não só por parte das entidades públicas, mas também, das privadas e da sociedade civil em geral. Bibliog. impressa: Decreto-Lei n.º 83/90, Cria o Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência no Ministério da Saúde, Ministério da Saúde, Diário da República – I Série – Nº 61, de 14 de março de 1990; Decreto-Lei nº 248/92, Programa Nacional de Combate à Droga, designado por “Projeto VIDA”, Lisboa, Diário da República – I Série – A – Nº 259, 9 de novembro de 1992; Decreto-Lei nº 193/96, Reformula o Programa Nacional de Prevenção da Toxicodependência – Projeto VIDA, Lisboa, Diário da República – I Série – A - nº 239, 15 de outubro de 1996; Decreto-lei Nº 89/2000, Cria o Conselho Nacional da Droga e da Toxicodependência, Lisboa, Diário da República – I Série – A – Nº 115, 18 de maio de 2000; Decreto-Lei nº 1/2003, Reorganiza as estruturas de coordenação de combate à droga e à toxicodependência, Lisboa, Diário da República – I Série – A – Nº 4, 6 de janeiro de 2003; Decreto Legislativo Regional nº 1/98/M, Institui o Núcleo Regional do Projeto VIDA, Região Autónoma da Madeira, Diário da República – I Série – A – Nº 58, 10 de março de 1998; 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Alicia Susete Viveiros de Freitas Nelson Alexandre Vieira Carvalho Teresa Maria Costa Gouveia Dias (atualizado a 22.08.2016)

imigração / emigração

Os fenômenos migratórios sempre ocuparam um lugar de destaque na sociedade portuguesa. Com efeito, como escreveu o historiador português Joel Serrão no seu artigo “Emigração” do Dicionário de História de Portugal, desde o “início da colonização da Madeira, o fenômeno da emigração tem sido, e continua a ser ainda hoje, uma das constantes da história de Portugal” (SERRÃO, 363). De Fernand Braudel a Charles Verlinden, passando por Pierre Chaunu e Frédéric Mauro, diversos historiadores dedicaram-se a mostrar a importância das ilhas e do mundo insular no desenvolvimento e na expansão das trocas transoceânicas. O tema suscitou numerosos estudos e, ultimamente, multiplicaram-se colóquios, seminários e publicações a exemplo das atividades do Centro de Estudos de História do Atlântico (CEHA) sediado no Funchal, na Ilha da Madeira. Esse, desde os primeiros colóquios de história, organizados a partir de 1985, nos quais a temática foi abordada, multiplicou as iniciativas de encontro sobre o tema das migrações. Assim aconteceram, em 2001, o seminário Emigração e imigração nas Ilhas, em 2008, o seminário Emigracão, imigracão na história e na literatura, em 2010, o congresso internacional As ilhas do mundo e o mundo das ilhas, em 2011, o congresso Mobilidades humanas : Escritas e mobilidades, em 2012, o seminário Mobilidades Humanas : As mulheres e as mobilidades e em 2013, o colóquio Mobilidades e identidades. Mais particularmente sobre a imigração, apesar de ter sido menos estudada, a temática foi também abordada em vários colóquios de história organizados pelo CEHA. John G. Everaert pôde então evocar a presença flamenga, Emanuel Janes, os Gilbraltinos, Manuel Lobo Cabrera, os escravos guanches, Walter Minchington, a comunidade britânica ou Eberhard Axel Wilhelm, os alemães. Ademais, Alberto Vieira e Luís de Albuquerque concluíram trabalhados abordando um corte cronológico desde o início do povoamento da Madeira e, de forma detalhada, Alberto Vieira trabalhou sobre os escravos africanos. Já no caso da emigração, existem alguns estudos gerais sobre o tema como de Antonio Teixeira de Sousa, Agostinho Cardoso ou ainda Alberto Vieira, abordando de forma geral o fenómeno. Para reflexões mais enfocadas no tempo e no espaço, é preciso sublinhar a vasta historiografia tanto em português como em inglês sobre os movimentos migratórios de madeirenses para a Guiana Britânica, sobretudo nos anos 1840 e 1850 (por exemplo, Jo-Anne Ferreira, Mary-Noel Menezes ou João Adriano Ribeiro), ou para o Havaí entre 1878 e 1912. Esse último destino despertou acentuado interesse dando frutos a vários trabalhos como o de Susana Catarina de Oliveira Castro Caldeira, a qual, seguindo os passos de Eduardo Mayonne, Joaquim Palminha Silva, Eleanor Nordyke, Andrew Lind ou Edgar Colby Knowlton, usou fontes portuguesas, americanas e havaianas para narrar essa epopeia dos madeirenses no Pacífico e, sobretudo, o impacto dessa emigração na cultura local. Considerando as lacunas da historiografia sobre a emigração madeirense na América do Norte, Duarte Mendonça procurou buscar a especificidade madeirense dentro do fluxo de açorianos e portugueses na costa leste, em New Bedford. Ademais, a emigração da Ilha para a África pôde ser tratada nos estudos sobre a comunidade no planalto de Huíla (por exemplo, Carlos Alberto Medeiros e Cristina Bastos) e na África do Sul (caso de Victor Pereira da Rosa e Salvato Trigo). A propósito do Brasil, existem somente alguns estudos sobre o papel dos madeirenses no sul (por exemplo, Virginia Rau, Walter Piazza, Maria Licínia Fernandes dos Santos ou Nereu do Vale Pereira) e no norte do país (como Mário Clemente Ferreira, José Manuel Azevedo e Filho, Leonardo Dantas, Ananias Martins ou José António Gonçalves de Mello), mas concentrados no século XVIII, quando a Coroa portuguesa havia enviado casais e militares das ilhas para ocupar as zonas fronteiriças da colônia americana. Entretanto, pouco se escreveu sobre a presença desses emigrantes madeirenses no Brasil nos séculos XIX e XX, salvo os louváveis trabalhos de Andréa Telo da Corte, que evocou a comunidade madeirense chegada entre 1930 e 1960 em Niterói-Rio de Janeiro, de Maria Suzel Gil Frutuoso, sobre os portugueses em Santos-São Paulo, ou de Eulália Maria Lahmeyer, Maria Aparecida Macedo Pascal, Gisela Kodja, Sônia Maria de Freitas e Maria Izilda Santos de Matos, que sublinharam a presença madeirense nos morros desta mesma cidade. Igualmente, na América do Sul, é preciso ressaltar os estudos sobre a Venezuela, de Nancy Gomes, e a dissertação de mestrado de Joselin da Silva do Nascimento, dando enfoque aos contratos de trabalho para Curaçau e às trajetórias dos ilhéus. Apesar de ser conhecido dos européus e encontrar-se representado na cartografia italiana e ibérica desde meados do século XIV, o arquipélago da Madeira foi colonizado e explorado somente a partir da década de 1420, sendo o primeiro espaço atlântico ocupado pelos portugueses. Desabitado quando da chegada dos portugueses, seu povoamento foi fruto da imigração de gentes de diversas proveniências e efetuou-se a partir da costa sul da ilha principal, a Madeira, do leste ao oeste, desde Machico e Funchal, para estender-se ulteriormente para Santa Cruz, Câmara de Lobos, Ribeira Brava, Ponta do Sol e Calheta. Apesar da inexistência de estatísticas claras e confiáveis, é sabido que gentes do reino, escravos das Canárias, do Norte de África e da Costa da Guiné, judeus, comerciantes italianos, flamengos, franceses, espanhóis e ingleses mesclaram-se para formar a sociedade madeirense. Na verdade, após a descoberta do arquipélago, a fim de criar a nova sociedade e desenvolver a economia do novo espaço, a coroa portuguesa passou a incentivar a fixação de colonos através da entrega de terras de sesmarias, privilégios e isenções fiscais, bem como forçou o envio daqueles sentenciados em pena de degredo. Nesse contexto, o processo de povoamento acabou desenvolvendo-se de forma constante por várias décadas. Iniciou-se na década de vinte do século XV com a chegada de João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz juntos com aventureiros e companheiros. Atraídos pela fama das riquezas da ilha, seguiram-se um grupo de trinta e seis apaniguados da casa do Infante, na maioria escudeiros e criados que adquiriram uma posição proeminente na dinâmica administrativa e na estrutura fundiária, bem como os filhos segundos, prejudicados pelo sistema de herança em favor do filho primogénito e ávidos de terras e de títulos. Sobre esse período, os historiadores Luís de Albuquerque e Alberto Vieira sublinharam que, na relação dos homens bons da capitania do Funchal, em 1471, a maioria surgia como escudeiros (36 %), sendo reduzido o número de cavaleiros (10 %) e fidalgos (5 %), o que incentivou João Gonçalves Zarco a solicitar junto da coroa varões de qualidade para casarem com as suas filhas (ALBUQUERQUE e VIEIRA, 55). Apesar de ser comum afirmar que os primeiros povoadores da Madeira eram oriundos do Algarve, Albuquerque e Vieira, em O Arquipélago da Madeira no século XV, assim como o historiador e geográfo português Orlando Ribeiro antes deles, mostraram que todo o reino de Portugal participou no processo de povoamento da Madeira. Ademais, ressaltaram que além dos homens que partiram do Algarve e ocuparam uma função de relevo no lançamento das bases institucionais, as gentes da região de entre-Douro-e-Minho forneceram os cabouqueiros para desbravar a densa floresta e preparar o solo (ALBUQUERQUE e VIEIRA, 56). Simultaneamente aos primeiros portugueses, vieram os escravos guanches das Canárias e Marroquinos, seguidos dos africanos do Golfo da Guiné e de Angola para abrir os poios e plantar os canaviais e, assim, contribuir à valorização econômica do arquipélago e à formação da sociedade madeirense. A presença dos guanches explica-se pela proximidade entre os arquipélagos da Madeira e das Canárias, bem como pela disputa pela posse das Canárias iniciada pelo infante D. Henrique e que resultou na captura de escravos. Na Madeira, deram continuidade à tradição do pastoreio e tornaram-se mestres de engenhos. Ainda sobre sua presença, Alberto Vieira se lançou a hipótese de que o Pico Canário, em Santana, e o lugar do Canário, na Ponta de Sol, poderiam fazer referência “ao escravo ou ao pássaro tão comum nestes arquipélagos” (VIEIRA, 7). Os marroquinos também foram trazidos na Madeira após terem sido presos durante a intervenção de madeirenses na conquista e manutenção das praças marroquinas. Presentes sobretudo no Funchal e em Ribeira Brava, os mouriscos fixaram-se principalmente no séc. XVI pois, a partir de 1597, medidas foram tomadas para restringir a posse de escravos mouros. De algumas décadas antes, surge em indícios documentais, a partir de 1562, a primeira indicação de escravos africanos. Nessa altura, por caso de dificuldades no cultivo da cana de açúcar, os lavradores pediram facilidades para obter escravos na Guiné, o que foi concedido pelo rei. Assim, em 1567, foi atribuído aos madeirenses o direito de importar anualmente e por um período de cinco anos, de Cabo Verde e dos Rios de Guiné, “cento e cinquenta peças de escravos, dos quais cem ficariam no Funchal e cinquenta na Calheta” (VIEIRA, 10). A Guiné acabou dominando tal mercado até meados do século XVII, seguida pela Angola. Apesar de ser impossível conhecer com exactidão a quantidade de escravos envolvidos, Alberto Vieira sublinhou a falta de documentação sobre a entrada dos mesmos no Funchal, calcula-se que 86% dos escravos presentes na Madeira entre os sécs. XV e XVII eram provenientes do continente africano. Enquanto para Gaspar Frutuoso os escravos representavam 15% da população da ilha da Madeira em meados do séc. XVI, os dados atualizados obtidos nos registros paroquiais por Alberto Vieira mostram que, na verdade, não ultrapassavam 3% da população madeirense. Luiz-Felipe de Alencastro, por sua vez, sublinhou que a utilização dos escravos africanos no arquipélago da Madeira transformou profundamente a economia atlântica. Ademais, a partir da década de sessenta do séc. XV, um fluxo migratório europeu intenso veio juntar-se aos portugueses e aos escravos. Primeiro vieram os italianos, os franceses e os flamengos atraídos pelo comércio do açúcar, seguidos pelos ingleses para o do vinho. Entre os italianos, destaca-se a presença dos florentinos, genoveses e venezianos, os quais usufruíram de privilégios especiais concedidos pela coroa como forma de assegurar um mercado europeu para o açúcar, ou ouro branco como era chamado, bem como do relacionamento familiar, para inserir-se plenamente na aristocracia fundiária e administrativa. Os franceses e flamengos, ao contrário dos italianos, não criaram raízes na sociedade insular madeirense. Interessavam-se somente na aquisição de açúcar que transportavam em embarcações próprias para os portos franceses e para as praças de Bruges e Antuérpia. A Madeira, em troca, recebia bens alimentares e artefactos. A presença flamenga traduziu-se nas influências artísticas na pintura e escultura e atualmente é visível na Igreja da Sé no Funchal, ou na matriz de Machico e da Ribeira Brava. Apesar de um envolvimento tardio, depois de italianos, franceses e flamengos, os ingleses deixaram marcas profundas de sua presença na Madeira. No âmbito de sua política colonial, afirmando sua hegemonia no Altântico e no Índico desde o séc. XVII, os ingleses utilizaram a Madeira como porto obrigatório de abastecimento e pilar de seu vasto império. Como o porto do Funchal tornou-se um porto comercial muito importante a partir do séc. XVII, várias companhias inglesas, e até mesmo uma representação consular, acabaram ali se instalando. Sobre o tema, o historiador Albert Silbert reafirma o fenômeno ao sublinhar que, se no mundo atlântico o predomínio dos ingleses foi crescente, na Madeira, “não podia deixar de se exercer indirectamente” (SILBERT, 45-46). De fato, essa presença mostrou-se cada vez mais presente à medida que o oceano se tornava o seu domínio e que a passagem de seus navios multiplicou-se rumo às suas possessões das Antilhas, da América do Norte ou da Ásia. Já em 1680, detinha dez de cerca das vinte e seis casas comerciais. A partir desse período, a presença inglesa tornou-se uma constante. Não só foi, em 1765, estabelecida uma feitoria britânica, mas também, com a isenção dos direitos de exportação do vinho, passaram a controlar esse proveitoso comércio e, aproveitando-se do clima ameno, fizeram do Funchal umas das mais importantes estâncias de Inverno e de cura para os doentes da tuberculose. As primeiras levas de portugueses, escravos e estrangeiros contribuíram significativamente para o povoamento e criação da sociedade e da cultura madeirense, bem como para o desenvolvimento que o arquipélago conheceu em finais do século XV. Mesmo se em meados do séc. XVI a atração pelo arquipélago da Madeira diminui os fluxos em favor de outros espaços atlânticos, as chegadas de deportados, aristocratas, soldados ou estrangeiros continuaram, ainda que em menor número. Com relação a algumas particularidades nesse movimento, no período decorrente entre 1539 e 1600, calcula-se que os açorianos chegaram a representar 9% da imigração madeirense, sendo importantes sobretudo na constituição da população da Sé no Funchal. Já os imigrantes de outro arquipélago vizinho, as Canárias, foram mais numerosos entre o final do século XVI e início do século XVII, durante o período chamado de União Ibérica (1580-1640) de fusão das coroas sob a soberania do rei espanhol. Na verdade, entre 1580 e 1600, os espanhóis surgiam como a maior comunidade estrangeira na Madeira. Como já mencionado, da segunda metade do século XVII em diante, a Madeira tornou-se uma estância do turismo para os doentes da Europa do Norte que sofriam de problemas pulmonares sem, porém, descartar outras preferências. Por exemplo, cientistas e viajantes exploraram ocasionalmente a Madeira, como John Ovington, em 1695, John Byron, em 1764, ou James Cook em 1768 e 1772. Já os conflitos que iriam conturbar a Europa, em geral, e Portugal, em particular, entre o século XIX e o XX – como a Revolução Liberal, as guerras napoleónicas, as guerras mundiais entre outros – provocaram migrações forçadas de militares, políticos, intelectuais que foram conduzidos não só para a Madeira, como igualmente para outros espaços atlânticos. Na verdade, em alguns desses momentos houve até ocupação de tropas inglesas, como entre 24 de julho de 1801 e 25 de janeiro de 1802, o que proporcionou um dos últimos momentos de uma hegemonia britânica quase exclusiva e que deixaria ainda heranças como o cemitério britânico, construído em 1808, e a Capela da Sagrada e Indivisa Trindade, de 1822. Entretanto, com a extinção da feitoria em 1842, o final do séc. XIX marcaria o início de um período de transição quanto a influências externas. De fato, novas nacionalidades (e novos interesses) apareceram no arquipélago, como os alemães e os sírios para o comércio do bordado. Os alemães, primeiramente, chegaram a partir da década de oitenta do século XIX “disputando com os ingleses o domínio da Madeira” (VIEIRA, 29), conseguindo até mesmo firmar uma posição de destaque no comércio já desde 1890 até as vésperas da Primeira Guerra Mundial. Foram eles que fizeram surgir, para o comércio internacional, o bordado madeirense, criando novas rotas transatlânticas (do porto de Hamburgo, os bordados seguiam para os Estados Unidos da América, um dos principais importadores). Assim como os ingleses, aproveitaram-se do clima madeirense para curar seus tuberculosos, chegando mesmo a projetar a construção de sanatórios a fim de melhorar o serviço de acolhimento aos doentes. Entretanto, com o advento do conflito mundial, e sob pressão inglesa, o governo português rescindiu concessões feitas, o que levou à saída dos alemães em 1916 e, em retaliação, o bombardeamento do Funchal, por duas vezes, em 3 de dezembro de 1916 e 12 de dezembro de 1917. Com a saída dos germânicos, foram os sírios que acabaram dominando o comércio do bordado madeirense até 1925, ainda tendo os Estados Unidos da América como principal destino das exportações. Mais adiante no século XX, o novo conflito mundial também deixaria sua marca na ilha quanto à presença de estrangeiros. Durante a guerra, a Madeira recebeu cerca de 2.000 gibraltinos fugindo dos bombardeamentos e que, antes de voltarem para suas terras com a vitória Aliada, acabaram ocupando hotéis então vazios por causa da falta de turistas. A partir da segunda metade do séc. XX, foi então o turismo que acabou tornando-se fundamental não só para o contato com os estrangeiros, mas para a economia da região em geral. Segundo os dados estatísticos disponíveis na Direção Regional de Estatísticas da Madeira, 946 hóspedes foram contabilizados nos estabelecimentos hoteleiros em 1946, 189.038 em 1975, 328.256 em 1980, 520.515 em 1990, 880.228 em 2000 e 1.036.864 em 2011. Simultaneamente, as mudanças políticas no arquipélago português surgidas com o processo de autonomia incentivaram o desenvolvimento económico. Criou-se então a necessidade de mão-de-obra para a construção de novas estradas, pontes e túneis atraindo uma nova onda de imigrantes, como de Guiné-Bissau, do Brasil e de países do leste europeu. Segundo os últimos recenseamentos populacionais, os estrangeiros residentes na Região Autônoma da Madeira passaram a crescer significativamente de 1980 até os anos 2000. De fato, entre 1981 e 2008, o número passou de 1.187 para cerca de 7.142. Oriundos majoritariamente da América do Sul até 1997 – no início venezuelanos e depois, em maior número, brasileiros, o continente europeu passou então a ter maior participação, sobretudo com os imigrantes da Ucrânia e do Reino Unido. Segundo os resultados definitivos do último censo (2011), a população estrangeira na Madeira representava 2,10 % (de um total de 267.785 habitantes). Nesse universo, os principais grupos eram, então, provenientes do Brasil (17,6 %), da Venezuela (16,4 %), do Reino Unido (13,4 %) e da Ucrânia (6,5 %). Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), do Serviço de Estrangeiro e Fronteiro (SEF) e do Ministério da Administração Interno (MAI), entre 2008 e 2013, o número de estrangeiros com estatuto legal de residente diminuiu, passando de 7.142 para 5.801. Nesse período, se destacam os indivíduos provenientes do Brasil e de outros países da América latina (respectivamente 870 e 734 em 2013), do Reino Unido (823 em 2013) e da Ucrânia (403 em 2013). Figura 1 -  Evolução da população estrangeira com estatuto légal de residente na RAM entre 2008 e 2013 Fontes de dados: INE, SEF/MAI. Fonte: PORDATA. [Disponível em http://www.pordata.pt/Municipios/Populacao+estrangeira+com+estatuto+legal+de+residente+total+e+por+algumas+nacionalidades-101. Acessado em 29/01/2015]. Sobre a integração das comunidades estrangeiras na sociedade madeirense, pode-se dizer que atualmente elas se inserem sobretudo no setor de serviços, especialmente na hotelaria e na construção civil. Na verdade, para que o mercado regional pudesse absorver e integrar melhor esses indivíduos, foi criado, em 15 de julho de 2010, o Centro Local de Apoio à Integração de Imigrantes. Ademais, existem na Madeira várias associações comunitárias, como a Associação Cultural e Recreativa dos Africanos na Madeira, a Casa de Angola na Madeira, a Comunidade Moçambicana na Madeira, a Subdelegação da Madeira da Associação dos Ucranianos de Portugal, a Associação União da Diáspora, o Grupo de Trabalho dos DOINA e a Associação Islâmica da Madeira. Nos seus séculos de história após a chegada de João Gonçalves Zarco, entretanto, a Madeira não conheceu somente ciclos de atração ou recepção de populações, trabalhadores, escravos ou degredados. Com efeito, o historiador Azevedo e Silva lembra que muitos madeirenses saíram já a partir do terceiro quartel do século XV em busca de melhores condições de vida, “quer pela obtenção de terra para agriculturar, quer através do comércio ou de outras actividades remuneradas” (AZEVEDO E SILVA, A Madeira, 649 ). Essa mobilidade, entretanto, frequentemente inquietou os monarcas portugueses. Ainda nos primórdios da ocupação, por exemplo, políticas restritivas ao movimento de saída chegaram a ser postas em prática face aos temores de despovoamento das áreas recentemente ocupadas. Na verdade, conforme salientou o historiador Alberto Vieira, o arquipélago da Madeira (sobretudo sua ilha principal), passaria logo a funcionar “mais como pólo de emigração [...] do que como área receptora de imigrantes” (VIEIRA, As migrações, 53). Foi através da cultura da cana de açúcar, implantada com sucesso na ilha da Madeira desde 1425, que os primeiros madeirenses começaram a espalhar-se. Com efeito, décadas mais tarde, o domínio das técnicas de produção gerou a introdução dessa cultura e o envio de mestres de engenho ao arquipélago das Canárias, dos Açores, às ilhas do Cabo Verde, de São Tomé e Príncipe e finalmente, ao Brasil. Nessas levas incluíam-se, sobretudo, os filhos segundos prejudicados pelo sistema de herança. Assim foi o caso de Rui Gonçalves da Câmara, filho de Zarco (capitão donatário do Funchal) o qual, em 1473, vendeu suas terras da Lombada da Ponta de Sol para comprar a capitania de São Miguel nos Açores. O mesmo aconteceu com Álvaro de Ornelas, que adquiriu a capitania açoriana da Ilha do Pico. Ilustrando bem como as primeiras gerações de madeirenses, insatisfeitas com as condições oferecidas pelo espaço de vivência onde a possibilidade de aquisição de terra não correspondia às ambições e ao espírito aventureiro, em 1532, o neto de Rui Gonçalves da Câmara, o frade João de Melo da Câmara, assim escrevera “[…] porque a ilha da Madeira meu bisavô a povoou, e meu avô a de São Miguel, e meu tio a de São Tomé, e com muito trabalho…” (VIEIRA, Da Madeira, 5). Ademais, a Madeira, assim como os outros espaços insulares portugueses, participou ativa e decididamente do processo expansionista no Atlântico e no Índico. Seus habitantes estiveram assim presentes nas expedições lançadas na África e no Oriente. No século XVI, todos os olhares passaram a convergir em direção ao continente americano, sobretudo ao Brasil, que acabou tornando-se um dos destinos privilegiados da emigração portuguesa. As terras recentemente descobertas exerceram uma forte atração sobre os povos insulares desde os primórdios da colonização do território brasileiro. Como no caso dos Açores, das Canárias, de Cabo Verde ou de São Tomé, a chegada dos primeiros madeirenses no Brasil deu-se ao desenvolvimento da cultura da cana de açúcar. Assim, para São Vicente, Bahia e Pernambuco foram enviados técnicos e mestres de engenho madeirenses. Maria Licínia Fernandes dos Santos registra em os madeirenses na colonização do Brasil como várias famílias tradicionais tiveram origem insular. Entre muitos, foi o caso dos Toledos Pizas, de São Paulo, e dos Lira e Cunha, de Pernambuco, iniciadas respectivamente por Gonçalo Novo e Pedro da Cunha de Andrade. Além das atividades ligadas à economia açucareira, madeirenses foram escolhidos para ser os protagonistas de várias capitanias brasileiras, como Francisco de Aguiar na capitania do Espírito Santo, António Teixeira de Mello, no Pará, ou Pedro Vogado em Itamaracá ou Santa Cruz. Para além da economia, os madeirenses destacaram-se na defesa militar do Brasil nos séculos XVI, XVII e XVIII, sobretudo em Pernambuco, no Rio de Janeiro e em Santa Catarina. Em uma passagem marcante na história da colônia sul-americana, o madeirense Francisco de Figueiroa destacou-se na defesa do nordeste brasileiro no século XVII contra invasores holandeses antes de tornar-se governador do Cabo Verde. Figueiroa tivera então a missão de recuperar a Bahia e Pernambuco participando de várias expedições, entre outras, para expulsar os holandeses da Ilha de Fernando de Noronha, defender as praias do Rio Tapado e Pau Amarelo. Ainda nesse contexto, um caso “paradigmático de succeso” madeirense (SANTOS, Os madeirenses, 89) foi o de João Fernandes Vieira em Pernambuco. Mulato nascido no Funchal em 1610, Vieira embarcou aos dez anos em direção ao Brasil onde foi trabalhar em um engenho de açúcar. De origem modesta, tornou-se proprietário de cinco engenhos e, durante as batalhas de Guararapes, conseguiu federar outros madeirenses, assim como portugueses, mestiços e índios, para combater os holandeses. Quando faleceu em Olinda, em 1681, era proprietário de dezesseis engenhos e currais no Rio Grande do Norte. Com relação à religiosidade, devido à Bula Romani Pontificis Circumspectio do papa Paulo III, de 8 de julho de 1539, a partir da qual a jurisdição episcopal no Brasil seria exercida pelos prelados do Funchal, clérigos madeirenses instalaram-se no Brasil. Assim foi o caso do Frei Gregório Baptista, na Bahia, do padre Gonçalo de Gouveia Serpa, em Olinda, e do padre Marcelino de Sousa Abreu em Santa Catarina. Desde os finais do século XVII, e ao longo do século XVIII, os movimentos migratórios da Madeira para o Brasil intensificaram-se. Devido ao apoio oficial da Coroa portuguesa, em seu objetivo de defender o território, casais insulares, dos Açores majoritariamente, mas também da Madeira, foram enviados para o sul (especialmente para a região de Santa Catarina) e para o norte do Brasil. Apesar da inédita escala, essa política não era nova. Desde o século XVI, os reis D. João III e D. Pedro II já a haviam utilizado. Finalmente, em agosto de 1744, a coroa editou um decreto para promover o envio de 4.000 famílias da Madeira e dos Açores para Santa Catarina e para o Rio Grande do Sul. Alvarás foram então publicados nos dois arquipélagos tornando público o patrocínio real para a viagem: além da passagem, os colonos receberiam uma ajuda financeira em função do número de filhos. Chegados ao Brasil, seriam em seguida dadas terras, adubo, gado e material para a agricultura. O objetivo dessa política era a criação de pequenas colónias de povoamento nas zonas fronteiriças do Brasil, com o consequente fortalecimento da soberania portuguesa, mas também encontrar solução para o estado da população madeirense que, em 1746, por causa da escassez de cereais, sofria da fome e da miséria. Em 1748, listas tinham então sido elaboradas no Funchal, com 52 nomes, e na Ponta de Sol, com 162 nomes. Segundo a documentação disponível, a presença madeirense do outro lado do Atlântico acentuou-se após 1750. Entre 1° de agosto de 1747 e 5 de julho de 1751, um grupo composto de 1.367 indivíduos rumou para o sul do Brasil. Nesse contingente jovem, os indivíduos tinham em média 19 anos, 34,6 % provinham do Funchal e 65,4 % do restante da ilha da Madeira. Eram majoritariamente casais com filhos acompanhados de outros membros da família. Firmando a popularidade do fluxo (em 1758 a coroa reagiria aos excessos de saída proibindo saídas sem passaporte), mas marcando uma tragédia, em 1754, foi assinado um contrato para a ida de 500 outros madeirenses. O navio, porém, saindo do Funchal em 1756 com 316 pessoas, naufragou deixando vivos somente 11 mulheres e alguns homens. Os muitos madeirenses, entretanto, que chegaram à terra firme ao longo das décadas, sobretudo no sul do Brasil, tiveram um papel importante na formação política, econômica e sociocultural regional. Uma das testemunhas mais fortes do enraizamento dessa herença, ainda hoje celebrada, é a festa do Divino Espírito Santo. A política de envio de casais foi também utilizada no Brasil setentrional, cobiçado pelos franceses e os holandeses, como já mencionado. Entre os anos de 1616 e 1620, e depois em 1648, 1674 e 1677, a coroa enviou casais açorianos, assim como militares, ao Pará e ao Maranhão para impedir a instalação dos franceses no sul do rio Oiapoque. Décadas mais tarde, após o Tratado de Madrid, de 1750, e sob influência do Marquês de Pombal, o rei D. José enviou 5.000 casais dos Açores e da Madeira para essa mesma região. Os colonos dedicaram-se ao cultivo do açúcar enquanto reforçavam a soberania portuguesa. Apesar das certezas sobre sua presença, ainda há poucos estudos quantificando ali os madeirenses como testemunham os estudos de Azevedo e Silva ao lembrar que em uma carta do governador do Pará, de 1754, esse último confirmava a chegada ao porto de Belém de um navio “carregado de madeirenses” (AZEVEDO E SILVA, Os madeirenses, 254 e 258). Como no sul, os insulares criaram núcleos coloniais, perto dos rios Xingu e Tapajós ou na Ilha de Marajó, e reforçaram a população de cidades já constituídas, como Bragança. Apesar do porte significante, a presença insular no Brasil continua muitas vezes a ser atribuída, nos recitais populares e mesmo em alguns trabalhos científicos, à emigração açoriana, marginalizando-se os madeirenses. O historiador José Manuel Azevedo e Silva, por exemplo, ressaltou o menosprezo e esquecimento da participação dos madeirenses nos estudos sobre o povoamento e a colonização do Brasil. Mais particularmente em relação à região meridional da colônia, o historiador Alberto Vieira evoca mesmo uma “exacerbação nacionalista” em Santa Catarina, nesse sentido, e a alimentação, dos dois lados do Atlântico desde os anos 1940, de um mito do colonizador açoriano, desvalorizando, no entanto, outras contribuições, como precisamente a dos madeirenses (VIEIRA, Da Madeira, 22-30). Mudanças no contexto político, econômico e social ao longo do século XIX (como os confrontes entre liberais e miguelistas a partir de 1827, dificuldades na exportação do vinho insular, crises regulares de subsistência, entre outros) continuaram a criar condições para que o fluxo de deslocamento de madeirenses não se reduzisse. Os destinos continuariam ainda mais variados: Guiana e sobretudo Demerera e depois São Vicente, Antígua ou Trinidad e Tobago, Estados Unidos, ilhas Sanduíches no Pacífico, Àfrica e ainda o Brasil. Na Guiana britânica, a abolição da escravidão em 1834 seria o fator determinante nesse processo. Se uma primeira leva de 40 madeirenses chegaria já em 1835 para suprir a falta de mão-de-obra nas plantações de cana de açúcar, ainda no mesmo ano outro navio traria mais 429 insulares recrutados por engajadores através de contratos de trabalho. Através desses tratos, os madeirenses engajavam-se a reembolsar o valor pago pelos agentes para o transporte e para as primeiras despesas de instalação, trabalhando desde o nascer do sol todos os dias com exceção do domingo. Alguns anos mais tarde, precisamente entre 1844 e 1846, o proselitismo religioso na Madeira também contribuiu para a saída de muitos madeirenses sobretudo para Trinidad e Tobago. Nessa ocasião, tratava-se de convertidos ao protestantismo após terem estabelecido contato com o doutor Robert Kalley em 1838. Influente na sociedade madeirense, sobretudo em Santo da Serra e Machico, Kalley tornou-se pregador da Igreja de Escósia desde 1841, mas passou a sofrer perseguição sobretudo após sua excomunhão em 1843. Finalmente, entre 1835 e 1846, cifra-se em cerca de 12.000 o número de madeirenses emigrados para a Guiana Britânica sendo que, a partir dos anos 1850, 70% do fluxo passaram a dirigir-se exclusivamente para Demerara que, por sua vez, absorveu 41.353 insulares até 1889. Após anos de trabalho árduo nas plantações, alguns madeirenses tornaram-se comerciantes, jardineiros ou domésticos inserindo-se aos poucos na sociedade e tendo seus descendentes aparecendo no teatro, em grupos musicais e na política. Devido à grande comunidade, Demerara tornou-se até mesmo a segunda maior importadora do vinho Madeira, só perdendo a liderança para Londres. O aparente sucesso nessas novas terras não deixou de provocar animosidade com os nativos (o que traduziu-se nas revoltas de 1856, 1889 e 1891), nem impediu que críticas das autoridades portuguesas fossem verbalizadas contra o que muitas vezes era chamado de “escravatura branca” (SERRÃO, Testemunhos, 96). Entretanto, tratou-se em geral de uma emigração que deu certo ao contrário do que aconteceu nas colónias francesas da mesma região. Com efeito, a tentativa francesa de introdução de trabalhadores brancos vindos da França e também da Madeira em Guadeloupe e na Martinique, entre 1845 e 1851, foi um fracasso. Sabe-se que houve o desembarque de 248 madeirenses entre 1849 e 1851 e de outros 600 entre 1845 e 1850. Mesmo se o jornal l’Avenir, de Pointe-à-Pitre na Guadalupe, ressaltava que o madeirense era um excelente trabalhador quando instalado em altas altitudes onde poderia usufruir de um ar mais puro e menos calor, a dificuldade de recrutamento e o fracasso das poucas tentativas levaram as autoridades à buscar na África, na Índia e na Ásia, a mão-de-obra necessária para as plantações. Em paralelo ao fluxo migratório da Madeira para as regiões do Caribe, desenvolveu-se, a partir dos anos de 1853 e 1854, uma emigração em direção à América do Norte, sobretudo à Nova Inglaterra e à Illinois. A atratividade da região tornou-se tal, que alguns presbiterianos madeirenses, fugidos das persecuções religiosas para Trinidad e Tobago, seguiram de lá para os Estados Unidos. Desses, 700 instalaram-se em Jacksonville, Springfield e Waveney, em Illinois, e outro grupo deslocou-se até a costa leste, para Massachusetts e Nova Jérsia. De modo geral, na costa oeste, as descobertas das minas de ouro na Califórnia foram motivo de atração mesmo se os portugueses demarcaram-se mais como pescadores ou jardineiros. Já na costa leste, a presença de açorianos e madeirenses associou-se à pesca da baleia e ao trabalho nos navios americanos, chegando a representar, em 1880, um terço do total das tripulações. Entretanto, como as condições de trabalho nos navios eram árduas, muitos acabaram aproveitando-se da escala na costa americana para fugir e fixar-se de maneira definitiva nas terras, como na região de New Bedford-Massachusetts. Quando considerado o fluxo migratório geral de madeirenses para a América do Norte, destaca-se como destino o Havaí, ou ilhas Sanduíches. Esse espaço recebeu, entre 1878 e 1912, um número muito significativo desses indivíduos para suprir a falta de mão-de-obra nas plantações de cana de açúcar. Após várias tentativas de introdução de trabalhadores estrangeiros, sobretudo chineses engajados por contrato desde 1865, as autoridades interessaram-se pelos portugueses porque, ao contrário dos asiáticos, emigravam mais facilmente em família e de maneira permanente. Em 29 de setembro de 1878, após cento e dezesseis dias de viagem, chegou no navio Priscilla o primeiro grupo de emigrantes madeirenses composto de 120 pessoas, todas engajadas por contrato de locação de serviço. Como na Guiana Britânica, esses contratos implicavam um engajamento para trabalhar 26 dias por mês, 10 horas por dias, durante três anos, por um salário de 10 dólares ao mês. Os trabalhadores recebiam também uma ração de comida por dia, assim como um alojamento com um jardim e assistência médica. A fim de regular o fluxo e reforçar os laços comerciais e políticos entre os dois países (o arquipélago pacífico era então uma monarquia independente), uma convenção foi assinada, em 5 de maio de 1882, entre Portugal e Havaí. Finalmente, entre 1878 e 1912, o Havaí acabou recebendo 4.556 emigrantes madeirenses sendo que, em 1980, os descendentes estimavam-se em 57.500 indivíduos. A comunidade manteve a língua e a cultura, criou associações, jornais e grupos folclóricos e deixou marcas na culinária, na arquitetura e na música. Com efeito, o Ukulêlê, instrumento típico da música havaiana, é na realidade uma adaptação da braguinha ou machete de braga da Madeira, ela mesmo adaptado do cavaquinho português vindo das terras do norte de Portugal quando da colonização da Madeira. Foi João Fernandes, nascido na Madeira em 1854 e chegado em Honolulu em 23 de agosto de 1879, que começou a tocar o instrumento ao aportar. Os havaianos, impressionados com a rapidez com a qual os dedos de João percorriam a guitarra, deram então a ela o nome de ukulêlê, ou “pulga que salta”. Apesar dos êxitos para os emigrantes e para as terras que os recebiam, esses fluxos voltaram a contrariar as autoridades portuguesas. Se no século XV a preocupação era com a desertificação de uma Madeira recém ocupada, nas décadas do XIX o que estava em jogo era o projeto de colonização das terras portuguesas na África. O objetivo era reforçar a soberania nas possessões, dar um impulso econômico aos territórios de além-mar e reduzir os fluxos migratórios em direção às Américas para criar “um novo Brasil na África” (ENDERS, História, 60). Várias tentativas foram então experimentadas a partir de 1820, mas muitas ficaram sem sucesso. Foi somente no último quartel do século, após a nova corrida pela África entre as potências europeias, que as autoridades portuguesas elaboraram o projeto da carta rosa para favorecer a colonização branca das terras de Angola e de Moçambique. Para tanto, o governo português propôs, para quem desejasse instalar-se em Angola ou Moçambique, oferecer o transporte, fornecer os instrumentos para os trabalhos agrícolas, tornar o colono dono da benfeitoria após cinco anos e pagar 30.000 réis em dinheiro. Essa política teve um verdadeiro eco somente na ilha da Madeira de onde saíram, entre 1884 e 1885, um contingente de centenas de pessoas. Segundo Alberto Vieira, na segunda metade do século XIX, “a aposta estava em Moçambique e Angola, sendo de realçar, neste último caso, o planalto de Moçâmedes (1853-1888) e Huíla (1884-85)” (VIEIRA, A emigração, 123-124) para onde se deslocaram 1.375 madeirenses entre 1884 e 1890. Anúncios foram colocados em todas as freguesias do arquipélago dando informações sobre chegada e partida dos navios para as colónias. Assim, os 222 primeiros colonos madeirenses chegaram a bordo do navio Índia, em 19 de novembro de 1884, sendo aos poucos fixados em Lubango, onde a nova colónia foi inaugurada oficialmente em 19 de dezembro de 1885. Um segundo grupo de 336 madeirenses chegou em 1885 no navio África. Nesse contexto foram fundadas as colónias de Sá da Bandeira (recebeu de 1.215 madeirenses entre 1884 e 1893), de São Pedro da Chibia (recebeu 711 madeirenses entre 1885 e 1892) e de Humpata (recebeu 149 madeirenses entre 1885 e 1892). A adaptação, entretanto, foi dificultada pelo clima frio, pela falta de meios suplementares a serem oferecidos pelo governo português, pela distância dos povoados em relação ao litoral, pelos ataques de nativos e pelo despreparo dos colonos que, muitas vezes atraídos pelas subvenções, não tinham a experiência necessária para cultivar as novas terras. Apesar dos esforços de Lisboa, a tendência dos fluxos migratórios não se inverteu, continuando a dar preferência ao Brasil. De 1887 a 1905, o então jovem gigante independente sul-americano tornou-se o destino das saídas da ilha, com exceção somente dos anos de 1887, de 1892, de 1894 e de 1897. As médias anuais de partida entre 1887 e 1897 chegaram a 2.200 emigrantes, reduzindo-se para 900 entre 1897 e 1905. Figura 2 – Número anual de emigrantes da Madeira, 1888-1988 Fonte: Estatísticas demográficas, 1888-1988. Com efeito, do outro lado do Atlântico, o processo de abolição da escravatura (terminado em 1888) e o crescimento da cultura do café na Província do Rio de Janeiro, mas sobretudo na de São Paulo, provocaram uma evolução nas políticas de imigração a fim de favorecê-la. As promessas e propagandas dos agentes de emigração e da própria administração brasileira estimularam o fluxo migratório europeu a povoar os espaços vazios, assegurar a transição do trabalho escravo para o trabalho livre e, nas concepções raciais da época, “civilizar” o interior do país, marcado pelos três séculos de escravidão. Presentes no arquipélago, os engajadores de braços livres mantinham uma rede de serviços transatlântica, estimulando o fluxo direcionado para as fazendas de café paulistas bem como para as zonas urbanas. Em Santos (litoral de São Paulo), um importante destino, os madeirenses chegaram a partir do final do século XIX. Agricultores na terra natal, os ilhéus reproduziram os costumes nessa nova morada, construindo nos morros da cidade escadas de pedra, muros de arrimo e formando pequenos sítios e chácaras, cujos cuidados eram entregues quase exclusivamente às mulheres. Enquanto os homens iam trabalhar nas obras do cais, nos armazéns de estocagem e de exportação de café e na construção civil, as madeirenses participavam no rendimento familiar através de atividades ligadas à venda de verduras, frutas e legumes produzidos no quintal, à catação de café, que revendiam depois a retalho, à costura e bordado ou, aos serviços domésticos. Essa presença conduziu a criação, em 15 de abril de 1934, do Centro Beneficente Madeirense (“Casa da Madeira” a partir de 1954) em Santos, cujo objetivo era criar uma caixa de socorros para sócios necessitados, dar assistência judicial e apoiar e proteger esses portugueses. Os madeirenses chegaram a diferentes pontos do extenso território, como no caso do Pará em 1886. Mesmo se fracassada, a iniciativa do governador da província para introduzir colonos no núcleo colonial de Benevides teve eco na Madeira, fazendo com que ali desembarcassem 21 famílias madeirenses (108 indivíduos). No Rio de Janeiro, então capital e um dos principais portos do país, a presença dos insulares fez-se marcante em vários momentos. Em 1855, 39 famílias (228 indivíduos) foram introduzidas na fazenda Nossa Senhora de Passa-Três, do fazendeiro Joaquim José de Souza Breves. Em 1879, para trabalhar no café, na cidade chegaram 467 indivíduos. Já na vizinha São Paulo, por causa da necessidade cada vez maior de mão-de-obra conforme as culturas cafeeiras expandiam-se, o governo provincial interveio diretamente para estimular a imigração. Já na primeira iniciativa de introdução de trabalhadores europeus, nos anos 1840, pelo fazendeiro Nicolau Vergueiro, podiam ali serem encontrados madeirenses entre os 90 portugueses envolvidos no projeto. Na década de 1880, em Cannas, mas ainda sem sucesso (somente 9 de 78 terrenos acabaram cultivados), o governo paulista tentou implantar uma colónia com emigrantes insulares e promover a cultura de cana de açúcar. Finalmente, o fenômeno acelerou-se e, entre 1886 e 1899, São Paulo representou o destino final para 48,59 % (13.923 pessoas) de todas as partidas registradas na Madeira. Ao contrário do tipo de emigração portuguesa tradicional, considerada predominantemente masculina e com destino aos centros urbanos, esse fluxo de madeirenses foi eminentemente familiar e rural. Nesse caso, a presença feminina foi importante, 46,14 % do total, bem como a proporção de crianças entre 0 e 9 anos, 30 %. Já indivíduos viajando sozinhos representaram somente 5,25 % do total. Do ponto de vista socioeconômico, esse fluxo de madeirenses respondeu às demandas e necessidades do governo de São Paulo da época. Enquanto 80 % declararam-se agricultores, quase 70 % viajaram no âmbito de um contrato assinado entre o governo paulista e companhias de navegação. Ademais, após a chegada e a passagem quase sistemática pela Hospedaria de São Paulo (73,88 %), 80 % das famílias dirigiram-se para o interior das terras paulistas e para as fazendas de café, sobretudo para Araraquara (21,36 %) e Ribeirão Preto (14,44 %). Se as partidas marcaram o século XIX, pouco mudaria no XX. Na verdade, novas crises recriariam o cenário propício para a emigração já nos finais dos anos 1920 (na indústria dos bordados, que empregava um terço da população, na vinicultura, por causa da baixa das exportações, nos lanifícios, por causa da concorrência estrangeira, e na produção de manteiga). Nesse contexto, o governador civil do Funchal chegou a ressaltar que a emigração continuava a ser um meio de restabelecer, na Madeira, o equilíbrio necessário entre os meios de produção e os meios de trabalho. Essa ideia seria reforçada, entre os anos 1930 e os 1940, por autoridades como o Delegado do Trabalho na Madeira ao declarar que era preciso conseguir colocar o excesso demográfico madeirense na África ou no Brasil para poder resolver o problema do desemprego, dos salários e do trabalho. Na verdade, após uma redução no fluxo de saída entre os finais do século XIX e o início do século XX, observou-se uma retomada das saídas já a partir de 1905 (até o início da Primeira Guerra Mundial saíram cerca de 2.500 emigrantes por ano). O Brasil continuou como forte pólo de atração mesmo se, em alguns anos, como 1906, 1907 e 1909, a Austrália surgiu como principal destino (recepção de mais de mil indivíduos por ano) tendo a América do Norte como forte concorrência. Mais particularmente nos Estados Unidos, houve um aumento do fluxo também a partir do começo do século XX. Após o declínio da indústria baleeira em New Bedford, a cidade tornou-se um dos principais centros de produção têxtil do país, necessitando de uma mão-de-obra numerosa. Segundo Duarte Mendonça, entre 1900 e 1925, 16.647 madeirenses, sobretudo da Calheta, Funchal e Santa Cruz, pediram passaportes para os Estados Unidos. De fato, o fluxo conheceu três momentos de maior relevância: 1908, 1916 e 1920, tendo os emigrantes se instalado na zona norte de New Bedford, bem como em cidades vizinhas como Dartmouth, Fall River ou Boston. Comunidades madeirenses foram igualmente referenciadas em outros estados americanos como Rhode Island, Connecticut, New York ou Califórnia. Em consequência, diversas associações e clubes foram criados em diversas partes do território americano, como a Associação Protectora União Madeirense de Massachusetts, em 1914. Durante a Primeira Guerra Mundial, a emigração reduziu-se de maneira significativa, registrando-se somente 1.060 saídas anuais, principalmente para a América do Norte. No imediato pós-Primeira Guerra, as partidas aumentaram chegando a 2.900 emigrantes por ano. Entretanto, a crise econômica dos anos 30 afetou de forma ainda mais drástica do que a guerra os fluxos migratórios madeirenses, pois somente 580 indivíduos emigravam por ano, sobretudo para a América do Norte, para o Brasil e para alguns destinos da Europa, tendo a África do Sul, a partir de 1933, começado a ganhar importância. Com o início da Segunda Guerra Mundial e das limitações de circulação no Atlântico impostas pelo conflito, o fluxo diminuiu ainda mais para 370 saídas por ano. Nesse período, o Brasil absorveu 80 % do fluxo, tendo Curaçau também como destino. Curioso observar que a antiga colônia portuguesa na América do Sul, abalada por diversas crises que afetavam sua economia desde o começo dos anos 1930, acabou impondo restrições à imigração nas Constituições de 1934 e 1937, que implementaram um sistema de quotas limitando a proveniência de cada país. Entretanto, essa vigência foi suspensa para os imigrantes portugueses em 1938 e, em alguns exemplares do Diário Oficial da União de 1939, 1940 e 1942, menções explícitas para favorecer a imigração madeirense foram feitas. Talvez uma das maiores testemunhas da manutenção das chegadas foi a existência, entre 1930 e 1960, de uma corrente migratória de madeirense para Niterói, localizado do outro lado da baía de Guanabara no Rio de Janeiro. Ali mantiveram o estilo de vida que possuíam na Madeira, como as festas tradicionais e os casamentos dentro da comunidade sem, entretanto, desenvolver atividades associativas como os radicados em Santos e São Paulo haviam feito. Provenientes majoritariamente da freguesia da Ribeira Brava, acolheram-se, socorreram-se mutuamente e atuaram em redes familiares para conquistar um espaço próprio. Nas décadas de 1930 e 1940 eram leiteiros e carroceiros; na de 1950, quitandeiros, enquanto as mulheres retomavam o ofício do bordado. Na verdade, os anos cinquenta conheceram uma forte retomada nas saídas dos madeirenses, com partidas chegando a 6.600 emigrantes por ano entre 1952 e 1954, tendo o Brasil atraído, somente no ano de 1952, 5.075 indivíduos. Se a Europa, a partir de 1969, ganharia atratividade (17% dos rumos), entre 1955 e 1975, a Venezuela conservou-se como destino principal, recebendo cerca de 60 % do fluxo, sendo 4.000 pessoas por ano entre 1955 e 1963, 2.900 entre 1964 e 1972, e 4.000 entre 1973 e 1975. A partir de então, a emigração parece ter declinado mesmo se a falta de números precisos, sobretudo para o período após 1988, impede conclusões mais seguras. Taxa bruta de emigração Data 1890- 1900 1900- 1911 1911- 1920 1920- 1930 1930- 1940 1940- 1950 1950- 1960 1960- 1970 1970- 1981 1981- 1991 Total 1,09 1,15 1,27 0,69 0,51 0,59 1,81 1,31 0,89 0,16 Homens 1,31 1,52 1,66 1,03 0,76 1,03 2,53 1,35 0,88 0,15 Mulheres 1,01 0,81 0,92 0,39 0,28 0,24 1,2 1,28 0,89 0,18 Fonte: OLIVEIRA, Isabel. A Ilha da Madeira. Transição Demografica e Emigração”, Revista População e Sociedade, n° 5, Porto, CEPESE, 1999, p. 52. Como salientou o historiador Alberto Vieira, “estamos ainda por saber de forma clara qual impacto dos fenômenos migratórios na sociedade e na demografia madeirense” no período contemporâneo (VIEIRA, Mobilidades, 3 e 5-6). Ademais, a historiografia ainda carece de estudos específicos e aprofundados sobre os madeirenses que seguiram, para a Austrália, para a África do Sul e para a Europa, além de reflexões sobre a questão dos retornos do Brasil, mas sobretudo da Venezuela e da África do Sul. Para que tais lacunas sejam preenchidas, apesar da tarefa ser árdua, faz-se necessário utilizar fontes variadas tanto do arquipélago de partida como dos países de acolhimento, sem esquecer as fontes orais. Só assim o perfil dos que partiram nas diferentes fases migratórias poderá emergir, permitindo entender as repercussões tanto na sociedade madeirense, como nas de recepção, além-mar, onde se integraram. 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marconi, guilherme

Marconi foi um cientista italiano com forte impacto nas comunicações via rádio. Foi laureado com o Prémio Nobel da Física, em 1909. Passou pela Madeira numa expedição científica pelo Atlântico, em agosto de 1924. A presença deste ilustre inventor, que permaneceu alguns dias hospedado no hotel Reid’s, não passou desapercebida à população madeirense. Palavras-chave: ciência; expedições; engenharia; telecomunicações. Guilherme Marconi nasceu em Bolonha, a 25 de abril de 1874. As suas invenções, na área das telecomunicações, mudaram a capacidade de comunicar em todo o mundo, o que lhe valeu, em 1909, o Prémio Nobel da Física. A sua morte, a 23 julho de 1937, foi por isso sentida e assinalada em vários países. Em Portugal, fez-se dois minutos de silêncio, em memória do inventor. Marconi marcou presença no território português. Entre 1922 e 1924, percorreu o Atlântico, passando por Cabo Verde, Açores e Madeira, no sentido de encontrar uma solução adequada à dirigibilidade das ondas de pequena extensão, para a comunicação rádio-elétrica. O inventor viajava no seu iate, quando a 25 de agosto de 1924 chegou à Madeira. “Fundeou ontem no Funchal o iate Electra do ilustre inventor Marconi. O notável sábio anda realizando experiências dos seus inventos, tendo recentemente realizado em S. Vicente de Cabo Verde provas muito interessantes e, ao que parece, definitivas sobre a diretividade das emissões em ondas curtas. As autoridades de Lisboa multaram o capitão do Electra por não apresentar em ordem a documentação do navio”, noticiava o Jornal da Madeira, na sua edição de 26 de agosto de 1924. Guilherme Marconi ficou na Madeira até 2 de setembro. Hospedou-se no hotel Reid’s, no Funchal, onde a sua assinatura consta no livro de honra de hóspedes. “Durante esta curta estância na ilha deu continuidade às experiências, tendo, também, aproveitado o pouco tempo disponível para visitar a cidade de automóvel, o que segundo os jornais da época, foi alvo da curiosidade de muitos transeuntes.” (VIEIRA, A Companhia, p. 27) De acordo com Alberto Vieira, autor da obra A Companhia Portuguesa Radio Marconi na Madeira, 1922-1995, Marconi passou pelo Porto Santo, onde no Pico do Castelo teria feito algumas experiências, mas não há registos desta iniciativa na imprensa da época. Por isso, pouco se sabe o que fez, efetivamente, o inventor durante a sua passagem pela Madeira. O nome do inventor italiano viria, mais tarde, a ligar-se novamente à Madeira, através da companhia Marconi Wireless Telegraph. Depois do contrato de concessão com o Governo, foi criada a CPRM – Companhia Portuguesa de Rádio Marconi – com o objetivo de instalar e explorar postos telegráficos e telefónicos, sem fios, no Continente Português, nos Arquipélagos da Madeira e dos Açores e nas Províncias Ultramarinas de Angola, Moçambique e Cabo Verde. Em 1926, foram inaugurados os primeiros serviços de TSF de ligação do continente com a Madeira, Açores e Inglaterra. Foram os passos iniciais de um processo tecnológico que contribuiu para quebrar o isolamento geográfico da ilha e abrir portas para o mundo, através de novas tecnologias, que deram origem a novos meios de comunicação, como a rádio, o telefone, a televisão, o telex e o fax, até se chegar à internet, na atualidade. Bibliog.: VIEIRA, Alberto, Marconi Comunicações Globais: A Companhia Portuguesa Radio Marconi na Madeira, 1922-1995, Funchal, 1995; Jornal da Madeira, 26 de Agosto de 1924, p. 1; digital: Marconi em Portugal: ciência e engenharia na génese das radiocomunicações: http://www.ordemengenheiros.pt/pt/centro-de-informacao/dossiers/historias-da-engenharia/marconi-em-portugal-ciencia-e-engenharia-na-genese-das-radiocomunicacoes/ (acedido a 5 de março de 2015). Ana Rita Londral  Cátia Teles (atualizado a 17.08.2016)