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forte de são josé da pontinha

Este antigo forte do porto do Funchal foi levantado a partir de 1757 pelo engenheiro de origem italiana Francisco Tosi Colombina, no quadro da construção do primitivo cais de acostagem, unindo o chamado Ilhéu Pequeno à rocha firme da Penha de França. Até à união dos dois ilhéus, em 1885, e apesar das suas reduzidas dimensões, serviu de cais de desembarque, sendo então parcialmente demolido para a construção da ligação com o novo molhe. Palavras-chave: arquitetura militar; defesa; engenharia; Porto do Funchal. Em articulação com o forte da Penha de França, por projeto, em princípio, de 1757, veio a surgir à sua frente, no chamado ilhéu Pequeno, uma outra fortificação, destinada a proteger o inicial molhe do porto do Funchal. A ordem para a execução do porto foi enviada do palácio de Belém, a 22 de março de 1756, numa situação caótica em Lisboa face ao terramoto de 1 de novembro de 1755, que destruíra parcialmente a cidade. Por decreto de 25 de fevereiro de 1756, fora lavrada patente para o engenheiro de origem italiana Francisco Tosi Colombina (1701-c. 1770), que havia prestado serviço no Brasil, no âmbito do Tratado de Limites, com patente de capitão de infantaria e exercício de engenheiro, tendo tido confirmação de 11 de março; apresentou-se no Funchal a 5 de junho de 1756, e venceria um soldo de 32$000 réis enquanto estivesse na Ilha. [caption id="attachment_3541" align="alignright" width="300"] Forte de S. José.[/caption] [caption id="attachment_3534" align="alignleft" width="287"] Paulo Dias Almeida-1817[/caption] A construção de um novo forte para defesa da Pontinha frente à fortaleza da Penha de França, em homenagem ao então rei de Portugal e destinado a proteger o cais da Pontinha, foi projetada pelo referido engenheiro. Os trabalhos gerais foram iniciados nos princípios de 1757, unindo o ilhéu à rocha firme da Penha de França, mas um grande temporal, ocorrido a 4 de novembro desse ano, teria desfeito todo o trabalho. Em meados de 1759, continuavam os trabalhos, pagando-se $750 réis pelo carreto de 12 pedras de cantaria rija que estavam na Pontinha para as obras do cais, em 9 “carrinhos” que a “trouxeram para o sobrearco”, o que custou mais 1$800 réis, e ainda a António Ferreira, por mais 79 “carrinhos” de pedra de alvenaria, que se acarretaram para a “dita ponte”, a 40 réis cada, o que custou então 2$760 réis (ANTT, Provedoria e Junta…, liv. 975, fl. 133v.). Os trabalhos do forte deveriam estar terminados, numa primeira fase, por volta de 1762. A fortificação desenvolvia-se em dois andares, com canhoneiras essencialmente viradas para poente, defendendo assim a pequena enseada formada pelo cais da Pontinha e articulando fogos com a fortaleza do Ilhéu e com o pequeno forte da Penha de França. [caption id="attachment_3559" align="aligncenter" width="598"] Forte de São José_1879[/caption] O Eng.º Paulo Dias de Almeida (c. 1778-1832, em 1817, descreve a “praça da Pontinha, estampa 11.ª”, como podendo ser boa, “uma vez que se acabe” (CARITA, 1982, 94). Deveria, então, ser ampliada para poder defender a enseada do Ribeiro Seco. Acrescente-se ainda que poderia funcionar de registo às pessoas que embarcavam e desembarcavam no Funchal, dado ser um dos poucos sítios onde se podia fazer essa operação sem risco, sendo então o único lugar abrigado, e onde se deveria fazer um melhor cais – referência, com certeza, à passagem por esse pequeno cais, em setembro de 1817, da futura Imperatriz do Brasil, D. Leopoldina de Áustria (1797-1826), a caminho do Rio de Janeiro para se casar com o príncipe D. Pedro de Alcântara (1798-1834). [caption id="attachment_3537" align="alignleft" width="326"] Forte São José_perfil 1879[/caption] [caption id="attachment_3544" align="alignright" width="386"] Forte de São José_pormenor 1879[/caption] A princesa desembarcara logo na manhã de 11 de setembro, “ocultamente na Pontinha, a passear aí um pouco”, e, depois oficialmente, às 16.00 h, estava no então improvisado cais junto ao palácio e fortaleza de S. Lourenço (AHU, Madeira, docs. 3078 e 3079), que muitos anos depois deu origem ao cais da cidade. O primeiro projeto de ampliação do cais da Pontinha data de 1879, já se prevendo a demolição do forte de S. José, optando-se depois pela sua ligação ao ilhéu de Nossa Senhora da Conceição e sendo então parcialmente demolido, entre 1884 e 1885, para aproveitamento da pedra para o novo molhe de cais. [caption id="attachment_3548" align="aligncenter" width="300"] Forte S. J. Pontinha_1830[/caption] [caption id="attachment_3530" align="aligncenter" width="549"] António Pedro de Azevedo-1864[/caption] Quase todos os engenheiros da primeira metade do séc. XIX deixaram plantas deste forte, como Paulo Dias de Almeida, em 1817, Tibério Augusto Blanc (c. 1810-1875) em 1835, e António Pedro de Azevedo (1812-1889), a partir de 1841; existe também uma pintura a óleo, atribuível a George Chinnery ou Auguste Borget, datável de cerca de 1830, na coleção do Museu Quinta das Cruzes, e ainda um desenho de poucos anos depois. Nos finais do século, são inúmeras as plantas e as fotografias, inclusivamente da sua demolição. [caption id="attachment_3552" align="alignright" width="300"] Forte S. José Pontinha_1884[/caption] [caption id="attachment_3555" align="alignnone" width="300"] Forte S. José Pontinha_1884[/caption] [caption id="attachment_3563" align="aligncenter" width="364"] Forte S. José Pontinha_António Pedro de Azevedo 1841[/caption]   O forte de S. José da Pontinha foi assim parcialmente demolido a partir de 1885, para construção da ligação do inicial molhe do porto com o troço entre os dois ilhéus. [caption id="attachment_3581" align="aligncenter" width="415"] Planta dos ilhéus António Pedro de Azevedo_1863[/caption] No entanto, a 3 de outubro de 1903, Cândido Henrique de Freitas adquiriu em hasta pública a propriedade do que restava do forte, já integrado no molhe de cais do Funchal, por 200$100 réis, com base nas leis de 13 de julho de 1863 e 22 de dezembro de 1870 sobre a alienação de propriedades militares desativadas, propriedade essa que passou depois para a firma Blandy’s e, já nos finais do séc. XX, para um privado, encontrando-se dotada de um pequeno miradouro. [caption id="attachment_3566" align="alignleft" width="234"] Forte S. José Pontinha_Paulo Dias de Almeida-1817[/caption] [caption id="attachment_3569" align="alignright" width="202"] Forte S. José Pontinha_Tibério Augusto Blanc 1835[/caption] [caption id="attachment_3572" align="aligncenter" width="329"] Funchal_Estrada da pontinha-1900[/caption] [caption id="attachment_3575" align="aligncenter" width="233"] Miradouro do forte[/caption]   [caption id="attachment_3584" align="aligncenter" width="362"] Porto do Funchal_Vista do Hotel Reid's[/caption]   [caption id="attachment_3578" align="aligncenter" width="275"] Molhe da Pontinha Frank Dillon _1850[/caption] Bibliog.: manuscrita: ABM, Arquivos Particulares, António Pedro de Azevedo, Tombo 11 dos Prédios Militares e Planta do Forte de S. José, 1870; Id., Governo Civil, liv. 200; AHU, Conselho Ultramarino, Portugal, Madeira, docs. 72, 86-89, 91, 92, 3078 e 3079; ANTT, Provedoria e Junta da Real Fazenda do Funchal, liv. 973, fls. 287-287v., liv. 975, fl. 133v.; BNP, Reservados, cód. 6705, Paulo Dias de Almeida, Descrição da Ilha da Madeira, 1817; ANTT, Provedoria e Junta da Real Fazenda do Funchal, livs. 973 e 975; impressa: CARITA, Rui, Paulo Dias de Almeida e a Descrição da Ilha da Madeira, Funchal, DRAC, 1982; Id., A Arquitetura Militar na Madeira nos Séculos XV a XVII, Funchal/Lisboa, Estado-maior do Exército/Universidade da Madeira, 1998; Id., História da Madeira, vol. vii, Funchal, Secretaria Regional de Educação e Cultura/Universidade da Madeira, 2008; SILVA, Fernando Augusto da, e MENESES, Carlos Azevedo de, Elucidário Madeirense, Funchal, DRAC, 1998; VITERBO, Sousa, Dicionário Histórico e Documental dos Arquitectos, Engenheiros e Construtores Portugueses, introd. Pedro Dias, 3 vols., Lisboa, INCM, 1988. Cartografia e iconografia: DSIE, GEAEM, 1308-2/2-A/109, 1346-1A-12-15, 3/5/13, 5557-1A-12A-16, 5581-1A-12A-16, 7482-1A-12A-16; MQC, Inventário, MQC 2363. Rui Carita (atualizado a 07.12.2017)  

forte da penha de frança

A primeira informação que temos da fortaleza é de 1567-70 e vem na planta do Funchal executada por Mateus Fernandes. O conjunto foi depois reformulado nos inícios do séc.XVIII, provavelmente em 1712. No início do séc. XIX, foi quartel de um dos destacamentos das forças de ocupação inglesas e, nos finais desse século, dado o avançado estado de ruína e a proximidade à capela de N.ª S.ª da Penha de França, foi esta área entregue ao prelado diocesano, que a transformou em residência de verão. Já no séc. XX, o bispo D. Manuel Agostinho Barreto fixou aí residência.  Palavras-chave: arquitetura militar; ocupações inglesas; porto do Funchal; prelado diocesano. [caption id="attachment_3499" align="alignright" width="364"] Penha_França_1567[/caption] A primeira informação que temos desta fortaleza é de 1567-70 e vem na planta do Funchal executada por Mateus Fernandes (c.1520-1597). Assim, embora com um texto parcialmente ilegível, nesse local pode ver-se uma pequena fortaleza de baluartes gémeos, com a indicação de que alguém a tinha feito "para tolher” [a desembar] cação destes ilhéus” (BNB, cart 1090203). Como se pode entender, tratava-se de um conjunto de dois baluartes, unidos e prolongados por uma cortina defensiva, que acompanhava o relevo do terreno, possuindo os baluartes ameias e canhoneiras nos flancos. Por comparação com as plantas do séc. XIX que chegaram até nós, o conjunto foi depois reformulado somente com o baluarte poente, mas manteve a muralha que o ligava ao nascente. [caption id="attachment_3495" align="alignleft" width="307"] Planta do Forte de Penha de França. Arqui. Rui Carita.[/caption] Em oposição à fortaleza que depois foi denominada São Lourenço, a pequena fortaleza da Penha de França era uma obra com um planeamento moderno para a época, abaluartada e perfeitamente adaptada ao terreno, embora de reduzidas dimensões. Tudo leva a pensar, que antes de Mateus Fernandes já teria havido fortificadores habilitados na Ilha, ou pelo menos homens com acesso aos bons manuais de arquitetura militar editados na época ou ter sido o primeiro trabalho do mestre das obras reais, logo que chegado ao Funchal em finais de 1566 ou inícios de 1567. Talvez pelas suas pequenas dimensões e até porque estaria para a época bastante afastada da cidade, esta fortificação não vem referida nos desenhos do Arquivo Geral de Simancas, datados de Lisboa, de 29 de outubro de 1582 e que acompanharam a carta de D. Francés de Alava y Belmont (1518/19-1586) para o rei Filipe II de Castela. Por outro lado não admira, pois os desenhos em questão são apontamentos de viagem, e focam essencialmente as fortalezas de São Lourenço e de São Filipe, embora um destes desenhos vá ao pormenor de apontar a localização das bocas-de-fogo nas fortalezas. Igualmente esta pequena fortaleza não foi referida em qualquer dos documentos, apontamentos e pedidos feitos durante a ocupação filipina, de que tenhamos conhecimento. [caption id="attachment_3506" align="alignright" width="369"] Muralha do Reduto do Forte de Penha França, 1712. Arqui. Rui Carita.[/caption] Em 1622, o proprietário António Dantas fundou uma capela nesta área, para “serviço dos impedidos” (porventura, do forte), como então foi referido e a invocação de N. S.ª da Penha de França dada a esta capela estendeu-se depois ao forte anexo. A existência de uma fortificação nesta área foi alvitrada por Álvaro Rodrigues de Azevedo (1825-1898) nas "notas" às Saudades da Terra, dada a utilização do termo “impedidos” (FRUTUOSO, 2007, 626) e, na sua sequência, igualmente o tenente-coronel Artur Alberto Sarmento (1878-1953) fez referência a esta fortaleza como anterior ao séc. XVIII. Saliente-se, que a informação sobre o serviço dos impedidos, também se pode referir somente aos impedidos de entrar na cidade, ou seja, àqueles que tinham de aguardar em “quarentena” a autorização dos guardas da saúde para entrarem na cidade, mas tudo leva a crer continuar ativada e ocupada esta estrutura nos inícios do séc. XVII. Quase 100 anos depois, por volta de 1712, quando era condestável do forte Manuel de Ceia, a capela foi objeto de obras e, muito provavelmente também o forte, vindo a capela a tornar-se num importante ponto de romarias e a levar à edificação em anexo de uma “casa de romeiros”. Em 1755 e com os donativos dos romeiros, foram as instalações anexas remodeladas e, em 1818, sob proposta do juiz dos resíduos do Funchal, foi a capela incorporada nos bens nacionais e dada ao prelado diocesano, que transformou depois os anexos em residência de verão, tendo o bispo D. Manuel Agostinho Barreto (1835-1911), já nos inícios do séc. XIX, inclusivamente chegado a fixar ali residência (SILVA e MENESES, 1998, 462-463). [caption id="attachment_3503" align="alignleft" width="315"] Cunhal da Muralha de Penha França, 1712. Arqui. Rui Carita.[/caption] O forte ou reduto da Penha de França, depois das obras de 1712, onde só se aproveitou o baluarte oeste e a cortina intermédia, encontrava-se artilhado, constando do “Livro de carga da fortificação” de 1724 uma dotação de cinco bocas-de-fogo. Em 1724, era condestável desta fortificação Manuel de Seia, falecido nesse ano e sendo nomeado para o seu lugar Pedro Barbosa da Silva, logo no início do ano seguinte. Quase um ano depois faleceu também este condestável, recebendo a mesma carga Benedito dos Ramos Caldeira, novo condestável, que assinou o termo a 8 de abril de 1726. O condestável Benedito dos Ramos ficou na fortaleza pelo menos até 1733, tendo-lhe sido entregue, a 6 de julho desse ano, por mandado do general e governador da Madeira, um reparo novo para uma peça de seis libras, “o qual se pôs em uma peça por ter o reparo em que estava podre” (ABM, Governo Civil, n.º 418, fl. 15). Nos finais do séc. XVIII, encontrava-se um tanto degradada, figurando assim na grande panorâmica do Funchal de Thomas Hearne (1744-1817), de 1771, pelo que veio a sofrer obras para receber, no início do séc. XIX, uma guarnição inglesa das forças de ocupação. Foi nesta fortaleza que se deu o desagradável incidente, altamente lesivo da soberania portuguesa, relacionado com a execução de um soldado britânico. [caption id="attachment_3510" align="alignright" width="339"] Pintura da Penha de França, por Thomas Hearne 1771. Arqui. Rui Carita.[/caption] Este soldado, que matou um sargento britânico, foi condenado à morte por enforcamento, tendo havido de imediato correspondência entre as autoridades portuguesas e britânicas no sentido de não se dar execução à sentença em território nacional. Foi chamada a atenção das autoridades inglesas para os problemas causados por idêntica sentença dada em território francês pela Rainha Cristina da Suécia, que levara à sua expulsão, e para que, quando se davam situações destas, como acontecera recentemente no Brasil, as mesmas eram cumpridas em alto mar. Mais uma vez, as autoridades britânicas foram surdas a estas questões, começando, a partir desta altura, a viver-se um clima algo incómodo na Ilha em relação à presença britânica, que até essa data tinha tido mais ou menos boa aceitação. [caption id="attachment_3517" align="alignleft" width="300"] Fotografia de Penha de França, 1880. Arqui. Rui Carita.[/caption] Com o liberalismo e a vigência do Gov. Sebastião Xavier Botelho (1768-1840), a fortaleza ainda sofreu importantes beneficiações, principalmente sendo guarnecida de artilharia, que não tinha, assim como de paiol e casa da guarda e do condestável. Refere o Ten.-Cor. Paulo Dias de Almeida (c. 1778-1832), na sua “Descrição da ilha da Madeira”, que servia então para defender a enseada do ribeiro Seco e o desembarque da Pontinha. No entanto, as obras foram muito superficiais e, na vigência do Cap. António Pedro de Azevedo (1812-1889), a fortificação encontrava-se muito arruinada, tendo inclusivamente ruído um dos panos de muralha e sido propostas para Lisboa importantes obras de reformulação e reconstrução, que não foram aceites na totalidade, mas permitiram a reconstrução. Algumas obras anexas foram orçamentadas por ofício de 4 de maio de 1852, aceitando-se um orçamento de 30 de novembro de 1854, aprovado em fevereiro do ano seguinte. As obras foram arrematadas por 259$500 réis e ficaram concluídas em agosto de 1857. [caption id="attachment_3513" align="alignright" width="344"] Planta do Forte da Penha de França, 1862. Arqui. Rui Carita.[/caption] Conforme consta da descrição desta fortaleza no “Tombo militar”, datada de 17 de setembro de 1862, teria então uma área de 3 a e 5 ca, com uma casa térrea de 16,48 m de comprido, com 4,4 m de largura, que servia de casa da guarda, com uma pequena cozinha, um paiol, sendo ainda alojamento do condestável ou do fiel das munições. O seu valor patrimonial não excedia, segundo a opinião do Ten.-Cor. António Pedro de Azevedo (1812-1889), os 300.000 mil réis. Confrontava a norte com os prédios de Rufino Ferreira; a sul, com os de Richard Blandy; a leste, com os da filha de Nicando Joaquim Diez Azevedo, casada com António Joaquim de Sousa; e a oeste, com os de Arnaldo Gomes e Quitéria Rosa. Os telheiros situados pelo exterior, para sul, eram foreiros, e houve então correspondência vária sobre a possibilidade ou não da sua venda, tendo-se optado por não vender. No entanto, o tenente-coronel queixava-se de que a “construção desta bateria era tão fraca, que poucos tiros inimigos a podem reduzir a um montão de ruínas, pela escarpa ter por alicerce tufa ou lava escarçaria pouco consistente” (ABM, Arquivos Particulares, antigo n.º 121). Acrescentava ainda que a pouca extensão da bateria não admitia mais de três ou quatro peças. Nos finais do séc. XIX, a fortaleza foi repartida em dois lados, colocados em praça e ambos arrendados a José Pereira por três anos, com início em julho de 1899 e com uma renda anual de 12$100 réis. O arrendamento acabava em junho de 1902 e a fortaleza da Penha de França foi cedida definitivamente à Câmara Municipal do Funchal, por escritura assinada em abril de 1902. Restam somente vestígios, incorporados na antiga residência episcopal, numa casa particular, e os topónimos do lugar, como é o caso da Trav. do Reduto. [caption id="attachment_3520" align="aligncenter" width="581"] Vista geral sobre o Ribeiro Seco e Forte da Penha de Águia, 1882. Arqui. Rui Carita.[/caption] Bibliog.: manuscrita: AGS, Guerra Antiga, M.P. XIX, 127 e 128; AHU, Conselho Ultramarino, Portugal, Madeira, docs. 1580-1582, e 3313-3316; ABM, Arquivos Particulares, António Pedro de Azevedo, Tombo 11 dos Prédios Militares, antigo n.º 121; Id., Governo Civil, n.os 200 e 418; BNB, Cartografia, Planta da Cidade do Funchal, Mateus Fernandes (III), 1567-1570, Cart. 1090203; DSIE, GEAEM, 5530-1A-12A-16 e 3915-III-2-18A-110; impressa: CARITA, Rui, Paulo Dias de Almeida e a Descrição da Ilha da Madeira, Funchal, DRAC, 1982; Id., O Regimento de Fortificação de D. Sebastião, 1572 e a Carta de Bartolomeu João, 1654, Funchal, Secretaria Regional de Educação, 1984; Id., A Arquitetura Militar na Madeira nos Séculos XV a XVII, Lisboa/Funchal, Estado-maior do Exército/Universidade da Madeira, 1998; Id., História da Madeira vol. VII, Funchal, Secretaria Regional de Educação e Cultura/Universidade da Madeira, 2008; FRUTUOSO, Gaspar, Saudades da Terra. História das Ilhas do Porto Santo, Madeira, Desertas e Selvagens, anot. Álvaro Rodrigues de Azevedo, Funchal, Empresa Municipal Funchal 500 Anos, 2008; SILVA, Fernando Augusto da, e MENESES, Carlos Azevedo de, Elucidário Madeirense, 3 vols., Funchal, DRAC, 1998; VERÍSSIMO, Nelson, Relações de Poder na Sociedade Madeirense do Século XVII, DRAC, Funchal, 2000. Rui Carita (atualizado a 07.12.2017)

forte do gorgulho e bateria do calaça

Após o ataque dos corsários calvinistas franceses de 1566, a área poente do Funchal passou a ser olhada com uma especial atenção, sobretudo os pequenos desembarcadouros. As pequenas praias entre a Praia Formosa e a cidade do Funchal passaram a ser objeto de contínuo patrulhamento, sendo o forte do Gorgulho levantado em 1618. Foi guarnecido pelas companhias de ordenanças do Gorgulho e dos Piornais, defendendo igualmente o chamado Caminho da Trincheira. Nos finais do séc. XVIII, foi reformulado pelo engenheiro Inácio Joaquim de Castro, articulando-se com a nova bateria do Calaça ou bateria do Alorável. Palavras-chave: arquitetura militar; defesa; companhias de ordenanças. [caption id="attachment_3649" align="alignright" width="300"] Gorgulho_1910 c1[/caption] Após o ataque dos corsários calvinistas franceses em 1566, a área poente do Funchal passou a ser olhada com uma muito especial atenção, sobretudo os pequenos desembarcadouros. As praias entre a praia Formosa e a cidade Funchal passaram a ser objeto de patrulhamento contínuo, sabendo-se, p. ex., que em 1600 houve rebate à aproximação de 14 naus holandesas suspeitas e se deslocou para a área do calhau do Gorgulho a companhia de Francisco Vieira de Abreu, com dois tambores, um pífaro e bandeira e que ali permaneceu enquanto não foi afastada a hipótese de uma tentativa de desembarque. A ação do capitão foi louvada pelo bispo-governador e pelo capitão do presidio castelhano, Diogo de Obregón. Temos informações de que, uns anos depois, em 1618, estava ali em construção um pequeno forte, composto por um pequeno baluarte e por uma guarita coberta a telha. O risco do forte do Gorgulho deve ter sido do então mestre das obras reais, Jerónimo Jorge (c. 1570-1617), falecido no Natal de 1617, ou então já do seu filho, Bartolomeu João (c. 1590-1658). No entanto, assistia à construção da pequena fortaleza, como apontador, o capitão de ordenanças da área, Martim Vaz de Cairos, morgado da capela da Nazaré. Conhecemos as férias pagas em maio desse ano de 1618, constando nelas, entre outras despesas, a do pagamento do trabalho “na parede, pelo saber fazer” do mestre pedreiro Brás Fernandes (ARM, Câmara... , Vereações, 1618). No ano anterior, os corsários argelinos tinham saqueado o Porto Santo, levando para Argel toda a população que havia na Ilha, tendo escapado somente cerca de 17 pessoas, escondidas nas fragas. A partir daí, generalizou-se o pânico no Funchal e em Machico, reiniciando-se as obras de fortificação, entretanto interrompidas pelos mais diversos motivos. O dinheiro despendido para estas obras viera dos “açúcares de Sua Majestade”, disponibilizado pelo então provedor António Gomes Rodovalho, sendo reposto no ano seguinte, através de finta a todos habitantes do Funchal, mesmo eclesiásticos e ausentes (Id., Ibid.). [caption id="attachment_3625" align="alignleft" width="352"] Gorgulho-Praia Formosa-APA-1841-5582-1A-12A-16[/caption] Devia haver então, já neste sítio, uma pequena vigia ou atalaia, transformada depois na pequena fortificação em causa. Sabemos que, ao longo do séc. XVII, houve outras pequenas obras defensivas na área, guarnecidas pelas companhias de ordenanças do Gorgulho e dos Piornais (Ordenanças). Nos finais do século, o alferes João Rodrigues de Oliveira pretendeu construir um forte na Ponta Gorda, à sua custa. O governador D. António Jorge de Melo entendeu ser mais lógico erigi-lo na Ponta da Cruz, de onde se divisava a costa da praia Formosa até Câmara de Lobos, remetendo o assunto para Lisboa. O sargento-mor Francisco Pimentel, filho do célebre arquiteto-mor Luís Serrão Pimentel (1613-1679), apoiou a proposta do governador, enviando uma planta detalhada, mas a obra que não chegou a ser levantada. [caption id="attachment_3632" align="alignleft" width="300"] 05- Calaça Alorável[/caption] O forte do Gorgulho passou a estabelecer a ligação das fortificações do Funchal com as da praia Formosa e da ribeira dos Socorridos, definindo-se mais tarde o chamado Caminho da Trincheira, melhorado ao longo dos sécs. XVIII e XIX. Nos inícios do séc. XVIII, pelo Livro de Carga da Artilharia, sabemos que estava munido de cinco peças de ferro ligeiras, montadas, de calibre de 2 até 9 libras. Possuía, depois, os habituais instrumentos para o tiro, não sendo citada a existência de bandeira.   [caption id="attachment_3635" align="alignright" width="300"] 06-Calaça Alorável[/caption] Era condestável do forte do Gorgulho, em 1724, Pedro da Cunha, a que se seguiu Manuel da Mata, que tomou posse a 8 de maio de 1726 e, pelo seu falecimento, Manuel de Sousa, a 5 de outubro de 1730. Era, no entanto, uma fortificação de segunda linha, como se prova pela nomeação do condestável do forte do Gorgulho, em 1769, António Francisco Martins, provido nesse lugar “pela incapacidade de não saber ler, nem escrever e de ser de avançada idade”. Era até então condestável de São Lourenço “e da marinha desta cidade”, passando a usar o título de “sota condestável de São Lourenço na marinha da cidade”, mas colocado no Gorgulho (ANTT, Provedoria..., lv. 976, fl. 15v.). [caption id="attachment_3629" align="alignleft" width="212"] Bocas-de-fogo 1990_bateria Alorável Clube Naval[/caption] O forte do Gorgulho era guarnecido por pessoal da companhia de ordenanças desta área, que, por portaria de 8 de maio de 1781, teve direito a ter uma patente de alferes. O interesse por esta linha de costa já levara, em 13 de outubro de 1766, à nomeação do capitão João Correia Vasques de Andrade Neto como capitão do revelim de Nossa Senhora da Ajuda, no Funchal, linha fortificada anexa ao Gorgulho, por certo. Nos finais do séc. XVIII determinou a rainha D. Maria a reformulação total da defesa da Ilha, enviando para a Madeira, por ordem de 11 de junho de 1797, o major efetivo do Regimento de Artilharia de Corte, aquartelado em São Julião da Barra, Inácio Joaquim de Castro. Foram então revistas todas as defesas da Ilha, mas as propostas não foram especialmente inovadoras, nem consta que fossem colocados em prática quaisquer dos estudos feitos (Defesa).   [caption id="attachment_3639" align="alignright" width="355"] Forte do Alorável_5531-1A-12A-16[/caption]   [caption id="attachment_3642" align="alignnone" width="326"] Gorgulho 5548-1A-12A-16[/caption] [caption id="attachment_3653" align="alignright" width="300"] Club - Naval _ant.[/caption] Nestes previa-se o restauro do velho forte do Gorgulho e a construção de uma bateria de apoio, no lado poente da pequena baía, onde depois se levantaram as casas de verão do cônsul britânico na Madeira Henrique Gordon Veitch (1782-1857) e que são hoje o Club Naval do Funchal, o que foi então feito. Refere o “Plano particular, desde o forte do Gorgulho, até à nova bateria do Calaça na ilha da Madeira”, o modo como se remediou e como se fortificou esse ponto, enviando ainda um “orçamento [do] que poderá custar toda a obra, que se deve fazer para fortificar esta extensão de beira-mar”, mas que não cremos que tenha sido feita (IICT, CECA, pasta 33, n.° 16). Previa-se acabar a bateria do Calaça e “engrossar e altear os parapeitos ao forte do Gorgulho”, fazer uma trincheira de “muro de alegrete”, com terra dentro, para defender essa entrada com “mosquetaria” e continuar a trincheira que ligaria as duas fortificações (Id., Ibid.). A posição fortificada de apoio chamada bateria do Calaça, provável nome do proprietário local da época, da qual restou um dos parapeitos da muralha, ficou também conhecida como bateria do Alorável e teve obras depois, entre 1840 e 1868.     [caption id="attachment_3645" align="alignleft" width="197"] Forte da Ponta Gorda-Franc Pimentel-1699[/caption] Em 1814 tinha-se instalado no forte do Gorgulho uma força do corpo de Artilharia Auxiliar. No entanto, poucos anos depois, tudo necessitava de obras, salientando Paulo Dias de Almeida (c. 1778-1832), em 1817, que o “forte do Gorgulho da costa só tem o nome, porque apenas existem restos de paredes sem cal; sem casa de guarnição, e com 2 peças reprovadas no chão” (CARITA, 1982, 94). Em 1850, o engenheiro António Pedro de Azevedo (1812-1889) mantém a descrição de ruína, descrevendo-o como distando 3 km do Funchal e situado no caminho da Trincheira. Acrescenta que este caminho, que teria então 2 a 3 m de largura, era contornado pelo mar no lado sul e que às vezes o banhava, pelo que a muralha estava interrompida por diversos rombos. O caminho da Trincheira, nesta parte, unia o forte à quinta do Calaça, informando o engenheiro que a mesma pertencia aos herdeiros de Henrique Gordon Veitch, pois o cônsul falecera em 1857. Já então não se fala naquela antiga bateria, apenas se mencionando que os terrenos à volta do forte pertenciam a Nuno de Freitas Lomelino (1820-1880), morgado das Cruzes.   [caption id="attachment_3657" align="alignright" width="300"] Forte Gorgulho 1940[/caption] Três anos depois, no tombo deste forte, o mesmo militar queixa-se que não poderia receber mais de duas bocas-de-fogo, dada a sua insignificância, e que não valeria a pena repará-lo, pois a despesa não compensaria. Os terrenos anexos tinham sido arrendados, por ordem do Ministério da Guerra, a Roque e a Caetano Alberto de Araújo, visando uma plantação de cochonilha, entretanto abandonada. Por ofício do comandante militar de 20 de junho de 1857, tinha sido autorizado tapar-se provisoriamente o caminho da Trincheira a fim de evitar que os contrabandistas o utilizassem. O forte estava então abandonado, não se conseguindo encontrar quem nele quisesse morar e responder pela sua conservação. Em janeiro de 1899 foi arrendado a João Figueira da Silva, terminando o arrendamento, em 1901, foi entregue à câmara do Funchal. Nos finais do séc. XX foram construídas nesta área as piscinas municipais, que, em 1986, se ampliaram, sendo o velho forte um vaga ruína. Dada a necessidade de espaço para as arrecadações da época de inverno e de vestiários para o pessoal, o imóvel foi levantado de novo, segundo a planta do séc. xviii e reconstruído como decoração. Para a esplanada foram solicitadas aos herdeiros do engenheiro João Catanho de Meneses (1854-1942), proprietário do Forte do Faial, três bocas-de-fogo desta época. Vieram então duas caronadas e uma peça de acompanhamento, todas em ferro, sem marcas, provavelmente inglesas e pertencentes a antigos navios desmantelados (Artilharia). O forte foi inaugurado a 21 de agosto de 1987, com uma sala de exposição e uma amostra de desenhos de Henrique e Francisco Franco, propriedade da Câmara do Funchal e dos arquivos do homónimo museu, inaugurado no ano anterior.   [caption id="attachment_3666" align="alignleft" width="407"] Forte do Gorgulho-JLSilva-2012_01[/caption] [caption id="attachment_3660" align="alignleft" width="336"] Forte-Gorgulho_02[/caption]             Bibliog.: manuscrita: AGS, Guerra Antiga, leg. 188-78; ANTT, Conselho de Guerra, maç. 58, doc. 145; ANTT, Provedoria e Junta da Real Fazenda do Funchal, liv. 976; ARM, Arquivos Particulares, António Pedro de Azevedo, tombo 11 dos prédios militares e plantas avulsas; ANTT, Câmara Municipal do Funchal, Registo Geral, tombo 3 e vereações de 1618; ANTT, Governo Civil, livs. 418 e 532; DSIE, Gabinete de Estudos Arqueológicos da Engenharia Militar, n.os 5531 e 5548 (1A-12A-16); IICT, Centro de Estudos de Cartografia Antiga, pasta 33, n.º 16, Plano particular desde a praia Formosa até ao forte do Gorgulho e à nova bateria do Calaça, 20 de dezembro de 1798; impressa: CARITA, Rui, Paulo Dias de Almeida e a Descrição da Ilha da Madeira, Funchal, DRAC, 1982; Id., O Regimento de Fortificação de D. Sebastião, 1572 e a Carta de Bartolomeu João, 1654, Funchal, SRE, 1984; Id., A Arquitectura Militar na Madeira nos Séculos xv a xvii, Funchal/Lisboa, EME/Universidade da Madeira, 1998; Id., História da Madeira, vol. vii, Funchal, SER, 2008; GUERRA, Jorge, “O Saque dos Argelinos à Ilha do Porto Santo em 1617”, Islenha, n.º 8, jan.-jun. 1991, pp. 57-78; SILVA, Fernando Augusto da e MENESES, Carlos Azevedo de, Elucidário Madeirense, 3 vols., Funchal, DRAC, 1998; VERÍSSIMO, Nelson, Relações de Poder na Sociedade Madeirense do Século XVII, DRAC, Funchal, 2000. Rui Carita   (atualizado a 31.01.2017)

fortaleza de s. tiago

[caption id="attachment_3472" align="alignleft" width="367"] Fortaleza de São Tiago - 1990[/caption] A ideia da construção de um baluarte junto da igreja de S. Tiago foi contemporânea da construção da mesma igreja, por volta de 1523, data de um pedido de D. João III para lhe enviarem orçamentos para os baluartes a construir em Santa Catarina e no Corpo Santo (Defesa). Segundo o documento, a câmara do Funchal ter-se-ia queixado de não possuir verbas para as construções de obras ”de que tinha necessidade para sua defesa”, ordenando o rei que se juntasse o capitão, o provedor e ”alguns pedreiros e pessoas que o muito bem entendam”, no sentido de ajuizarem o custo dessas obras e o exato local das mesmas ”para melhor defesa da cidade” (ARM, CMF, avulsos, fls. 1-134). O pedido foi reenviado para Lisboa em 1528, depois de um ataque de um navio biscainho que roubara dois outros navios à carga no porto do Funchal, e a ordem foi emitida no ano seguinte, a 8 de junho de 1529, embora só registada muito depois, nos meados do séc. XVIII. A opção da localização era entregue ao capitão do Funchal e recaiu, logicamente sobre as suas próprias casas (Palácio e fortaleza de S. Lourenço), montadas sobre as fontes de João Dinis, numa visão ainda perfeitamente medieval e que já pouco tinha a ver com a defesa da cidade daquele tempo. Em 1566, logicamente como seria de esperar, não resistiu ao saque corsário francês. O regimento de fortificação de 1572, entretanto, enviado para o mestre das obras reais Mateus Fernandes (c.1520-1597), entendia a cidade como compreendida entre as ribeiras de São João e de João Gomes, pelo que o velho bairro de Santa Maria Maior, habitado por artesãos, marítimos e pescadores, era considerado como fora da cidade senhorial. Com a união das coroas de Portugal e Castela, especialmente com as dificuldades sentidas nos Açores, por cujos mares passavam periodicamente as armadas de França e da Inglaterra em apoio às pretensões de D. António, prior do Crato, foram repensadas as defesas do Funchal. O regimento promulgado em 1572 não previa então a possibilidade de um inimigo como o configurado com as armadas inglesas de Francis Drake e outros piratas ou corsários, pelo que foi de imediato revisto o esquema então levantado, que não defendia conveniente a frente-mar do Funchal. O problema do alargamento da defesa da frente da cidade foi assumido pelo governador Tristão Vaz da Veiga (1537-1604), antigo governador de Macau e de São Julião da Barra, que pouco depois de 1585, altura em que tomou posse da capitania do Funchal, determinou o prolongamento da muralha (Muralha do Funchal) em direção a nascente, dando inclusivamente o exemplo e participando pessoalmente nas obras, que eram então uma trincheira ”de madeira de uma banda e entulhada de calhau da outra” (FRUTUOSO, 1968, 204). Este troço de muralha ao longo do calhau da praia da cidade confinava com os arrifes por baixo da antiga igreja de S. Tiago Menor, no então ”cabo do calhau”, justificando a construção de uma fortaleza nessa baixa. A fortaleza de S. Tiago deve ter tido projeto de Mateus Fernandes, mas terá sido reformulada depois por Jerónimo Jorge (c. 1570-1617), enviado de Lisboa em 1595, até então a trabalhar nas obras de São Julião da Barra e do forte do Bugio e que voltaria à Madeira em 1602. O muro do Corpo Santo deve ter passado a partir dessa data a pedra e cal, e a futura fortaleza deveria estar já em construção por volta de 1611 e bastante adiantada em 1614, data que se inscreveu na primitiva porta de entrada. Numa primeira versão, estaria também provavelmente quase pronta em 1612, quando o governador Manuel Pereira de Berredo solicitou provisão como capitão da mesma para Domingos Rodrigues, dado, segundo o mesmo, estar edificada e aguardar guarnição, provisão que, no entanto, não viria a ser confirmada, entendendo o rei ainda não ser necessário haver capitão a ali residir. Pelo Livro de férias dos operários da fortificação, de 3 de janeiro a 11 de setembro de 1611, sabemos estarem em obras os muros do Corpo Santo, tal como outros, embora não existam referências específicas à futura fortaleza de S. Tiago. Nos meados de junho, inclusivamente trabalhavam nos muros do Corpo Santo os filhos do mestre das obras reais, Bartolomeu João (c. 1590-1658) e João Falcato, pagos a $100 réis por dia. Nesses muros, no entanto, os pedreiros mais bem pagos eram João Lopes e Sebastião Fernandes, pagos a $200 e $180 réis por dia, seguindo-se Francisco Álvares, a $140, e, depois, os vários mestres de alicerces, como Manuel Rodrigues, João Rodrigues, Antão Mendes, Domingos Dias, Rafael Pinheiro e António Pinheiro, pagos a $100 réis dia. Para apoio a estas obras, trabalharam os boieiros António Gonçalves, Francisco Pires, António Pires, Amaro Gonçalves, Paulo Coelho, Gonçalo Correia, Domingos Moniz, Domingos Álvares, Cosme Gonçalves, Pero Gonçalves, António Rodrigues, João Dias, “o velho”, e António, ao todo 13, que receberam $015 réis por corsada de pedra que transportaram para a obra. Trabalharam ainda 5 almocreves: António Perdigão, Sebastião Ferreira, Pero Borges, António Gonçalves e um outro de que não conseguimos ler o nome, igualmente a 15 réis por corsada ou carga de areia, variando o preço para outros materiais, como o caso do tabuado, cujo carreto era pago a $030 réis por cada dúzia de tábuas. Algumas informações apontam para obras mais específicas, como a do transporte de cal, para o que se alugaram sacos a $029 réis cada, optando-se depois por mandar fazer os mesmos, no que se gastaram mais $150 réis. Igual verba se pagou ao ferreiro António Gonçalves, pelos pregos para os caixões dos pelouros, que já se deviam destinar à fortaleza. Nas férias pagas nos finais de maio desse ano de 1618, quando era apontador Pero de Castro de Andrade, essencialmente estava em construção o muro junto da igreja da Conceição do Calhau, tendo à frente das obras o aparelhador Brás Fernandes, que não trabalhou os dias todos. Recebeu então $780 reis e o seu moço Martinho, $150, meio tostão por dia. Este mestre, referido em inúmeras obras da época, parece ser o que é também mencionado como estando à frente das obras da igreja de São João Evangelista do colégio do Funchal pela década de 1630. Aparece depois, em 1620, acompanhado de um filho, António, como seu moço, ou seja, aprendiz, e ainda de um escravo, Lourenço, seu preto, referido, quer como mestre pedreiro, quer como mestre carpinteiro. Nos pagamentos de maio de 1618, são referidos inúmeros pedreiros, boieiros, almocreves e serventes, com especial referência para os trabalhos de acarretar pedra, então enviada da Calheta, de que era proprietária Beatriz Fernandes. Os quatro barcos de pedra, a cruzado cada barco, importaram em 1$600 réis, servindo de intermediário o mercador Simão Rodrigues. Nos pagamentos desse ano, compareceram o vereador Gonçalo de Freitas Bettencourt e o capitão António de Sá de Salamanca Polanco que, embora também vereador, aparece na qualidade de “apontador das obras que na dita fortaleza se fazem”, obras pagas pelas receitas do açúcar da coroa e escrituradas pelo escrivão camarário Manuel do Basto (ARM, CMF, RC, T6, 82). Este dinheiro foi depois reposto pela finta de 15.000 cruzados, lançada em setembro desse ano pela câmara do Funchal para o pagamento das fortificações. As obras gerais da fortificação e a construção das fortalezas do Pico (Fortaleza do Pico) e de S. Tiago foram assim dotadas de valiosos meios pecuniários, a partir de 5 de maio 1618, por acordo entre a câmara e a provedoria da fazenda, face às informações da passagem pelo Estreito de Gibraltar de mais uma esquadra de piratas de Argel (Piratas e corsários) e dado que, no ano anterior, tinha sido totalmente saqueada a ilha do Porto Santo e quase toda a população levada para aquela cidade. Em carta datada de 29 de agosto de 1632, o provedor da fazenda, António Antunes Leite, respondendo a um pedido de informação sobre mais uma tentativa de levantar forças na Madeira para combater no Brasil, contava que, entre 1618 e 1621, ficara a cidade toda murada e a fortaleza de S. Tiago concluída, o que seria um certo exagero, pois houve obras nos anos seguintes. O muro de Santa Maria Maior mantinha-se em obras ao longo de 1620, ano em que também foram feitas obras “na fortaleza nova de S. Tiago, onde mora” o capitão Paulo Pereira da Silva e em cuja morada, a 8 de fevereiro desse ano, tomou posse e apresentou fiança o tesoureiro da fortificação Jorge Mendes da Costa (ARM, CMF, 421, 3-5). O capitão Paulo Pereira da Silva seria eleito sargento-mor da ilha, tomando posse em São Lourenço perante o governador e os onze capitães de ordenanças (Guarnição Militar). As obras ao longo do muro de Santa Maria Maior e até à fortaleza de S. Tiago justificaram, em 1619, o aluguer a Maria de Caires, a 4 vinténs por mês, de uma loja de casa junto a Nossa Senhora do Calhau, para estaleiro das obras e arrecadação da cal.. O aluguer começou a 22 de novembro de 1619 e incluía o pagamento a um homem para guarda do material, Manuel Vieira, que também aparece nos anos seguintes, a ser pago como trabalhador e servente de pedreiro. A 18 de abril de 1620, por exemplo, recebeu $200 réis «por guardar a fábrica da obra; 2 dias a tostão» (ARM, CMF, RC, T3, 421, 23). Desde o início do povoamento que o problema da cal apresentou várias dificuldades, dado não existir na Ilha de material suscetível de redução. Houve assim necessidade de recorrer à matéria-prima que havia mais perto - o ilhéu da Cal do Porto Santo - que nem sempre colmatou as necessidades, optando-se então pelo continente do reino (bacia do Tejo) e mais especificamente pelo Algarve (vila de Portimão), embora se tenha recorrido também à bacia do Mondego. Temos referências à importação sistemática para a fortificação do Funchal de pedra de cal do Porto Santo a partir de 1600, pelo menos. Mais tarde, em 1629, a câmara também possuía um forno na área das hortas da Tintureira, acima da ponte do Cidrão e por debaixo do chamado Engenho Novo. Nos meados de 1623, entretanto, a fortaleza estaria concluída na sua primeira fase, não aparecendo citada qualquer obra de vulto nos livros de despesa da fortificação. No entanto, dois anos depois, aparecia a adaptação de umas casas anexas à fortaleza para arrecadações. Nos inícios do mês de junho de 1623, foi recebida uma carta do vice-rei, avisando da possibilidade de uma armada holandesa atacar a Madeira. Foi então reorganizada a defesa da cidade e fez-se aprovisionamento de farinha e biscoito nas fortalezas; especialmente para S. Tiago, foi determinado que se metessem “na mais junta casa que nela houver”, pagando-se a adaptação e o aluguer (ARM, CMF, Vereações 1623/25, 40-47v.). Entre 1641 e 1642, voltamos a ter referência a obras em S. Tiago, citando-se, em novembro de 1641, a construção de uma guarita e da casa dos artilheiros. Essas casas ou casernas não deviam estar previstas no projeto de Jerónimo Jorge, dada a dimensão da fortaleza ter ser equacionada para uma ameaça muito menor que a configurada nos anos seguintes. Jerónimo Jorge falecera na primeira oitava do natal de 1617, decorrendo as obras sob a responsabilidade de seu jovem filho Bartolomeu João (c. 1590-1658), logo com provimento do ano seguinte. As obras de S. Tiago decorreram ao longo do mês de novembro de 1641 e, no final do mês, ainda ali trabalhava o mestre pedreiro Brás Fernandes, acompanhado do filho António, seu moço, e do Lourenço, seu preto. Como carpinteiros, aparecem a trabalhar Gonçalo Fernandes e Francisco Alves, auxiliados pelo Domingos, escravo do mestre das obras reais, por certo um bom carpinteiro, dado aparecer referido várias vezes nos pagamentos das obras de fortificação. Nos pagamentos desse mês aparecem 4$000 réis a Amaro do Couto pelas 500 telhas para as obras de S. Tiago, que devem ter envolvido as casernas dos artilheiros e a guarita, à época coberta por telha. Em março desse ano de 1642, tinham decorrido na área de S. Tiago os exercícios de barreira dos artilheiros do Funchal, sendo condestável de S. Tiago Gabriel de Sousa, exercícios que envolveram algumas despesas, como o pagamento aos “dois pretos” que tinham levado a peça de barreira e as pranchas para S. Tiago e, depois, o arranjo do reparo da mesma peça (ANTT, PJRFF, 387, 55). Conhecemos a fortaleza inicial por um desenho de Bartolomeu João, de 1654, que a representa já com três ordens de baterias, que viriam depois a ser ampliadas nos meados do séc. XVIII. Refere esta descrição que a forteza de S. Tiago era “remate dos muros do cabo do calhau, a qual tem 2 praças, uma superior à outra, em cima de abóbada, com uma cisterna capaz de mil pipas, cavada na rocha viva”. A fortaleza era “em estrela e escortinava os muros” da cidade, tendo custado “muito à fazenda real e era de muito efeito, porque escortina o porto, por o tomar atravessado, por fazer o porto enseada”. Dali também se defendia a ribeira de Gonçalo Aires, “porto perigoso” (CHPAZ, 1654). A fortaleza dos meados do séc. XVII possuía assim planta com dois baluartes pentagonais virados a norte, correspondentes à bateria alta, e dois baluartes com as baterias médias gémeas sobre o mar, comunicando com a bateria baixa, então semicircular por dois lanços de escadas, que nasciam frente à antiga capela e à cisterna. A cisterna situava-se no centro da esplanada baixa, numa situação estranha, pois tudo leva a crer não ser de grande serviço, dada a sua proximidade do nível da água do mar. A esplanada alta comunicava com a esplanada média por escadaria coberta a nascente. O desenho de Bartolomeu João identifica também, sobre a muralha da esplanada baixa, pequenas construções de madeira salientes, dando para o calhau da praia, que parecem ser as latrinas da guarnição. A entrada da fortaleza fazia-se sob a esplanada média poente, dotada de grade vertical e ponte levadiça, devendo a grade vertical ficar então à vista, embora tal não se encontre representado no desenho de Bartolomeu João, tendo deixado como marca dois orifícios, por onde corriam as correntes que a articulavam com a ponte levadiça. No interior, este conjunto possuía lateralmente dois nichos onde se resguardavam os militares de guarda à entrada quando entravam carretas com bocas-de-fogo e outros transportes. A muralha da cidade entestava com esta entrada, possuindo porta de acesso ao mar e um cruzeiro, provavelmente de madeira, a fazer fé neste desenho aguarelado de 1654. Ao longo do séc. XVII, pouco mais sabemos da fortaleza de S. Tiago, salvo algumas mudanças de pessoal, principalmente dos artilheiros. Em agosto de 1671, foi nomeado Gabriel de Sousa como condestável de S. Tiago, a que se seguiu Salvador Lopes que ali serviu e se ocupou, ao longo da segunda metade desse século, como carpinteiro dos reparos das várias peças de artilharia da guarnição do Funchal. Do final do século, em 1697, foi a nomeação do capitão Manuel Teles de Meneses, ad honorem, com a obrigação de prover à manutenção da fortaleza e de garantir um serviço de vigias. No início do séc. XVIII, em 1724, S. Tiago tinha uma carga de bocas-de-fogo composta por 16 peças montadas, sendo 4 de bronze e 12 de ferro. Nessa data, era condestável António Lopes de Castro que, tendo falecido em 1736, foi depois substituído por Francisco de Freitas, devendo o local ter, então, um efetivo de cerca de 20 homens. Nos meados do mesmo século, em 1754, segundo o “Mapa do Presídio Militar pago da ilha da Madeira”, mantinha o mesmo número de bocas-de-fogo: 2 colubrinas de bronze de calibre 14, 3 canhões bastardos de ferro de calibre 30, 9 quartos de canhão de ferro de vários calibres, mas incapazes, e um “barraco” (provavelmente um canhão pedreiro) de bronze de calibre 7. Nos inícios do séc. XVIII, já se sentia a necessidade de reforçar a defesa do cabo do calhau, optando-se pela construção, entre 1704 e 1712, de um forte ao meio da cortina de Santa Maria Maior, então denominado forte Novo de São Pedro em homenagem ao rei D. Pedro II, como se mandou exarar na lápide que existia sobre a porta de entrada (Fortes). Poucos anos depois, no entanto, procedia-se à ampliação da fortaleza de S. Tiago. As obras devem ter tido projeto do engenheiro Francisco Tosi Colombina (1701-c.1770), que veio para o Funchal em 1756 como encarregado das obras do molhe do porto e que teria levantado, então, o forte de São José da Pontinha, embora não tenhamos documentação de apoio para esta atribuição. As obras prolongaram-se pela década seguinte, mandando o governador José Correia de Sá lavrar na lápide colocada sobre a nova porta que “Esta fortaleza foi novamente acrescentada sendo governador e capitão general desta Ilha José Correia de Sá e para a mesma fortaleza mandou vir de Londres cinquenta peças de artilharia com todos os seus reparos no ano de 1767”. A data, no entanto, deve corresponder ao final das obras, pois estas decorreram, por certo, durante alguns anos, dado o novo volume edificado de construção. A bateria alta foi largamente ampliada, tal como a bateria média que uniu as duas anteriormente existentes, fazendo desaparecer o anterior lanço de escadas para a antiga bateria média nascente. Para poente foi construída uma ampla bateria baixa, reforçando-se a antiga porta datada de 1614, que se manteve. A nova esplanada média apoiou-se na parede de uma passagem, que passou a unir a bateria média a um novo baluarte quadrangular avançado para poente, que cruzava fogos com o forte novo de S. Pedro e cobria a nova porta da fortaleza virada a norte, encimada por um nicho que teria tido uma imagem do padroeiro, óculo para o lado do mar, a lápide já mencionada e um brasão de armas, desmontado depois em 1910. A pequena esplanada voltada para o mar prolongou-se ao longo da fachada, ocupando toda frente até ao limite nascente da fortaleza. Desta campanha de obras, é também o conjunto de guaritas cilíndricas assentes em consolas troncocónicas. Nos finais do séc. XVIII, encontrava-se em franca degradação toda a fortificação da ilha, tendo havido um certo desleixo geral na sua manutenção. A situação era de tal ordem que, em carta de outubro de 1781, o governador João Gonçalves da Câmara Coutinho se queixava para Lisboa de que os habitantes não queriam saber da fortificação nem da defesa da ilha, alegando que, caso viessem a ocorrer dificuldades, “os senhores ingleses a defenderiam” (AHU, Madeira, 506). E efetivamente tinham razão, pois vinte anos depois, em 24 de julho de 1801, durante o conflito generalizado a nível europeu entre os ingleses e as forças de Napoleão Bonaparte, uma esquadra inglesa, composta pelos HMS Agro, a fragata HMS Carrysfort, e o bergantim HMS Falcon, desembarcou na Madeira um efetivo de 3500 soldados britânicos, sob o comando do coronel William Henry Clinton (1769-1846), que ficaram aquartelados nas semiabandonadas fortificações, entre as quais esta fortaleza, então sob o comando de João Manuel de Atouguia e Vasconcelos. Durante esta primeira ocupação inglesa, a fortaleza de S. Tiago recebeu algumas obras de beneficiação, como atestam os vários ofícios e ordens emitidos pelo comando britânico, ao qual não agradava a organização geral da fortaleza e, inclusivamente, a própria construção. A 25 de julho de 1801, S. Tiago recebia as munições de guerra e o parque de artilharia inglesa com a competente guarnição, mantendo a anterior portuguesa que incluía um subalterno, um sargento, um cabo, um tambor e 15 soldados. Na ordem desse dia, recomendava-se a melhor harmonia entre a tropa nacional e a britânica, conservando-se o comando na nacional. Dois dias depois, saíam os depósitos de correame, para maior comodidade da guarnição auxiliar portuguesa, e em agosto saíam os soldados de artilharia auxiliar, “para maior comodidade da guarda britânica” (RODRIGUES, 1999, 159-160). Se, por um lado, a ocupação britânica teve o aspeto positivo de ter levado a obras de beneficiação e manutenção das fortalezas do Funchal, por outro, com a sua saída, quer em 1802, quer depois em 1814, após a segunda ocupação, as peças de artilharia que estavam em condições (que não deveriam de ser muitas), provavelmente com outro material e armamento que ali havia, seguiram para o continente, ficando a ilha em ainda mais precárias condições de segurança. Na ocupação de 1801, estiveram na Madeira forças do destacamento da Royal Artillery e, na de 1807 a 1814, forças da 3.ª companhia do 3.º destacamento de artilharia inglesa. Quando do grande aluvião de 9 de outubro de 1803, que só no bairro de Santa Maria Maior vitimou cerca de 200 pessoas, o comandante de S. Tiago recebeu ordens para alojar nas dependências da fortaleza as vítimas que tinham ficado sem habitação. Nesse mesmo ano, esteve detido nas dependências da fortaleza o morgado João de Freitas da Silva, evadido do convento de São Bernardino, de Câmara de Lobos, “para onde tinha sido mandado até se instruir nos rudimentos da doutrina cristã” segundo refere o Heraldo da Madeira, n.º 441 (SILVA e MENESES, II, 1998, 46), tendo servido depois esta fortaleza para outras prisões nos confrontos políticos ocorridos nos sécs. XIX e XX. A fortaleza foi objeto de especial atenção da equipa do brigadeiro Reinaldo Oudinot (1747-1807), destacada para o Funchal na sequência da aluvião de 1803, tendo sido de imediato levantada e desenhada pelo então tenente Paulo Dias de Almeida (c. 1778-1832); foi o melhor levantamento da mesma até essa época. Nas primeiras décadas do séc. XIX, mereceu a fortaleza de S. Tiago uma especial atenção, mercê da sua localização, não sendo assim por acaso que na primeira planta inglesa da fortificação da baía do Funchal, na segunda ocupação, se encontrem representadas as fortalezas de S. Tiago, Pico e Ilhéu, todas com a bandeira inglesa hasteada. Sucessivamente, foram depois ocorrendo obras, datando sensivelmente de 1820 a demarcação da parada exterior, com a construção da casa da guarda (projeto, em princípio, de Paulo Dias de Almeida), que foi reformulada e mudada de localização nos anos seguintes pelo capitão António Pedro de Azevedo (1812-1889), autor da primeira fase do corpo central do edifício do comando, do novo portão de armas exterior (reformulado nos anos seguintes), da reforma do paiol instalado sob a parada superior, etc. Em 1823, começou a pensar-se na ampliação do molhe de cais do Funchal, uma de cujas hipóteses passava por S. Tiago. Por carta de 13 de setembro de 1824, o brigadeiro Francisco António Raposo foi mandado passar à Madeira para in loco estudar o assunto. As obras iniciaram-se no calhau frente à fortaleza, mas acabaram por ser interrompidas pela força do mar, que tudo destruía. Perderam-se então os 37.000$000 réis ali gastos nos trabalhos de quebrar e talhar pedra. Em 1827, foi proposta para Lisboa nova alteração do molhe do cais, com o aumento da bateria baixa, servindo de apoio às novas obras do possível cais, mas tudo não passou do papel. Por esta data, servia a fortaleza de quartel e local de instrução de milícias do Funchal, por ali tendo passado nobres locais, como o morgado José Henrique de França (1802-1886), embora já nascido em Londres, segundo escreveu depois sua mulher Isabella de França (1795-1880) nas memórias de 1853-54. Nos primeiros meses do séc. XX, teve a fortaleza alguns melhoramentos, quando da visita do rei D. Carlos, a 24 de junho de 1901; depois de assistir a uma missa campal no campo D. Carlos, depois rebatizado campo do Almirante Reis, o monarca visitou a fortaleza e ali almoçou. Para o efeito foi montada uma grande tenda redonda, listada em azul e branco, na parada média, tendo ficado as argolas de ferro que lhe serviam de sustentação. Na parada superior existe uma pequena placa de referenciação geodésica, identificada por “NR”, inglesa ou portuguesa e datável do séc. XIX ou XX, que deve ser exemplar único na região. À época da visita de D. Carlos, a fortaleza servia como quartel à Bateria de Artilharia Móvel que tinha uma secção destacada na fortaleza do Ilhéu e salvava as embarcações que entravam no porto do Funchal, servindo de registo. Em 1911, S. Tiago passou a quartel da Bateria n.° 3 de Artilharia de Montanha e, em 1922, a sede do Grupo de Defesa Móvel. Data de 1930 a construção das instalações de oficiais e sargentos na bateria baixa, frente ao mar, e de um coberto sobre o caminho da guarda superior, depois removido. Com a criação do Grupo de Artilharia contra Aeronaves, em 1945, passou a sede do mesmo, mas, em 1947, dava-se a saída do comando daquele grupo para São Martinho, passando a servir somente de quartel à bateria de salvas destacada daquela equipa. Nos meados do séc. XX, entre 1970 e 1973, tendo mudado o material de salvas, tornou-se difícil a sua circulação nos estreitos túneis da fortaleza, pelo que foi desocupada pela artilharia, sendo pontualmente ocupada pela delegação da Manutenção Militar e pela Liga dos Combatentes. Nos meados de 1975, face à necessidade de instalação de um aquartelamento para a Polícia do Exército, com possibilidades de acorrer rapidamente a alterações da ordem pública, ali foi instalado o Esquadrão de Lanceiros do Funchal. Esta unidade veio a sair daquelas instalações quando da construção do novo aquartelamento do Comando-chefe, no Pico da Cruz, em maio de 1992 e, por solicitação do GRM, o local foi cedido para instalações de atividades culturais e de um futuro museu militar. O protocolo foi assinado a 17 de julho de 1992, assinando pelas Forças Armadas o ministro da Defesa e o Comandante-chefe e, pela RAM, o presidente do GR, na presença do então primeiro-ministro, Aníbal Cavaco Silva. A fortaleza passou, na altura, por um arranjo de fundo, abrindo depois como Museu de Arte Contemporânea da Madeira (Museus). Bibliog.: manuscrita: AGS, Leg. 1472, Secretarias Provinciales; AHM, 47.ª sec., n.º 16750, G.B. Lawrence, Plan of the Fortifications, of Funchal in the Island of Madeira, Dez. 24 th 1808, which was given up to the British Forces under Admiral Sir Samuel Hood K. B. and Gen.l Beresford, 1808; Ibid., doc. 47, 506, Mapa do Presídio Militar pago da ilha da Madeira; do das Milícias da Ordenança que guarnecem e vigiam; das suas Fortalezas, Armas, Munições e apetrechos de Guerra existentes, 1754; ARM, CMF, cod. 322 e 421, avulsos, fls. 1-134; BNL, reservados, cod. 6.705, Planta de Fortaleza de Santiago, 1817; Ibid., 7486-1A-12A-16, Fortaleza de Santiago, c. 1817; Ibid., 1.304, 2/22A/109, Planta da Baía do Funchal em que se representam o projeto de um molhe no Porto da Pontinha e um cais nas baixas de Santiago e a nova bateria, c. 1824; BNP, reservados, cod. 8391, Index Geral do registo da antiga Provedoria da Real Fazenda, acrescentado com algumas notícias e sucessos da Ilha da Madeira desde o ano de 1419 do seu descobrimento até o de 1775 da extinção da mesma Provedoria; CHPAZ, Bartolomeu João, Descrição da Ilha da Madeira, Cidade do Funchal, Vilas, Lugares, Portos e Enseadas, e mais Secretos, Feita por Bertolameu João, Engenheiro dela em Tempo do Governador Bertolameu Vasconcelos da Cunha, Capitão Geral desta Ilha no Ano de 165[4]; DSIE, GEAEM, 5576-1A-12A-16; 10228-1A-12A-16; 10916, 2º e 5º-3-46-61, etc., António Pedro de Azevedo, Planta da Fortaleza de S. Tiago, 1841, 1865 ss.; GEAEM, 1.304, 2/22A/10, Paulo Dias de Almeida, Perfil de Santiago, 1804 (9); IAN/TT, Chancelaria D. Filipe I, liv. 28; Ibid., Corpo Cronológico, Parte I, fls. 39-75, 118-151 e 219; Ibid., Junta da Provedoria da Real Fazenda do Funchal, fls. 837 e 963; NÚCLEO MUSEOLÓGICO DA CIDADE DO AÇÚCAR, Thomas Hearne, panorâmica da cidade do Funchal, 1772; Registo Geral, Tombo Velho, 2, 3 e 9; Vereações 1481, Vereações 1618, Vereações 1623/25, Vereações 1627, Vereações 1629; Governo Civil, Livro de Carga das Fortificações 1724-1730 (L. 3º), cod. 418; Registos Paroquias, Sé, Óbitos, livro 6; impressa: BOTELHO, João, e VICENTE, Ramiro, Regimento de Guarnição n.º 3, das origens à atualidade, 1864-2008, Uma viagem ao passado pelas Unidades da Madeira, Funchal, s. n., 2008; CARITA, Rui, Paulo Dias de Almeida e a sua Descrição da ilha da Madeira de 1817/1827, Funchal, DRAC, 1982; Id., Fortaleza de São Tiago, Visita Guiada n.º 3, Funchal, Centro Regional de Cultura, 1983; Id., O Regimento de Fortificação de D. Sebastião (1572) e a Carta de Bartolomeu João (1654), Funchal, Centro de Apoio Universitário do Funchal, 1984; Id., A Visita do rei D. Carlos à Companhia n.º 3 de Artilharia de Guarnição em 24 de Junho de 1901, catálogo de exposição, Funchal, Grupo de Artilharia de Guarnição n.º 2, texto policopiado, 1987; Id., História da Madeira (1600-1700), vol. III: As dinastias Habsburgo e Bragança, Funchal, SRE, 1992; Id., A Fortaleza de São Tiago, catálogo da exposição, Funchal, DRAC, 1992; Id., A Arquitetura Militar na Madeira nos séculos xv a xvii, Funchal/Lisboa, EME/Universidade da Madeira, 1998; Id., História da Madeira, vol. VI: As Ocupações Inglesas e as Lutas Liberais: O processo Político (1801-1834), Funchal, DRAC, 2002; DILLON, Frank, e PICKEN, T., Scketches in the Island of Madeira, London, Day and Son Lith, 1850; FRANÇA, Isabella de, Jornal de uma Visita à Madeira e a Portugal, 1853-1854, Funchal, JGDAF, 1970; FRUTUOSO, Gaspar, Livro Segundo das Saudades da Terra, s. l., Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1968; GUERRA, Jorge Valdemar, “O saque dos argelinos à ilha do Porto Santo em 1617”, Islenha, n.º 8, 1991, pp. 57-78; PICKEN, Andrew, Madeira Ilustrated, London, Day & Haghe, 1840; RODRIGUES, Paulo Miguel, A Política e as Questões Militares na Madeira. O Período das Guerras Napoleónicas, Funchal, CEHA, 1999; SILVA, Maria Júlia Oliveira e, Fidalgos-mercadores no século XVIII, Duarte Sodré Pereira, Lisboa, IN/Casa da Moeda, 1992; SILVA, Fernando Augusto da, e MENESES, Carlos Azevedo de, Elucidário Madeirense, 3 vols., Funchal, SRTC, 1998; TOMÁS, Manuel, Insulana, Antuérpia, Joam Mevresio, 1635; VERÍSSIMO, Nelson, Relações de Poder na Sociedade Madeirense do Século XVII, Funchal, DRAC, 2000. Rui Carita (atualizado a 31.01.2017)

fortaleza do pico

[caption id="attachment_3479" align="alignright" width="353"] Fortaleza do Pico_1600[/caption] O regimento de fortificação de 1572 determinava a construção de uma “estância” no pico dos Frias, como fecho da muralha sobre a ribeira de São João, ao tempo designada como Ribeira Grande, embora não expressamente declarado como fortaleza (ARM, CMF, RG, T2, 139 e ss.). O regimento não era assim muito explicito nesta construção, colocando-a como final de todos estes trabalhos e limitando-se a determinar que “depois de construída a muralha da Ribeira Grande”, tal como se devia fazer para a estância na foz da ribeira de João Gomes, se faria uma outra a fechar a muralha poente. No entanto, estabeleciam-se prioridades: primeiro, a estância do largo do Pelourinho; depois a muralha desse lado, ou seja da ribeira de João Gomes; depois a fortaleza grande, ou seja a depois fortaleza de S. Lourenço e a muralha junto ao mar; e só depois a muralha da ribeira Grande (Ibid.), ou seja hoje a de São João, pelo que a fortaleza sobre o pico dos Frias ou das Freiras, ficava para último. As primeiras informações que temos da absoluta necessidade desta construção foram as apresentadas logo no Funchal, em reunião da junta militar com D. Agostinho de Herrera y Rojas (1537-1598), conde de Lançarote, face à reunião das coroas ibéricas, a 16 de setembro de 1582 e enviadas para Filipe II, a 1 de novembro de 1582. As necessidades de defesa do Funchal voltariam a ser apresentadas em Lisboa pelo capitão Gaspar Luís de Melo, acabado de regressar do Funchal, ao encarregado geral da artilharia de Filipe II, D. Francés de Alava y Belmonte (1518/19-1586) que, ainda em 1582 as transmitia ao rei (Ibid., 421-313). A cidade teria então duas fortalezas, que na informação e nos desenhos enviados são referidas como "castelos", mas era dominada por um monte, logo imprescindível de ocupar para assegurar a defesa do Funchal. Em face disso ter-se-iam feito já algumas obras, reunindo-se pedra e cal no local. As queixas voltaram a surgir com os distúrbios ocorridos no Funchal com os soldados castelhanos do presídio ( Guarnição militar), tendo então se deslocado ao Funchal o sargento-mor Pedro Borges de Sousa. Nas reuniões havidas foi de novo evocada a necessidade de uma fortaleza naquele pico, igualmente transmitidas para Filipe II (AGS, GA, 147-226), chegando-se a elaborar, depois uma planta, talvez por Mateus Fernandes (c.1520-1597) e que o conde e depois marquês levou, quando saiu da ilha e se dirigiu a Madrid, nos meados de novembro ou inícios de dezembro de 1583. Mas parece que não se foi mais além que a reunião de materiais de construção, só voltando a haver informações a respeito da construção a partir de 1601. Com a chegada do governador Cristóvão Falcão de Sousa, em meados de 1601, mandou-se mesmo efetuar a fortificação, embora então em pau-a-pique e guarneceu-a com soldados castelhanos, o que criou logo uma série de problemas aos padres da companhia de Jesus (Colégio dos jesuítas). Em princípios de 1602 os jesuítas assustaram-se com a possibilidade de se concretizar a fortificação, até por terem entretanto comprado o Pico às freiras de Santa Clara, e não só o Pico, como a nascente de água que ali havia, compra efetivada a 30 de julho de 1600 (AHU, Madeira, 389). Esta nascente encontrava-se ligada à da Fundoa, devidamente canalizada e que abastecia então o convento de Santa Clara e o colégio do Funchal. Essa água tinha sido canalizada para um aqueduto pelas freiras, em 1527, segundo um complicado contrato efetuado entre as mesmas, Gomes Annes e o bacharel Lopo Dias e que envolvia para o convento a cativação de dois lugares de freiras para as filhas do dito bacharel (Ibid., 390). Com a montagem duma fortaleza naquele Pico, os jesuítas viam perigar o seu abastecimento ao colégio e pediram então o apoio do “principal”, em Lisboa (IAN/TT, CJ, 34-32). Os jesuítas nunca tinham até então acreditado na construção, tendo comprado o Pico quando já havia pequenas obras na área. Foram então enviadas várias cartas e até um certificado do sargento-mor do Funchal Roque Borges de Sousa, em como tinha ido, a 12 de abril de 1602, a Valladolid e sido recebido do próprio rei D. Filipe II, ao qual entregou uma maquete de madeira com a fortaleza a construir no pico dos Frias no Funchal. Com o certificado enviaram também uma cópia da carta do rei para o vice-rei de Portugal sobre a futura fortaleza do Pico do Funchal. O rei indica de onde deveriam sair os dinheiros para esta construção: as terças de Portugal; que deveria ser informado de qual o mestre-de-obras que deveria assumir a obra, se havia alguém habilitado na ilha para tal, ou se teria que se deslocar à Madeira o engenheiro-mor Leonardo Torriano (1559-1628), e qual o ordenado a dar-lhe; e sobre a sua guarnição, que deveria ser de soldados de Portugal (Ibid., 34-31), o que não aconteceu, sendo guarnecida pelo presídio castelhano. A fortaleza a pedra e cal deve ter sido iniciada pouco tempo depois, encontrando-se um entendimento entre os três utentes do Pico e do aqueduto, não se voltando a falar no assunto e continuando os jesuítas com parte do Pico, onde levantam então uma quinta para recreio dos professores e estudantes do colégio, depois a chamada Quinta do Pico. A fortaleza já em 1606 tinha um tenente, Alonso de Segura, que recebeu nesse ano 19$200 réis para lenha e azeite, “a dois cruzados por mês, que começou do tempo que começou a servir, até ao fim de fevereiro de 1606” (ARM, CMF, avulsos, 10-1141, 36v.). Afonso de Segura continuou como tenente do Pico, pelo menos, até 1608. O cargo foi depois oficializado por alvará real em João Peres, que ocupava o lugar desde janeiro de 1611, com abono para azeite e lenha para a casa da guarda da fortaleza do Pico (Ibid.). Aliás, nessa altura deviam estar a decorrer as obras, pois quando a câmara em 1613 solicitou ao governador materiais vários, como barras, padiolas, enxadas, cal e madeira para as obras dos muros das ribeiras da cidade, foi respondido que se não podiam emprestar, pois havia ordens do rei D. Filipe II para acabar as obras da fortaleza do Pico e que, para tal todo esse material era necessário (Ibid., T1, 413). Ao longo desta época são constantes as referências que chegaram até nós sobre as importantes obras levadas a cabo na fortaleza do Pico. Sabemos que em 1606 se comprou uma caravela com 40 moios de cal, no montante de 56$000 réis, destinada às obras do Pico (Ibid., avulsos, 10-1141, 34). Nessa altura os trabalhos eram referidos como efetuados nas trincheiras da fortaleza e, por certo, para preparar os caboucos para as futuras grandes obras. Em 1618 abriam-se os caboucos para se levantarem as paredes, de que era apontador o capitão António de Salamanca Polanco, um dos representantes da família Leme, tendo assistido aos pagamentos também o vereador Gonçalo de Freitas Bettencourt. Trabalhavam então os cabouqueiros Sebastião Fernandes, pago a $990 réis; Gaspar Afonso, $400; Afonso Gonçalves, $600; Jorge Álvares, $600; António Gonçalves, $500; Pero Gonçalves Picão, $600; e Simão de Araújo e Pero Gonçalves, idem. Trabalharam ainda serventes e boieiros, que acarretaram a pedra para a obra. Igualmente se efetuaram nesta época vários trabalhos de carpintaria, como a fixação de umas prateleiras da casa das munições, pelo que se pagou $140 réis ao carpinteiro Domingos Fernandes (Ibid., Vereações, 1618, 23v.). João Peres ainda era tenente do Pico em 1630, conforme refere Manuel Tomás (Tomás, Manuel) na Insulana, editada em 1635, mas escrita por aquele ano, como se refere nas autorizações de publicação deste poema e onde se tecem largos elogios a esta fortaleza e ao seu “famoso mestre-de-obras”, o engenheiro Bartolomeu João (c. 1590-1658) (João, Bartolomeu) (TOMÁS, 1635, 466), então encarregado da obra, pois que o projeto, como já se escreveu, é bastante anterior. Nessa altura já a fortaleza começava a apresentar a forma quase regular de planta retangular rematada por quatro baluartes, com três níveis de esplanadas e um fantástico desnível para sul, o que obrigou à construção de uma rampa de acesso à porta de entrada e, a uma passagem cavada na rocha para acesso à esplanada baixa, tendo sido uma obra de engenharia, efetivamente de grande dificuldade. As obras conheceram novo impulso nos meados de 1623, dadas as informações recebidas da Holanda de que estava para sair uma armada de 16 navios e mais de quatro mil homens de guerra, com destino às possessões portuguesas (Piratas e corsários). O comandos da ilha reuniram-se, de imediato na câmara do Funchal, a 19 de maio desse ano disponibilizando-se verbas para a fortificação e determinando-se o aprovisionamento das principais fortalezas com farinha e biscoitos, sendo necessário encontrar-se, inclusivamente casas nas redondezas para se guardarem essas provisões. Para a fortaleza do Pico, então denominada S. Filipe do Pico, foi escolhida uma loja, propriedade de António do Carvalhal Esmeraldo. Com o governador Luís de Miranda Henriques Pinto, entre 1638 e 1641, se ultimaram algumas das obras do Pico, que o governador se apressou a inscrever numa lápide, que tinha feito “o terço do baluarte de São Paulo e quase toda a cortina que fecha o baluarte de S. João e a cisterna com seus bocais, e o corpo da guarda, rotos na rocha e o revelim da porta, e as 4 casas dos armazéns da primeira praça” também “rotos na rocha e o princípio dos outros armazéns, e terraplenos desta primeira praça”. Efetivamente teriam sido as obras mais difíceis, principalmente o ângulo do baluarte São Paulo com o de São João e, de facto, a cisterna apresenta a data de 1639 no murete. O provedor da Fazenda dessa altura, António Antunes Leite, em carta datada de 29 de agosto de 1632, em resposta a um pedido de informação sobre mais uma tentativa de se levantar forças na Madeira para combater no Brasil, contava que entre 1618 e 1621 ficou a cidade toda murada e que “fortaleza do Pico viu quase acabada” (IAN/TT, CC, 118-151), o que é um certo exagero. Entenda-se que o provedor só muito pontualmente saía do Funchal e que esta carta visava essencialmente a justificação da quase impossibilidade de, mais uma vez, se levantar uma companhia de soldados para combater no Brasil, numa altura de profunda crise, como era a que se vivia. Voltamos a ter referência às obras nesta fortaleza e ao pessoal ali em serviço em 1642, quando era tesoureiro da fortificação Cristóvão Valente e tenente desta fortaleza, Luís de Mesa, nascido no Funchal e filho do castelhano Francisco de Mesa, que seria depois, em 1649, sargento-mor da ilha. No fim desse ano de 1642, o tenente recebeu para azeite e lenha da casa da guarda, 16$800 réis. A 21 de abril desse ano, por exemplo, foi pago ao carpinteiro António Gomes o conserto da ponte levadiça: $080 réis, sinal de já estar em serviço nessa data e precisar de conserto. Ainda nesse mês houve obras importantes nos quartéis do corpo da guarda, comprando-se a António Pestana, caixeiro, 14 tábuas de til por 1$4000 réis, ao mesmo tempo que se pagou aos carpinteiros Manuel Gonçalves e Manuel Fernandes, que executaram o trabalho. As obras continuaram em outubro, dessa vez envolvendo os pedreiros habituais das obras da fortificação: Manuel Pereira, acompanhado do seu moço José; João Lopes, idem, do Manuel; e Roque Francisco e António Gonçalves Ribeiro. Trabalharam ainda os carpinteiros Pero Gonçalves, António Mendes, António Gomes e Roque Faria. Na semana seguinte continuou Pero Gonçalves, mas os restantes carpinteiros foram substituídos por Francisco Alves e António Gonçalves Ribeiro. Era então condestável dos bombardeiros da fortaleza, em 1642, Mateus Rodrigues, embora só empossado oficialmente em 1647, dado o falecimento do anterior José Pires. Nessa altura, ainda mantinham as freiras Santa Clara, a par dos padres do colégio dos jesuítas, propriedades na área do Pico, com complicados foros, inclusivamente à confraria do Santíssimo da matriz de S. Pedro, no Funchal. Assim, no final das contas da fortificação do já citado ano de 1642, um dos alvitres que ficou, foi a dívida em atraso à madre D. Isabel do Nascimento, do convento de Santa Clara, respeitante à pedra tirada da pedreira do Pico para as obras da fortificação, no valor de três mil réis. Em 1654, o mestre das obras reais Bartolomeu João descreve as defesas da cidade do Funchal, na sua “Descrição da ilha da Madeira” (Col. herdeiros de Paul Alexander Zino), como sendo a fortaleza de S. João do Pico dos Frias uma “força inexpugnável, fabricada em uma penha, e monte muito alto e superior, e padrasto à cidade”, tendo a “sua cava”, natural, acrescente-se “e ponte levadiça”. A fortaleza tinha então “3 praças, umas superiores às outras, e que se defendem cada uma per si”, e a cisterna era capaz de 3 mil pipas de água, “cavada na rocha e de muito custo”. O armamento era então de 8 colubrinas, peças de longo alcance, de 13 libras de bala. Como se pode ver pela aguarela de Bartolomeu João, a fortaleza estava longe de estar concluída, o que só iria acontecer ao longo da segunda metade do século. No desenho, por exemplo, encontrava-se prevista a capela, assinalada somente através de uma cruz de madeira. No entanto, a capela só seria guarnecida, por volta de 1730. O desenho apresenta a porta já dotada de ponte levadiça, suspensa por duas correntes a saírem de orifícios situados acima do cordão da muralha e, neste desenho, apresenta uma decoração que parece ainda de inspiração tardo-gótica, pelo que pensamos ter sido depois totalmente reformulada. As guaritas apresentadas são semelhantes à guarita do baluarte cavaleiro de S. Lourenço (Fortaleza e palácio de S. Lourenço), logo diferentes das atuais, que têm paralelo nas guaritas dos baluartes de Mateus Fernandes na mesma fortaleza e, igualmente nas que Bartolomeu João desenhou em S. Tiago. Parece assim que seriam então como as atuais, ou seja semelhantes às de Mateus Fernandes e que Bartolomeu João pretenderia transformá-las, o que não veio a acontecer. Por esta data era comandante do Pico o tenente castelhano Benedito Catalão, “com 4 escudos de vantagem sobre o soldo de soldado da companhia do presídio, que estava exercendo havia 30 anos”. Este alvará foi assinado por D. João IV, a 4 de dezembro de 1655 e mostra inequivocamente as boas relações que alguns dos castelhanos do presídio tinham sabido cultivar na ilha. O primeiro provimento de artilheiros de que temos conhecimento, data de 28 de março de 1699, quando foi então provido como condestável da fortaleza Manuel Coelho de Sousa, com 24$000 réis e duas pipas de vinho por ano. Esta nomeação não invalida que ali não estivessem já artilheiros, assim como uma guarnição, de que era comandante, por exemplo, em 1668, o tenente João Vieira Pita, nomeado em 1648 alferes da companhia paga de São Lourenço e que nesse ano se envolveu na sedição que depôs o governador (VERÍSSIMO, 2000, 155-162). A sua colaboração estendeu-se a aceitar que o governador recolhesse àquela fortaleza sob prisão, pelo que veio a ser demitido e degredado por cinco anos para o Brasil. Nos inícios do séc. XVIII e segundo o “Livro de carga da Fortificação” era condestável da fortaleza, Francisco Pereira da Silva que, em 1724, recebeu 14 peças de artilharia montadas; 2 de bronze e 12 de ferro, de calibres entre 5 e 24 libras, assim como os respetivos apetrechos. Como pormenor interessante foram-lhe carregados 3 reparos de quatro rodas, 6 travessas das ditas rodas; e 3 eixos, “tudo novo, sem ferrugem” (ARM, GC, 418, 13), das poucas referências a reservas, ou sobressalentes, como hoje diríamos, nestas cargas. Em 1730 tomou posse novo condestável: Luís Gonçalves, ao qual foi carregado, para além do já exposto, o acervo da capela, montada por estes anos: um retábulo de São João; 2 castiçais de pau; um frontal “lá posto”, cinco toalhas; um altar; uma casula; uma alva; um amito; um manípulo; estola e cordão com uma bolsa; corporais; patena; palanco; sanguinhos; galhetas; pedra de ara; uma cruz de pau; uma toalha de mãos; um armário; um missal; e uma estante (Ibid.). A 18 de novembro de 1754 teve provisão de condestável José Baião da Silva, com um acrescentamento de 2 pipas de vinho sobre o anterior ordenado de 24$000 que o lugar tinha e, falecendo este, teve alvará de D. José Felipe Nery da Silva com o mesmo ordenado. Deve-se ao bispo governador D. Gaspar Afonso da Costa Brandão (1703-1784), como governador em exercício, os primeiros contatos para a construção de um armazém de pólvora da cidade do Funchal, afastado da fortaleza do Pico. Até ao incêndio das casas do governador em S. Lourenço ocorrido nos finais do séc. XVII, tinha sido naquela fortaleza, a partir do que foi transferido pelo governador António Jorge de Melo para a fortaleza do Pico. No entanto, a 12 de junho de 1758, escrevia o bispo-governador para Lisboa, queixando-se do perigo que representava para a cidade um armazém com toda a pólvora destinada ao provimento de todos os fortes, “e torres desta ilha, que passam de mil, cento e cinquenta barris, cada um de quatro arrobas”, embora assunto só depois acionado pelo governador seguinte (AHU, Madeira, 163 e 178-184). Foi assim construído novo armazém, fora da fortaleza do Pico e a alguma distância. O bispo governador D. Gaspar deu uma certa utilização a esta fortaleza, sabendo-se, por exemplo, ter ali estado preso João José de Bettencourt de Freitas, em 1770, por ter obstado a que fosse lida na igreja de Santa Cruz, antes da missa, a excomunhão do seu pai, juiz dos órfãos, assinada pelo mesmo bispo. Nesse mesmo ano de 1770, por alvará real e a solicitação do governador João António de Sá Pereira (1730-1804), depois barão de Alverca, para repressão da vadiagem do Porto Santo, foram estabelecidas nesta fortaleza algumas oficinas de aprendizagem de ofícios mecânicos. Estas oficinas duraram pelo menos até ao primeiros anos do séc. XIX, data em que conhecemos terem sido procurados, de novo no Porto Santo, rapazes para as mesmas, estando desde 1802 sob responsabilidade do sargento-mor e, chegaram ali ser fabricadas armas de fogo de certa qualidade, com coronhas de diferentes madeiras da ilha, tendo três dessas espingardas sido enviadas para a corte, em Lisboa, “para instrução de suas altezas reais” (SILVA e MENESES, 1998, 46-47). Paulo Dias de Almeida (c. 1778-1832), que levantou, em 1804, pouco depois de chegado ao Funchal, a planta e perfil desta fortaleza (DSIE, GEAEM, 133-3-44-4), na sua “Descrição da ilha da Madeira”, de 1817, critica francamente a mesma, achando-a uma praça que “de pouco serve”, por ser dominada de vários pontos e, pelo norte, “de muito fácil assalto”. Acrescia que “em ocasião de rebate” era guarnecida com milicianos, que antes de chegar o brigadeiro Jorge Frederico Lecor (c. 1775-1822) “não sabiam trabalhar com as peças”, porém com “a muita atividade daquele oficial os tem posto muito bem exercitados". Sobre o paiol, refere este oficial que estava a pouca distância da praça e era “onde se deposita, a que desembarca e embarca” (BNP, Res. cod. 6705, texto est. 13 e DSIE, GEAEM, 7483-1A-12A-16). Em 1825 e de acordo com inscrição ali existente, o paiol seria reformulado pelo então tenente-coronel Paulo Dias de Almeida, como o conhecemos hoje. Em abril de 1836, era encarregado do paiol o major Luís Agostinho de Figueiroa, figura política de relevo nesses anos. A mesma opinião sobre a fortaleza do Pico não era partilhada pelo major António Pedro de Azevedo (1812-1889) , que no “Tombo Militar do Castelo de São João do Pico”, em 1860, refere ser este “o único ponto do interior da ilha da Madeira permanentemente fortificado” (ARM, Arquivos particulares). Acrescenta que teria sido levantado em 1639, o que sabemos não ser verdade, e destinado a funcionar como cidadela. Encontra-se a 111,5 metros de altura em relação ao nível do mar; a 1056 do forte da Pontinha; e 1760 da fortaleza de S. Tiago. Escreve que possuía alguns terrenos anexos e um portão de entrada, depois levantado em 1802, conforme consta de inscrição ali colocada, com uma pequena casa da guarda exterior. Esta casa pagava então em 1860 foro anual de $285 réis a Perpétua Maria, subenfiteuta de Nuno de Freitas Lomelino (1820-1880), “morgado das Cruzes” (DSIE, GEAEM, 133-3-44-4). A partir dos levantamentos do tenente Paulo Dias de Almeida e depois dos oficiais ingleses das ocupações dos inícios do séc. XIX (LAWRENCE, RN, 1808), assim como o quase exaustivo trabalho ao logo de muito anos de permanência na Madeira do major António Pedro de Azevedo, existe inúmera documentação iconográfica militar desta fortaleza. O mesmo se passou com os forasteiros internacionais, que também quase exaustivamente a representaram, desde o desenho panorâmico do pintor e gravador Thomas Hearne (1744-1817), de 1772, hoje nas coleções da câmara do Funchal, passando depois pelos pintores e ilustradores que passaram pela Madeira, como William Westall (1781-1850), 1801 e 1805, o reverendo James Bulwer (1794-1879), em 1827, Andrew Picken (1815-1845), em 1840 e 1841, Lady Susan Harriet Vernon Harcourt (1824-c. 1900), em 1847, 1848 e 1849, Frank Dillon (1822-1909), em 1850, entre outros, que editaram a fortaleza do Pico nas litografias dos seus álbuns de viagem. A imposição visual da fortaleza na paisagem da cidade levaria a que igualmente fosse pintada por outros artistas, como o alemão Eduard Hildebrandt (1817-1868), em 1844, o russo Karl Briullov (1799-1852), em 1850 ou, mais recentemente, Max Römer (1878-1960) ou Maria Franco (1908-1975), já para não referir os fotógrafos. Nos inícios do séc. XIX e com a vigência do absolutismo, mudou-se o nome à fortaleza, que passou a ser de São Miguel e que, nos inícios do séc. XVII, também tinha sido de São Filipe. No entanto, em breve voltava a ser denominada por São João. A fortaleza, entretanto seria palco de uma opção única na História da Madeira: a recolha de todas as pratas das confrarias da ilha, para posterior envio para Lisboa. O governador D. Álvaro da Costa, por certo depois de conferenciar maduramente com o prelado do Funchal, comunicou para a corte a ideia que lha tinha ocorrido nos finais do ano anterior, “visto o que se tinha passado nos Açores”, onde se haviam apeado os sinos de algumas igrejas para fundir moeda, depois de constatar a importância do acervo da “sé catedral” e demais igrejas da ilha, assim como da “casa da mitra”, que pensamos ser o paço episcopal e do extinto convento dos jesuítas. A ideia não era então só da guarda das pratas das confrarias na principal fortaleza da ilha, mas o seu envio para Lisboa, assunto que a expôs ao conde de Basto, a 16 de dezembro de 1831 (ARM, GC, 715, 117v e AHU, Ibid., 11971). O bispo do Funchal emitiu então ordem aos administradores das confrarias para arrecadação das pratas, a 30 de janeiro de 1832, reiterando a mesma, com data de 14 de fevereiro seguinte. No entanto, muitos dos administradores recusaram-se pura e simplesmente a cumprir as ordens do prelado, assunto que o mesmo comunicou a 24 de fevereiro ao governador. O corregedor comunicava a 3 de março que não haviam ainda entregado as pratas as confrarias do Santíssimo da Madalena, da matriz do Estreito de Câmara de Lobos, da Ponta do Sol, do Porto da Cruz, de Câmara de Lobos, do Arco da Calheta, de São Vicente, da Ribeira da Janela, da Ribeira Brava, do Campanário, da Tabua e da Ponta do Pargo (Ibid., 71 v-72 v), mas, pelos vistos, muitas das confrarias já as haviam entregado, incluindo, as confrarias da sé e demais matrizes de freguesia do Funchal. O embargo marítimo colocado pelas forças apoiantes de D. Pedro, grande parte recrutadas em Inglaterra, não permitiu, entretanto, que tal saque se viesse a concretizar com a saída das pratas da ilha. O mesmo ocorreu, também, com a mais importante riqueza da ilha, como se escreveu, que era o vinho, pelo que idêntica ordem foi igualmente dada à alfândega do Funchal, e que igualmente não se conseguiu embarcar. Nos inícios do séc. XX e com a visita real, organizaram-se salvas a Suas Majestades, com as velhas peças prussianas de 1870, tal como uns anos antes escrevera a atenta inglesa Isabella de França (1795-1880), no Journal da sua visita à Madeira em 1853, quando as peças da fortaleza do Pico tinham salvado “de cinco em cinco minutos, por três dias e duas noites”, pela morte inesperada da rainha D. Maria II, a 15 de novembro de 1853 (FRANÇA, 1970, 166). Infelizmente, há muito tempo que as mesmas não faziam tiro e, entretanto, tinha crescido o casario nas vertentes da Forteza, pelo que os prejuízos de vidros partidos nas salvas da visita régia de 1901 foram muito avultados, não voltando as peças do Pico a salvar. Nos meados do séc. XX a fortaleza do Pico foi entregue à Marinha para ali instalar o centro de comunicações da Armada, instalação iniciada em 1929. Com as inúmeras antenas então levantadas, a população funchalense passou a designá-la por “Pico-Rádio”. Infelizmente nas obras depois levadas a cabo, entre 1940 e 1950, foi desmanchada a antiga capela, não se aproveitando sequer as cantarias. A fortaleza de São João Baptista do Funchal foi classificada de imóvel de interesse público pelo decreto 32.973 de 18 de agosto de 1943 e veio a ser entregue ao GRM em 2014, decorrendo concurso de ideias nos primeiros meses de 2015. Bibliog. impressa: BOTELHO, TCor. Art., João e VICENTE, SAJ Inf., Ramiro, Regimento de Guarnição n.º 3, das origens à atualidade, 1864-2008, Uma viagem ao passado pelas Unidades da Madeira, Funchal, outubro de 2008; CARITA, Rui, Paulo Dias de Almeida e a sua Descrição da ilha da Madeira de 1817/1827, Funchal, DRAC, 1982; Id., O Regimento de Fortificação de D. Sebastião, 1572 e a Carta de Bartolomeu João, 1654, SRE, Funchal, 1984; Id., História da Madeira (1600-1700), iii vol., As dinastias Habsburgo e Bragança, Funchal, SRE, 1992; Id., A Arquitetura Militar na Madeira nos séculos xv a xvii, Funchal/Lisboa, EME e Universidade da Madeira, 1998; Id., História da Madeira, As Ocupações Inglesas e as Lutas Liberais: O processo Político (1801-1834), Funchal, DRAC, 2002; FRANÇA, Isabella de, Jornal de uma Visita à Madeira e a Portugal, 1853-1854, anot. Cabral do Nascimento e João dos Santos Simões, Funchal, JGDAF, 1970; RODRIGUES, Paulo Miguel, A Política e as Questões Militares na Madeira. O Período das Guerras Napoleónicas, Funchal, CEHA, 1999;  SILVA, Fernando Augusto da, e MENESES, Carlos Azevedo de, Elucidário Madeirense, 3 vols., ed. fac-simile, Funchal, SRTC, 1998; TOMÁS, Manuel, Insulana, Antuérpia, Joam Mevresio, 1635; VERÍSSIMO, Nelson, Relações de Poder na Sociedade Madeirense do Século XVII, Coleç. História da Madeira, 1, DRAC, Funchal, 2000; cartografia e iconografia: ALMEIDA, Paulo Dias de, Planta e Perfil da Fortaleza do Pico, 1804 (DSIE, GEAEM, 133-3-44-4); Planta da Fortaleza do Pico, 1817 (BNL, res., cod. 6.705); Planta da Fortaleza do Pico, 1817 (c.), (DSIE, GEAEM, 7483-1A-12A-16); AZEVEDO, António Pedro de, Planta do Castello do Pico de S. João Baptista, 1841, 1865 e segs. (DSIE, GEAEM, 3/5/13; 3915-I-2-18A-110; 5585-1A-12A-16, etc.); BULWER, James, Views in the Madeiras, Londres, litografado por William Westall A.R.A, Londres, 1827; DILLON, Frank e PICKEN, T., Scketches in the Island of Madeira, London, Day and Son Lith, 1850; JOÃO, Bartolomeu, Descripção da Ilha da Madeira, Cidade do Funchal, Villas, Lugares, Portos e Enseadas, e mais secretos, feita por Bertolameu João Inginheiro della em tempo do Governador Bertolameu Vasconcelos da Cunha, capitão geral desta ilha no anno de 165[4], Coleç. dos Herdeiros de Paul Alexander Zino; HARCOURT, lady Susan Harriet Vernon, A Sketch of Madeira, Londres, Ed. Thomas McLean, 1850; HEARNE, Thomas, desenho panorâmico da cidade do Funchal, 1772 (Núcleo museológico da Cidade do Açúcar, Funchal); LAWRENCE, RN, G. B., Plan of the Fortifications, of Funchal in the Island of Madeira, Dez. 24 th 1808, which was given up to the British Forces under Admiral Sir Samuel Hood K. B. and Gen.l Beresford, Arquivo Histórico Militar, 47.ª sec., n.º 16750 (não assinado) e antiga col. particular Peter Cossart (assinado); PICKEN, Andrew, Madeira Ilustrated, London, Day and Son Lith to The Queen e Published by Mess.re Paul and Dominic Colnaghi and CP Publishers to Her Magesty, 1840; WESTALL, Richard e William, Foreign Scenery, a series of picturesque and romantic scenery in Madeira, the Cape of Good Hope, Timor, China, Prince of Wales's Island, Bombay, Mahratta country, St. Helena and Jamaica, litografias de J. 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Filipe I, liv. 28; Corpo Cronológico, parte I, 118-151; Junta da Provedoria da Real Fazenda do Funchal, 837, 963, 965A, 974 e 980. Rui Carita (atualizado a 18.08.2016)

fortaleza do ilhéu

Face ao aumento de movimento no porto do Funchal, nos meados do séc. XVII era imprescindível procurar um outro esquema mais apertado para a vigilância e segurança do porto do Funchal. O reduto da Alfândega tinha tido em vista a segurança da fazenda régia, o embarque e o desembarque de fazendas (Reduto da alfândega), pelo que a construção de uma outra fortaleza, que controlasse mesmo centralmente o porto da cidade era uma necessidade evidente. Era muito antiga a ideia de construção de uma fortaleza no chamado Ilhéu Grande, tendo sido o primeiro advogado dessa construção Diogo Cabral, que em 1553, já escrevera da Calheta, a D. João III, a propósito das contínuas vindas de corsários à Madeira e das necessidades gerais de defesa. Num dos parágrafos desta carta descreve-se o Ilhéu Grande e salientava-se a importância da construção de um reduto naquele sítio, que poderia defender eficazmente todo o porto da cidade: “Neste porto do Funchal está um Ilhéu, de altura de trinta braças (60 metros) e mais. Nele se houvera de fazer a fortaleza, porque assegura o porto, sem se nele poder surtir e com pouca despesa se fará”. Salientava-se que “dez homens a defenderiam a todo o poder do Turco”, pois que nesta data se configurava como inimigo o grão sultão de Istambul, então com domínio sobre o porto de Argel. O ilhéu era de rocha talhada, sem ter mais de uma subida, “e poucos a podem trepar”, tendo junto do mesmo “seis braças de fundo”. De terra firme, distava tanto “quanto uma boa besta possa lançar uma seta” (IAN/TT, CC, II, 243-9). As primeiras obras no Ilhéu Grande devem ter decorrido nos meados da primeira metade do século XVII, entre 1634 e 1636, com o governador D. João de Menezes, embora não deva ter então passado do reconhecimento do local e reunião ali de alguma pedra e cal, pelo que os seguintes governadores vêm a dizer que a levantaram “da primeira pedra”. Não foi com certeza uma construção fácil e não teria nada do aspeto atual. Era então uma construção prevista para ficar redonda, como a que viria depois a desenhar o engenheiro Bartolomeu João (c. 1590-1658) (João, Bartolomeu), em 1654, ainda numa antevisão, em princípio, do que deveria vir a ser. As primeiras obras efetivas nasceram depois da “Restauração”, na sequência da construção do reduto da Alfândega, cuja ordem foi de 1644, e do aumento do movimento do porto do Funchal. Após esta construção, os moradores do Funchal aproveitando a chegada ao Funchal do governador Bartolomeu Vasconcelos da Cunha, em 1651, solicitam a construção efetiva de uma fortaleza no Ilhéu. O pedido foi feito a Lisboa através do provedor da alfândega Francisco de Andrada e do governador, que enviaram cartas a solicitar a construção, informando que nada custaria à fazenda real, dado ser por certo executada com o “donativo” feita feito pelos moradores para reparação e conservação das fortificações (IAN/TT, JPRFF, 396, 7 v.). A autorização veio a 10 de fevereiro de 1652, com base nas informações do provedor e do governador (ARM, CMF, RG, T6, 116 v.-117). O rei D. João IV autoriza assim a construção com base no trabalho “da gente da terra, por companhias ou esquadras”; no material, dos moradores do Funchal: “para a alvenaria os ditos moradores se ajustariam convosco, de sorte que acudiriam à obra com as (suas) pessoas e fazendas” e para a guarnição, com o pessoal de São Lourenço, “a outra fortaleza que hoje há”, como acontecia então na barra de Lisboa, onde São Lourenço do areal da Cabeça Seca (o Bugio), utilizava o pessoal da fortaleza de São Julião da Barra, “para se escusarem outros soldados e despesas” (Ibid.). O desenho de Bartolomeu João apresenta-a como um reduto circular, artilhado com seis bocas-de-fogo e com casa da guarda central e isolada. A comunicação com o exterior fazia-se por um portal largo de cantaria trabalhada, com arco de volta perfeita e nicho superior inscrito no arco, o que hoje não existe. À frente da porta nascia um balcão e uma longa escadaria de três lanços que chegava ao mar. A atestar estas obras mandou-se colocar uma inscrição sobre a porta, onde se pode ler: “Esta Fortaleza fez o Governador e Capitão general Bartolomeu Vasconcelos da Cunha da primeira pedra do cimo, no ano de 1654. Neste tempo era provedor da Fazenda Francisco de Andrada, que assistia às despesas da fortificação e ajudou muito esta obra”. Claro que não era totalmente verdade, pois a construção da fortaleza ocupou toda a segunda metade do séc. XVII. Embora desenhada e artilhada, a fortaleza, para além do título: “Fortaleza do Ilhéu Nª. Sª. da Conceição que o governador Bartolomeu Vasconcelos mandou fazer na ilha da Madeira”, não apresenta descrição, sinal provável de se encontrar ainda em projeto. O provedor descreveria, depois, em carta de 21 de abril de 1664, as difíceis obras do Ilhéu. Era sua opinião, no entanto, que a fortaleza em breve estaria quase pronta e que o relativo atraso se devia a ter-se dado “por uma parte dela com quantidade de rocha rija”, pelo que “os gastadores” estavam “desbastando sempre” e assim se iria “continuando a romper a dita pedra, até ficar capaz de se poder obrar com pedra e cal”. Em breve, segundo opinião do provedor, estaria apta para receber 6 peças: 3 de bronze e 3 de ferro e, quando pronta, “capaz de 12”. Salientava ainda que as peças que ali deveriam ser colocadas “haveriam de ser de alcance, e não como as que possui, que são meios-canhões” (IAN/TT, PJRFF, 396, 36). A fortaleza possuía pessoal em permanência desde 1658 e, pelos vistos, já se encontrava artilhada. A 23 de março de 1670, o provedor volta a escrever sobre o andamento das obras do Ilhéu: “A fortaleza do Ilhéu se começou a fabricar havia 14 anos, pouco mais ou menos. E há 12 anos que assistem nela soldados em casas que têm, com 6 peças de artilharia: 3 de bronze e 3 de ferro; com um mastro no meio dela, com um estandarte que dá sinal a esta cidade porque parte aparecem os navios”. Nesta carta solicitou o provedor que fosse atribuída uma verba para lenha e azeite para o corpo da guarda do Ilhéu, alvitrando mesmo que se deveria fazer como se fazia em São Lourenço, vindo “um escrito” à Alfândega, para que o almoxarife o pudesse pagar (Ibid., 52). A autorização ainda veio nesse ano com data de 30 de agosto (BNL, IRAPJRFF, 12 e IAN/TT, Chanc. Ordem de Cristo, 46, 45v). Nesse ano de 1670 solicitaram os soldados em serviço na fortaleza do Ilhéu a construção de uma capela. Na petição ao Príncipe Regente, “os soldados do presídio da ilha da Madeira” advogavam “que por sua devoção se iam instituindo em uma confraria de Nossa Senhora da Conceição, que serviam com muito zelo na fortaleza do Ilhéu do Mar, onde metiam suas guardas e faziam vigias”. Saliente-se que os soldados se intitulam de São Lourenço, ali de serviço, pelo que era então ainda tudo pessoal da fortaleza central da cidade e ali destacado. Os soldados começavam por contar que tinham levantado um oratório, mas que estava “com grande indecência, sem o devido ornato, etc.”. Tinham então intenção de fazer “uma ermida, em parte da mesma fortaleza que não fizesse dano, o que não podiam conseguir por serem pobres e não terem mais que o seu soldo”, acabando por pedir ao futuro D. Pedro II a construção da capela, comprometendo-se a tomar à sua conta as imagens, retábulo e todos os demais ornamentos necessários. O príncipe D. Pedro despachou favoravelmente a petição a 9 de novembro de 1672, mandando medir o lugar e ordenou que, “com o mínimo de despesa possível”, se fizesse a construção. No entanto, a ordem para o Funchal só veio dez anos depois, expedida de Lisboa a 27 de outubro de 1682 e registada no Funchal, a 28 de janeiro de 1683 (IAN/TT, PJRFF, 996, 256 e BNP, IRAPRFF, 12-12v). A construção deve ter ficado pronta com a cisterna, em 1687, conforme o então governador mandou gravar noutra inscrição: “Esta igreja e cisterna fez o governador e capitão geral Pedro de Lima no ano de 1687”. A fortaleza do Ilhéu começou a trabalhar na sua verdadeira força no último quartel do séc. XVII, sem depender então de São Lourenço, como acontecera até então. Teria sido nessa altura que a fortaleza passou a registo do porto, salvando os navios que entravam e assinalando para terra a sua proveniência. Até essa altura, como podemos ver pelos pagamentos da fortificação de 1673, feitos pelo tesoureiro António Monteiro e o provedor Ambrósio de Andrade, o movimento das despesas do Ilhéu ia essencialmente para os batéis de Brás Moniz, que faziam os transportes de “serviço dos soldados” (IAN/TT, PJRFF, 781, 2-7 e 14). Com o aumento do movimento do porto, passaram as despesas da pólvora a aumentar, assistindo-se a um contínuo pedido de provisões neste âmbito, desde 1675 até 1689. Perante o esforço suplementar pedido aos artilheiros do Ilhéu e de São Lourenço, o rei concedeu-lhes, em 1691, um suplemento de “meio tostão por dia, na forma como são os soldados pagos do dito castelo de São Lourenço” (Ibid., 966, 135). Em 1693, a fortaleza do Ilhéu veio a ter mesmo capelão privativo, lugar em que foi provido o padre José de Andrada, com um ordenado de 18$000 réis (Ibid., 186v). Em 1691, por carta patente do governador D. Rodrigo da Costa, como alcaide-mor das fortalezas da Ilha, foi nomeado governador do Ilhéu D. Jorge Henriques, filho do mestre de campo D. Francisco Henriques, atendendo aos serviços prestados por seu pai nas campanhas da Restauração. Nessa época e com base no provimento de João Fernandes na praça de artilheiro pago do Ilhéu, temos a descriminação dos artilheiros do Funchal. Assim encontravam-se no Ilhéu: o condestável, Simão Fernandes Fortes, com 24 anos de serviço; como cabo dos artilheiros, Manuel da Costa, com 13 anos de serviço em São Filipe e 3 no Ilhéu; Matias Gonçalves, com 36 anos de serviço no Ilhéu, logo o mais antigo; Diogo Nunes, 20 anos de serviço e então no Ilhéu; Martinho Gomes, com 15 anos de serviço no Ilhéu; Inácio Miranda, sem referência; e Francisco Fernandes da Silva, com 2 anos de serviço em São Lourenço e 3 no Ilhéu. Mais tarde, em 1693, foi nomeado o bombardeiro José do Couto, com meio tostão de ordenado e, em 1698, foi nomeado condestável do Ilhéu Manuel Martins, tanoeiro, pelo falecimento do irmão Simão Fernandes Fortes, com um ordenado anual de 48$000 réis (Ibid., 966, 184 e BNP, IRAPRFF, 12v). Pouco depois dessa data, em 1690, era reformado e colocado como condestável no “fortim” dos Louros, atendendo-se a ter 20 anos de serviço no Ilhéu e “por ser incapaz”, “assim por ser já velho, como por falta de vista”, pelo que se dava mais uma pipa de vinho por ano (Ibid., 968, 67). A guarnição era composta por 12 artilheiros, ganhando cada um 50 réis por dia, o que era então pouco, pelo D. José fez-lhes mercê do acrescentamento de 30 réis, sobre os anteriores 50, ficando assim com 80, vencimento que se manteve todo o século XVIII, como "dois patacos grossos" (BNP, IRAPRFF, 12v). A importância da fortaleza do Ilhéu era patente nos inícios do século XVIII, sendo referido na carta patente de Duarte Sodré Pereira, que deveria “dar nova forma ao forte do Ilhéu, em que se amarram as embarcações que vão àquele porto” e meter ali mais nove peças de artilharia (ARM, CMF, RG, T 7, 233-253v e IAN/TT, Chanc. de D. Pedro II, 45, 250v-251 e 63-69v), mas não temos informação de nesses anos terem ocorrido ali obras. Pelo Livro de Carga da Fortificação, em 1724 tinha esta fortaleza 15 peças montadas, 4 de bronze e 11 de ferro, de calibres de 6 até 24 libras, assim como 4 peças de ferro desmontadas de calibre de 36 libras. Era então condestável da fortaleza João Martins de Araújo que, em 1733 foi substituído por João Teixeira de Freitas. Foi com o primeiro condestável, a 23 de Fevereiro de 1731 que se dera um rebentamento de uma das peças de ferro, "que se fez em migalhas”, matando um dos artilheiros (ARM, GC, 418, 17-19). Nos meados do século XVIII, em 1755, na “Relação das pessas de bronze & Ferro...”, o Ilhéu aparece com 17 peças, o número mais importante do Funchal. Tinha então 2 colubrinas de bronze capazes, de calibre 16; 2 colubrinas incapazes de calibre 14; 4 canhões de ferro de calibre 48 e 6 de calibre 30; e 3 quartos de canhão de ferro, de calibre 8, também incapazes (AHU, Madeira, 47). Depois do desgaste da ocupação inglesa, cujas forças levaram as melhores peças das fortalezas da Madeira, em 1817, segundo escreve Paulo Dias de Almeida (c. 1778-1832), ainda possuía 4 peças de calibre 3; 5 de 4; 2 de 12; 6 de 18 e 6 de 24, num total de 23 peças (ALMEIDA, 1817). Nos meados do séc. XVIII se processou a reformulação do porto do Funchal e da fortaleza do Ilhéu, muito provavelmente com projeto de Tosi Colombina (1701-c. 1770), ou de Francisco de Alincourt (1733-1816) que, em 1771, propôs a união dos dois ilhéus para aumentar o cais de acostagem do recém-construído forte de S. José da Pontinha, construção que só se veio a efetivar-se quase 100 anos depois, entre 1885 e 1890. A fortaleza do Ilhéu teria sido reformulado nesses meados do século com larga plataforma ou esplanada, edifício de instalação da guarda com dois pisos, na sequência da capela já existente e esplanada rematada por fortes guaritas, que o mar e o descuido dos homens foram deixando cair, somente duas tendo chegado aos nossos dias. Ao longo dos sécs. XVIII e XIX a fortaleza do Ilhéu foi também utilizada como prisão, registando-se alguns casos de elementos da primeira nobreza insular, como os morgados António de Carvalhal Esmeraldo e Câmara (c. 1662-1730), procurador da câmara do Funchal, poeta gongórico de certa nomeada do seu tempo, por determinação do bispo do Funchal D. frei Manuel Coutinho (1673-1742), em 1727, ou Henrique Correia de Vilhena (1769-c. 1830), irmão diplomata Fernando José Correia Henriques (1768-1821), futuro visconde de Torre Bela, pelo governador D. José Manuel da Câmara, em 1803. Se no primeiro caso, o infeliz procurador da câmara do Funchal ali passou três anos, inclusivamente aí escrevendo os seus versos e só saindo, quando doente e estando para morrer, só tendo o gabinete de D. João V interferido no assunto depois da sua morte, no segundo, de imediato, a corte de Lisboa, através do visconde da Anadia, mandou libertar o morgado e, inclusivamente admoestou o governador. Era este forte que controlava a entrada de navios no porto da cidade, salvando-os de acordo com os cumprimentos da praxe. Aliás, nem sempre passíveis, constando que, a 12 de setembro de 1768, quando da visita do célebre almirante inglês James Cook (1728-1779), então a iniciar a sua primeira volta ao mundo, houve qualquer mal-entendido com os ingleses e os tiros trocados não foram de salvas, mas verdadeiros (AHU, Ibid., 549). James Cook e o seu Endeavour entraram no Funchal no dia seguinte, a 13 de setembro, saindo a 19 para o Rio de Janeiro. Este incidente foi registado pelo naturalista polaco Johann Reinhold Forster (1754-1794), que acompanhou a viagem de 1772, a segunda viagem de circum-navegação, já no navio “Resolução”, mas referindo-se à primeira viagem e que demandou a Madeira a 29 de julho desse ano de 1772 (SILVA e MENESES, 1998, 314-315). O sistema de salvas foi reformulado a 14 de outubro de 1799, embora e para questões pontuais, pudessem haver instruções específicas, aconteceu assim com as armadas inglesas de ocupação, por exemplo e sendo o último regulamento de 1849, emitido pelo então marechal António de Pádua da Costa. A partida das forças inglesas da primeira ocupação, a 25 de janeiro de 1802, foi rodeada de complicadas instruções. Assim, o Ilhéu deveria salvar com 9 peças quando passasse para bordo o brigadeiro general William Henry Clinton (1769-1846) no seu escaler. O Ilhéu receberia logo depois a salva da fragata “Aretim”, a que deveria responder peça a peça. As instruções para estas cerimónias foram assinadas pelo major graduado António Rodrigues de Sá, então “comandante da parada” (SARMENTO, 1930, 11) e que, uns anos antes, tinha sido o autor das cartas respeitantes aos planos de fortificação do major Inácio Joaquim de Castro, de 1799. Quando Paulo Dias de Almeida escreveu a sua Descrição, em 1817, cita esta praça como construída no alto de um rochedo, separado de terra firme. Pela sua altitude os tiros só a poderiam ofender a grande distância. No entanto, como os combatentes se encontravam descobertos, qualquer metralha varreria a guarnição e com facilidade se calaria, alvitrando-se o levantar dos parapeitos para defesa da guarnição. O engenheiro alertara também para as condições do mar, por vezes altamente perigoso e que, em caso de temporal se não deviam os navios chegar ao Ilhéu, para que não acontecesse como em 1803, quando uma galera norte-americana que ali se abrigara fora afundada por uma vaga que galgou o mesmo ilhéu. Já havia caído nos inícios do século XIX, não só o parapeito do lado do mar alto, como as duas guaritas desse lado, tendo sido Paulo Dias de Almeida a elaborar o relatório, com o governador e o secretário Gervásio Ferreira Rego, a 23 de julho e 17 de agosto de 1821 (ARM, GC, 195, 50-52).   Desde os finais do séc. XVIII que a fortaleza do Ilhéu se tornara um quase ex-libris do porto do Funchal, especialmente na documentação inglesa, onde aparece com a designação de Loo Rock, designação não facilmente explicável.  Uma das primeiras representações deve ser a do gravador Thomas Hearne (1744-1817), que esteve no porto do Funchal em 1772 (Col. CMF) a que se seguem inúmeras outras, como a do tenente Lawrence R.N., de 1808, feita para o general William Carr Beresford (1768-1854) e onde esta e outras fortalezas aparecem com a bandeira inglesa hasteada, seguindo depois inúmeros óleos, aguarelas, litografias, com destaque para as do reverendo James Bulwer (1794-1879) e de Andrew Picken (1815-1845), tal como, depois fotografias e bilhetes-postais, tendo, inclusivamente a fortaleza do Ilhéu sido um dos temas favoritos da indústria de embutidos madeirenses da primeira metade do séc. XX (Indústrias do turismo). [caption id="attachment_3476" align="alignleft" width="405"] Ilhéu da Pontinha-1800[/caption] Nos meados do séc. XIX a fortaleza passou por algumas obras, como em 1838, a cargo do engenheiro Tibério Augusto Blanc (c. 1810-1875), altura em que foram reformuladas as latrinas a céu aberto e, por volta de 1845, a cargo do capitão António Pedro de Azevedo (1812-1889), quando se iniciou a construção de um enorme paiol na fortaleza de Nossa Senhora da Conceição do Ilhéu, ocupando quase cinquenta por cento do espaço disponível (Paiol geral). Foi então levantado um guindaste inglês da firma Brown, Lenox & Co., que ainda recentemente ali existia e das peças mais antigas da arqueologia industrial na Ilha. A aquisição fora comunicada pelo tesoureiro interino da alfândega, a 8 de março de 1844, estando o local pronto desde meados de 1845, e competindo a chegada e receção, a 11 de setembro de 1846, ao então comandante da 9.ª Divisão Militar, José Maria de Barcelos e ao secretário do mesmo governo militar, António Caetano da Costa Moniz. [gallery size="full" ids="13460,13463,13466"] Nessa sequência, em 1850 foi instalada na fortaleza do Ilhéu uma estação semafórica que dava conta, pelas bandeiras içadas, dos vapores que chegavam ao porto, anunciando a mala, proveniência e destino de cada um. Em 1886 passou mesmo a servir de farol, com um farolim vermelho, que começou a funcionar a 18 de maio desse ano, depois ainda melhorado com as lentes rotativas que herdou do farol do Ilhéu de Cima, no Porto Santo. Passou então a transmitir luz vermelha e branca, alternadamente, mecanismo substituído por um novo a 1 de agosto de 1931. Com a construção e ampliação da muralha do porto, nos finais do séc. XIX, entre 1885 e 1890, foi o antigo ilhéu incorporado na muralha de acostagem, perdendo toda a sua antiga altivez de registo e de controlo de navios. Com a posterior ampliação do molhe do porto, entre 1934 e 1939, seria rasgado o interior do rochedo para construção de acesso automóvel ao molhe para nascente. Entretanto, tem sido ocupado com instalações militares relacionadas desde a década de 50 do séc. XX, com as transmissões militares, que ampliaram o antigo edifício de comando e casernas com mais um andar, instalações desocupadas dessa função nos meados da década de 70. Tendo sido manifestado interesse por parte do Governo Regional na sua reestruturação, foi entregue, na sequência do sucedido à fortaleza de Santiago, por protocolo assinado a 22 de maio de 1992, no qual se fez a entrega da fortaleza ao GRM para atividades culturais, tendo então sido apresentado um projeto de recuperação feito pela equipa do Arq. José Luís Meneses. A 8 de fevereiro de 1996 foi lançado de concurso público para um restaurante, com base no anterior projeto, sendo inaugurado um restaurante panorâmico em 1997, que no ano seguinte, a 13 de setembro, receberia o Prémio de Recuperação de Património atribuído pela CMF à equipa do Arq. José Luís Meneses, responsável pela recuperação do Forte, aproveitando o Dia Nacional dos Centros Históricos, nesse ano comemorado no Funchal. A 20 de janeiro de 2012, procedendo-se a obras de reabilitação do conjunto, procedia-se à desmontagem do guindaste de 1845. Bibliog. impressa: CARITA, Rui, Paulo Dias de Almeida e a sua Descrição da ilha da Madeira de 1817/1827, Funchal, DRAC, 1982; Id., O Regimento de Fortificação de D. Sebastião, 1572 e a Carta de Bartolomeu João, 1654, SRE, Funchal, 1984; Id., História da Madeira (1600-1700), III vol., As dinastias Habsburgo e Bragança, Funchal, SRE, 1992; Id., A Fortaleza de São Tiago, catálogo da exposição realizada para a entrega da fortaleza em parceria com Nelson Veríssimo e José de Sainz-Trueva, ed. DRAC, Funchal, jul. 1992; Id., A Arquitetura Militar na Madeira nos séculos XV a XVII, Funchal/Lisboa, EME e Universidade da Madeira, 1998; Id., História da Madeira, As Ocupações Inglesas e as Lutas Liberais: O processo Político (1801-1834), Funchal, DRAC, 2002; COSTA, António de Pádua da, marechal, Nona Divisão Militar, Instruções para a Fortaleza do Ilhéu, Funchal, Tyipografia de L. V. Júnior, 1 de jul. 1849; DILLON, Frank e PICKEN, T. (litografias), Scketches in the Island of Madeira, London, Day and Son Lith, 1850; PICKEN, Andrew, Madeira Ilustrated, London, Day & Haghe, 1840; RODRIGUES, Paulo Miguel, A Política e as Questões Militares na Madeira. O Período das Guerras Napoleónicas, Funchal, CEHA, 1999; SARMENTO, Alberto Artur, Madeira-1801 a 1802; 1807 a 1814, Notas e Documentos, Funchal, 1930; SILVA, Fernando Augusto da, e MENESES, Carlos Azevedo de, Elucidário Madeirense, 3 vols., ed. fac-simile, Funchal, SRTC, 1998; TOMÁS, Manuel, Insulana, Antuérpia, Joam Mevresio, 1635; VERÍSSIMO, Nelson, Relações de Poder na Sociedade Madeirense do Século XVII, Coleç. História da Madeira, 1, DRAC, Funchal, 2000; manuscrita: Arquivo Histórico Ultramarino, Mapa do Presídio Militar pago da ilha da Madeira; do das Milícias da Ordenança que guarnecem e vigiam; das suas Fortalezas, Armas, Munições e apetrechos de Guerra existentes, Ano de 1754, doc. 47, 549 e 1363-1364; Arquivo Regional da Madeira, Alfândega do Funchal, 676; Arquivos particulares (em organização); Câmara Municipal do Funchal, 1219; Registo Geral, Tomos 6 e 7; Descrição da Ilha da Madeira, Paulo Dias de Almeida, 1817 (aquisição 2010); Governo Civil, 195, 197 e Livro de Carga das Fortificações 1724-1730 (L. 3º), cod. 418; BNP, Index Geral do registo da antiga Provedoria da Real Fazenda, acrescentado com algumas notícias e sucessos da Ilha da Madeira desde o ano de 1419 do seu descobrimento até o de 1775 da extinção da mesma Provedoria, Reserv., cod. 8391; IAN/TT, Chancelaria da Ordem de Cristo, 46, Habilitações, 94-57; Chancelaria de D. João IV, 23; Chancelaria de D. Pedro II, 45; Corpo Cronológico, Parte II, 243-9; Junta da Provedoria da Real Fazenda do Funchal, 396, 781, 966, 968 e 969; cartografia e iconografia: ALINCOURT, Francisco de, Pranta dos dois Ilheos com seu projeito de os fichar, aguarela s/ papel, 48,5 x 37,5; 51 x 39,5 cm., 1771, Centro de Estudos de Cartografia Antiga (n.º 18, pasta 34), Instituto de Investigação Científica do Ultramar; Planta e perfil do Ilheos com seu projeito de os fichar, aguarela s/ papel, 48,5 x 37,5; 51 x 39,5 cm., 1771, (Direção do Serviço de Infraestruturas do Exército, Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar, 1309, 2-22A-109); ALMEIDA, Paulo Dias de, Planta de Fortaleza do Ilhéu, 1817 (BNL, res., cod. 6.705); Fortaleza do Ilheo, 1817 (c.) (DSIE, GEAEM, 7481-1A-12A-16); AZEVEDO, António Pedro de, Planta da Fortaleza do Ilheo, 1841, 1855, 1865 e segs. (DSIE, GEAEM, 5576-1A-12A-16; 5557-1A-12A-16; 10228-1A-12A-16; etc.); BLANC, Tibério Augusto (atr.), Planta e Perfil da Fortaleza do Ilhéu, c. 1838 (DSIE, GEAEM, 1310, 1311 e 1312-2-22A-109);  BULWER, James, Views in the Madeiras, Londres, litografado por William Westall A.R.A, Londres, 1827;  HEARNE, Thomas, desenho panorâmico da cidade do Funchal, 1772 (Núcleo museológico da Cidade do Açúcar, Funchal); JOÃO, Bartolomeu, Descripção da Ilha da Madeira, Cidade do Funchal, Villas, Lugares, Portos e Enseadas, e mais secretos, feita por Bertolameu João Inginheiro della em tempo do Governador Bertolameu Vasconcelos da Cunha, capitão geral desta ilha no anno de 165[4]. Coleção dos Herdeiros de Paul Alexander Zino; LAWRENCE, RN, G. B., Plan of the Fortifications of Funchal in the Island of Madeira, Dez. 24 th 1808, which was given up to the British Forces under Admiral Sir Samuel Hood K. B. and Gen.l Beresford, Arquivo Histórico Militar, 47.ª sec., n.º 16750 (não assinado) e antiga col. particular Peter Cossart (assinado); PICKEN, Andrew, Madeira Ilustrated, London, Day and Son Lith to The Queen e Published by Mess.re Paul and Dominic Colnaghi and CP Publishers to Her Magesty, 1840. Rui Carita (atualizado a 18.08.2016)