forte da penha de frança
A primeira informação que temos da fortaleza é de 1567-70 e vem na planta do Funchal executada por Mateus Fernandes. O conjunto foi depois reformulado nos inícios do séc.XVIII, provavelmente em 1712. No início do séc. XIX, foi quartel de um dos destacamentos das forças de ocupação inglesas e, nos finais desse século, dado o avançado estado de ruína e a proximidade à capela de N.ª S.ª da Penha de frança, foi esta área entregue ao prelado diocesano, que a transformou em residência de verão. Já no séc. XX, o bispo D. Manuel Agostinho Barreto fixou aí residência.
Palavras-chave: arquitetura militar; ocupações inglesas; porto do Funchal; prelado diocesano.
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A primeira informação que temos desta fortaleza é de 1567-70 e vem na planta do Funchal executada por Mateus Fernandes (c.1520-1597). Assim, embora com um texto parcialmente ilegível, nesse local pode ver-se uma pequena fortaleza de baluartes gémeos, com a indicação de que alguém a tinha feito "para tolher” [a desembar] cação destes ilhéus” (BNB, cart 1090203). Como se pode entender, tratava-se de um conjunto de dois baluartes, unidos e prolongados por uma cortina defensiva, que acompanhava o relevo do terreno, possuindo os baluartes ameias e canhoneiras nos flancos. Por comparação com as plantas do séc. XIX que chegaram até nós, o conjunto foi depois reformulado somente com o baluarte poente, mas manteve a muralha que o ligava ao nascente.
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Em oposição à fortaleza que depois foi denominada São Lourenço, a pequena fortaleza da Penha de frança era uma obra com um planeamento moderno para a época, abaluartada e perfeitamente adaptada ao terreno, embora de reduzidas dimensões. Tudo leva a pensar, que antes de Mateus Fernandes já teria havido fortificadores habilitados na Ilha, ou pelo menos homens com acesso aos bons manuais de arquitetura militar editados na época ou ter sido o primeiro trabalho do mestre das obras reais, logo que chegado ao Funchal em finais de 1566 ou inícios de 1567. Talvez pelas suas pequenas dimensões e até porque estaria para a época bastante afastada da cidade, esta fortificação não vem referida nos desenhos do Arquivo Geral de Simancas, datados de Lisboa, de 29 de outubro de 1582 e que acompanharam a carta de D. Francés de Alava y Belmont (1518/19-1586) para o rei Filipe II de Castela. Por outro lado não admira, pois os desenhos em questão são apontamentos de viagem, e focam essencialmente as fortalezas de São Lourenço e de São Filipe, embora um destes desenhos vá ao pormenor de apontar a localização das bocas-de-fogo nas fortalezas. Igualmente esta pequena fortaleza não foi referida em qualquer dos documentos, apontamentos e pedidos feitos durante a ocupação filipina, de que tenhamos conhecimento.
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Em 1622, o proprietário António Dantas fundou uma capela nesta área, para “serviço dos impedidos” (porventura, do forte), como então foi referido e a invocação de N. S.ª da Penha de frança dada a esta capela estendeu-se depois ao forte anexo. A existência de uma fortificação nesta área foi alvitrada por Álvaro Rodrigues de Azevedo (1825-1898) nas "notas" às Saudades da Terra, dada a utilização do termo “impedidos” (FRUTUOSO, 2007, 626) e, na sua sequência, igualmente o tenente-coronel Artur Alberto Sarmento (1878-1953) fez referência a esta fortaleza como anterior ao séc. XVIII. Saliente-se, que a informação sobre o serviço dos impedidos, também se pode referir somente aos impedidos de entrar na cidade, ou seja, àqueles que tinham de aguardar em “quarentena” a autorização dos guardas da saúde para entrarem na cidade, mas tudo leva a crer continuar ativada e ocupada esta estrutura nos inícios do séc. XVII. Quase 100 anos depois, por volta de 1712, quando era condestável do forte Manuel de Ceia, a capela foi objeto de obras e, muito provavelmente também o forte, vindo a capela a tornar-se num importante ponto de romarias e a levar à edificação em anexo de uma “casa de romeiros”. Em 1755 e com os donativos dos romeiros, foram as instalações anexas remodeladas e, em 1818, sob proposta do juiz dos resíduos do Funchal, foi a capela incorporada nos bens nacionais e dada ao prelado diocesano, que transformou depois os anexos em residência de verão, tendo o bispo D. Manuel Agostinho Barreto (1835-1911), já nos inícios do séc. XIX, inclusivamente chegado a fixar ali residência (SILVA e MENESES, 1998, 462-463).
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O forte ou reduto da Penha de frança, depois das obras de 1712, onde só se aproveitou o baluarte oeste e a cortina intermédia, encontrava-se artilhado, constando do “Livro de carga da fortificação” de 1724 uma dotação de cinco bocas-de-fogo. Em 1724, era condestável desta fortificação Manuel de Seia, falecido nesse ano e sendo nomeado para o seu lugar Pedro Barbosa da Silva, logo no início do ano seguinte. Quase um ano depois faleceu também este condestável, recebendo a mesma carga Benedito dos Ramos Caldeira, novo condestável, que assinou o termo a 8 de abril de 1726. O condestável Benedito dos Ramos ficou na fortaleza pelo menos até 1733, tendo-lhe sido entregue, a 6 de julho desse ano, por mandado do general e governador da Madeira, um reparo novo para uma peça de seis libras, “o qual se pôs em uma peça por ter o reparo em que estava podre” (ABM, Governo Civil, n.º 418, fl. 15).
Nos finais do séc. XVIII, encontrava-se um tanto degradada, figurando assim na grande panorâmica do Funchal de Thomas Hearne (1744-1817), de 1771, pelo que veio a sofrer obras para receber, no início do séc. XIX, uma guarnição inglesa das forças de ocupação. Foi nesta fortaleza que se deu o desagradável incidente, altamente lesivo da soberania portuguesa, relacionado com a execução de um soldado britânico.
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Este soldado, que matou um sargento britânico, foi condenado à morte por enforcamento, tendo havido de imediato correspondência entre as autoridades portuguesas e britânicas no sentido de não se dar execução à sentença em território nacional. Foi chamada a atenção das autoridades inglesas para os problemas causados por idêntica sentença dada em território francês pela Rainha Cristina da Suécia, que levara à sua expulsão, e para que, quando se davam situações destas, como acontecera recentemente no Brasil, as mesmas eram cumpridas em alto mar. Mais uma vez, as autoridades britânicas foram surdas a estas questões, começando, a partir desta altura, a viver-se um clima algo incómodo na Ilha em relação à presença britânica, que até essa data tinha tido mais ou menos boa aceitação.
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Com o liberalismo e a vigência do Gov. Sebastião Xavier Botelho (1768-1840), a fortaleza ainda sofreu importantes beneficiações, principalmente sendo guarnecida de artilharia, que não tinha, assim como de paiol e casa da guarda e do condestável. Refere o Ten.-Cor. Paulo Dias de Almeida (c. 1778-1832), na sua “Descrição da ilha da Madeira”, que servia então para defender a enseada do ribeiro Seco e o desembarque da Pontinha. No entanto, as obras foram muito superficiais e, na vigência do Cap. António Pedro de Azevedo (1812-1889), a fortificação encontrava-se muito arruinada, tendo inclusivamente ruído um dos panos de muralha e sido propostas para Lisboa importantes obras de reformulação e reconstrução, que não foram aceites na totalidade, mas permitiram a reconstrução. Algumas obras anexas foram orçamentadas por ofício de 4 de maio de 1852, aceitando-se um orçamento de 30 de novembro de 1854, aprovado em fevereiro do ano seguinte. As obras foram arrematadas por 259$500 réis e ficaram concluídas em agosto de 1857.
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Conforme consta da descrição desta fortaleza no “Tombo militar”, datada de 17 de setembro de 1862, teria então uma área de 3 a e 5 ca, com uma casa térrea de 16,48 m de comprido, com 4,4 m de largura, que servia de casa da guarda, com uma pequena cozinha, um paiol, sendo ainda alojamento do condestável ou do fiel das munições. O seu valor patrimonial não excedia, segundo a opinião do Ten.-Cor. António Pedro de Azevedo (1812-1889), os 300.000 mil réis. Confrontava a norte com os prédios de Rufino Ferreira; a sul, com os de Richard Blandy; a leste, com os da filha de Nicando Joaquim Diez Azevedo, casada com António Joaquim de Sousa; e a oeste, com os de Arnaldo Gomes e Quitéria Rosa.
Os telheiros situados pelo exterior, para sul, eram foreiros, e houve então correspondência vária sobre a possibilidade ou não da sua venda, tendo-se optado por não vender. No entanto, o tenente-coronel queixava-se de que a “construção desta bateria era tão fraca, que poucos tiros inimigos a podem reduzir a um montão de ruínas, pela escarpa ter por alicerce tufa ou lava escarçaria pouco consistente” (ABM, Arquivos Particulares, antigo n.º 121). Acrescentava ainda que a pouca extensão da bateria não admitia mais de três ou quatro peças.
Nos finais do séc. XIX, a fortaleza foi repartida em dois lados, colocados em praça e ambos arrendados a José Pereira por três anos, com início em julho de 1899 e com uma renda anual de 12$100 réis. O arrendamento acabava em junho de 1902 e a fortaleza da Penha de frança foi cedida definitivamente à Câmara Municipal do Funchal, por escritura assinada em abril de 1902. Restam somente vestígios, incorporados na antiga residência episcopal, numa casa particular, e os topónimos do lugar, como é o caso da Trav. do Reduto.
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Bibliog.: manuscrita: AGS, Guerra Antiga, M.P. XIX, 127 e 128; AHU, Conselho Ultramarino, Portugal, Madeira, docs. 1580-1582, e 3313-3316; ABM, Arquivos Particulares, António Pedro de Azevedo, Tombo 11 dos Prédios Militares, antigo n.º 121; Id., Governo Civil, n.os 200 e 418; BNB, Cartografia, Planta da Cidade do Funchal, Mateus Fernandes (III), 1567-1570, Cart. 1090203; DSIE, GEAEM, 5530-1A-12A-16 e 3915-III-2-18A-110; impressa: CARITA, Rui, Paulo Dias de Almeida e a Descrição da Ilha da Madeira, Funchal, DRAC, 1982; Id., O Regimento de Fortificação de D. Sebastião, 1572 e a Carta de Bartolomeu João, 1654, Funchal, Secretaria Regional de educação, 1984; Id., A arquitetura Militar na Madeira nos séculos XV a XVII, Lisboa/Funchal, Estado-maior do Exército/universidade da madeira, 1998; Id., História da Madeira vol. VII, Funchal, Secretaria Regional de educação e Cultura/universidade da madeira, 2008; FRUTUOSO, Gaspar, Saudades da Terra. História das Ilhas do porto santo, Madeira, Desertas e Selvagens, anot. Álvaro Rodrigues de Azevedo, Funchal, Empresa Municipal Funchal 500 Anos, 2008; SILVA, Fernando Augusto da, e MENESES, Carlos Azevedo de, Elucidário Madeirense, 3 vols., Funchal, DRAC, 1998; VERÍSSIMO, Nelson, Relações de Poder na sociedade Madeirense do século XVII, DRAC, Funchal, 2000.
Rui Carita
(atualizado a 07.12.2017)