alcaide do mar

30 Jan 2017 por "Leocadia"

A designação “alcaide” abrangeu um conjunto muito alargado de elementos com jurisdição militar, camarária, alfandegária e aduaneira, integrando-se na última área o alcaide do mar. A criação do lugar de Alcaide do Mar, Inquiridor dos Feitos da Fazenda e Meirinho das Execuções Reais data dos meados do c. XVI, tendo por função o controlo da complexa área da ligação da Alfândega e da Fazenda do Funchal com o movimento marítimo da baía. Este lugar ou ofício também aparece na Alfândega de Santa Cruz, na capitania de Machico, entre os finais dos cs. XVI e XVII, quando foi extinto, e em porto santo, nos meados do c. XVII. Sob controlo do alcaide do mar deveriam estar os guardas do número, criados por carta da lavra da infanta D. beatriz (1430-1506) datada de 1477. Estes começaram por ser oito, passando depois o grupo a integrar mais quatro que, em 1682, transitaram da extinta Alfândega de Santa Cruz.

[caption id="attachment_2615" align="alignleft" width="362"]Baia Funchal_vista St Maria 1870_[1] Baía Funchal, Vista Santa Maria 1870.[/caption]

Não existem muitas referências às atribuições específicas do alcaide do mar, embora o lugar apareça constantemente citado no antigo regime e com bons proventos económicos. Seguindo as ordens de d. joão iv em relação aos embarques e desembarques de quaisquer fazendas longe do reduto da Alfândega, nos inícios do c. XVII, o provedor Manuel Mexia Galvão publicou um edital, na consequência das ordens régias, retomando o assunto. Todas as fazendas embarcadas ou desembarcadas noutro local que não junto ao reduto da Alfândega deveriam ser dadas como perdidas, assim como “pessoa nenhuma de qualquer estado ou condição que seja” poderia ir a bordo dos navios com fazendas sem licença do provedor. Teriam, então, como penas a embarcação queimada e seis mil réis de condenação, pagos na cadeia, para a Fazenda Real, sendo a terça parte da condenação para o alcaide do mar ou para o denunciante.

O edital ainda acrescentava que o mesmo se deveria observar para as lanchas dos navios estrangeiros logo que tivessem dado a sua entrada na casa da saúde, devendo os respetivos cônsules obrigar-se a adverti-los para que não alegassem depois a ignorância dessas determinações. Não poderiam igualmente os barqueiros levar nem trazer fazendas por outros barcos que não os do cabrestante ou os dos nomeados pelo patrão do calhau e muito menos ir ou vir de bordo ao anoitecer. Pelo articulado deste edital, parece deduzir-se serem estes os assuntos da responsabilidade do alcaide do mar, que recebia a terça parte das condenações por essas infrações, estando sob seu controlo as embarcações do cabrestante e as nomeadas pelo patrão da ribeira ou pelo patrão do calhau, no caso de aquelas não serem suficientes.

[caption id="attachment_2612" align="alignright" width="299"]Regim Alfandegas 1477_650 Regime de alfândegas, documento datado de 1477.[/caption]

O primeiro alcaide do mar do Funchal terá sido Lourenço Castanho, falecido antes de 1565, pois que, com data de 2 de maio desse ano, teve alvará do lugar Brás Ferreira pelo falecimento do anterior. Por carta de 21 de janeiro de 1575, o lugar foi entregue a João da Costa, fidalgo da Casa Real, nos termos em que havia sido a João Castanho e seu pai Lourenço Castanho, embora não conheçamos o documento de atribuição do lugar ao primeiro. A carta régia atribui um ordenado ao alcaide do mar João da Costa de 12$000 e mais 4$000 pelo ofício de meirinho das execuções, assim como 10$000 por mês para mantimento de um escravo para o acompanhar.

O lugar ficou na família ao longo dos cs. XVII e XVIII, transitando para o genro de João da Costa, Jerónimo Correia de Sampaio, em 1611, depois para o genro deste, Manuel Valente, em 1650, e para Manuel Valente de Quintal, em 1711, por falecimento de seu pai. Em 1716, foi provido Simão da Costa Souto-Maior. Em data incerta, mas anterior a 1750, ocupou o cargo Pedro Barreto, “e como o dito ofício sempre anda fazendo execuções na cobrança da fazenda real algumas pessoas se queixavam dele”, comentário que deixa entrever não só o cerne da função, como também algumas consequências decorrentes do seu exercício (ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Habilitações, fls. 61-61v.). A partir de 1750, o lugar foi ocupado por Francisco Fernandes Antunes e, em 1764, dado o seu falecimento, pelo seu genro, Manuel de Gouveia Teixeira. Nessa data, foi atualizado o ordenado, que passou para 16 mil réis e mais 12 mil mensais para o escravo. Em 1778, há notícia de ter sido solicitado o lugar de alcaide do mar do Funchal por Francisco Xavier de Ornelas e Vasconcelos, sob a antiga designação de patrão-mor da Ribeira, mas o lugar não voltou a ser provido.

Em Santa Cruz, no ano de 1600, era alcaide do mar Manuel Pinto de Lemos, por ausência do proprietário do lugar, Pedro Correia, que, falecido na Índia em 1645, libertou o cargo, no qual teve Pinto de Lemos provimento definitivo com ordenado anual de 20$000 e uma pipa de vinho, não voltando, depois, a haver provimento do lugar. O cargo foi extinto nos meados do c. XVIII, passando essa verba, em 1754, para pagamento do porteiro e guarda dos livros dos contos da Alfândega do Funchal.

Em Machico, em 1769, era alcaide do mar Cristóvão da Fonseca Colaço, que recebia 20$000, indicando-se ainda que tinha às suas ordens quatro guardas: Jorge Neto Machado, Manuel de Miranda, Paulo de Oliveira e Manuel Luís Madeira, recebendo cada um 12 mil réis. Em 1642, era alcaide do mar de porto santo Manuel Rodrigues Travassos, com o mesmo ordenado do seu antecessor, sem que, no entanto, se refira nem o quantitativo do salário, nem o nome do anterior ocupante. Mais tarde, em 1771, recebia o alcaide do mar 2$000, mas não se refere também o seu nome.

Bibliog.: manuscrita: ARM, CMF, Registo Geral, t. 6; BNP, reservados, cód. 8391, Index Geral do Registo da Antiga Provedoria da Real Fazenda, Acrescentado com Algumas Notícias e Sucessos da Ilha da Madeira desde o Ano de 1419 do seu Descobrimento até o de 1775 da Extinção da mesma Provedoria; ANTT, Provedoria da Junta da Real Fazenda do Funchal, livs. 969, 974, 975-976; ANTT, Tribunal do Santo Ofício, CG, Habilitações, Eusébio, proc. 1; impressa: Arquivo Histórico da Madeira, vol. XV, Funchal, Junta Geral, 1972; CARITA, Rui, História da Madeira, vol. I, Funchal, SRE, 1999; Id., História da Madeira (1600-1700), vol. IV, Funchal, SRE, 1996; SILVA, Fernando Augusto da e MENESES, Carlos de Azevedo de, Elucidário Madeirense, 3 vols., 1940-46, fac-símile, Funchal, DRAC, 1998; VERÍSSIMO, Nelson, Relações de Poder na sociedade Madeirense do culo XVII, Funchal, DRAC, 2000.

 Rui Carita

(atualizado a 13.10.2015)

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