cruz, tony (antónio máximo da cruz)
[caption id="attachment_1741" align="alignleft" width="296"] Tony Cruz[/caption]
Tony Cruz nasceu na freguesia de Santa Luzia, cidade do Funchal a 11 de maio de 1936. Filho de António Ana da Cruz e Sabina Veiga Cruz, naturais de Cabo Verde, que tiveram mais dois filhos. O seu primeiro contacto com a música fez-se pela frequência das feiras populares de Santa Catarina e Almirante Reis, onde ouvia muitos dos cantores regionais, como Cordélia Abreu e João Fernandes, entre outros artistas, nacionais e estrangeiros, sobretudo espanhóis.
Também o Avenida-Parque, na atual Avenida do Mar e das comunidades madeirenses, onde escutou os sons latino americanos e temas do Swing jazz americano pelo «Tino Cubanos», um grupo liderado pelo pianista madeirense Libertino Lopes. A harmónica foi o seu primeiro instrumento. Nela buscou muitas músicas que ouvia nos espetáculos de sábado e domingo, bem como na rádio que já o fascinava nesse tempo. O vislumbrar do seu talento aconteceu por volta dos seus 12 anos, altura em que um circo o contratou para uma digressão. O tempo livre passa-o na Banda Distrital do Funchal, tocando caixa de rufo, onde os seus dotes rítmicos depressa se desenvolvem, meio caminho para passar a tocar bateria. O jovem Tony Cruz tinha já uma voz bem colocada, natural e intuitiva, e não lhe faltou convites para a nível amador integrar pequenos agrupamentos que tocavam em festas de casamento e batizados.
A Feira do Marítimo foi outra das suas passagens enquanto amador, atuando logo na primeira realização com a «Orquestra Brilhante». Era também um espectador atento dos músicos, cantores e conjuntos que por lá passavam. Ver e ouvir consistiu no fundo a sua escola musical. A cantar ou a tocar bateria, o jovem Tony Cruz era já conhecido no meio dos músicos amadores que o convidavam para outros projetos fora da banda, aos fins de semana. Do ateneu comercial do funchal à Quinta Esperança as festas com pequenos grupos musicais eram frequentes. Serviam estas para se manter ativo e fazer a música de que tanto gostava, embora em part time.
Os bailes animados no Solar da Dona Mécia, ao longo da década de 50, tiveram também a sua participação enquanto cantor, da Orquestra Brilhante. As canções latino americanas, ao estilo de Nat King Cole muito em voga na altura, abriram-lhe as portas para outros patamares musicais. A sua voz aveludada, ao estilo do cantor americano deixou o Funchal encantado. Aquele rapaz tinha futuro na música. Numa dessas festas enquanto convidado, conheceu Lawrence Hall o pianista do Hotel Savoy. Tony Cruz pediu-lhe para o acompanhar numas canções. Essas canções valeram-lhe um contrato para o Savoy, por recomendação do pianista inglês. A sua aprendizagem musical e a definição do seu novo repertório, mais virado para a música cantada em inglês, espanhol, francês e italiano e para os ritmos da dança Swing, Bolero, Quick Step, Valsa Inglesa, Valsa Vienense, entre tantos outros tiveram um precioso professor e amigo no pianista inglês, que o ajudaria nas canções e nos estilos musicais. Daí para a frente, o trabalho individual e a sua espantosa intuição, guiaram-no para uma carreira artística de qualidade, que todos reconhecem.
Em junho de 1959 conheceu pessoalmente o madeirense Hélder Martins, figura do panorama nacional, que veio à Madeira com o seu conjunto para uma atuação no Teatro Municipal. O cantor, compositor e pianista madeirense, gostou muito da voz do jovem Tony Cruz e tentou convencê-lo a deixar a Madeira e fazer uma carreira a partir de Lisboa. Ficou a promessa de uma ou duas composições musicais de Hélder Martins, serem depois gravadas por Tony Cruz. O que de facto mais tarde veio a acontecer, com as canções «Mil Estrelas» e «Madeira Sereia do Mar». Na sua edição de 30 de maio de 1967 a Revista Plateia fazia uma abordagem ao percurso artístico do cantor madeirense. Referia-se o facto de em apenas oito dias de permanência em Lisboa, o jovem cantor ter firmado contrato com uma importante marca gravadora, o seu primeiro disco nacional, bem como ter sido convidado pelo empresário Vasco Morgado, a participar numa revista levada á cena em Lisboa.
Também a RTP, por intermédio do seu produtor Melo Pereira, convidou-o a participar num espetáculo televisivo, dando-o a conhecer ao público do continente. Nessa reportagem fazia-se menção ao facto do cantor se expressar em várias línguas, e de ser uma nova estrela no panorama musical do país. No fim da década de sessenta, já com o pianista francês Roger Sarbib, lança vários trabalhos discográficos, onde a sua voz é já uma referência. O Hotel Savoy onde atuava, era uma porta aberta para o mundo. Gente do espetáculo de toda a Europa e América passava por este prestigiado hotel, convivendo à noite ao som da Orquestra e da inconfundível voz do cantor. Jesus Franco, cineasta espanhol dos anos 60 e 70, foi um desses casos. Estava na Madeira a realizar planos de filmes para três produções hispano-americanas. Nestas filmagens o realizador precisou de jovens madeirenses para representarem papéis secundários, ao lado de nomes consagrados como Robert Wood, Wal Davis, Françoise Brion ou Philipe Lemaire. Os filmes «Inside a Dark Mirror», «Maciste contra a Rainha das Amazonas» e «Maciste contra Atlântida» contam com a participação de Tony Cruz. Um diálogo com Robert Wood, que no primeiro filme representa um trompetista de um conjunto, sendo o madeirense cantor e baterista desse grupo. Nos outros filmes de aventura, Tony Cruz participa como «guarda do tesouro», em cenas filmadas no Ribeiro Frio. A 12 de maio de 1970, iniciou a sua primeira digressão internacional, com a devida permissão do Hotel Savoy, uma vez que tinha um contrato de exclusividade musical.
Em Bremen e Badkissigen permaneceu cerca de um mês, onde atuou em vários espaços de música ao vivo, participando ainda num programa musical numa das emissoras de rádio da cidade de Bremen. De volta ao Hotel Savoy, lá estava ele sentado na bateria acompanhando o primeiro bloco musical da noite. Pulsar suave, ritmo exímio, um ‘’vassourar’’ de qualidade superior, jazzístico por intuição. A partir das 21.30, a sua voz já se ouvia, um andar abaixo para quem subia no elevador para a Boate Galáxia, situada no topo do edifício. Até 1979, teve a companhia do grande pianista de jazz madeirense, Tony Amaral Júnior, que lhe teceu os maiores elogios enquanto baterista e cantor, comparando-o aos grandes da Europa e América.
Os convites para atuações, digressões e contratos prolongados no estrangeiro começaram a chegar, ainda antes do 25 de abril de 1974. Segundo o próprio afirmou, em várias entrevistas e até aos amigos mais próximos, a recusa a muitos destas solicitações teve sempre vários fatores de ponderação, entre esses, a sua mulher Dolores e os seus filhos, ainda menores de idade. A distância e a saudade antecipada, levavam-lhe sempre, com um sorriso claro no rosto, a recusar com a mesma desculpa de sempre…o contrato com o Hotel Savoy. Sentia-se de facto bem integrado no espírito do hotel, conhecido e acarinhado pela sua prestação artística tanto pelos clientes como pela direção, que contou durante décadas com o charme, relações públicas e valor musical de Tony Cruz. O seu estatuto profissional – artístico e o estatuto social conferido por aquilo que representava, na sua vida, cantar e tocar no Hotel Savoy, foram os prós na balança. A decisão foi ficar, para sempre – no Funchal. Sem paragens, sem interrupções e com encadeamento musical, a Orquestra do Savoy era uma referência para os músicos com pretensão a profissionais no ramo.
Sobre essas noites musicais, e acerca de Tony Cruz, foram muitos os comentários de nacionais e estrangeiros. Um americano chegou mesmo a dizer da excelente orquestra do Hotel Savoy que enquanto a ouvia, podia fechar os olhos e sentir-se em Nova Iorque. A década de 80 trouxe uma nova componente à noite funchalense, os bares com música ao vivo. O Salsa Latina, Berilights, Star Light, Pombo Mariola e Madeira Jazz Club diversificaram a oferta e os estilos de música. Tony Cruz aparecia sempre e era logo convidado a tocar ou cantar. No Madeira Jazz Club acompanhava com regularidade à bateria, o pianista Tony Amaral Júnior. Em 1988, na celebração dos seus 30 anos de carreira, realizou-se um grande espetáculo transmitido pela rádio e televisão. Novos contratos musicais e solicitações surgiram para atuações prolongadas no estrangeiro, muitas das quais Tony Cruz teve infelizmente que recusar. Um dos convites que aceitou de bom grado foi a ida a Londres para a inauguração de um espaço com música ao vivo, numa zona com muitos clubes musicais, um dos quais o célebre Ronnie Scott, a catedral do Jazz.
No seu percurso musical as apresentações no estrangeiro foram momentos altos, para a própria divulgação da Madeira. Sabemos que muita da imprensa diária estrangeira relatou em tempo oportuno, a presença do músico madeirense e os seus espetáculos. Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos da América, Austrália, Suécia, Noruega e Dinamarca, eis a viagem musical, de um dos grandes nomes da música insular. Em 2001 para assinalar os seus 40 anos de carreira artística foi editado um CD intitulado «Madeira Sunshine» que reuniu muitas das canções do seu longo e vasto repertório. O disco foi lançado oficialmente no dia 28 de agosto de 2001, e o local mais apropriado para o fazer foi o Hotel Savoy. O sorriso e o charme do Tony Cruz espelhavam-se na sua arte e música sendo um elo de ligação entre diferentes gerações de músicos. Foi sem dúvida nenhuma o guardião das Noites da Madeira, o que de melhor ela tinha para mostrar. No caso do cantor contaram-se mais de quarenta anos de atuações musicais diárias, um caso ímpar na música portuguesa.
Bibliog.: MORAIS, Manuel (coord.) (2008), A Madeira e a música: Estudos c. 1508-c.1974. Funchal: Empresa Municipal “Funchal 500 Anos”; SARDINHA, Vítor e CAMACHO, Rui, (2006). Noites da Madeira. Funchal: Diário de Notícias da Madeira e Associação Musical e Cultural Xarabanda.
Vítor Sardinha
(atualizado a 15.07.2016)