diáspora, conceito de

21 Jun 2017 por "Maria"

O termo “diáspora” define, no grego clássico, a dispersão dos povos, tendo sido originalmente utilizado para se referir à migração das comunidades gregas pela bacia do Mediterrâneo e, posteriormente, à do povo judaico no mundo antigo a partir do exílio na Babilónia e da destruição de Jerusalém. Dentro deste contexto, estendeu-se à dispersão dos cristãos-novos ibéricos ao longo do c. XVI, principalmente para a cidade de Amesterdão, onde se fixaram alguns Madeirenses, e, com a implantação da autonomia, nos finais do c. XX, o termo foi extensivo às inúmeras comunidades madeirenses da Venezuela, Brasil, Canadá, África do Sul, etc., as quais, de alguma maneira, mantiveram viva a memórias das suas origens.  

Palavras-chave: casas da madeira; Cristãos-novos; Emigração; Igreja Metodista; festividades religiosas.

O termo “diáspora” define, no grego clássico, a dispersão dos povos, tendo sido originalmente utilizado para a migração das comunidades gregas pela bacia do Mediterrâneo, nos meados do 1.º milénio a.C., fundando novas comunidades. Foi posteriormente divulgado através da tradução da Septuaginta, ou seja, o Antigo Testamento, em grego, onde se inscrevia como uma maldição, a de que o povo judaico ficaria disperso por todos os reinos da Terra. O termo passou, assim, a significar o deslocamento, normalmente forçado ou incentivado, de grandes massas populacionais originárias de uma determinada zona para várias áreas de acolhimento distintas, em especial o povo judaico no mundo antigo, a partir do exílio na Babilónia, no c. VI a.C., e, mais diretamente, depois da destruição de Jerusalém, em 70 d.C. Dentro deste contexto se tem estendido o termo “diáspora” à dispersão dos cristãos-novos ibéricos ao longo do c. XVI, principalmente para a cidade de Amesterdão, onde se fixaram alguns madeirenses.

Até aos meados do c. XX, a utilização deste termo restringiu-se ao povo judaico, mas, com as perseguições ocorridas na Segunda Guerra Mundial (Segunda Guerra Mundial) e a constituição, depois, do Estado de Israel, conheceu uma grande divulgação. Em termos gerais, “diáspora” pode assim significar a dispersão de qualquer povo, total ou parcialmente, muito em particular quando estão em causa motivos religiosos e, também, quando a sua apologia é feita por elementos dessa mesma corrente religiosa. Assim se tem utilizado o termo em relação à migração forçada dos presbiterianos madeirenses do reverendo escocês Robert Reid Kalley (1809-1888), obrigado a sair do Funchal em 1846, assim como muitos dos seus discípulos. Uma parte dos mesmos veio a fixar-se em Illinois, nos Estados Unidos da América, daí irradiando depois a Igreja Presbiteriana Escocesa para as colónias portuguesas de demerara, Trindade e Tobago, assim como para o Brasil e, inclusivamente, para o continente português, como foi o caso, depois, do Porto e de Vila Nova de Gaia. Para além de inúmeras publicações sobre o tema, inclusivamente do Rev. Kalley, o mais recente trabalho é de Ferreira Fernandes (2004), infelizmente não um trabalho de história, mas de jornalismo. A ideia de que poderiam ter saído da Madeira 2000 ou mais pessoas por motivos religiosos não resiste a qualquer análise, pois contabilizaram-se todos os elementos que nesse período de fome emigraram da Ilha, uma vez que os seguidores do reverendo escocês, do Funchal e do Santo da Serra, não chegavam, na melhor hipótese, às duas centenas.

O termo, entretanto, dadas as suas conexões com o povo judaico, não foi na generalidade utilizado na Madeira até muito recentemente, não aparecendo mencionado, por exemplo, no Elucidário Madeirense (1998), nem nas Ilhas de Zargo (1967), obras emblemáticas do Estado Novo na Ilha e várias vezes reeditadas.

[caption id="attachment_8472" align="alignright" width="243"]Cartaz Madeira Park Georgina Toronto, Canada. Foto Arquv. R. Carita Cartaz Madeira Park Georgina Toronto, Canada. Foto Arquv. R. Carita[/caption] [caption id="attachment_8478" align="alignnone" width="236"]Festas de N. Sª do Monte no Canadá. Foto: Arquv. R. Carita Festas de N. Sª do Monte no Canadá. Foto: Arquv. R. Carita[/caption] [caption id="attachment_8475" align="aligncenter" width="407"]Arraial madeirense no Canadá. Foto: Arquv. R. Carita Arraial madeirense no Canadá. Foto: Arquv. R. Carita[/caption]

No período autonómico dos finais do c. XX, entretanto, o termo foi extensivo às inúmeras comunidades madeirenses, especialmente da Venezuela, mas também do Brasil, como em Santos, do Canadá ou da África do Sul, entre outras, as quais, de alguma maneira, mantiveram viva a memória das suas origens, inclusivamente fundando casas da madeira, organizando festas por ocasião das celebrações religiosas mais comuns na Ilha, como as de N.ª Sr.ª do Monte, criando grupos folclóricos, etc., associando-se, assim, ao anterior cariz religioso também um sentido étnico, folclórico e cultural.

[caption id="attachment_8482" align="alignright" width="318"]Africa do Sul Casa da Madeira em Pretoria com Miss Comunidades. Foto Arqui. R. Carita Africa do Sul Casa da Madeira em Pretoria com Miss Comunidades. Foto Arqui. R. Carita[/caption] [caption id="attachment_8485" align="alignnone" width="314"]Grupo folclórico da Casa da Madeira de Pretória-julho 2008. Foto Arqui. R. Carita Grupo folclórico da Casa da Madeira de Pretória-julho 2008. Foto Arqui. R. Carita[/caption]   [caption id="attachment_8488" align="aligncenter" width="720"]Grupo folclórico da Casa da Madeira de Pretória-2008. Foto Arquv. R. Carita Grupo folclórico da Casa da Madeira de Pretória-2008. Foto Arquv. R. Carita[/caption]

Bibliog.: CARITA, Rui, História da Madeira, vol. VII, Funchal, Secretaria Regional de educação, 2008; Id., 30 Anos de autonomia: 1976-2006, 2.ª ed., Funchal, Assembleia Legislativa da Madeira, 2008; FERNANDES, Ferreira, Madeirenses Errantes, Lisboa, Oficina do Livro, 2004; KALLEY, Robert Reid e VASCONCELOS, Manuel de Sant’Ana, O Catolicismo em Perigo na Madeira do culo XIX, Lisboa, Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal, 2007; NOGUEIRA, António de Vasconcelos, “Evocação da Diáspora Sefardita”, Boletim Municipal de Aveiro, ano XIV, n.º 28, 1996, pp. 73-82; Id., “Memória da Diáspora Hispano-Portuguesa em Amsterdão: Elementos de Bibliografia”, Revista da Universidade de AveiroLetras, n.º 16, 1999, pp. 173-209; Id., “O Brasileiro de Torna-Viagem e o protestantismo Português: Influências Socio-Económicas e Imagem”, in BARKER, Anthony David (ed.), O Poder e a Persistência dos Estereótipos / The Power and Persistence of Stereotyping, Aveiro, Universidade de Aveiro, 2004, pp. 81-94; Id., “Recensão Crítica: Ferreira Fernandes, Madeirenses Errantes, Lisboa: Oficina do Livro, 2004”, Análise Social, n.º 175, vol. lx, 2005, pp. 406-409; PEIXOTO, Fernando, Diogo Cassels: Uma Vida em Duas Margens, Vila Nova de Gaia, Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, 2001; Id., Diogo Cassels (1844-1923): a Praxis ao Serviço da Fé, Porto, Ed. Estratégias Criativas, 2006; PEREIRA, Eduardo Clemente nunes, Ilhas de Zargo, 2 vols., 3.ª ed., Funchal, Câmara Municipal do Funchal, 1967; SILVA, António de Morais, Grande Dicionário da língua Portuguesa, 10.ª ed., 12 vols., Lisboa e Rio de Janeiro, Confluência, 1949-1959; SILVA, Fernando Augusto da e MENESES, Carlos Azevedo de, Elucidário Madeirense, 3 vols., Funchal, DRAC, 1998.

Rui Carita

(atualizado a 20.05.2016)