gentílicos e alcunhas coletivas
Como se faz o uso dos gentílicos e das alcunhas coletivas no arquipélago da Madeira? Como se constrói uma imagem das comunidades através de designadores rígidos que concorrem para uma sua classificação e identificação sociocultural? São as perguntas a que vamos tentar responder, reunindo informação até então dispersa relativa ao assunto.
Por “gentílico”, entende-se o nome ou o adjetivo que estabelece, regra geral, uma relação com o coletivo que habita numa localidade: pode funcionar como o nome de habitante de um determinado lugar, bem como o adjetivo relativo àquele lugar ou aos habitantes desse lugar. No tocante aos gentílicos, o uso fazia a regra. Atualmente, procura-se disciplinar a sua utilização, através de ponderação dos valores semânticos das formas possíveis.
Por “alcunha coletiva”, entende-se todo o estereótipo atribuído a uma comunidade associada a um lugar, um nome alternativo e informal que é, tradicionalmente, dado aos habitantes das comunidades vizinhas. Não falta imaginação à malícia popular para caricaturar, verbalmente, um traço, um defeito ou um hábito característico dos visados. Como a alcunha serve, regra geral, para apoucar o vizinho, nem sempre é do agrado dos apelidados.
Não havendo um código regulamentar para definir a sua forma e o seu uso, os gentílicos que derivaram dos topónimos podem ficar a dever-se a um emprego generalizado pela população, a uma autoridade intelectual nativa (por exemplo, um padre, um historiador amador, um publicista ou um escritor) ou à administração local. Relativamente a esse Património imaterial, não codificado, coloca-se, então, o problema da legitimidade: quem pode cunhar um gentílico e, de seguida, oficializá-lo?
Atualmente, algumas juntas de freguesia da ram indicam o ou os gentílico(s) disponíve(is) da localidade que lhes diz respeito, oficializando-o(s); outras, optam por não se adiantar por verificarem que não há unanimidade sobre a sua escolha ou porque, simplesmente, não foi ainda criado.
A maioria dos gentílicos oficiais do arquipélago da Madeira é de origem recente; alguns datam do séc. XIX e, sobretudo, do séc. XX, aquando da uniformização da língua portuguesa na vida administrativa do país e à medida que as vilas e os concelhos foram ganhando dimensão político-económica. Muitos deles convivem com gentílicos informais, de feição popular, como atestam textos publicados na imprensa madeirense em meados do séc. XIX, a exemplo de Uma Viagem ao Rabaçal (texto redigido por volta de 1861-62 [1998]) de João de Nóbrega Soares (1831-1890), em que ocorrem “calheteira”, “pargueiro” e “pauleiros”. De um ponto de vista ideal, seria útil registar a data das suas criações para se poder perspetivar cada caso. Como tal estudo está por fazer, se é que há condições para um dia ser feito, resta-nos conjeturar a respeito desta matéria com base em informação que data dos anos 30 aos anos 70 do século passado, cruzada com dados, atualmente, ativos.
Essa informação deriva, pois, da consulta de dicionários, glossários, vocabulários, obras literárias de autores da Madeira, bem como da imprensa regional. Cruzamos essa coleta de dados com observação direta aleatória (falando com habitantes de vários lugares) e com os resultados obtidos através de um inquérito junto de alunos do Centro de Competência de Artes e Humanidades (CCAH) da universidade da madeira (universo de 125 informantes), em 2012. Pesquisámos, também, em sítios da internet o que deu alguns resultados interessantes para apreciar a vitalidade de alguns termos e validar alguns casos duvidosos; visitámos, finalmente, o PLP (Dicionário de Topónimos e Gentílicos, ILTEC) e sites oficiais das Juntas de Freguesia.
Como acontece com vários nomes de lugar do mundo, nem todos os locais possuem um gentílico associado. Nesses casos, determina-se por formação analítica, utilizando a expressão “o habitante/o natural + de + o nome do lugar”. Para indicar populações de certos lugares, a exemplo da paróquia do Rosário ou da pequena cidade da Vila Baleira, dir-se-á, então, “os habitantes da Vila Baleira” ou, simplesmente, “os do Rosário”. Esta condição ocorre, sobretudo, com povoações pequenas, vulgo “sítios”.
Embora a tendência atual consista em recorrer à junção do topónimo (ou à sua forma latinizada) com o sufixo -ense, existem vários processos de construção de gentílicos. Por isso, não se pode estabelecer um padrão fixo para a sua criação, porque esta depende não só da morfologia da língua, mas também da tradição e do uso de estruturas que se fixaram ao longo do tempo. A esse respeito, Paiva Boléo nota que “É interessante observar que, por via de regra, os nomes étnico-geográficos derivados de povoações não são de uso corrente, embora venham registados nos dicionários e apareçam na linguagem jornalística e administrativa, ou ainda em tabuletas de estabelecimentos comerciais, em nomes de empresas e de clubes, em títulos de jornais, etc” (BOLÉO, 1956, 5-6). Acrescenta, ainda, “Quando um português indica a terra da naturalidade (…)[,] responde geralmente com o nome da terra precedido da preposição designativa de origem: «sou de» Aveiro, do Porto, de Coimbra, (…). [J]á o mesmo se não verifica com o nome provincial ou regional” (BOLÉO, 1956, 5-6). Na verdade, a não ser por gracejo, dificilmente, alguém dirá “sou vicentino” ou “sou calhetense”, optando antes pela construção: “Sou de S. Vicente” ou “Sou da Calheta”. Contudo, com naturalidade e até orgulho, anunciará “Sou madeirense”.
À luz dos dados, até agora, apurados e dos contextos observados, podemos adiantar o seguinte: na expressão oral, corrente e informal, tende-se a usar um gentílico de feição popular, quando existe; na linguagem culta, formal, escrita ou oral, empregar-se-á o gentílico de formação erudita ou oficializado. Tal ilação afigurou-se-nos plausível à leitura de Nas Margens da Madeira: Vilões, Barões e Tubarões (2011) de Luís Calisto, uma reconstituição histórica bem documentada que encena, entre outros episódios, a guerra picrocolina que opôs uma elite da capital do arquipélago a duas figuras poderosas de Santa Cruz no último quartel do séc. XIX. Nesse confronto, o narrador vai, num registo vivo e guindado, perpassado de ironia, referir espaços da cidade (“a baixa funchalense” e “as freguesias funchalenses”), aludir a um título da imprensa (“órgão católico funchalense”) e indicar grupos ou figuras sociais (“as donzelas funchalenses” e “a ‘súcia funchalense’”). Do lado oposto, está “a comarca santa-cruzense”, liderada por “cidadãos santa-cruzenses”; o texto narrativo menciona ainda a “vida santa-cruzense” e até a “mentalidade santa-cruzense”. Deste modo, os adjetivos “funchalense” ou “santa-cruzense”, patentes nas locuções respigadas, não devem ser compreendidos apenas em seu aspeto gentílico, mas também como um genitivo que expressa territórios e poderes políticos antagónicos na Madeira. No entanto, quando o narrador dá a palavra a uma personagem, esta dirá, naturalmente, “os caniceiros”, ao referir-se aos habitantes da freguesia (então rural) do Caniço.
Com efeito, no português falado na Madeira, os gentílicos podem criar-se espontaneamente. De uso efémero e particular, são constituídos, preferencialmente, com o sufixo -eiro (p. ex.: “lombadeiro”, “calheteiro”).
Assim, no meio dos homens ligados a atividades da economia do mar, conceberam-se alguns gentílicos: havia o “deserteiro”, nome que se dava ao “barco grande destinado à pesca no mar das Desertas” (PESTANA, 1970), assim como aos homens que o tripulavam (SILVA, 1950). No romance Canga, de Horácio Bento de Gouveia, lê-se num passo em que a voz do texto se funde na voz de um popular: “– Deve ser o barco fajoneiro!” (GOUVEIA, 2008, 222), adjetivo alusivo aos pescadores de Fajã da Areia. Ainda inerente ao meio marítimo, há memória de uma lancha chamada “Machiqueira” que fazia a ligação Funchal-Machico nos anos 40 do século passado. No remate de uma das suas Crónicas da Beira-Mar dedicada à referida embarcação, Victor Caires observa com alguma ironia: “Atualmente, os naturais ou residentes em Machico são mais conhecidos por machiquenses. Assim, se a famosa ‘Machiqueira’ regressasse à nossa ilha, possivelmente, teria o seu nome alterado para ‘Machiquense’” (CAIRES, 2008, 79). Pelo viés deste comentário, sugere-se o deslocamento de uma pejoratividade para uma suposta positividade. Ver-se-á, mais adiante, que o sufixo -eiro pode voltar à positividade original.
No arquipélago da Madeira, os processos morfológicos mais recorrentes são a afixação e a conversão. No que toca ao processo da afixação, dois sufixos predominam: emprega-se o sufixo -ense, forma primitiva mas restabelecida nos derivados modernos, para designar cidades recentes e vilas antigas, como “santanense” e “ponta-solense”. Ainda muito produtivo, o sufixo -eiro, que indica, principalmente, “ofício” (→Antroponímia Primitiva), “procedência” ou “noção coletiva” (CUNHA E CINTRA, 1986, 96), parece indicar freguesias ou sítios antigos, conotados com a ruralidade e a tradicionalidade, p. ex.: “canheiro”, “seixaleiro”. Como observam Alexandre Ferrari e Vanise Medeiros (2012) a propósito da fixação do gentílico “brasileiro” (então em compita com “brasiliano” e “brasiliense”), os sufixos em causa constituem duas posições discursivas em concorrência, potenciando um jogo de modalidade expressiva (variação diafásica): o sufixo -ense parece assumir a posição erudita de instituição e o sufixo -eiro o registo da comunicação oral em alternativa.
Mais raros: empregam-se os sufixos -ino, um tanto erudito, em “vicentino” (de S. vicente), -ês, mais antigo, à semelhança de “gaulês” (de Gaula), e -ista, pouco habitual em formações gentílicas, mas de uso popular, como no caso “paulista” (referente ao habitante da Serra d’Água, por alusão ao Paul da Serra).
Modo, igualmente, ativo é o processo de conversão do topónimo, quer em nome gentílico, a exemplo da forma popular e oficial “madaleno”, tirado do nome de lugar Madalena, e da forma popular, não oficial, “ribeiro-bravo”, procedente de Ribeira Brava, quer em adjetivo gentílico, como ilustra a designação “pera caniça” (malus domestica, Borkh), uma categoria de pera muito cultivada no Caniço (do mesmo modo que se fala em “pessegueiro inglês”).
A título de informação, repare-se na passagem do romance Torna-viagem, de Horário Bento de Gouveia, que ilustra e sintetiza os processos de indicação da procedência dominantes na Madeira, através da enumeração de moradores de microtopónimos da freguesia da Boaventura: “Lembrou-se do sítio da Igreja, mais afreguesado, porque mais populoso com a igreja a atrair os crentes de todos os lugares, desde os mais adjacentes aos mais alongados da freguesia: os do pastel, os pomarenses, os serrões, os da Ribeira do Moinho, os rocenses, os levadeiros, os do Lombo do Urzal, e demais povoados” (GOUVEIA, 1979, 38). Estas formações – não reproduzidas na tabela referente ao concelho de São Vicente por economia de espaço – correspondem respetivamente aos nomes dos sítios: pastel, Pomar, Serrão, Ribeira do Moinho, Roçada, Levada, Lombo do Urzal. Vão, efetivamente, da formação analógica (“os de…”) à sufixação em -ense e em -eiro, passando pela conversão (“serrões”).
Embora se considere, hoje, a preferência pela concordância do gentílico com o género da pessoa como uma manifestação de plebeísmo, sublinhar a marca de género, masculino ou feminino, é prática antiga, sempre em uso no meio popular (p. ex. “maloeiro” / “maloeira” e “gaulês” / “gaulesa”), mesmo quando coexistem com a sua forma latinizada em -ense, portadora de duplo género (p. ex.: “estreiteiro”/“estreiteira” /“estreitense”).
Para os topónimos com aparência de plural, como Canhas e Achadas da Cruz, o gentílico forma-se do singular hipotético, resultando, respetivamente, em “canheiro / canhense” e “achadeiro / achadense”.
Para os topónimos compostos, como porto moniz, Fajã da Ovelha, câmara de lobos ou até para os topónimos correntes iniciados por S., Santo ou Santa, a exemplo de Santa Cruz, verifica-se uma regularidade na sua formação: “porto-monicense”, “fajã-ovelhense”, “câmara-lobense” e “santa-cruzense”. Como a palavra composta hifenizada é vista como um todo, sem hierarquias internas entre os elementos que a compõem, só se põe o segundo termo no plural. No caso de São Vicente, a administração local aponta para a forma “são-vicentino” em consonância com o modelo aplicado nos gentílicos de formação idêntica na Madeira, quando o Dicionário de Topónimos e Gentílicos (PLP, ILTEC, autoridade científica) preconiza a forma reduzida “vicentino”. O P.e Fernando Augusto da Silva (1950) regista “portacruzense” para designar o morador do Porto da Cruz; a forma, porém, surpreende por não se perceber na palavra composta a passagem de “porto” para “porta”. Note-se, finalmente, que as grafias desusadas “ribeirabravense”, “sãojorgense”, “pontassolense” ocorrem, ainda, com frequência em textos literários ou jornalísticos. Contudo, a regra a aplicar, atualmente e de acordo com vários prontuários recentes, é a seguinte: no caso dos compostos onomásticos, os nomes gentílicos levam sempre hífen, ou seja, deve grafar-se: “ribeira-bravense”, “são-jorgense” e “ponta-solense”.
A escolha e o uso de um gentílico traduzem a orientação cultural e ética daqueles que o entronaram. Além da força da tradição, a oficialização de um gentílico pode decorrer da vontade política, motivada pela busca de uma forma que reenvie uma imagem positiva ou, então, isenta de qualquer juízo de valor. Por exemplo, é compreensível a preferência do escritor Horácio Bento de Gouveia (em crónicas publicadas nos anos 1979 e 1980 [1994]) ao atribuir aos naturais das Lombadas (na freguesia de Ponta Delgada) (→Toponímia) ou a um conhecido seu de Boaventura, as respetivas designações “lombadenses” e “boaventurense” através de formas, ditas, cultas, ainda que não atestadas ou dicionarizadas.
Como se viu no binómio “machiquense”/“machiqueira”, ambos os sufixos podem entrar em conflito, uma vez que o primeiro se apresenta como a forma oficial, de valor neutro ou meliorativo, remetendo para um presente inscrito na modernidade, e o segundo como uma designação informal, reenviando para um passado inscrito na rusticidade. Mas não só: esse passado parece ser, ainda, assumido como afirmação de um bairrismo salutar, que incentiva a autoestima, por muitos naturais de Machico, como ilustra o seguinte enunciado mediado pela secção “Cartas do leitor” no Diário de Notícias da Madeira: “escrevo esta carta na qualidade de machiqueiro e de militante do PSD” (8-10-2012, 8). Quer isto dizer que o gentílico de formação popular pode aparecer como marcação de prestígio social e, consequentemente, apresentar vitalidade.
Na verdade, são vários os gentílicos de sabor popular em uso na Madeira que se prestam a cambiantes, podendo ir desde o afetuoso e bem-humorado ao depreciativo, conforme a voz e a intenção de quem o emprega. A título exemplificativo, podem enunciar-se alguns casos que problematizam, devidamente, essa questão.
Note-se que a historiografia insular registou a “revolta dos curraleiros”, ocorrida em 1924, quando a população do curral das Freiras se levantou contra a aplicação do imposto ad valorem sobre produtos vendidos para fora do concelho. No entanto, não temos conhecimento de documentos emanados da Junta de Freguesia do curral que ratificassem essa designação.
Se bem que a designação “camacheiras” possa reenviar para essas floristas que projetaram no mundo a imagem de uma mulher madeirense desenvolta e bonita, e que a personalidade do “machiqueiro” tenha inspirado, como evoca Francisco Fernandes, nas suas Memórias com Mar, as “anedotas de machiqueiros espertos” (FERNANDES, 2002, 23) que o avô lhe contava, o certo é que estes gentílicos foram preteridos pelos derivados modernos “camachense” e “machiquense” de uso oficial. Convém, pois, ter em atenção a maneira como os habitantes de um lugar são chamados e se designam a si próprios. Alguns, por respeito à tradição oral, afirmam a sua origem popular, como é o caso da Freguesia do Seixal que preferiu denominar-se, oficialmente, “seixaleiro”, em vez de “seixalense”; outros, conciliam a tradição e a tendência atual, aceitando as duas possibilidades: “tabuense” e “tabueiro”. Em muitas freguesias da ram continua o debate em aberto.
Para muitas localidades, existe um apodo coletivo ao lado do gentílico, quer oficial, quase sempre neutro, quer informal, de valor cambiante. Essa alcunha, como repara José Teixeira no seu estudo sobre “Metonímias e Metáforas no Processo de Referência por Alcunhas do Norte de Portugal”, não se resume a um instrumento de referenciação: “A alcunha é o nome do outro quando dialogam o eu e o tu. É o terceiro, a não-pessoa da interação linguística, por princípio ausente da cumplicidade que a relação eu-tu impõe. O referir o outro depreciativamente faz colocar explicitamente o tu (e o eu) num plano de superioridade social, o que cria laços de empatia e reforça o prazer da interação linguística” (TEIXEIRA, 2007, 209). Para ilustrar tal observação, veja-se o dito popular referente às alcunhas coletivas atribuídas às freguesias do concelho de santana que o P.e Silvério Aníbal de Matos transcreveu na sua monografia: “Os de São Jorge são os caiados, / E os de santana os bragados; / Os do Arco são os chicharreiros, / Os do Faial lhe chamam labregos; / E para completar o Concelho, / Com tantos e iguais mimos / Os de São Roque são tabaqueiros / E os da Ilha são os primos” (MATOS, 2000, 101). Se as freguesias estão, devidamente, “apelidadas”, nada se diz, todavia, sobre a motivação ou a origem de tais batismos, ficando esta lacuna por preencher.
Regra geral, a alcunha (Antroponímia primitiva) serve para depreciar os habitantes da aglomeração vizinha, da zona antípoda ou do meio socioeconómico diferenciado. No arquipélago em apreço, é usual distinguir a Madeira do porto santo, as freguesias do Norte das bandas do Sul, as pessoas do Funchal das gentes do campo, os habitantes das zonas altas dos da beira-mar, os homens das mulheres (ver, neste último caso, a “viloa”, a “teca”, a “quitéria” e a “gardadeira”). Atribui-se-lhes, num modo lúdico, um traço saliente caraterizador, defeitos ou desventuras, sublinhando, eventualmente, a sua inadaptação às circunstâncias que, por regra, o(s) autor(es) da denominação controla(m).
Associada a vários estigmas sociais, também não será por acaso que a localidade que inspirou mais apodos é câmara de lobos, com especial destaque para “a classe piscatória” (FREITAS, s. d.), como observa Manuel Pedro Freitas, “uma vez que é sobre ela que recaem todas as alcunhas conhecidas, ainda que as pessoas tentem generalizá-las, não só a toda a freguesia como a todo o concelho” (FREITAS, s.d.).
Se os indivíduos da cidade cunharam termos genéricos e depreciativos que significam “rústico, incivil ou bisonho”, tais como “labrego”, “vilão” e “borquilho” – este último também usado, segundo Eduardo Antonino Pestana (1970), para apontar “habitantes de qualquer das outras freguesias do Norte da Ilha”, à semelhança de “norteiro”, como averbou o P.e Fernando Augusto da Silva (1950) –, não admira que fossem pagos na mesma moeda. Os habitantes dos meios rurais fizeram circular designações gerais, igualmente, depreciativas, como “casaca”, “manata” (de “magnata”), alusivos a “figura bem-apessoada do Funchal”, e “fidalgo”, referente a “pessoa da vila”, sendo que todos eles significam o “citadino, altaneiro e aperaltado”. Aos do “campo”, é provável que lhes tenha ocorrido criar neologismos de sabor popular, como “funchaleiro”, “cidadense” e “cidadeiro”, para designar o indivíduo da capital madeirense, como afirmou um aluno universitário que diz tê-los ouvido da boca da avó. As alcunhas podem, portanto, assentar num hibridismo da palavra ou num barbarismo em cuja formação entram elementos de registos diferentes (culto e popular). Nos exemplos acima apresentados, é fácil observar que a plasticidade sugestiva que os determina traduz um juízo de valor implícito, envolto em ironia.
Apelidados de “profetas” pelos habitantes da ilha vizinha, os porto-santenses terão passado a alcunhar os madeirenses de “semilhas” ou “pretos”, pois não usam o termo emprestado do castelhano para referir as “batatas”, nem costumam dedicar as férias a demorados banhos de sol na sua extensa praia de areia dourada. Provavelmente, por motivos de uma antiga reorganização administrativa, Santa Cruz e Machico tornaram-se rivais, daí ter resultado uma troca de “apelidos” de qualificação pejorativa: para os primeiros, os vizinhos são “ladrões” ou “marroquinos”; para os de Machico, aqueles são “soviéticos” ou “judeus”. Estes apodos coletivos apresentam-se, na verdade, como remoques ou até insultos e funcionam como um modo de verbalizar disputas intercomunidades que opõem grupos territoriais ou grupos sociais (MORAIS, 2006, 165). Por isso, não admira que a recente e atual imprensa satírica regional (nomeadamente, Garajau e Quebra-Costas) recorra aos termos marcados, “o xavelha”, “os vilões”, “os borquilhas” e “os cubanos”, bem como aos derivados com sufixos de valor ou de intenção depreciativa, “o calheteiro”, “o santaneiro”, “o machiqueiro” e a “viloada”, para ridicularizar certas figuras ou massas humanas do microcosmo madeirense. Embora o senso comum tenda a menosprezar o tema das alcunhas coletivas, convém notar que assessores de comunicação aconselham os candidatos em campanha eleitoral, sobretudo, em zonas rurais, a usarem-nas com tato nos seus discursos como força identificadora, isto é, como estratégia válida para incentivar o “bairrismo” e suscitar a simpatia da maioria dos apoiantes em comício.
Com base no trabalho de Manuel Paiva Boléo, podemos ensaiar uma classificação, por categorias, das alcunhas coletivas no arquipélago da Madeira. Ainda que nem sempre transparentes, alguns motivos desses qualificativos são fáceis de explicar: uns referem atividades representativas, a exemplo de “cabreiros” (pastorícia), “lapeiros” (apanha de lapas), outros indicam a situação geográfica do local de origem, como “chadeiro”, que habita numa achada, “lombadeiro”, que mora numa lombada, “picadeiro”, que se acha num pico, ou “ponteiro”, que vive numa ponta, sendo estes apodos comuns a várias freguesias, como indicam os quadros-síntese. A esse propósito, consta que, para os lados da Ponta do Sol, os habitantes que vivem na baixa da vila ou no sopé das encostas se referem aos que moram nas zonas altas, usando o termo “serreiros” (“serra” + -eiro). Ainda neste âmbito, vale a pena registar que Eduardo Antonino Pestana averbou a alcunha “nevoeiro” atribuída ao “habitante do Estreito”, embora não soubesse “se do Estreito da Calheta, se do Estreito de câmara de lobos” (PESTANA, 1970). Outros “apelidos” podem designar a condição social (“fidalgo”, “vilões”, “labregos”) ou sublinhar o caráter físico ou moral (“borquilhos”, “tabanez”, “bravio”). São ainda fontes de inspiração para as alcunhas alguns ofícios (“leiteiros”, “barqueiro”) ou costumes, como “faquistas” e “tasquinhas”. A alcunha pode associar os visados com algo que os identifica, à semelhança de “xavelha” e “casaca”, ou derivar da predominância de certas plantas ou animais, nos tempos de hoje ou outrora (“saramagueiros” ou “lagartixeiros”. Apodos há que remetem para o nome de uma família (“carotos” ou “guizos”) ou, como explica P.e Eduardo nunes Pereira, citado por Manuel Pedro Freitas (s./d.), para um traço linguístico que particularize um determinado grupo de falantes, como sucede com “charnota” ou “chernota” (diminutivo de “cherne”, na fala desses pescadores). O estereótipo pode derivar de um facto histórico, como acontece com “os profetas” (devido ao conhecido episódio de Fernão Bravo que se fez passar por profeta no porto santo nos idos de 1533), “os enjeitados” da Sé (alusivo ao problema do abandono de crianças, com grande incidência na sociedade funchalense dos sécs. XVIII-XIX) e “os cativos” da Lombada da Ponta do Sol (termo relativo aos camponeses tidos como descendentes de escravos e servos submissos dos proprietários das terras que tratavam), ou ainda da devoção religiosa, relacionado, por exemplo, com o padroeiro da freguesia: à mulher da Boaventura, dava-se o nome de “Quitéria”, porque, nessa freguesia, se venera S.ta Quitéria.
O quadro não ficaria completo se não se referisse as alcunhas coletivas que os madeirenses atribuíram àqueles que embarcaram, aos que visitam o Arquipélago ou que na Madeira passaram a residir.
Lê-se nos glossários existentes que se apelidava de “rachado” (SILVA, 1950) ou de “rabstolim” (PESTANA, 1970) ao “madeirense que esteve em demerara’” atual guiana inglesa, e que “os naturais de demerara” eram designados como “os canecos” (PESTANA, 1970), termo referente às ilhas ditas Canecas e, pelos vistos, revelador de alguma confusão geográfica.
A literatura de ambientação madeirense dá conta de várias alcunhas coletivas que se confundem com o gentílico étnico referente ao país recetor. Àquele que voltava bem-sucedido da guiana inglesa dava-se o nome de “demerarista”, como prova a peça de teatro A Família do Demerarista (1859), de Rodrigues de Azevedo. Aos madeirenses que viveram algum tempo no Brasil, nos Estados Unidos ou na Venezuela atribuía-se-lhes, respetivamente, o designativo de “brasileiro”, “americano” e “venezuelano”, como ilustra a obra literária de Horácio Bento de Gouveia. No seu livro A Festa, Lídio Araújo refere os “cabistas” (ARAÚJO, 2002, 57), madeirenses radicados na Cidade do Cabo (África do Sul) que vêm, de vez em quando, estanciar na terra de origem, variante da forma “cabeiros”, respigada por Eduardo Antonino Pestana (PESTANA, 1970) na freguesia da Calheta.
Ficou gravada na memória e na literatura da Madeira a vinda de 2500 “gibraltinos” para o Funchal no início da Segunda Guerra Mundial. Estes refugiados, na sua maioria mulheres e crianças, integraram-se sem dificuldades na sociedade funchalense, criando laços de amizade e até matrimoniais entre “gibraltinas” e madeirenses. Note-se, a título de curiosidade, que o termo “gibraltino/a” tem cunho regional, já que o gentílico dicionarizado é “gibraltarino/a”.
Se os continentais, de meados do século passado, chamavam, com alguma displicência, “ilhéus” aos “habitantes dos Açores e da Madeira” (BOLÉO, 1956), alcunha de caráter geral que inspirou a Horácio Bento o título para o seu primeiro romance (Ilhéus, posteriormente rebatizado Canga), no pós-25 de abril, madeirenses passaram a designar como “cubanos” os indivíduos do continente. A semântica desse termo parece derivar de várias motivações e conceções. Sem esgotar a questão dos seus vários sentidos, podemos ensaiar uma primeira aproximação: por um lado, coincide com o facto de muitos madeirenses discordarem com o rumo político que Portugal estava, na altura, a tomar, sem deixar de aludir ao papel dos cubanos no processo de descolonização de Angola; por outro, a ilha confrontava-se com o inabitual perfil do turista nacional que começava a visitá-la. De então para cá, o termo foi conceptualizado por políticos madeirenses para indicar todo o continental que, como sói dizer-se na Ilha, “não tem a Madeira no coração”.
Na passagem dos modos de vida de tipo rural para a atual sociabilidade urbana, muitas das alcunhas aqui referidas, de tão antigas, pouco ou nada dizem aos contemporâneos: algumas caíram em desuso; outras continuam vivas e são reivindicadas como símbolo de pertença ou até de orgulho, nomeadamente, através da designação de coletividades socioculturais. Veja-se, por exemplo, o nome da revista Por Terras Tabaqueiras, lançada a 10 de dezembro de 2009, pela Casa do Povo de S. Roque do Faial, os grupos desportivos, tais como “Os Xavelhas”, de câmara de lobos, e “Os Profetas”, do porto santo, ou aquele restaurante snack-bar, em santana, autodenominado “Bragados”. Ainda no tocante ao universo das equipas de futebol, vale a pena registar que o apodo coletivo é assumido como símbolo da identidade do clube, por exemplo, os “viscondes”, do Clube Desportivo da Ribeira Brava, em homenagem ao histórico visconde dessa terra, os “camacheiros”, da Associação Desportiva da Camacha e os “manitos” da Associação Desportiva de Machico. Outros sobrenomes sofreram um processo de atualização: os “faquistas” do Estreito de câmara de lobos tornaram-se “navalhistas”. Os “camones” substituíram os “americanos” e os “miras”, os “venezuelanos”. Outra denominação, mais genérica e importada do continente, vem suprir os “manatas” e os “fidalgos”: são os “betinhos” ou “queques”, os meninos bonitos de um centro urbano. Na parte inferior da escada social, está o “xavelha”, alcunha que sofreu uma evolução semântica, porque já não se restringe ao habitante dos bairros desfavorecidos de câmara de lobos. Atualmente, falantes adolescentes aplicam esse termo para designar todo o jovem pouco escolarizado, mal vestido, sem modos e sem dinheiro.
Todavia, como é fácil de perceber, a função da alcunha não é bem igual à do gentílico, mesmo se, por vezes, o substitui. O gentílico mantém a sua importância na referenciação de alguém ou algo relativo a um determinado lugar. Quanto à alcunha coletiva criada, habitualmente, para intimidar aquele que pertence a território vizinho e a estrato inferior, vale, sobretudo, pela representação que faz do outro, ao configurar-lhe uma caraterística, raramente, abonatória. Pode depreender-se, assim, que no gentílico “russiano”, variante antiga na Madeira para o atual “russo”, prevalece a denotação, ao passo que na alcunha “bife”, cada vez menos usada, para designar qualquer cidadão inglês, é atribuído valor conotativo.
Chegado ao fim deste percurso, fica o possível balanço de factos linguísticos que participavam ou participam do quotidiano dos madeirenses, da imprensa regional, bem como da literatura ambientada no arquipélago da Madeira, representando claras manifestações socioculturais, quer na definição das relações intercomunidades e interpessoais, quer na afirmação das identidades locais.
Seguem-se os quadros que dão a ler os gentílicos e apodos coletivos apurados e a respetiva distribuição pelas localidades do arquipélago da Madeira. Além do que já foi dito sobre o assunto, e não esgotando as possíveis interpretações dos dados apresentados, impõem-se umas breves considerações sobre algumas situações observadas.
O estatuto do aglomerado urbano (consoante o grau de autonomia político-administrativa, se elevada ou baixa) pode motivar ou desmotivar o surgimento de um gentílico. Neste sentido, não admira que o Funchal (a capital do arquipélago) e o porto santo/Vila Baleira (enquanto poder local centrado em si mesmo) se singularizem das demais localidades pela ausência de gentílicos de formação popular com o sufixo -eiro, tradicionalmente ligado ao meio rural. Na mesma linha de pensamento, note-se que são, sobretudo, as povoações situadas na serra e no interior da ilha da Madeira, designadamente, Prazeres, Campanário, Santo da Serra, Jardim da Serra, Ribeira da Janela, Serra de Água, Água da Pena, Ilha e São Roque do Faial, que não consignam termo gentílico correspondente. Tal se deve, provavelmente, ao facto de se tratar de aglomerados com pouca expressão ao nível da administração local. No entanto, em freguesias que se urbanizaram a olhos vistos nestes últimos anos, como Prazeres e Campanário, vozes locais exemplificam, através de documentos acessíveis ao público, a necessidade de se criar um gentílico (“prazerense”? “campanarense”?).
No tocante à formação do gentílico, não podemos deixar de sublinhar a relação de concorrência entre o sufixo -ense e o sufixo -eiro, sendo que muitos resistam ao gentílico de formação popular e mais antiga. Tirando as freguesias dos Canhas e do Seixal que optaram, oficialmente, pelas formas em -eiro (“canheiro” e “seixaleiro”, respetivamente), a preferência vai para um gentílico cunhado com o morfema -ense, normalmente percecionado como isento de caráter pejorativo. Repare-se, ainda, no facto de não se ter criado um gentílico relativo ao topónimo “Ponta Delgada”, uma freguesia de S. Vicente, quando este seria fácil de conceber. Essa inexistência resulta, provavelmente, da preocupação em não ser confundido com o gentílico correspondente à capital do arquipélago dos Açores.
Por fim, a leitura de alcunhas coletivas no arquipélago da Madeira indiciam uma imagem estigmatizada de grupos socialmente marcados que o senso comum cultivou ou ainda cultiva. Com exceção dos emigrantes e dos turistas já evocados, excluindo-os das tabelas abaixo apresentadas por razões de clareza, sobressaem camponeses rústicos, criadores de gado, serranos, famílias que se confundem com a história de sítios habitados (suspeita de consanguinidade?), marítimos, pescadores, habitantes de povoações litorâneas, as mulheres pertencentes a determinados locais e/ou a grupos socioprofissionais e os senhores aperaltados. Ao viés desses quadros, podemos delinear uma radiografia de uma estratificação social do arquipélago da Madeira da segunda metade do século passado. Algumas localidades, tais como câmara de lobos, Estreito de câmara de lobos, Machico, Santa Cruz, Monte e Funchal, apresentam uma notável abundância de alcunhas coletivas. Além de se tratar de aglomerados com uma significativa densidade populacional, tendo em conta a sua diversidade sociocultural, o certo é que os habitantes desses lugares têm chamado, de algum modo, a atenção das populações vizinhas.
Gentílicos e Alcunhas Coletivas no Arquipélago da Madeira Concelho da Calheta freguesias Gentílico de formação erudita Gentílico de formação popular Alcunha(s) coletiva(s) Obs. Arco da Calheta “arqueiro” (FAS) Calheta “calhetense” (oficial) “calheteiro” (EAP, AMC) ‘a designação de calheteiro, [era] aplicada, indistintamente, às três freguesias com aquele nome’ (RS) Estreito da Calheta “saramagueiros” (EAP) Jardim do Mar “jardineiro” (oficial) Prazeres [“prazerense”, ocorre num documento referente a um projeto educativo da Escola Básica da Fajã da Ovelha, on-line] “capão” (EAP) Fajã da Ovelha “fajã-ovelhense” (oficial) Maloeira “maloeiro” (DM) Raposeira “raposeiro” (DM) Paul do Mar “paulense” “pauleiro” (AMC) “teca” (EAP) ‘mulher do Paul do Mar’ (EAP).Na imprensa regional de meados do século XX, um jornalista dá conta da atuação conseguida do Orfeão do Paul do Mar. Apelida os seus executantes de “simpáticos pauleiros”, sem qualquer ironia. Ponta do Pargo “ponta-parguenses” (in Diário de Notícias) “pargueiro” (RS) “carotos” (RS) Concelho de câmara de lobos Freguesia Gentílico de formação erudita Gentílico de formação popular Alcunha(s) coletiva(s) Obs. câmara de lobos “câmara-lobense” (oficial) “charnotas” ou “chernotas” (DBM, AFG, RS, MPF)“chavelhas” ou “xavelhas” (RS, MPF) “pesquitos” (DBM, AMC, P) “tangerinos” (MPF) “camalatas” (EAP) “tasquinhas” (EAP, MCNP) “gardadeira” ‘habitante fora da «vila»’ (NV) ‘habitante da «vila» da freguesia de câmara de lobos’ (EAP) ‘quererá traduzir a relação entre os traços fisionómicos de alguns pescadores locais e os habitantes de Tânger, ou do Norte de África’. (MPF) ‘os habitantes da vila de câmara de lobos’ (EAP) ‘Alcunha dos habitantes de câmara de lobos, dada pelos do Paul do Mar’ (MCNP) ‘nome atribuído a mulher de baixa extração social, típica de câmara de lobos’ (ocorre em anedotas que circulam na net) curral das Freiras “curralense” “curraleiro” (FAS, AMC, RS) “cabreiros” (MPF) Há notícia de uma Tuna Curralense, criada em 1939.O “termo curraleiro era sempre referido depreciativamente, o que hoje não se verifica” (RS) Estreito de câmara de lobos “estreitense” (oficial) “estreiteiro” “faquistas” (MPF)“fumeiro” (EAP, MPF) “navalhistas” “vilhão, viloa” A explicação ‘poderá estar relacionada com o frequente nevoeiro que noutros tempos assolava esta localidade, ainda que haja quem defenda que tal epíteto se ficasse a dever à atividade de carvoaria.’ (MPF) Jardim da Serra Quinta Grande “quinteiros” Assim designados por habitantes do Campanário. Concelho do Funchal Concelho Freguesia Gentílico de formação erudita Gentílico de formação popular Alcunha(s) coletiva(s) Obs. Funchal “funchalense” (oficial)[“funchalino”] Numa nota biográfica sobre o escritor João frança, o jornalista José Abel Caldeira ensaiou, em 1997, a locução “as agremiações funchalinas”, sendo até à data a única ocorrência desta forma de que temos conhecimento. “manatas” (EAP)“casaca” (FAS) “meninos / gente / os da cidade” “lanchas” ‘habitante da cidade’ (FAS) A designação terá sido motivada pelo facto de, num tempo não muito distante, os funchalenses se deslocarem até às outras localidades, como o Paul do Mar, a Calheta ou a Ribeira Brava, de lancha ou de barco. Imaculado Monte “montense” (oficial) “labregos” (DBM, RS, NV)“frangoleiros” (AFG) “leiteiros” (RS) “caganiteiros” (RS) Santa Luzia “alforrecas” (RS) Santa Maria Maior Santo António “galinheiros” (AFG)“faquista” (RS, DBM) “São conhecidos por esta designação os naturais da freguesia de Santo António e isto porque em qualquer rixa, procura[va]m defender-se usando faca.” (DBM) São Gonçalo “lapeiro” (AFG, RS) São Martinho “rabicho” (EAP, MCNP)“carapeteiros” (AFG, MCNP, AMC) São Pedro “fidalgos” (RS) São Roque O jornalismo desportivo regional designa os atletas do Clube Desportivo de São Roque como “são-roquinos”. Sé “enjeitados” (RS) Concelho de Machico freguesias Gentílico de formação erudita Gentílico de formação popular Alcunha(s) coletiva(s) Obs. Água de Pena “cabreiros” (de cima) (RS)“lapeiros” (de baixo) (RS) Caniçal “caniçalense” (oficial) “caniçaleiro” (FAS) “burreiros” (AMC, MCNP) ou “borreiros”(FAS, AFG) ou“berreiros” “ponteiros” (RS) “Denominação advinda [provavelmente] da proximidade com a Ponta de S. Lourenço.” (RS) Machico “machiquense” (oficial) “machiqueiro” (RS) “marroquinos” “lardões” “engenheiro” Nome com que santa-cruzences designam os de Machico. Sobre a motivação etiológica desta alcunha, consta que tal apodo surgiu na sequência de um governante do partido do poder se ter referido, em declarações públicas, ao concelho de Machico (então administrado por um partido da oposição), comparando-o, com uma intenção depreciativa, a Marrocos.“Nome com que os habitantes da freguesia de Santa Cruz designam os de Machico” (EAP). Provável deturpação de “ladrões”. Essa alcunha coletiva deve ter que ver com a seguinte anotação que Fernando Aguiar (1951: 91-92, em nota de rodapé) registou em Cousas da Madeira: “De Machico, dizia-se, com grande insulto e grave zanga tomada nos naturais, como sentença célebre, onde se compara a riqueza do inhame com a maior abundância de larápios, que, em Machico cada folha de inhame abriga sete ladrões e meio.” Com base no dito popular, de rima fá--cil: “Onde está um machiqueiro, está um engenheiro.” Banda d’Além “barqueiro” (RS) Porto da Cruz “portacruzense” (FAS) “broquilhos” (AFG, AMC)“borquilha” “tabanez” “Génio tabanez têm-no os do Porto da Cruz de «antes quebrar que torcer».” (AMS) Maiata “os maiatos” (NV) Santo (António ) da Serra “cabreiros” (DBM, EAP)“ “Designação por que os habitantes da Vila de Santa Cruz conhecem os da vizinha freguesia serrana do Santo da Serra.” (EAP) Concelho da Ponta do Sol freguesias Gentílico de formação erudita Gentílico de formação popular Alcunha(s) coletiva(s) Obs. Canhas “canhense”, (GJP) “canheiro” (oficial) Madalena do Mar “madaleno” (oficial)“madeleiros” Ponta do Sol “ponta-solense” (oficial) “fidalgos” (RS) Lombada “lombadeiros” “cativos” (EAP) Lugar de Baixo “manicas” Significa ‘cavala miúda’. Concelho do porto moniz freguesias Gentílico de formação erudita Gentílico de formação popular Alcunha(s) coletiva(s) Obs. Achadas da Cruz “achadense” (FAS) “achadeiro” (FAS)“chadeiros” porto moniz “porto-monicense” (oficial) “vilão” (RS)“barqueiro” “norteiros” Habitante da «vila» do porto moniz.Denominação que os habitantes das Achadas da Cruz atribuem aos vizinhos do porto moniz. Santa e Lamaceiros “labregos” (RS) Ribeira da Janela “lapeiro” (DM)“rabichado” (RS) Seixal “seixalense” (FAS) “seixaleiro” (oficial) Concelho do porto santo Concelho Gentílico de formação erudita Gentílico de formação popular Alcunha(s) coletiva(s) Obs. porto santo “porto-santense” (oficial) “profetas”“jericos” Serra de Dentro “descidos” (EAP)“sarranhos” (EAP) Provável deturpação de ‘serranos’. Concelho da Ribeira Brava freguesias Gentílico de formação erudita Gentílico de formação popular Alcunha(s) coletiva(s) Obs. Campanário [“campanarense” ocorrência no blog Eco23 Campanário, abril 2011, publicado pelo Cónego João J. G. Andrade] “tabanez” (EAP) “lapeiros” (DM) “Corpulento, falando-se de gente”. (EAP)Habitantes do sítio da Lapa, zona baixa e litorânea da freguesia. Ribeira Brava “ribeira-bravense” (oficial) “ribeiro-bravo” (EAP) “vilão”“guizos” Designação por que os habitantes do Campanário conhecem os do sítio de São João, na Ribeira Brava. Serra de Água os “serra-d’água” (NV) “paulista” (EAP) “Paulista”: talvez derive de o facto da Serra d’Água ficar a caminho do Paul da Serra? Tabua “tabuense” (oficial) “tabueiro” (oficial)“os tabuas” (NV) Concelho de Santa Cruz freguesias Gentílico de formação erudita Gentílico de formação popular Alcunha(s) coletiva(s) Obs. Camacha “camachense” (oficial) “camacheiro” (EAP, FAS, AMC, RS) Rochão (sítio do) “rochoeiro” O termo é muitas vezes usado por “camacheiros” ou percecionado pelos visados como depreciativo. Caniço “canicense” (oficial) “caniceiro” (EAP, FAS, AMC) “cebolas” (RS) ou “ceboleiros” (DBM, AFG, AMC) No seu estudo, J.A. David Morais regista que o apodo «çaboleiros» ou «ceboleiros» identifica os habitantes de uma aldeia no concelho de Borba. Esta denominação lúdica deve-se igualmente ao facto de abundar nessa terra a cebola. Gaula “gaulês, gaulesa” (oficial)“gauleiro” (FAS) “chadeiros”ou “picadeiros” (de cima) (RS) “lapeiros” (de baixo) (RS) “Gauleses são grande gente no tempo da bela amora”, enuncia Manuel Gonçalves, mais conhecido como o Feiticeiro do Norte, na sua literatura de cordel intitulada “A Madeira” (V. Versos de Manuel Gonçalves (Feiticeiro do Norte), apresentação e notas de F. Alberto Gomes, Funchal, s./n., 1959). Jaime Câmara (1932: 32) acrescenta o seguinte apontamento: “– Sou de Gaula: si que se importa? – é uma filauciosa expressão atribuída à espontaneidade dos gauleses, quando as amoreiras de cerne rijo e largas e verdes folhas, se apresentam pontuadas de soroses negras, de sabor muito doce”. Santa Cruz “santa-cruzense” (oficial) “judeus” (FAS, RS)“vilãos” (RS) “cabreiros” (AMC) “soviéticos” “espanhóis” (MCNP) Nome com que machiquenses designam atualmente os de Santa Cruz’. Deve-se, provavelmente, à causticidade de crisma subsequente ao 25 de abril. “Alcunha dos habitantes de Santa Cruz, dada pelos do Porto da Cruz. Nas outras regiões desconhecem.” (MCNP) Santo (António ) da Serra “cabreiros” (DBM, EAP)“ “Designação por que os habitantes da Vila de Santa Cruz conhecem os da vizinha freguesia serrana do Santo da Serra”. (EAP) Concelho de santana freguesias Gentílico de formação erudita Gentílico de formação popular Alcunha(s) coletiva(s) Obs. Arco de São Jorge “arqueiro” (FAS) “caiados” (AFG, EAP, RS)“chicharreiros” (EAP) ou “peixeiros” “lagartixeiros” (EAP, FAS) ‘Armadilha para apanhar lagartixas; Lugar quente; Coisa pouco limpa’. (FAS) Faial “faialense” (oficial) “fanheiros” (AFG, EAP, AMC)“labregos” Lombo Galego “labregos” (EAP) Ilha “bravios” (EAP)“primos” santana “santanense” (oficial) “santaneiro” (FAS) “bragados” (DBM, FAS, AFG, RS) São Jorge “são-jorgense” “caiados” (RS) Há notícia de uma “Filarmónica Sanjorgense” fundada por volta de 1874. São Roque do Faial “tabaqueiros” (AFG, EAP, AMC) A alcunha era há poucos anos ainda percecionada pelos visados como desprestigiante; hoje, já é usado como motivo de orgulho e marca identitária. Termo provavelmente cunhado por faialenses que não aceitaram de bom grado o desmembramento de São Roque da freguesia do Faial. Concelho de São Vicente freguesias Gentílico de formação erudita Gentílico de formação popular Alcunha(s) coletiva(s) Obs. Boaventura “boaventurense” (HBG) “labregos” (EAP)“caitanos” (AFG, EAP) “quitéria” (EAP) Leia-se ‘caetanos’. Mulher da freguesia de Boaventura. Maliciosamente, o termo “quitérias” designava também os seios da mulher. (EAP) Ponta Delgada “lapeiros” (RS) “Resultante de uma velha tradição de “ir às lapas”, nas marés baixas (…), os naturais da Ponta Delgada [são] conhecidos, praticamente em toda a Madeira, por “lapeiros””. (DM) Lombada (1ª, 2ª e 3ª) “os lombadenses” (HBG) “lombadeiro” São Vicente “vicentino” (ILTEC)“são-vicentino” (V. verbete Wikipédia) “vilhões”“labregos” ditos populares: “De São Vicente, nem burro nem gente; só o Santo e o vinho”; De São Vicente, nem é burro, nem é gente”. Provável resposta dos vicentinos às freguesias vizinhas: “Boaventura, há burros de fartura”; “Ponta Delgada, há burros à pancada”. Fajã da Areia “fajoneiro” (HBG)Bibliog. impressa: ARAÚJO, Lídio, A Festa, Madeira, edição do autor, 2002; AGUIAR, Fernando, Cousas da Madeira: Lendas de Outrora e de Sempre, 2.ª ed. (revista e acrescentada), Lisboa, Mar-Lago, 1951; BOLÉO, Manuel de Paiva, “Os nomes étnicos-geográficos e as alcunhas colectivas: Seu interesse linguístico, histórico e psicológico”, s. n., sep. Biblos, vol. 31, Coimbra, 1956, 19 pp.; CAIRES, Victor, Crónicas da Beira-Mar, Funchal, Ed. 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Thierry Proença
(atualizado a 16.08.2016)