müller, carlos
Carlos Müller nasceu na freguesia de Santa Luzia a 18 de dezembro de 1896, sendo filho de Karl Müller, natural da Bavária (Alemanha), e de Guilhermina da Silva, também natural daquela freguesia. Na conjuntura da Primeira Guerra Mundial, partiu, a 21 de Julho de 1916, com 23 anos, para os Açores, onde cumpriu o exílio no forte de São João Baptista (Angra do Heroísmo) sob o n.º 384, conforme a lista de 1918. Na verdade, a 7 de fevereiro de 1916, fora aprovada uma lei que previa a requisição de matérias-primas e meios de transporte alemães que estivessem em território português. Em 9 de março de 1916, a Alemanha declarara guerra a Portugal, que reagira com vária legislação, nomeadamente a lei de 24 de abril de 1916, em consequência da qual os residentes alemães em Portugal foram banidos ou presos, especialmente os de idades compreendidas entre os 16 e 45 anos. Antes do referido exílio, Karl Müller não permitira a naturalização dos filhos mais velhos, Humberto e Carlos afirmando que “antes morrer que ser português” (WILHELM, 2000-2001).
Sua mãe ficou viúva a 5 de setembro de 1916 e morreu a 25 de janeiro de 1922. Pouco depois, a 22 de Junho de 1922, Carlos Müller casou-se com Olga da Paixão de Castro em regime de comunhão de bens; tinham ambos 25 anos. Em 1934 residiam à rua do Conde Carvalhal e, a 14 de setembro de 1939, Carlos Müller naturalizou-se português.
Carlos Müller interessou-se pelo bordado da Madeira e fez a sua aprendizagem desta indústria numa sociedade irregular – baseada num acordo verbal, sem recurso a ato notarial – com seus cunhados, Crispim Izidoro (irmão de sua mulher) e Maria Romana de Castro, em 1922. Posteriormente, Crispim constituiu uma sociedade com seu irmão, Alberto Castro, mas, em setembro de 1924, ficou único sócio da empresa, com sede à rua dos Ferreiros, no Funchal. Nesse ano, Crispim, que entretanto emigrara para a América, mandou de lá uma procuração conferindo a Carlos poderes de administrador e de gerente, com um ordenado que oscilava entre 800$00 e 2.400$00, conforme o seu desempenho, especialmente o volume e o montante de bordados exportados; estas funções foram ratificadas em 1932 por nova procuração. No entanto, com o regresso à Madeira de Crispim Izidoro de Castro, surgiram desentendimentos entre os dois, que fizeram com que Carlos iniciasse uma ação judicial no Tribunal da Comarca do Funchal; na versão de Crispim, a repetida e intolerante indisciplina do cunhado (nomeadamente o incumprimento das instruções recebidas) tinham-no obrigado a demitir Carlos, a 9 de Outubro de 1933. Pouco tempo volvido, Carlos retirou a referida queixa, desconhecendo-se a razão.
A 9 de Novembro de 1933, Carlos Müller constituiu com seu cunhado Raul Ladislau da Câmara (casado com uma irmã de Olga) a firma Müller & Câmara, sedeada à rua Conde Carvalhal. A 11 de Abril de 1942, os dois sócios procederam à reformulação da mesma e, a 1 de Julho desse ano, ratificaram as escrituras anteriores, ficando como “primeiro outorgante Karl Müller, que também é conhecido e assina Carlos Müller e como segundo outorgante Raul Ladislau Câmara; ambos casados, comerciantes e moradores à rua Latino Coelho, desta cidade”, assim como o tipo de sociedade: “Müller & Câmara Limitada e Madeira Juvenile Export C.º Ltd” (ARM, 2.º Cartório Notarial do Funchal, escritura de 1 jul 1942), com nova sede e aumento de capital social.
A 4 de abril de 1946, perante o notário Bacharel Frederico Augusto de Freitas, foi constituída a “sociedade comercial por cotas de responsabilidade limitada, Arte Fina, Limitada”, que teve a sua primeira sede e estabelecimento principal na calçada da Saúde, n.º 10 de polícia. A cláusula 3.ª da mesma escritura refere que o “seu objeto é a realização da indústria e do comércio de bordados da Madeira, e a de qualquer outro ramo de indústria ou de comércio que aos sócios convenha explorar, dentro dos limites da lei”. A cláusula seguinte refere que o capital social está integralmente realizado, que é no valor de 200.000$00 “e fica dividido em quatro cotas – sendo uma, com o valor nominal de noventa mil escudos, pertencente ao sócio Carlos Müller, outra com o valor nominal de dez mil escudos, pertencente ao sócio Humberto Müller, outra com o valor nominal de noventa mil escudos, pertencente ao sócio Raúl Ladislau Câmara, e outra com o valor nominal de dez mil escudos, pertencente ao sócio Avelino Leovigildo nunes Vieira Aguiar Câmara” (Ibid., escritura de 4 abr 1946).
No mesmo cartório, a 3 de agosto de 1957, Raul Ladislau da Câmara e Maria Romana cederam as suas quotas aos restantes outorgantes e, a 2 de outubro de 1957, entraram novos sócios para a firma Arte Fina, Limitada, com sede e principal estabelecimento no Funchal. Os novos sócios são os cônjuges de Avelino Aguiar Câmara e de Carlos Müller, assim como o seu filho, Humberto Müller, médico pediatra, que exercia a profissão em Lisboa.
Carlos Müller faleceu na cidade de Lisboa, onde se achava em tratamento, a 15 de dezembro de 1963. No Termo de Apresentação da Relação de Bens constava que residira na Avenida do Infante, no Funchal e que fora casado com Olga de Castro Müller em primeiras e únicas núpcias de ambos e segundo o regime da comunhão geral de bens. No Termo de Declaração constava que o falecido não fizera testamento nem doação, sendo os herdeiros, por direito de sucessão legítima, seus filhos, o declarante e Dolores Elisabeth Müller Câmara, casada, de 39 anos de idade, moradora à dita Av.ª do Infante, e também a viúva, nomeada, por inerência, cabeça de casal. Em sucessivos pedidos de prorrogação de prazo para apresentação do Termo de Apresentação da Relação de Bens, entre vários documentos, estão o extracto do balanço em duplicado da firma Arte Fina, Limitada, e escrituras da mesma firma, de 4 de abril de 1946, 3 de agosto de 1957 e 2 de outubro de 1957. No mesmo processo, consta a Relação dos bens deixados por óbito de Carlos Müller, sendo os n.os 1 a 4 bens móveis e o n.º 5 as cotas sociais (duas) no capital da sociedade Arte Fina, Limitada, com o valor nominal de 110.000$00, tendo a firma capital no montante nominal de 200.000$00, que está realizado integralmente. Quanto aos bens imóveis, havia prédios urbanos à travessa do Lazareto (Sítio dos louros), ao beco dos Frias (São Pedro), à estrada conde de Carvalhal (Santa Maria Maior) e à avenida do Infante (São Pedro), onde a família residia, e ainda à rua 31 de Janeiro. Nessa relação consta também a quarta parte de dois prédios rústicos, um na Quinta do Salvador e outro no Arrebentão (Terreiro da Luta), freguesia do Monte.
José Luís Ferreira de Sousa
(atualizado a 01.02.2018)
Bibliog.: manuscrita: ARM, Judiciais, Livro n.º 106 das Escrituras dos Actos e Contratos entre Vivos, fls 88 v., lavrada pelo notário do Funchal João Valentim Pires a 18 abr. 1927, cx. 2005, proc. 10; Ibid., Inventário Orfanológico de 1928, 5.º Ofício da Comarca do Funchal, cx. 2005, proc. 10; ARM, 2.º Cartório Notarial do Funchal, escritura de 9 nov. 1933, liv. 3-B, fls. 75, cota 6495; Ibid., 2.º Cartório Notarial do Funchal, escritura de 11 abr. 1942, liv. 8-B, fls. 32v.-34v., cota 8869; Ibid., 2.º Cartório Notarial do Funchal, escritura de 1 jul. 1942, liv. 8-B, fls 43-44, cota 8869; Ibid., escritura de 4 abr. 1946, lavrada pelo notário do Funchal Frederico Augusto de Freitas, liv. 204 B, fls. 17-20v., cota 7822; Ibid., escritura de 3 ago. 1957, lavrada pelo notário do Funchal Frederico Augusto de Freitas, liv. 395 A B, fls. 54-58v., cota 7757; Ibid., escritura de 3 ago. 1957, lavrada pelo notário do Funchal Frederico Augusto de Freitas, liv. 225 B, fls. 10v.-14v., cota 7843; Ibid., escritura de 2 out. 1946, lavrada pelo notário do Funchal Frederico Augusto de Freitas, liv. 225 B, fls. 60-67v., cota 7843; Ibid., escritura de 4 ago. 1960, lavrada pelo notário do Funchal Frederico Augusto de Freitas, liv. 421-A B, fls. 43v-44, cota 7783, ARM, Funchal; Ibid., escritura de 4 ago. 1961, lavrada pelo notário do Funchal Frederico Augusto de Freitas, liv. 427 A, fls. 23-23v., cota 7789; impressa: Diário de Notícias, Funchal, 1 jun. 1916; Diário de Notícias, Funchal, 6 set. 1916; digital: WILHELM, Eberhard Axel, “A Família Germano-madeirense Müller (1)” Xarabanda n.º 13, 2000-2001, pp. 21-25: http://xarabandarevista.net/text/xr160.pdf (acedido a 19 dez. 2014); VILLALOBOS, Luís, “Os 72 Navios Alemães Que Levaram À Entrada de Portugal na Grande Guerra”, Público, 4 set. 2014: https://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/os-72-navios-alemaes-que-levaram-a-entrada-de-portugal-na-grande-guerra-1668548 (acedido a 14 mar. 2016).