padres do pombal
A designação de “padres do Pombal” aplica-se a um conjunto de sacerdotes católicos que desenvolveram a sua ação na Madeira, entre os finais da déc. de 60 e os meados da de 70 do séc. XX. Na génese do grupo estiveram João da Cruz, que o liderava, Lino Cabral, Arnaldo Rufino da Silva e Francisco Sidónio Figueira.
Segundo o P.e João da Cruz, o facto de serem chamados padres “do Pombal” decorria, tão simplesmente, de terem decidido procurar uma casa onde pudessem viver em comunidade. Acabaram por encontrar as acomodações pretendidas na R. do Pombal, para onde se mudaram depois de, em 1967, o bispo ter entendido que não deviam continuar a morar no seminário, abandonando dessa forma local onde até aí viviam e ensinavam (CARDOSO, 2011, 43).
João da Cruz frequentara o seminário do Funchal como aluno, após o que rumou a Lisboa onde, em 1966, se licenciou em Filologia Românica, com o objetivo de vir a ensinar num colégio diocesano que então se perspetivava para a Madeira. Gorado esse projeto, foi integrado, por iniciativa de D. João saraiva, bispo do Funchal ao tempo, no Movimento Operário da Ação Católica, acabando, depois, por se ligar em particular à Juventude Operária Católica (JOC), movimento juvenil que, ao contrário do que acontecia no resto do país, era na Madeira politicamente alinhado à esquerda do regime, e no qual se ia desenvolvendo o interesse pela democracia e a importância do sindicalismo.
Por seu lado, o P.e Lino Cabral estava encarregado da assistência espiritual à Juventude Agrária Católica (JAC) e, operando nas zonas rurais, fazia por despertar nos jovens a noção de que tinham direitos, sendo, portanto, também uma figura contestatária da situação vigente. Por seu turno, o P.e Arnaldo Rufino era assistente do Corpo Nacional de Escutas, enquanto o P.e Francisco Sidónio Figueira, ainda que sem compromisso político visível, era, pelo facto de ser próximo dos restantes, com os quais compartilhava a habitação, associado às mesmas ideias.
Os padres do Pombal foram objeto da atenção da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), a polícia política que operou nos últimos anos do Estado Novo. Com efeito, as homilias deste grupo progressista, que tinha ligações de amizade com membros do Partido Comunista e mantinha contactos com a elite cultural que gravitava à volta do Cine Forum, eram seguidas com cuidado e as suas atividades eram monitorizadas por vários informadores, entre os quais se contavam outros elementos do clero.
Ao mesmo tempo que os padres do Pombal tentavam movimentar sacerdotes mais novos, agregando-os às discussões sobre a influência da Igreja no mundo e a renovação proposta pelo Concílio Vaticano II, o P.e João da Cruz candidatava-se pela oposição, em 1969, às eleições legislativas. Com o movimento a crescer, o grupo conseguiu dinamizar alguns setores da sociedade, dentro e fora da Igreja, chegando a organizar estruturas de alfabetização e a dar aulas ao nível do 2.º ciclo do ensino preparatório, de forma gratuita e em período pós-laboral. Estas atividades decorreram sob vigilância, mas sem sobressaltos de maior até 1974.
Com a chegada à Madeira do novo bispo, D. Francisco santana, em 1974, os padres do Pombal foram convidados a integrar-se, de forma menos contestatária, na Igreja madeirense. Perante a sua recusa, os sacerdotes viram serem-lhes retirados benefícios sociais, bem como a possibilidade de celebrar missa, uma ação concertada que era quase um convite ao abandono do sacerdócio. A esta condenação implícita, veio juntar-se uma outra, muito mais explícita, que se materializou sob a forma de bombas que foram colocadas, quer na casa do Pombal, quer no automóvel do P.e João da Cruz, pela Frente de Libertação do Arquipélago da Madeira (FLAMA) – movimento separatista muito ativo depois da Revolução de Abril.
Deste modo, o advento da democracia seria, paradoxalmente, fatal para os padres do Pombal, que, sem condições de segurança para permanecerem na Madeira, optaram pelo abandono da Ilha, desfazendo-se, assim, o núcleo e as atividades que tinham levado a cabo nos fins do regime do Estado Novo.
Cristina Trindade
José Luís Rodrigues
(atualizado a 01.01.2017)
Bibliog.: impressa: CARDOSO, Albino Ribeiro, Jardim, a Grande Fraude. Uma Radiografia da Madeira Nova, Lisboa, ed. Caminho, 2011; fontes orais: PAULOS, Ângelo, entrevistado por Cristina Trindade, Funchal, out. 2015.