teologia, ensino da

14 Jan 2021 por "Vítor Reis Gomes"
Religiões

O estudo da Teologia faz parte da formação dos futuros padres e desenvolveu-se no Seminário do Funchal, tendo como objetivo primeiro a formação do clero e as necessidades concretas da pastoral das paróquias onde, para além da catequese, era necessário evangelizar os costumes religiosos do povo. Na prática, o ensino do Seminário dava a estrutura doutrinal e moral para lidar com as diferentes solicitações do múnus de pastor, mas diversas pastorais dos bispos diocesanos insistiram na formação do clero para além dos elementos iniciais recebidos no Seminário.

A instituição dos seminários foi uma das obras mais importantes do Concílio de Trento. A 20 de setembro de 1566, D. Sebastião criava o Seminário do Funchal, apenas três anos depois do decreto do Concílio. Foi sobretudo D. Jerónimo Barreto, formado em colégios jesuítas e sagrado bispo do Funchal em 1573, que determinou o estabelecimento do seminário diocesano, com toda a probabilidade no decénio de 1575 a 1585. No início do séc. XVII, D. Luís de Lemos mandou construir o paço episcopal e instalou o Seminário numa casa anexa. Devido à proximidade do Colégio dos Jesuítas, os seminaristas frequentavam as aulas do Colégio, onde recebiam formação em letras, mas também em ciência sagrada. Num relatório de 1594, encontramos uma referência ao Seminário, ao seu reitor e aos seminaristas, que iam todos os dias às aulas dos padres da Companhia de Jesus, onde eram instruídos em virtudes e letras para depois desempenharem a cura de almas. O texto anónimo Memórias sobre a Creação e Aumento do Estado Eclesiástico na Ilha da Madeira referem que os Jesuítas estabeleceram no edifício do Colégio o ensino da doutrina, a confissão, a pregação, a moral, o latim e a retórica, disciplinas importantes não só para a formação dos seus próprios religiosos, mas também para os seminaristas diocesanos que aí encontravam as bases intelectuais e humanas do seu futuro ministério. Henrique Henriques de Noronha, que escreve por volta do ano de 1722, afirma que o Seminário se manteve até 1702 nas dependências do paço episcopal, altura em que passou para o mosteiro novo, situado na futura R. do Seminário. Foi nesta data que o bispo diocesano dispôs de estatutos para o Seminário, exigindo que os jovens nele admitidos tivessem entre 12 e 18 anos e aí permanecessem sete anos: os quatros primeiros dedicados ao estudo do latim e do canto, os três últimos à moral e à filosofia. Era condição para receber ordens menores o conhecimento do latim; para as outras ordens – subdiácono, diácono e presbítero –, importava que o ordinando conhecesse os procedimentos que pertenciam à missa, nomeadamente a matéria e a forma da consagração, e tivesse a disposição necessária de espírito e de corpo. Alguns sacerdotes prosseguiam estudos de nível superior em Coimbra, em Évora ou mesmo fora do país. Embora não se conheça o conteúdo da formação teológica dos seminaristas nesta data, sabe-se por uma pastoral do bispo D. Fr. Manuel Coutinho, de setembro de 1725, que a preparação do seu clero era superficial, sobretudo a nível espiritual. O bispo exigiu um prazo para que todos os clérigos se apresentassem a exame de confessores, aplicando-se ao estudo da moral e do latim. Os residentes no Funchal deviam frequentar as aulas de moral no colégio da Companhia de Jesus e não eram sujeitos a exame sem a frequência dessas lições. A liturgia dos sacramentos e as questões morais eram os pontos dominantes na preparação do clero diocesano ao longo do séc. XVIII.

Em 1741, o bispo D. Fr. João do Nascimento aprovava novos estatutos para o seminário que nos interessam aqui pelas questões formativas que contêm. Em primeiro lugar, os referem as condições de entrada dos jovens no Seminário, cuja idade não devia ultrapassar os 18 anos. Depois determinam os requisitos relativos à disciplina e ao traje eclesiástico. O programa de estudos é exposto no capítulo v dos estatutos. Mantêm-se as disposições anteriores, que previam uma formação em 7 anos. Os alunos eram examinados antes da partida para férias e à chegada das férias. Os que estudavam moral deveriam prestar provas públicas duas vezes: a primeira no fim do 2.º ano e a segunda no termo do 3.º ano. Quanto ao estudo propriamente dito, havia exercícios práticos que serviam de complementos às aulas. O método era de tipo escolástico: exposição e defesa duma determinada posição, objeções e perguntas feitas pelos outros estudantes, resposta às perguntas e objeções. Cada um era avaliado pela maneira como respondia diante do reitor e dos outros seminaristas. Estes exercícios eram certamente uma réplica das lições que recebiam.

Depois de os Jesuítas terem abandonado a Madeira, em julho de 1760, por virtude do decreto de expulsão das ordens religiosas, o problema dos formadores do clero voltou a colocar-se. Por um lado, o edifício do Seminário tinha sido fortemente danificado em virtude do terramoto de 1755; por outro lado, D. Gaspar Afonso da Costa Brandão queixava-se da inexistência dum edifício digno para instalar o Seminário e da falta de mestres para ensinar as ciências eclesiásticas. Quando entrou na Diocese, D. Gaspar fazia-se acompanhar por dois padres lazaristas e pensou entregar o Seminário ao cuidado da Congregação da Missão. Efectivamente, os padres lazaristas começaram um trabalho de acompanhamento e ensino no Seminário, sobretudo na formação espiritual, na linha da escola francesa de espiritualidade fundada pelo Cardeal Bérulle e segundo o carisma de S. Vicente de Paulo. Em 1787, D. Maria I entregou o edifício do Colégio à Diocese e o bispo, D. José da Costa Torres, aí instalou o Seminário desde 1788 até 1802. Um edital deste bispo, de 1787, dá-nos uma ideia da formação no Seminário: só eram admitidos às ordens sacras aqueles que tivessem suficiente formação em latim, retórica, filosofia racional e moral; para o sacerdócio seriam promovidos os que estudassem com aproveitamento o direito canónico, a teologia moral e dogmática. Estas indicações do final do séc. XVIII permanecem válidas para o séc. XIX.

Foi por iniciativa de D. Manuel Agostinho Barreto (1877-1911) que começou a ser construído um novo Seminário na cerca do extinto Convento da Encarnação. O Seminário passou a funcionar neste novo edifício em outubro de 1908 mas a lei de 20 de abril de 1911 extinguiu o Seminário e transferiu a posse do edifício para o Estado. D. Manuel Barreto chamou para a reorganização do Seminário o P.e Ernesto Schmitz (vice-reitor desde 1881), Lazarista, que foi um verdadeiro fundador da formação sacerdotal, organizando com profundidade os estudos desta instituição, numa iniciativa que marcou várias gerações de padres diocesanos. Outros sucederam-no também com grande empenho, como por exemplo o Cón. Barreto, reitor do seminário durante largos anos.

Destacam-se nesta época alguns escritos do Cón. Manuel Gomes Jardim (1881-1949), professor de dogma no Seminário, escritos cuja temática ilustra o teor do ensino teológico da altura. O Cón. Jardim escreveu, em 1931, um estudo sobre as razões do protestantismo; em 1934, um livro sobre a existência de Deus à luz da razão; e em 1940, dois volumes sobre a Igreja e o protestantismo. O estilo destes escritos é expressamente apologético e visa rebater as posições protestantes expondo a contrario a perspetiva católica. As análises da Escritura servem de prova para as posições defendidas e a argumentação segue o estilo escolástico de exposição dos princípios católicos e resposta às objeções. O autor quer mostrar que o livre exame aceite pelo protestantismo põe em causa os fundamentos da fé e que a fé implica sempre uma dimensão social, institucional. Para o Cón. Jardim, quando se prescinde de Deus, nem democracias, nem totalitarismos podem resolver o problema do verdadeiro bem dos povos. Diferente é já a perspetiva duma revista do Seminário – Oásis – fundada em 1962 e com tiragem trimestral. Esta revista contém uma variedade de temas, que vão desde narrativa das atividades internas e externas do Seminário, a estudos literários feitos pelos seminaristas, peças de teatro, poemas, mas também alguns artigos teológicos, em especial ligados ao Concílio Vaticano II. Nestes últimos contam-se temas como o movimento litúrgico, que culmina com a reforma conciliar da liturgia, a renovação da vida da Igreja aberta pelo Concílio, a filosofia como caminho para a teologia, a importância e os limites da sociologia religiosa. Estas perspetivas exprimem uma progressiva transformação do pensamento teológico, aberto ao confronto com problemáticas coevas.

Antes e durante o Concílio Vaticano II, os bispos do Funchal tiveram o cuidado de preparar alguns padres da Diocese em Roma, com especialização em diferentes áreas da Teologia, o que foi certamente importante para a formação teológica do clero madeirense. Entre eles contam-se: D. Teodoro de Faria, D Maurílio de Gouveia, D. Manuel Ferreira Cabral, P.e Abel Augusto da Silva, P.e Agostinho Faria, P.e Sidónio Gomes Peixe. Em 1972, o Seminário Maior do Funchal foi encerrado, mas já em 1968 os seminaristas do 1.º ano de Teologia começaram a ir para Lisboa, por iniciativa do bispo diocesano, onde frequentaram a Faculdade de Teologia da Universidade Católica, aberta nesse ano. Entretanto, o curso teológico continuou no Funchal até 1972 para os restantes seminaristas. Deste modo, o clero da Diocese que se formou nestes anos é, na sua quase totalidade licenciado em Teologia. D. Teodoro de Faria teve também o cuidado de preparar alguns padres através duma especialização em Teologia, em Roma e em Paris.

 

Vítor Reis Gomes

(atualizado a 31.12.2016)

Bibliog.: BARRETO, Angelino, Deus: Reflexões sobre a Vida, Funchal, Gráfica Jornal da Madeira, s.d.; JARDIM, Manuel Gomes, A Existência de Deus à Luz da Razão e da Ciência, Funchal, Tip. Esperança, 1934; Id., A Igreja e o Protestantismo, 2 vols., Funchal, Tipografia Esperança, 1940; TRINDADE, Ana Cristina Machado, Plantar Nova Christandade: um Desígnio Jacobeu para a Diocese do Funchal: Frei Manuel Coutinho, 1725-1741, Funchal, DRAC, 2012; Oásis – Revista do Seminário do Funchal, n.º 7, abr. -jun. 1964; n.º 8, jul.-set. 1964, n.º 12 jul.-set. 1965; PEREIRA, Eduardo, Ilhas de Zargo, 4.ª ed., vol. ii, Funchal, Câmara municipal do Funchal, 1989; SILVA, Abel Augusto, “Seminário do Funchal: Algumas Notas para a Sua História”, Revista das Artes e da História da Madeira, vol. vi, 1964/1965, n.º 34, pp. 1-12; n.º 35, pp. 12-21; SILVA, Fernando Augusto e MENESES, Carlos Azevedo, Elucidário Madeirense, vol. III, Funchal, DRAC, 1984; SOUSA, Jesus Maria, “Os Jesuítas e a Ratio Studiorum: As Raízes da Formação de Professores na Madeira”, Islenha, n.º 32, 2003, p. 26-46.

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