Mais Recentes

segurança social

De acordo com a Lei de Bases da Segurança Social (LBSS), lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, o sistema de Segurança Social português encontra-se estruturado em três sistemas: o sistema de proteção social de cidadania (que se decompõe nos subsistemas de ação social, de solidariedade e familiar), o sistema previdencial e o sistema complementar. O sistema de proteção social de cidadania tem por objetivos garantir direitos básicos dos cidadãos e a igualdade de oportunidades, bem como promover o bem-estar e a coesão sociais. Ele inclui, em primeiro lugar, o subsistema de ação social, cujos objetivos centrais são os da reparação e prevenção de situações de carência e desigualdade socioeconómica, de dependência, de disfunção e de vulnerabilidade sociais, designadamente de crianças, jovens, pessoas com deficiência e idosas, bem como a integração e promoção comunitárias das pessoas e o desenvolvimento das respetivas capacidades. A sua concretização faz-se sobretudo mediante o desenvolvimento de um conjunto de serviços e equipamentos sociais, bem como de programas de combate à pobreza, disfunção e marginalização sociais. Em segundo lugar, o sistema de proteção social de cidadania integra o subsistema de solidariedade, que visa assegurar, a partir de um princípio de solidariedade nacional, direitos essenciais de forma a prevenir e erradicar as situações de pobreza e exclusão, e garantir prestações em situações de comprovada necessidade pessoal ou familiar, não incluídas no sistema previdencial. E, de facto, este subsistema garante a atribuição aos beneficiários, desde que cumprindo condições de residência e de recursos, de prestações de carácter não contributivo, num conjunto de eventualidades sociais, a saber: falta ou insuficiência de recursos económicos dos indivíduos e dos agregados familiares, invalidez, velhice e morte, e situações de insuficiência dos rendimentos de trabalho ou da carreira contributiva dos beneficiários. Das prestações deste subsistema (que grosso modo equivale ao anterior regime não contributivo), destacam-se três: as pensões sociais (de velhice e invalidez); o Rendimento Social de Inserção (constante da lei n.º 13/2003, de 21 de maio, alterada); e os complementos sociais, estes destinados a completar o valor da pensão estatutária quando este se situe abaixo do valor fixado para a pensão mínima do regime geral da Segurança Social. Finalmente, o sistema de proteção social de cidadania integra ainda o subsistema de proteção familiar, que tem por objetivo assegurar a compensação de encargos familiares, garantindo o pagamento de prestações nesta eventualidade (v.g., abono de família, cujo regime consta da conjugação de vários diplomas: dec.-lei n.º 176/2003, de 2 de agosto, alterado, dec-lei n.º 70/2010, de 16 de junho, alterado, dec.-lei n.º 77/2010, de 16 de junho e dec.-lei n.º 116/2010, de 22 de outubro) e, bem assim, nas situações de dependência e de deficiência. O sistema previdencial visa garantir, na base de um princípio de solidariedade de base laboral, prestações pecuniárias substitutivas de rendimentos de trabalho perdido em consequência da verificação das eventualidades legalmente definidas (doença, parentalidade, desemprego, acidentes de trabalho e doenças profissionais, invalidez, velhice e morte). Voltaremos a este sistema, mais à frente. Por último, o sistema complementar, marcado pela sua natureza facultativa, concretiza-se num regime público de capitalização e em regimes complementares de iniciativa coletiva e individual. O regime público de capitalização foi uma novidade da LBSS (art. 82.º). Tratou-se de instituir, numa base facultativa (a adesão por parte dos contribuintes/beneficiários da Segurança Social é voluntária), um esquema complementar de reforma que, em contrapartida das contribuições adicionais feitas pelo subscritor, concede, logo que verificados os requisitos de acesso mormente quanto à idade de acesso à pensão, complementos de reforma, sob a forma de pagamentos únicos (devolução integral do capital aplicado mais rendibilidade) ou de rendas vitalícias. As taxas contributivas a pagar, a incidir sobre o valor de remuneração referente, resultam de uma opção do subscritor, entre três hipóteses: 2 %, 4 % ou 6 %. O regime público de capitalização foi efetivamente instituído e regulamentado com a aprovação do dec.--lei n.º 26/2008, de 22 de fevereiro, que regulou ainda o respetivo Fundo de Certificados de Reforma. A esta diferença de estrutura no sistema da Segurança Social correspondem formas diferentes de financiamento. Por força do princípio da adequação seletiva (art. 89.º da LBSS), enquanto o sistema de proteção social de cidadania é financiado através de transferências do Orçamento do Estado (OE) para o orçamento da Segurança Social ou pela consignação de receitas fiscais (fundamentalmente o chamado IVA social), o sistema previdencial financia-se a partir de contribuições sociais (vide também art. 90.º da LBSS, desenvolvido pelo dec.-lei n.º 367/2007, de 2 de novembro, o qual concretiza as formas de financiamento da Segurança Social). Pela sua razão de ser histórica e utilidade – a necessidade de garantir que o Estado cumpra a suas responsabilidades em matéria de financiamento das áreas não contributivas da Segurança Social –, poder-se-á afirmar que o princípio da adequação seletiva tem um significado unidirecional. Quer isto dizer que, se é certo que ele pretende evitar que as contribuições sociais (fonte de financiamento primacial das prestações garantidas no sistema previdencial) sejam desviadas para financiar as despesas com as prestações de natureza não contributiva e assentes num princípio de solidariedade nacional (é o caso das prestações e apoios na área da Ação Social e do subsistema de solidariedade), já a inversa é questionável. Pois que, se é verdade que o n.º 1 do art. 90.º da LBSS manda financiar o sistema de proteção social de cidadania por transferências do OE e por consignação de receitas fiscais, isso não quer (não pode) significar que estas mesmas fontes de financiamento não possam ser utilizadas para financiar o sistema previdencial, especialmente se e quando a situação financeira deste o reclamar. Defender o contrário significaria aceitar que o Estado, enquanto tal, se mantivesse totalmente alheio e não responsável perante a proteção social garantida no sistema previdencial (que é um sistema público) – i.e., perante a proteção na ocorrência dos riscos sociais –, designadamente em situações de dificuldade financeira ou de défice deste. Esta possibilidade é aceite no dec.-lei n.º 367/2007, o qual prevê, de forma expressa que, sem prejuízo das receitas próprias do sistema previdencial (elencadas no n.º 1 do art. 14.º), possam ser efetuadas, em favor deste sistema, transferências do OE, sempre que a sua situação financeira o justifique (cf. n.º 3). Este mesmo dec.-lei, concretizando o disposto no art. 91.º da LBSS, estabelece ainda a distinção entre sistema previdencial de repartição, aquele que genericamente assegura a cobrança de receita (das contribuições sociais) e o pagamento das prestações sociais, e o sistema previdencial de capitalização, encarregue de gerir, em regime de capitalização coletiva, os saldos excedentários do orçamento da Segurança Social (do sistema previdencial repartição) e, bem assim, o montante equivalente a dois a quatro pontos percentuais da quotização devida pelos trabalhadores por conta de outrem, com vista a formar um “bolo” financeiro capaz de assegurar o pagamento de pensões ao longo de dois anos (em caso de necessidade financeira). A capitalização faz-se no Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, cuja gestão compete ao Instituto de Gestão dos Fundos de Capitalização da Segurança Social. Este regime coletivo, intitulado também de capitalização pública de estabilização, não se confunde com o supra mencionado regime público de capitalização. Neste, está em causa uma capitalização individual que visa assegurar aos subscritores, e apenas a estes, complementos de reforma. Naquele, pelo contrário, a capitalização é coletiva e tem em vista criar uma folga financeira com intuitos de estabilização do sistema previdencial, na sua globalidade. Além do princípio da adequação seletiva, releva ainda, no domínio financeiro, o princípio da diversificação das fontes de financiamento (art. 88.º da LBSS). O princípio permite assegurar que o sistema de Segurança Social possa ser financiado não apenas através de contribuições sociais, mas também através de outras fontes de receita, maxime de natureza fiscal. Por ora, no caso português, ao contrário do que sucede em outros ordenamentos, essa possibilidade confina-se ao chamado IVA social (uma percentagem do IVA resultante do aumento das taxas deste imposto em 1996), o qual é afeto ao financiamento do sistema de proteção social de cidadania e, dentro deste, preferencialmente, ao subsistema de proteção familiar. A redação do art. 88.º da LBSS sugere contudo que possam ser equacionadas outras fontes de financiamento no próprio sistema previdencial, na medida em que objetivo assumido do princípio é o de assegurar a redução dos custos não salariais da mão-de-obra. Tratar-se-á assim de desonerar o fator trabalho, encontrando-se, em alternativa, outras formas de incidência (consumo, património, capital) e de tributação. O epicentro do sistema de Segurança Social está no sistema previdencial. Este sistema baseia-se num princípio de contributividade (art. 54.º da LBSS), que significa, por um lado, que o sistema é autofinanciado (financiando-se nas contribuições dos trabalhadores e das entidades empregadoras) e, por outro lado, que existe uma relação sinalagmática entre a obrigação de contribuir e o direito a receber prestações sociais, nas eventualidades típicas, verificadas estas e cumpridos os demais requisitos legais. No entanto, tal princípio sofreu uma dupla entorse: por um lado, o sistema vai sendo cada vez menos autofinanciado, na medida em que as receitas próprias do sistema (as contribuições sociais) tendem a crescer a um ritmo menor do que a despesa (sobretudo a despesa com pensões); por outro lado, a relação sinalagmática a que se refere o preceito legal é cada vez menos evidente, na medida em que, relativamente a diversas prestações (desde logo, quanto às pensões), não existe já hoje uma integral proporção entre aquilo com que se contribui e aquilo que se recebe em contrapartida. O sinalagma é incompleto e imperfeito. A análise do sistema previdencial implica olhar com atenção para os seus dois domínios financeiros primaciais, as receitas e as despesas. Sobre as receitas – as contribuições sociais – rege o Código Contributivo (CC), aprovado pela lei n.º 110/2009, de 16 de setembro (alterada). As contribuições sociais são prestações monetárias pagas pelos trabalhadores e, se for caso disso, pelas respetivas entidades empregadoras, destinadas a financiar a atribuição, pelo sistema público de Segurança Social, de um conjunto de prestações sociais, mas também a prossecução de algumas políticas nas áreas laboral e do emprego. Sobre a natureza jurídica das contribuições sociais, muito se tem discutido entre nós e no estrangeiro, divergindo as opiniões). Todos reconhecem, porém, a sua natureza ambivalente e ambígua, a qual resulta de uma oscilação ontológica entre uma fisionomia bilateral, fundada no princípio do benefício (que a levaria a aproximar-se mais de uma taxa ou de uma contribuição financeira) e uma fisionomia unilateral, assente numa lógica de capacidade contributiva (que a aproximaria mais de um verdadeiro imposto). Mas essa ambivalência resulta também da bicefalia própria deste tributo, resultante de ser suportado por trabalhadores e por entidades empregadoras. Entre nós, para lá da discussão, e no que diz respeito ao regime aplicável, o Tribunal Constitucional tem defendido a aplicação às contribuições sociais, nos mesmos termos dos impostos, do princípio da legalidade fiscal (art. 103.º, n.º 2, em articulação com a alínea i) do n.º 1 do art. 165.º, ambos da Constituição da República Portuguesa). De acordo com este princípio, os impostos são criados por lei (lei da Assembleia da República ou decreto-lei do Governo precedido de autorização legislativa), à qual compete definir também os respetivos elementos essenciais: incidência, taxas, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes. Por outro lado, e agora já numa ótica económica, importa notar que as contribuições sociais constituem encargos não salariais sobre a mão de obra, cujo efeito financeiro se repercute a montante e a jusante. Na verdade, os custos induzidos por esta tributação são repercutidos pelas empresas que os suportam, a montante, nos salários pagos aos trabalhadores e a jusante, nos preços praticados, designadamente junto dos consumidores. Sobre a matéria contributiva dispõe o CC. Dele resultam reguladas as principais relações jurídicas da Segurança Social, a saber: i) Relação jurídica de vinculação ao sistema de Segurança Social. Traduz o estabelecimento de um elo estável entre as pessoas interessadas e o sistema de Segurança Social, mediante a sua identificação pessoal, através do ato de inscrição dos beneficiários ou registo das entidades empregadoras (vejam-se os arts. 6.º a 8.º do CC). O objetivo fundamental da vinculação é o de determinar o titular do direito à Segurança Social, bem como o respetivo conteúdo; com a inscrição o beneficiário ou contribuinte obtém o Número de Identificação na Segurança Social. ii) Relação jurídica de enquadramento nos regimes de Segurança Social (art. 9.º do CC). Os regimes de segurança social podem ser de vários tipos (vide art. 53.º da LBSS), destacando-se os regimes gerais dos trabalhadores por conta de outrem (TCO) e dos trabalhadores independentes (TI), sendo que o enquadramento dos trabalhadores num ou noutro dependerá naturalmente da qualificação do respetivo vínculo e, existindo mais do que um, daquele que prevalece. iii) Relação jurídica contributiva. Esta recai sobre trabalhadores e, se for caso disso, suas entidades empregadoras. Traduz-se em dois tipos de obrigações: a) por um lado, no pagamento das contribuições e quotizações (vulgarmente tratados como descontos para a Segurança Social); b) obrigações declarativas diversas, tais como a declaração dos tempos de trabalho e das remunerações devidas aos trabalhadores. A obrigação de declarar remunerações cabe às entidades empregadoras no caso do regime geral dos TCO (cf. art. 40.º), a quem cabe também o pagamento quer das contribuições próprias, quer da quotização dos seus trabalhadores – neste caso através de retenção na fonte (cf. art. 42.º). No regime geral dos TI, estes são equiparados às entidades empregadoras (cf. n.º 2 do art. 150.º), cabendo-lhes inteiramente o cumprimento da obrigação contributiva: pagamento de contribuições e cumprimento de obrigações declarativas (art. 151.º). As contribuições sociais são tributos assentes em taxas proporcionais, cuja base de incidência são os rendimentos do trabalho. Do CC resultaram importantes novidades, quer ao regime geral dos TCO, quer no regime geral dos TI. Em relação ao regime geral dos TCO, assinale-se, antes de mais, o alargamento da base de incidência contributiva, passando o conceito de remuneração relevante para efeitos de segurança social a aproximar-se do conceito de remuneração que encontramos no Código do IRS (CIRS) (sobretudo prestações remuneratórias da categoria A de rendimentos, a que se refere o art. 2.º do CIRS) e, bem assim, do próprio conceito jus-laboral de remuneração. Assim, diversas prestações remuneratórias, sobretudo de natureza variável (fringe benefits), que estavam fora do conceito de remuneração em sede de Segurança Social foram objeto de inclusão (cf. arts. 46.º e 46.º-A do CC). Para além disso, o mesmo Código introduziu alterações importantes a nível das taxas das contribuições sociais. A TSU é de 34,75 %, sendo paga numa parte pela entidade empregadora (23,75 %), noutra parte pelo trabalhador (11 %). Esta taxa contributiva destina-se a pagar o custo técnico das diferentes eventualidades sociais que aparece devidamente desagregado no próprio CC (cf. art. 51.º). Depois, estão previstas taxas contributivas mais favoráveis, as quais podem ficar a dever-se a diferentes razões, tais como: redução do âmbito material de proteção (em certo de tipo trabalho, não há lugar, por exemplo, à proteção no desemprego, pelo que, nesse casos, a taxa se reduz em conformidade – o caso do trabalho no domicílio); natureza não lucrativa da entidade empregadora (v.g., trabalho prestado para instituições particulares de solidariedade social; serviço doméstico); natureza débil da atividade económica (o caso da agricultura e das pescas); promoção do emprego junto de certas camadas especialmente frágeis (v.g., desempregados de longa duração, jovens à procura do primeiro emprego, portadores de deficiência). O CC ficou ainda marcado por uma previsão inovadora (a qual, todavia, até ao momento, não foi objeto de regulamentação, nem de concretização prática): tratou-se de proceder à adequação das taxas contributivas à modalidade de contrato de trabalho; assim, a taxa é reduzida, em um ponto percentual (pp) por cada trabalhador contratado, se a modalidade for o contrato de trabalho por tempo indeterminado, e a taxa é aumentada, em três pp por cada trabalhador, se a modalidade for o contrato de trabalho a termo resolutivo (cf. art. 55.º). Em relação ao regime geral dos TI, também resultaram do CC diversas novidades. Em primeiro lugar, a aproximação do âmbito material de proteção do regime do TCO. Isto desde logo em virtude da supressão, já na primeira versão do CC, da distinção, que resultava da legislação anterior (dec.-lei n.º 328/93, de 25 de setembro), entre regime obrigatório (proteção nas eventualidade velhice, invalidez, morte e parentalidade) e regime alargado de proteção (que incluía, além daquelas, também os encargos familiares, a doença e as doenças profissionais). As taxas eram diferentes, consoante os regimes (25,4 % no primeiro caso, 32,5 % no segundo). No novo quadro, o âmbito material de proteção no regime dos TI é único e inclui todas as eventualidades, com exceção do desemprego. Tratando-se de prestação de serviços, a cessação de atividade não é reconduzível a uma situação de desemprego. No entanto, reconhecida a existência dos falsos recibos verdes, situações que materialmente se aproximam de um verdadeiro contrato de trabalho, não o sendo formalmente, justificou-se mais tarde garantir, para essas situações, e na base de determinados indícios, a proteção no desemprego. Assim, na sequência da aprovação do dec.-lei n.º 35/2012, de 15 de março, o CC foi alterado pela lei n.º 20/2012, de 14 de maio (alteração à lei do OE para 2012), contemplando-se a possibilidade de atribuição de subsídio de desemprego (melhor, subsídio por cessação de atividade), aos TI (prestadores de serviços), considerados economicamente dependentes (vide novo art. 141.º do CC). E assim sendo, o âmbito material de proteção no caso destes TI coincide integralmente com o âmbito definido para os TCO. Em segundo lugar, assistimos no CC a uma mudança tendencial e progressiva do conceito de remuneração relevante: da remuneração convencional à remuneração real. Assim, o escalão de rendimento, para efeitos de tributação, deixou de ser escolhido livremente pelo trabalhador, antes resulta da conversão do duodécimo do rendimento obtido e declarado fiscalmente, numa percentagem do Indexante dos Apoios Sociais (IAS), com o limite de 12 IAS (o último escalão). Finalmente, assinalamos como novidade do CC, o novo regime aplicável às entidades contratantes: a previsão de que as pessoas coletivas e singulares que beneficiem da prestação de serviços de um TI são também entidades contribuintes da Segurança Social (art. 140.º do CC). Assim, passam a considerar-se entidades contratantes de serviços as pessoas coletivas e singulares com atividade empresarial que, no mesmo ano civil, beneficiem de pelo menos 80 % do valor da atividade independente, caso em que o TI é, portanto, nos termos supra, considerado trabalhador economicamente dependente. Na verdade, esta medida está intimamente relacionada com aqueloutra antes referida, a da concretização da atribuição de subsídio de desemprego aos TI (constante da lei n.º 20/2012, de 14 de maio). A taxa contributiva a suportar pelas entidades contratantes é de 5 % sobre o valor dos rendimentos resultantes de prestações de serviços, e esses 5 % correspondem precisamente ao custo do desemprego. iv) Relação jurídica sancionatória. Repare-se que no CC apenas é regulada a parte contraordenacional e, dentro desta, a parte contraordenacional respeitante ao incumprimento das regras impostas pelo CC relativas às demais relações jurídicas de segurança social, antes aqui mencionadas (vide a regulação desta matéria, nos arts. 221.º e seguintes do CC). Assim sendo, não são objeto de regulação no CC os aspetos sancionatórios que tenham a ver com contraordenações no seio da relação jurídica prestacional (pois as prestações sociais não são tratadas no CC), nem a matéria relativa aos crimes contra a Segurança Social. Quanto àquelas, regulam desde logo os diplomas específicos aplicados a cada uma das prestações (por exemplo, contraordenações em virtude do recebimento indevido de prestações no desemprego são reguladas pelos arts. 64.ºss do regime geral da proteção no desemprego, dec.-lei n.º 220/2006, de 3 de novembro e suas alterações). Quanto aos crimes contra a Segurança Social, regula o Regime Geral das Infrações Tributárias (lei n.º 15/2001, de 5 de junho, e suas alterações) e aqui se tipificam dois tipos de crimes nesta matéria, um tanto podendo respeitar à relação jurídica contributiva como à relação jurídica prestacional (o crime de fraude contra a Segurança Social – art. 106.º), outro apenas relacionado com a obrigação contributiva e, concretamente, com a obrigação, da parte da entidade empregadora, de proceder à retenção na fonte da quotização do trabalhador, garantindo o pagamento desta junto da Segurança Social (crime de abuso de confiança – art. 107.º). Repare-se que, no seio da obrigação contributiva, o Direito valora diferentemente, de um lado, o desrespeito pelas obrigações declarativas ou obrigações tributárias acessórias (incluindo a obrigação de proceder à retenção na fonte) e que constituem, no caso do regime geral dos TCO, basicamente obrigações das entidades empregadoras e, do outro lado, o incumprimento pontual da obrigação de pagamento de contribuições próprias (para as entidades empregadoras no regime geral dos TCO e para os trabalhadores no regime dos TI). No caso do desrespeito por obrigações declarativas, o domínio é, como vimos, o do Direito Contraordenacional ou do Direito Penal. No caso do incumprimento da obrigação de pagamento, a situação é de mora (havendo lugar à cobrança de juros), pelo que estamos no âmbito do Direito Civil. As dívidas à Segurança Social podem ser regularizadas através de processos de execução cível ou de execução fiscal (n.º 1 do art. 186.º do CC), prevendo-se ainda a verificação de situações excecionais de regularização de dívidas (cf. art. 190.º), nos termos das quais pode haver lugar à isenção ou redução de juros de mora. O prazo de prescrição das dívidas à Segurança Social é de cinco anos contados da data em que a obrigação deveria ter sido cumprida (art. 187.º). Para além da área contributiva, o sistema previdencial é composto pelo domínio das prestações sociais. Tais prestações são pagas nas eventualidades típicas previstas, desde logo, na LBSS (velhice, invalidez, morte, desemprego, parentalidade, doença, incluindo doenças profissionais). Os acidentes de trabalho integram também o âmbito material de proteção neste sistema, se bem que a Segurança Social pública externaliza para as seguradoras privadas a responsabilidade pela provisão do risco social: é junto das seguradoras que as entidades empregadoras são obrigadas a subscrever um seguro de acidentes de trabalho. As prestações sociais distinguem-se entre prestações imediatas (nas eventualidades desemprego, parentalidade e doença), cujos períodos de formação são curtos (aferíveis ao mês) e prestações diferidas ou pensões, cujos períodos de formação são longos, reportados ao ano. Trata-se de pensões de velhice, de invalidez e de sobrevivência. Seguindo o ensinamento de Ilídio Neves, podemos diferenciar, como requisitos de acesso às prestações sociais, os seguintes: i) requisitos relativos ao cumprimento da obrigação contributiva (matéria que vimos no ponto anterior); ii) requisitos relativos ao período de tempo contributivo, havendo que considerar aqui a noção de prazo de garantia (período mínimo de contribuição para se poder beneficiar da abertura do direito), que, como dissemos, é curto nas prestações imediatas e longo, nas pensões; iii) requisitos relativos aos eventos típicos e que são as eventualidades supra mencionadas – repare-se que falamos de verdadeira tipicidade legal; o sistema previdencial de Segurança Social não garante proteção para lá destes eventos; iv) requisitos relativos a características específicas dos beneficiários, e que relevam particularmente em relação a esta ou aquela prestações sociais, tais como: idade (mínima, máxima ou ambas); situação escolar; estatuto laboral ou profissional (v.g., índice de profissionalidade); requisitos médicos; requisitos de natureza económica (v.g., condição de recursos – se bem que neste caso, apenas ainda para as prestações do sistema de proteção social de cidadania, não para o previdencial); v) requisitos relativos ao cumprimento de exigências administrativas, de que se destacam a necessidade e apresentação de requerimento (as prestações sociais são sempre requeridas) e a apresentação de certos meios de prova (v.g., prova de que se está grávida ou de que se teve um filho). Na Segurança Social, importa diferenciar entre abertura do direito à proteção social e cálculo ou apuramento do valor das prestações. Só depois de verificado que o beneficiário tem direito à prestação, é que se passa à determinação do valor da mesma. Quanto à abertura do direito, ele depende, como vimos antes, da verificação do prazo de garantia, determinado em meses para as prestações imediatas (no caso por exemplo de atribuição do subsídio de desemprego é de 450 dias de trabalho por conta de outrem, com o correspondente registo de remunerações, num período de 24 meses imediatamente anterior à data do desemprego – art. 22.º do dec.-lei n.º 220/2006) e aferido em anos, para as pensões (é de três ou cinco anos, para a invalidez, consoante seja absoluta ou relativa – art. 16.º do dec.-lei n.º 187/2007, de 10 de maio – e é de 15 anos para a velhice – art. 19.º do mesmo diploma). Relativamente ao cálculo ou apuramento do valor das prestações, as regras tendem a ser mais complexas quando se trate de calcular pensões, do que no cálculo das prestações imediatas. Nestas, o apuramento do valor da prestação começa por fazer-se a partir da determinação da remuneração de referência. Determinada essa remuneração (que na verdade é uma média de remunerações registadas ao longo de um determinado período), procede-se ao apuramento da prestação, o qual dependerá da aplicação, àquela remuneração, de uma taxa de substituição. No caso das prestações de maternidade, e para o gozo pelo período de 120 dias, a taxa de substituição é de 100 % (ou seja, o valor da prestação equivale inteiramente ao valor da remuneração de referência previamente apurada) – veja-se o art. 30.º do dec.-lei n.º 91/2009, de 9 de abril, que estabelece o regime de proteção na parentalidade. Noutros casos, a taxa de substituição é menor: por exemplo, no subsídio de doença, a taxa é progressiva e aumenta em função da duração da situação de incapacidade temporária. Assim, nos termos do 16.º do dec.-lei n.º 28/2004, de 4 de fevereiro, alterado (regime jurídico da proteção na doença), as percentagens de substituição são: a) 55 % para o cálculo do subsídio referente a período de incapacidade temporária de duração inferior ou igual a 30 dias; b) 60 % para o cálculo do subsídio referente a período de incapacidade temporária de duração superior a 30 e que não ultrapasse os 90 dias; c) 70 % para o cálculo do subsídio referente a período de incapacidade temporária de duração superior a 90 e que não ultrapasse os 365 dias; d) 75 % para o cálculo do subsídio referente a período de incapacidade temporária que ultrapasse os 365 dias. O cálculo das pensões é mais complexo. Regula aqui fundamentalmente o já referido dec.-lei n.º 187/2007, que é o regime jurídico das pensões. O cálculo destas (pensamos fundamentalmente no cálculo das pensões de velhice) atende sobretudo a três tipos de fatores, que consideramos fatores estáticos de determinação da pensão, a saber: i) determinação da remuneração de referência, de acordo com as regras legais aplicáveis; ii) aplicação da taxa anual de formação, definida também por lei; iii) dimensão da carreira contributiva (considerando-se carreira completa, a de quarenta anos). Existem duas formas de cálculo da chamada pensão estatutária. Uma primeira aplicável aos beneficiários inscritos no sistema até 2001 e que é uma fórmula proporcional: a remuneração de referência resulta quer das regras antigas (10 melhores salários dos últimos 15 anos), quer das regras novas (média de salários de toda a carreira contributiva), ponderadas em função do número de anos de carreira em que o contribuinte conviveu com cada uma dessas regras. Além disso, a taxa anual de formação, aplicável à determinação da remuneração de referência, é também diferente: 2 % ao ano quando se aplique à parcela antiga (P1); entre 2 % e 2,3 % (em função quer da dimensão da carreira, quer do próprio valor da remuneração de referência) quando aplicável à parcela nova (P2). Uma segunda forma de cálculo é aplicável aos inscritos no sistema após 2002. Quanto a estes, as regras de cálculo são apenas as regras novas, as regras antes vistas para o P2. Mas para além destes fatores estáticos, há a considerar um fator dinâmico de cálculo da pensão, o fator de sustentabilidade (FS). Ao contrário dos anteriores, este é dinâmico porque se relaciona com a evolução da esperança média de vida: pretende internalizar no valor da pensão os efeitos da evolução demográfica, e em particular o efeito do envelhecimento. É um fator de evolução incerto, pelo que introduz alguma volatilidade no cálculo da pensão. Este fator foi previsto na atual LBSS de 2007 e regulado no referido dec.-lei n.º 187/2007. Recentemente, os termos da sua aplicação foram significativamente alterados, juntamente com a alteração da idade de acesso à pensão de velhice (que passou dos anteriores 65 para 66 anos). As novidades constam do dec.-lei n.º 167-E/2013, de 31 de dezembro, que alterou aqueloutro decreto-lei. Assim, o FS passou a aplicar-se: a) às pensões iniciadas até 31 de dezembro de 2014 e b) às pensões iniciadas após 1 de janeiro de 2015, mas desde que requeridas antes dos 66 anos. As regras são diferentes consoante os casos. Para pensões iniciadas até 31 de dezembro de 2014, valem as regras iniciais do FS, a saber: resulta do rácio entre a esperança média de vida (EMV) no ano de 2006 e a EMV verificada no ano anterior ao requerimento de pensão (n-1). Este rácio multiplicará pelo valor da PE apurado de acordo com as regras supra, obtendo-se assim o valor da pensão final. Diversamente para as pensões iniciadas após 1 de janeiro de 2015 e nas condições antes indicadas (requeridas antes dos 66 anos), o rácio será EMV2001/EMVn-1. Ainda a propósito do regime de pensões, importa recordar que um dos princípios que esteve presente na reforma do sistema de pensões em 2007 foi o princípio do envelhecimento ativo. Tratava-se de criar incentivos para assegurar a permanência na vida ativa dos trabalhadores mais velhos. Penalizou-se assim, de forma mais pesada do que antes sucedia, a antecipação da idade de reforma no âmbito da flexibilização. A crise financeira que se seguiu e a intervenção da Troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) acentuaram a necessidade de evitar, tanto quanto possível, o recurso ao expediente das reformas antecipadas. Por isso, em 2012 foram suspensas, para só voltarem a ser admitidas a partir de 2015, e com limites. A crise, de resto, e a austeridade subsequente reavivaram o debate em torno das questões da reforma da Segurança Social. Nos anos noventa, a questão demográfica e o problema da sustentabilidade de longo prazo dos sistemas de pensões levaram alguns estudiosos e políticos a defender a substituição dos sistemas de repartição por sistemas de capitalização. Esta substituição implicava tendencialmente, de igual modo, a privatização parcial da Segurança Social. Para isso, deveriam os países que o não tivessem ainda feito (o caso de Portugal), fixar um teto superior ao valor da remuneração (plafonamento contributivo), acima do qual os contribuintes deixariam de descontar para o sistema público, passando antes a financiar segundas pensões obrigatórias, geridas em capitalização, pelo sistema segurador privado. O objetivo deste plafonamento contributivo seria o de garantir, a longo prazo, poupanças na despesa pública, pois o Estado – a Segurança Social pública –, ficaria apenas responsável por pagar uma pensão de montante limitado, e limitado em função daquele mesmo plafond. A este tipo de reformas, reformas estruturantes, podemos qualificar de reformas sistémicas de primeira geração. O assunto foi muito debatido na sequência do Livro Branco da Segurança Social (1998), mas só viria a ser assumido, como vontade política, em 2002, na Lei de Bases aprovada durante Governo liderado por Durão Barroso. Tal intenção não vingou: esbarrou, já nessa altura, com oposições de natureza ideológica e problemas de eficácia. Na verdade, ao contrário do que se poderia pensar, os modelos de capitalização não são imunes, antes pelo contrário, aos efeitos do envelhecimento demográfico. É no prémio de seguro que esses mesmos efeitos, desde logo, se fazem sentir. Para além disso, uma mudança deste tipo conhecia importantes entraves financeiros. O problema fundamental estaria em como financiar a Segurança Social no período de transição, o período durante o qual esta perderia receita desviada para o sistema de capitalização privado, não se fazendo ainda sentir as poupanças de despesa a longo prazo desejadas. De facto, a Segurança Social teria de continuar a fazer face aos compromissos quotidianos assumidos perante pensionistas em curso. Assim, por causa destas dificuldades, tais intenções foram abandonadas, para se optar, nos Governos seguintes, por introduzir medidas de cariz paramétrico, ou seja, medidas que, não alterando a fisionomia e a filosofia do sistema, procurariam incrementos na receita e poupanças na despesa, reforçando assim a sustentabilidade da Segurança Social. Medidas como a alteração das regras de cálculo das pensões (em 2002 e 2007), a maior penalização das reformas antecipadas e a introdução do fator da sustentabilidade (em 2007) inserem-se nesse catálogo, embora esta última preanunciando reforma de outro calibre. Em 2014-2015, a alteração da idade de acesso à pensão para os 66 anos constituiu também exemplo de medida paramétrica. Agudizados os problemas demográficos e económicos, problemas que a crise mencionada exacerbou, voltou a estar na ordem do dia a reforma da Segurança Social. Ainda que a hipótese de substituição dos modelos de repartição pelos de capitalização não esteja arredada, a verdade é que, dadas as dificuldades financeiras sentidas no período de transição – a que antes fizemos referência – e que podem inviabilizar no limite a eficácia pretendida, outras hipóteses de reformas sistémicas podem ser equacionadas. Serão reformas sistémicas de segunda geração. Trata-se aqui de substituir os modelos de benefício definido, como é o caso português, por modelos de contribuição definida. Aliás, esta é uma tendência que se desenhou em alguns países europeus, antes mesmo da crise. O exemplo sueco costuma ser apontado como o mais emblemático. O grande problema dos modelos de benefício negativo, conquanto sejam bons estabilizadores de direitos e expectativas, reside na sua rigidez, mormente em contextos demográficos negativos. Isto porque, em virtude das regras de cálculo aplicáveis, as pensões, uma vez definidas, não podem ser ajustadas à evolução de vicissitudes relevantes. O modelo português é de benefício definido, porque o montante de pensão fica dependente dos fatores estáticos, de cálculo de pensão, supra. A pensão é, diríamos, automaticamente determinada em função destes elementos, pelo que o contribuinte/beneficiário pode saber com alguma precisão qual vai será o valor da sua pensão, mesmo antes de se reformar, já que eles são conhecidos ou antecipáveis. No modelo de contribuição definida, pelo contrário, os fatores que concorrem para o cálculo da pensão são também fatores dinâmicos, em certo sentido voláteis, podendo ser de natureza demográfica (v.g., evolução da esperança média de vida), económica (taxa de crescimento da economia) ou financeira (saldo do sistema previdencial). Assim, neste modelo, uma pensão que se esteja a formar vai recebendo, como inputs, não apenas aqueles fatores estáticos, dotados de previsibilidade, mas também estes, instáveis e de comportamento menos previsível. Entre nós, a introdução do fator de sustentabilidade no cálculo da pensão (2007) deixou antever essa deriva do modelo de benefício definido para o de contribuição definida, mas ele é ainda um mero embrião. A Suécia foi ainda mais longe, pois incorpora estes elementos voláteis não apenas na fase de formação da pensão, mas também na fase em que as pensões já estão a pagamento, em curso de atribuição, podendo a todo o momento ser recalculadas. Para terminar, uma nota apenas relativa aos aspetos relativos à administração do sistema de Segurança Social. Conquanto da Constituição (art. 63.º) e da LBSS resulte um princípio de unidade na gestão do sistema de Segurança Social; conquanto seja esta uma área tipicamente da responsabilidade do Estado central; conquanto a legislação fundamental esteja uniformizada (veja-se o CC), a verdade é que na prática, em termos de gestão financeira, existe uma boa dose de ‘regionalização’ do sistema de Segurança Social – nas Regiões Autónomas portuguesas. Os Institutos da Segurança Social dos Açores e da Madeira (regulados respetivamente pelos Decretos-Legislativos Regionais nºs. 14/2013/A, de 3 de outubro, e 34/2012/M, de 16 de novembro) têm importantes competências quer no domínio da arrecadação de receita própria da Segurança Social, quer no pagamento de prestações, quer enfim na preparação do orçamento e da conta da Segurança Social regional respetiva. E estão evidentemente sob a tutela dos Governos regionais respetivos, não do Estado central.   Nazaré da Costa Cabral (atualizado a 30.12.2017)

Direito e Política História Económica e Social História Política e Institucional

parcerias público-privadas

Partindo da definição proposta por E. R. Yescombe em Public Private Partnerships: Principles of Policy and Finance (2007), pode-se começar por definir as parcerias público-privadas (PPP) como: 1) um contrato de longo prazo (o contrato de PPP), celebrado entre um parceiro do sector público e um parceiro do sector privado; 2) que tem em vista o desenho, construção, financiamento e funcionamento de uma infraestrutura pública, a cargo do parceiro privado; 3) mediante pagamentos feitos ao privado, ao longo da vida do contrato de PPP, seja pelo Estado com recurso a dotações orçamentais, seja diretamente pelos utentes ou utilizadores através da cobrança de tarifas ou taxas; 4) assegurando-se que a infraestrutura ou permanece na propriedade do Estado ou reverte para este, no final da vigência do contrato de PPP, ainda que o mesmo possa ser objeto de renovação. Estes quatro aspetos merecem, contudo, algumas precisões (atender-se-á, nomeadamente, à concretização das PPP em Portugal). Quanto ao aspeto mencionado em 1), de que as PPP configuram um contrato de longo prazo, a afirmação não é inteiramente linear. A dúvida não se prende com a segunda parte: é de facto característica das PPP serem de longo prazo. Na verdade, a dúvida é a de saber se as PPP traduzem verdadeiramente um tipo de contrato ou antes um modelo de contratação (falar-se-á então de contratação em PPP), e se, sendo contrato, será um contrato único ou antes uma pluralidade de contratos (no limite, uma união de contratos). Isto porque as PPP são geralmente caracterizadas pela sua complexidade, envolvendo não apenas o contrato principal (o acordo de PPP propriamente dito), mas também outros, com destaque para os contratos de financiamento, contratos de seguros, contratos de empreitadas e de fornecimentos, contratações técnicas diversas, etc. Mas regressemos à primeira questão, mais interessante: a de saber se as PPP são um contrato ou antes um modelo de contratação. Admitimos como válidas as duas hipóteses, embora propendamos para a segunda opção. Ainda assim, admitindo que as PPP possam ser olhados como contrato, importa fazer notar que a identificação do tipo contratual em causa dependerá, antes de mais nada, do modelo de PPP perante o qual se esteja. Assim, à luz do modelo anglo-saxónico (o modelo da Private Finance Iniciative –PFI), que apresenta, na nossa opinião, uma natureza eminentemente institucionalizada, o contrato de PPP traduz-se na criação de um Special Purpose Vehicle (SPV), o qual pode inclusive passar pela formação de uma joint venture entre os principais parceiros (público e privado). Pertencerá a esse SPV assegurar a construção e a gestão da infraestrutura durante o período de vida útil do ativo e todas as relações contratuais iniciais e ulteriores que hajam de ser estabelecidas passam pela intervenção deste novo protagonista. Ora, como se vê, no modelo da PFI, a PPP estriba-se num contrato de direito societário (ou próximo deste), e a matriz é eminentemente privatística. Já no modelo concessivo – o modelo continental –, o contrato (principal) de PPP consiste numa concessão (de obras ou de serviços públicos), i.e., é verdadeiramente um contrato administrativo, ainda que lhe possam ser apontadas algumas especificidades relativamente às concessões “tradicionais”, quer do ponto de vista conceitual ou do alcance legal do conceito (respetivamente, por se tratar sempre de uma concessão de longo prazo e por delimitar a lei a aplicação do regime das PPP apenas a parcerias de montantes superiores a um valor predefinido), quer no plano do regime jurídico aplicável (seja em sede inicial, de decisão de contratar e de contratação, seja em fase posterior, a nível da execução – aspetos que veremos mais adiante). Nesta medida, no modelo concessivo, a matriz é mais fortemente juspublicística. Posto isto, olhando agora para o modelo português, que é um modelo concessivo, propendemos a defender que as PPP se traduzem não num (único) contrato, ou sequer numa união de contratos, antes verdadeiramente num modelo de contratação (ainda que encerrem um contrato principal, de concessão, a par de outros, contratos acessórios). Esta qualificação resulta dos seguintes elementos (para maior desenvolvimento dos pontos seguintes, leia-se o estudo de 2009 de Nazaré C. Cabral; veja-se ainda, em sentido não distante, o texto de Maria Eduarda Azevedo): i) Fundamento das PPP: as PPP desenvolvem-se sobretudo a partir de finais do séc. XX para superarem as restrições orçamentais com que diversos países desenvolvidos se veem confrontados, nomeadamente para continuarem a realizar grandes investimentos públicos. As PPP foram um expediente satisfatório que esses mesmos países forjaram para ganhar “espaço orçamental” numa altura em que se acentuavam os seus problemas orçamentais, designadamente em virtude do elevado crescimento da despesa pública e dos níveis de endividamento. Nesta medida, as PPP aproveitam-se de modelações contratuais convencionais (g. contratos de concessão) para as adaptarem a finalidades contemporâneas do ponto de vista económico e financeiro: capacidade de realização de grandes investimentos em contexto orçamental restritivo; ii) Os alcances da noção de PPP: mais do que contrato, mais do que união de contratos, as PPP traduzem um arranjo complexo que envolve relações contratuais (relevância estrita ou jurídica), mas que envolve também, desde logo, uma determinada visão ou conceção acerca da forma como o Estado deve agir na economia, pela intermediação da ideia de contratualização externa (contracting out) e, se se quiser, em sentido amplo, de privatização da própria administração pública (relevância ampla ou económica). Enquanto visão acerca da atuação do Estado na economia, as PPP configuram muito mais do que um contrato: elas são um verdadeiro modelo de contratação. Justamente, neste sentido, é usual encontrar a contraposição entre modelo de contratação em PPP e modelo de contratação pública tradicional, conforme foi clarificado por António Pombeiro. Neste último, o Estado envolve-se diretamente na conceção, desenho, aprovisionamento, produção, distribuição, aquisição, posse, propriedade, manutenção, atualização dos ativos destinados à satisfação de necessidades públicas. Diversamente, no modelo de contratação em PPP, a Administração Pública apenas delimita, caracteriza e quantifica as necessidades públicas essenciais, contratando esse provimento em parceria com o sector privado, de modo a maximizar o Value for Money (VfM) e a minimizar o risco do seu envolvimento, sem deixar no entanto de exercer controlo efetivo sobre o provimento em causa. O parceiro privado é corresponsabilizado pelo sucesso do empreendimento por toda a vida do contrato, respondendo pela economia, eficiência e eficácia, e ainda pelo impacto económico de todo o empreendimento na satisfação das necessidades públicas. Repare-se que a própria legislação aplicável (o de-lei n.º 111/2012, de 23 de maio, e também, para o efeito, o n.º 2 do art. 19.º da Lei de Enquadramento Orçamental (LEO), lei n.º 91/2001, de 20 de agosto) acolhe o chamado “princípio do comparador do sector público” (CSP), que mais não significa, na verdade, do que a necessidade de, aquando da decisão de contratar em PPP, se proceder a uma análise comparada entre os resultados económicos e financeiros a obter com a PPP e os resultados que se obteriam caso se optasse pela contratação pública em moldes tradicionais; iii) A dimensão whole-life das PPP: um dos elementos que permite também diferenciar as PPP relativamente às soluções de contratação pública convencionais reside na sua perspetiva whole-life. O princípio do VfM (antes mencionado), que basicamente significa “fazer mais com o mesmo dinheiro”, permite fixar a atenção numa característica nem sempre evidenciada nos processos de contratação pública: o facto de tais processos não se esgotarem no momento pré-adjudicatório e adjudicatório, antes se tratando de processos whole-life, de aquisição a terceiros de bens, serviços ou obras públicas que, por isso, se iniciam com a identificação da necessidade coletiva e terminam com a conclusão do contrato ou com o fim da disponibilidade da infraestrutura em causa. O VfM pode ser assim definido, de acordo com Darrin Grimsey e Mervyn Lewis (2004), como a combinação ótima do custo e da qualidade whole-life, com vista à satisfação das necessidades dos utilizadores. Estes mesmos autores acrescentam que uma das grandes vantagens das PPP reside no facto de se alicerçarem numa abordagem “whole-of-life cycle ‘bundled’” (GRIMSEY e LEWIS, 2004, 135). Esta integração leva a que a infraestrutura seja desenhada não apenas tendo em vista a satisfação de serviços core, mas também de todos os serviços associados. Por sua vez, trata-se não apenas de responder, no imediato ou no curto prazo, a uma dada necessidade, mas também de garantir a provisão ao longo do ciclo da vida da infraestrutura (disponibilidade e qualidade da infraestrutura no médio e longo prazos). As PPP são pois um incentivo contratual que leva o parceiro privado a olhar para além da fase de conceção e construção, para se fixar também nas fases de funcionamento e manutenção. Ainda que existam argumentos favoráveis à provisão unbundled, a verdade é que, para estes autores, “a atribuição da coordenação do projeto a uma só entidade do sector privado (ou consórcio) garante melhores incentivos e aumenta o esforço de ‘accountability’” (Id., Ibid., 136); iv) As PPP e a distribuição dos riscos: este é, sem dúvida, um dos elementos matriciais das PPP enquanto modelo novo, distinto, de contratação relativamente às soluções convencionais. Mas repare-se, antes de mais nada, que os princípios de distribuição dos riscos são já de há muito conhecidos no direito, tal como lembra António Menezes Cordeiro: “O sentido geral do sistema do risco, bastante harmonioso, é o seguinte: se o Direito atribui a um sujeito, através do esquema do direito subjetivo, uma vantagem, é justo que corra, contra ele, a possibilidade de dano superveniente causal. Ubi commoda, ibi incommoda. [...] Observa-se ainda que, em situações relativas – maxime, contratos bilaterais – o risco distribui-se por ambos os intervenientes” (CORDEIRO, 1987, 43). No caso das PPP, o critério operativo, aceite em termos internacionais (FMI, OCDE, etc.) e pela generalidade das legislações aplicáveis, e que permite identificar que riscos é que devem transferidos do parceiro público para o privado e os que devem permanecer da responsabilidade do primeiro é um critério pragmático. Ele expressa-se, de acordo com Yescombe (2007), no seguinte: o risco deve ser suportado pela parte que o consiga suportar melhor a um custo mais baixo. A esta regra não é alheia, como bem se compreende, a natureza duradoura do contrato em PPP. Além deste critério pragmático de distribuição de riscos (impropriamente também denominada de partilha de riscos), uma outra particularidade nos contratos em PPP reside no facto de deles constar, ab initio, e., logo na definição do clausulado contratual, a chamada “matriz de riscos”. Nesta, as partes, em regra de acordo com o critério supra, alocam os diferentes riscos de uma PPP aos dois parceiros principais envolvidos e eventualmente, em casos particulares, a terceiros (e.g., seguradoras). De entre os riscos geralmente cometidos ao parceiro público, destacam-se os riscos políticos (v.g. revisões constitucionais, alterações legislativas que tenham relevância direta ou indireta sobre a execução do contrato de PPP, em suma, o chamado fait du prince) e os riscos económicos (v.g. taxa de inflação). A alteração das taxas de juro em regra tende a ser assumida por ambos os contraentes (uma vez que ela é por vezes exógena relativamente à ação governativa) e, sendo um risco de grande significado, pode mesmo ser estabilizada pelas partes, mediante definição prévia, no mercado de derivados, da taxa de juro aplicável ao longo da execução do contrato: o caso mais comum são os swaps de taxas de juro. Já os riscos de conceção e de construção, bem como os riscos de funcionamento ou e performance (incluindo o risco de mercado ou de procura), são, em regra, assumidos pelo parceiro privado; v) A posição particular do terceiro financiador: este é um aspeto que se evidencia nas modernas PPP, quando as comparamos com os modelos de contratação convencionais. Repare-se, desde logo, que as PPP são marcadas por arranjos financeiros complexos, que em certos casos envolvem o recurso ao project finance. Como é referido por R. Yescombe, o project finance, enquanto técnica de financiamento, está particularmente vocacionado para a implementação de infraestruturas e/ou exploração de monopólios naturais (e.g., recursos naturais e energia). O maior impulso ao desenvolvimento das soluções de project finance aconteceu a partir da déc. de 70 do séc. XX, com o desenvolvimento de algumas técnicas financeiras, a saber: generalização dos empréstimos de longo prazo a sociedades clientes (quando até aí os bancos comerciais apenas emprestavam no curto prazo); utilização de créditos de exportação para financiar projetos de maior envergadura; recurso à shipping finance, pela qual os bancos financiam a construção de navios grandes, garantindo-se através dos fretes a realizar no longo prazo (i.e., o financiamento da construção é feito contra um cash-flow contratual, em que o financiado é uma companhia special-purpose proprietária do navio, em moldes muito similares às estruturas de project finance); o desenvolvimento das finanças do imobiliário, de novo envolvendo empréstimos garantidos através dos rendimentos de longo prazo projetados; a locação financeira tax-based que habituou os bancos a complexos cash-flows. Como é referido, por outro lado, por Graham Vinter, o project finance é uma forma de financiamento de infraestruturas ou projetos industriais de longo prazo, baseado numa estrutura financeira complexa assente em dívida e outras formas de financiamento (v.g. ações próprias), na qual a dívida é saldada através do cashflow gerado com a operacionalização do projeto, mais do que através de capitais próprios das empresas promotoras desse projeto. O financiamento é, por sua vez, fundamentalmente garantido por todos os ativos afetos ao projeto, incluindo os rendimentos previstos no contrato. Poder-se-á, na verdade, considerar que o objetivo último de recurso a esta forma de “engenharia financeira” é justamente o de assegurar que o projeto em causa seja autossuficiente do ponto de vista financeiro. Neste amplo complexo de financiamento, ganha, assim, importância acrescida o papel do terceiro financiador que, sendo terceiro relativamente ao contrato de base (o contrato de concessão), acaba por assumir o papel principal. Isto resulta em boa medida do facto, antes assinalado, de as PPP constituírem um processo alternativo de captação de financiamento para realização de grandes projetos de investimento. Por isso, a posição do terceiro financiador acaba por merecer, desde logo na lei, especiais cautelas e tutelas, principalmente na fase de execução da PPP e perante vicissitudes contratuais tão diversas, como sejam a modificação unilateral dos contratos, a renegociação ou a reposição do equilíbrio financeiro; iv) A diversificação das fontes de pagamento ao parceiro privado: diferentemente das concessões tradicionais, em que os pagamentos se fazem sobretudo diretamente pelos utilizadores, nas concessões PPP esses pagamentos podem também ser reclamados ao Estado mediante dotações orçamentais. Nesta medida, e sem prejuízo do que foi referido em ii) (apontando para um menor envolvimento do Estado nas PPP, em comparação com a contratação pública tradicional), a verdade é que, no caso particular das contratações sob a forma de concessão, veremos que, paradoxalmente, nas concessões PPP acabam por existir alguns elementos que apontam para uma menor privatização (lato sensu) destas, quando comparadas com as concessões tradicionais. E um desses aspetos tem que ver precisamente com a questão dos pagamentos, os quais, nas PPP, podem ser feitos diretamente pelo Estado ao parceiro privado; v) A reversibilidade dos ativos para o Estado: as PPP oscilam entre modelos que não implicam necessariamente a reversibilidade dos ativos para o Estado no final do contrato, como é o caso do modelo Buy-Build-Operate (BBO) – no qual o sector privado compra ao Estado uma infraestrutura previamente existente, assegurando depois a sua manutenção, renovação, modernização e expansão, e garantindo a sua exploração, sem haver qualquer obrigação de devolução posterior ao Estado –, e modelos em que essa reversibilidade ocorre, o caso do Build-Operate-Transfer (BOT) – no qual o sector privado desenha e constrói a infraestrutura, opera com ela, e depois procede à sua transferência para o Estado logo que concluído o prazo de duração do contrato ou em data específica, ainda que posteriormente possa arrendar o mesmo ativo –, passando por modelos em que a propriedade permanece no Estado, como sucede com o design-finance-build-operate (DFBO) – em que o sector privado desenha, constrói, possui, desenvolve, opera e gere a infraestrutura, mas com a propriedade nas mãos do Estado. Repare-se que desta forma, com a explicação mencionada em iv) e v), acabamos por tratar também, desde já, dos elementos característicos da noção de PPP apontados ainda por R. Yescombe, respetivamente nos pontos 3) e 4) de que demos nota logo no início do texto presente. Resta-nos assim a análise da característica restante, mencionada no ponto 2) da mesma definição: recorde-se o facto de as PPP terem em vista o desenho, construção, financiamento e funcionamento de uma infraestrutura pública, a cargo do parceiro privado. Este aspeto tem, em nossa opinião, mais importância do que à primeira vista parecer ter. Na verdade, o facto de as PPP estarem referenciadas a uma infraestrutura – e deverá ser, quanto a nós, uma infraestrutura económica ou social hard (e não apenas soft) – permite afastar da noção de PPP simples formas de cooperação entre o sector público e privado (veja-se no caso português, e.g., os acordos de cooperação celebrados entre o Estado e as instituições particulares de solidariedade social na área da ação social), que, sendo de carácter duradouro, não se referem de forma inequívoca à construção, gestão e exploração de uma certa e determinada infraestrutura hard. As PPP em Portugal  As PPP têm uma história impressionante em Portugal, não apenas por causa da sua expressão e, até certo momento, por causa da sua vitalidade, mas também pelos resultados perniciosos. Na verdade, precedendo ainda a aprovação do primeiro regime jurídico sobre contratação em PPP, o dec.-lei n.º 86/2003, de 26 de abril (alterado, especialmente pelo dec.-lei n.º 141/2006, de 27 de julho), e bem assim do Código dos Contratos Públicos (aprovado pelo dec.-lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, e suas alterações), diversas PPP foram celebradas no nosso país, sobretudo nos sectores rodoviário (autoestradas com portagens, mas também sem custos para o utilizador – SCUTs) e ferroviário (e.g., Fertagus e metropolitano ligeiro do sul do Tejo). O modelo de PPP não se limitou contudo a estes sectores: já antes, em 2002, se conhecera a primeira regulamentação das parcerias no sector da saúde, com a aprovação do dec.-lei n.º 185/2002, de 20 de agosto, e já antes se dera a celebração do primeiro contrato de gestão com um grupo privado, no caso relativo à gestão do Hospital Amadora-Sintra. Aliás, este aspeto é curioso: o contrato de gestão, adaptado às parcerias na saúde, não é muito diferente de uma concessão de serviço público (ainda que possa implicar a construção da infraestrutura hospitalar); a sua especificidade estará no objeto – concessiona-se o serviço de saúde (i.e., a prestação de cuidados médicos em estabelecimentos clínicos). Desde cedo, o modelo seguido em Portugal demonstrou falhas de conceção e de execução que foram aliás evidenciadas pelo Tribunal de Contas nas sucessivas auditorias que realizou a propósito de cada uma delas: i) falhas de planeamento e de consulta; ii) custos exorbitantes associados à contratação externa de consultores (jurídicos, financeiros, técnicos, etc.); iii) insuficiente estimação de custos, insuficiente avaliação da comportabilidade orçamental do projeto, insuficiente avaliação de impactos económicos e sociais de longo prazo; iv) falhas na distribuição dos riscos geralmente em desfavor do Estado (v.g. imputação afinal do risco de procura ao Estado); v) cláusulas leoninas em desfavor do Estado; vi) adjudicações a baixo custo potenciando renegociações geralmente lesivas do interesse público; vii) em resultado da má negociação inicial, recurso posterior à modificação unilateral do contrato, implicando o recurso ao mecanismo da reposição do equilíbrio financeiro, também ele desfavorável para o Estado; viii) atrasos diversos na execução dos projetos determinado revisão ulterior dos custos finais respetivos. Acima de tudo, verificou-se que as PPP acabaram por ser um expediente fácil, não suficientemente blindado e balizado do ponto de vista jurídico e financeiro, para obviar a falta de “espaço orçamental”, criando dívida futura, em muitos casos oculta sob a forma de responsabilidades contingentes. A crise financeira iniciada em 2008 exacerbou a dimensão desta herança. Após a celebração do Memorando com a Troika (maio de 2011), Portugal adotou um conjunto de medidas relativamente a esta matéria. Foi elaborado um primeiro relatório (2012), intitulado “Parcerias Público-Privadas e Concessões”, do qual resultou a seguinte avaliação financeira referente às PPP existentes: i) os seus encargos líquidos globais (nos vários sectores) ascendiam, em 2011, a 1.823.000.000 euros; ii) o período mais crítico dos encargos líquidos das PPP ocorreria entre 2015-2018, com o valor a ascender a 2.000.000.000 euros; iii) a partir desta data e até 2045 (fim dos contratos ou do período de vida útil dos ativos), os encargos decresceriam até atingirem então o valor de zero euros. Na sequência desta primeira avaliação, foram adotadas as seguintes medidas: 1) proibição de lançamento, desde 2011 em adiante, de novas PPP (embora algumas estivessem já em fase de estudo, mormente no sector da saúde, e não viessem a ser abandonadas); 2) aprovação, em 2012, de um novo quadro legal das PPP (dec.-lei n.º 111/2012, de 23 de maio); 3) avaliação e renegociação de diversas PPP antes celebradas no continente: as concessões ex-SCUTS (Norte Litoral, Grande Porto, Interior Norte, Costa de Prata, Beira Litoral/Beira Alta, Beira Interior e Algarve); as concessões do Norte e da Grande Lisboa; e as subconcessões da EP (Transmontana, do Baixo Tejo, do Baixo Alentejo, do Litoral Oeste, do Pinhal Interior e do Algarve Litoral). O dec.-lei n.º 111/2012 surge pois numa altura de contenção, dada a situação presente e futura das finanças públicas portuguesas. A malha das exigências aplicáveis às fases pré-contratual e contratual apertaram-se, embora na essência não tenha havido uma grande mutação relativamente ao regime anterior (constante do dec.-lei n.º 86/2003). Ainda assim, há no novo decreto-lei uma novidade importante: a criação da Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos que passa a centralizar as funções de preparação, desenvolvimento, execução e acompanhamento global  dos processos de PPP, ao mesmo tempo que presta apoio técnico especializado ao Governo em matéria de natureza económico-financeira. Esta Unidade Técnica vem ainda, para este efeito, substituir a Parpública, pois a esta cabe, nos termos da legislação anterior, a generalidade das funções ora cometidas à nova Unidade. Na implementação de uma PPP, vamos distinguir entre fase de preparação e fase pré-contratual. Na fase de preparação, intervém a equipa de projeto, constituída sempre que algum dos possíveis parceiros públicos (desde logo, o Estado) entenda lançar mão de uma parceria, cabendo-lhe, além de verificar os pressupostos para o lançamento de uma parceria (cf. n.º 3 do art. 12.º, em articulação com o art. 6.º, ambos do dec.-lei n.º 111/2012), também proceder à elaboração e justificação do modelo de parceria a adotar, bem como realizar o estudo estratégico e económico-financeiro que a sustentará. Tendo por base este trabalho prévio, os membros do Governo competentes (ministro das Finanças e ministros sectoriais) aprovam a decisão de lançar a parceria. Dessa decisão, constará também, de entre outros elementos (cf. art. 13.º, n.º 4), a escolha do tipo de procedimento, a aprovação do caderno de encargos e a escolha dos membros do júri. O lançamento da parceria corresponde assim à fase pré-adjudicatória e aqui deve atender-se não apenas ao regime do dec.-lei n.º 111/2012 (especialmente os arts. 16.ºss.), mas também ao Código dos Contratos Públicos (CCP) (regras procedimentais, sobretudo arts. 130.ºss.). A fase pré-adjudicatória é encerrada com a adjudicação e celebração ulterior do contrato de parceria, sem prejuízo de se prever no n.º 3 do art. 18.º a chamada cláusula gateway, uma cláusula usual neste tipo de contratação, justificada pela necessidade de salvaguarda do interesse público e dos interesses financeiros do Estado, que garante que a qualquer momento se possa pôr “termo ao procedimento em curso relativo à constituição da parceria, sem direito a qualquer indemnização, sempre que, de acordo com a apreciação dos objetivos a prosseguir, os resultados das análises e avaliações realizadas até então ou os resultados das negociações levadas a cabo com os concorrentes não correspondam, em termos satisfatórios, aos fins de interesse público subjacentes à constituição da parceria, incluindo a respetiva comportabilidade de encargos globais estimados”. Estando implementada a parceria, esta começa a ser executada. Não se ignora que, por causa da sua natureza duradoura, uma PPP fique sujeita a inúmeras vicissitudes, algumas previstas, outras imprevisíveis, que poderão conduzir a diferentes tipos de alterações. As PPP comportam ainda, durante a sua execução, dois elementos que não raro se antagonizam: de um lado, a prevalência que nelas deve ser dada à prossecução do interesse público; do outro, a necessidade de garantir a tutela da confiança e dos interesses económicos dos parceiros privados. As alterações podem ter dois tipos de fontes jurídicas. Podem ser ditadas pela renegociação ou por modificações unilaterais  por parte do Estado (sobre estas fontes de modificação objetiva, vejam-se os arts. 311.ºss. do CCP). Sempre que as alterações, afetando o equilíbrio económico e financeiro do contrato, sejam devidas ao chamado fait du prince ou a atos unilaterais do parceiro público (v.g. atos administrativos), reconduzíveis ao exercício de potestas variandi, há lugar à reposição do equilíbrio económico financeiro do contrato (cf. n.º 1 do art. 314.º do CCP). Esta pode implicar uma revisão de preços, a alteração dos prazos do contrato com natureza reparadora, redefinição de outras condições contratuais, etc. Importa notar que, para aferir do equilíbrio financeiro, deverá ter-se em conta o respetivo Caso Base (anexo ao contrato) que representa a equação financeira da PPP, o qual deverá integrar todas as receitas previstas pelo parceiro privado decorrentes do desenvolvimento da parceria, i.e., as receitas acessórias e receitas cessantes. O dec.-lei n.º 111/2012 limitou as possibilidades de modificação unilateral, desde logo do ponto de vista financeiro: assim, carece de despacho prévio de concordância dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e do projeto em causa qualquer decisão do parceiro público, no âmbito da execução do respetivo contrato e das condições aí fixadas, suscetível de gerar: a) um acréscimo dos encargos previstos para o sector público, exceto se o respetivo valor não exceder, em termos anuais, 1.000.000 euros brutos ou, em termos acumulados, 10.000.000 euros brutos, em valores atualizados; b) uma redução de encargos para o parceiro privado (cf. n.º 2 do art. 20.º). Nos demais casos de alteração – mormente nos casos de renegociação –, poderão ser definidas outras formas de compensação ou de redefinição da equação financeira, mas tecnicamente, em sentido estrito, não se tratará de reposição do equilíbrio financeiro. Próximo do mecanismo de reposição do equilíbrio financeiro, de certa forma o seu reverso, é o instituto da partilha de benefícios, previsto no art. 21.º do dec.-lei n.º 111/2012 e no art. 341.º do CCP. Há lugar à partilha de benefícios sempre que numa PPP se verifiquem duas condições cumulativas: i) ocorra um acréscimo anormal e imprevisível dos benefícios financeiros para o parceiro privado; ii) o referido acréscimo não resulte da eficiente gestão e das oportunidades criadas pelo mesmo parceiro privado. Tal pode ficar a dever-se, nomeadamente, à melhoria das condições de financiamento da PPP em virtude da renegociação ou substituição dos contratos de financiamento. Pode dizer-se, em suma, que a partilha de benefícios, tal como a reposição do equilíbrio financeiro, constituem respostas jurídicas para os efeitos da alteração das circunstâncias (de fonte vária) sobre o equilíbrio contratual e recursos jurídicos que visam garantir a preservação da justiça negocial e, em última análise, evitar o enriquecimento ilícito. As PPP nas regiões autónomas Uma última referência nos resta para as parcerias público-privadas celebradas nas regiões autónomas (RA). À semelhança do que sucedeu no continente, também aqui o interesse pelas PPP cresceu a partir do começo do séc. XXI e também aqui o modelo concessivo – sobretudo no sector rodoviário – foi o dominante. Vejamos, em particular, o caso madeirense. A experiência iniciou-se ainda em finais do séc. XX, com a criação da VIALITORAL – Concessões Rodoviárias da Madeira, S.A. encarregue da concessão do troço rodoviário da VR1 (ER 101) entre a Ribeira Brava e Machico, e depois com a criação, em 2004, da VIAEXPRESSO, S.A., uma concessionária de serviço público responsável pela gestão, exploração e conservação das vias expresso regionais, em regime SCUT, por um período de 25 anos. Mais tarde, em 2008, viria a ser criada uma outra empresa, a VIAMADEIRA, S.A., cujo objetivo seria também o de assumir a concessão de vias rodoviárias construídas ou a construir naquele território. Até à sua dissolução em 2011 (coincidente grosso modo com a celebração do memorando da Troika), diversos contratos foram adjudicados à mesma empresa. Assim, segundo informação fornecida pelo Tribunal de Contas no seu Relatório de Auditoria n.º 14/2012-FS/SRMTC, de novembro de 2012, a concessão à VIAMADEIRA, S.A. abrangeu a exploração, conservação e manutenção dos troços de estradas regionais abaixo descritos, em regime de exclusivo, sem cobrança direta aos utilizadores (SCUT): VE1 – Ribeira de São Jorge-Arco de São Jorge; VE1 – Arco de São Jorge-Boaventura; VE1 – Boaventura-São Vicente; VE8 – Vasco Gil-Fundoa, à cota 500; VR2 – Câmara de Lobos-Estreito de Câmara de Lobos; VE3 – Fajã da Ovelha-Ponta do Pargo; VE3 – Variante da Madalena do Mar. De acordo com a indicação constante na p. 36 do mesmo Relatório, “em termos globais, até 30 de novembro de 2011, o envolvimento financeiro da RAM rondava os 309 milhões de euros, dos quais 253,5 milhões de euros respeitantes às empreitadas de construção dos troços e 40 milhões de euros respeitantes a juros de mora”. De resto, os efeitos das concessões sobre o erário regional continuam a fazer-se sentir, mesmo em relação àquelas duas empresas iniciais. Em agosto de 2015, o Governo regional anunciou a decisão de assumir encargos orçamentais no valor de 158.700.000 euros relativos à regularização de dívida com as empresas concessionárias de rede viária VIAEXPRESSO e VIALITORAL. Esta medida é ainda o resultado de um processo de renegociação das PPP, imposto pelo Plano de Ajustamento Económico e Financeiro (PAEF) do arquipélago e celebrado na sequência do Memorando da Troika.   Nazaré da Costa Cabral (atualizado a 01.01.2017)  

Direito e Política Economia e Finanças

empresas locais

A evolução que se verificou no quadro jurídico das empresas públicas portuguesas, desde o período de nacionalizações que se seguiu à Revolução de 1974 até ao processo (re)privatizador que teve lugar a partir da déc. de 90 do séc. XX, traduz claramente a evolução política e económica que ocorreu neste período. O regime jurídico inicial constava do dec.-lei n.º 260/76, de 8 de abril, e era, como facilmente se compreende, um regime herdeiro do momento revolucionário que apontava para caminhos de estatização da economia, desde logo pela presença do Estado na maior parte dos sectores económicos, e designadamente dos sectores-chave. Na sequência das nacionalizações levadas a cabo nos anos subsequentes à Revolução de 25 de abril de 1974, a necessidade foi então a de criar um regime que desse respaldo ao novo figurino jurídico entretanto forjado, o de empresas públicas de raiz estatutária, claramente apartadas do modelo societário aplicável às empresas privadas. O modelo era assim de carácter fortemente jus-publicístico, atestando a presença forte e intensa do Estado na definição das orientações estratégicas, mas também na própria gestão dessas empresas, e a pretendida subordinação do poder económico ao poder político. Tratava-se de empresas públicas políticas. Relativamente ao sector público local, pelo contrário, o mundo empresarial desconheceu um regime próprio durante os primeiros anos do sistema democrático que se seguiu ao 25 de Abril, e ele só viria a ser objeto de atenção particular com a aprovação da lei n.º 58/98, de 18 de agosto, que estabeleceu o primeiro regime jurídico aplicável a empresas públicas municipais. Como bem se vê, os tempos eram já outros. O movimento de reprivatização da economia estava em marcha e apontavam-se alternativas com vista ao reforço da lógica privatística na gestão pública em geral. A influência que se fazia sentir era já então a do modelo liberal, anglo-saxónico, da new public management. Por isso, de certa forma, o dec.-lei n.º 58/98 acabaria por ser premonitório, lançando as bases para a reforma do regime do sector empresarial do Estado que, no ano seguinte, viria a ser concretizada com a aprovação do dec.-lei n.º 558/99, de 17 de dezembro, alterado e republicado pelo dec.-lei n.º 300/2007, de 23 de agosto. Este último diploma foi muito inovador e teve, desde logo, como principal intuito dar a devida cobertura legal a empresas públicas, que, sendo ainda públicas, haviam sido transformadas em sociedades anónimas e aguardavam privatização do capital, e que, como tal, não conheciam previsão no quadro jurídico anterior (o de 1976). Assim, de acordo com este mesmo diploma, as empresas públicas passaram a poder ser de dois tipos: (i) sociedades comerciais nas quais o Estado ou outras entidades públicas exerçam ou possam exercer uma influência dominante, em virtude de detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto ou do direito a designar ou a destituir a maioria dos membros dos órgãos de administração ou de fiscalização; (ii) entidades públicas empresariais (EPE), correspondentes às “velhas” empresas públicas saídas da Revolução. Para além destas, o Sector Público Empresarial (SPE) integraria também as empresas participadas, consideradas estas entidades em que o Estado ou qualquer entidade pública estadual de carácter administrativo ou empresarial detivesse uma participação permanente no capital, ou seja, uma participação desprovida de objetivos exclusivamente financeiros, presumindo-se haver essa natureza permanente quando o capital público representasse uma percentagem superior a 10 % da totalidade do capital social. O dec.-lei n.º 558/99 anunciava assim várias mudanças. Em primeiro lugar, a transformação sugerida de género – do género estatutário para o género societário –, como pré-condição necessária de alienação do capital social junto de privados. Em segundo lugar, a afirmação do regime societário como regime-regra aplicável às empresas públicas, sem prejuízo da manutenção de elementos jus-publicísticos nesse mesmo regime. Por fim, por causa do que antecede, a erosão tendencial e progressiva do universo público empresarial. O regime aplicável às empresas públicas, ainda que feito predominantemente de regras de natureza privatística (v.g., direito aplicável às sociedades comerciais), contemplava, como afirmámos antes, um conjunto importante de regras de procedentes do direito público (e, em especial do direito administrativo), apartadas claramente do direito comercial. Destas, destacavam-se as regras relativas às orientações estratégicas definidas pelo Conselho de Ministros (e suscetíveis de contratualização) e, bem assim, as que impunham deveres de informação ao ministro das Finanças e definiam os poderes deste, de acompanhamento e fiscalização daquelas empresas. A lei n.º 58/98 tinha, como dissemos, potenciado e pré-anunciado estas mesmas alterações. No entanto, o seu escopo e utilidade foram, como não poderiam deixar de ser, mais limitados. Tratava-se, acima de tudo, de definir o quadro jurídico de atuação das empresas municipais, cuja previsão genérica já constava, de resto, das primeiras leis das autarquias locais, a lei n.º 79/77, de 25 de outubro, e o dec.-lei n.º 100/84, de 29 de março. Os aspetos principais do novo regime de 1998 foram, tal como referido por João Pacheco Amorim, os seguintes: (i) a criação das empresas municipais por deliberação da assembleia municipal, sob proposta da Câmara e constituição por escritura pública; (ii) a circunscrição do objeto social à prossecução de fins de interesse público e sempre dentro das atribuições das autarquias em causa; (iii) a sujeição da respetiva atividade ao direito privado; (iv) a delimitação do exercício de poderes de autoridade e sempre por delegação; (v) a sujeição das empresas públicas e de capitais públicos a fortes poderes de tutela e de superintendência dos executivos autárquicos, com destaque para o poder de aprovação dos preços e tarifas; (vi) sujeição aos poderes de controlo financeiro sucessivo do Tribunal de Contas; (vii) a fixação de limites para a contração, pelos municípios, de empréstimos de médio e de longo prazos (AMORIM, 2000, 49-51). Mas, verdadeiramente, o acolhimento da distinção, traçada entretanto no regime jurídico do SPE (o já referido dec.-lei n.º 558/99), entre empresas públicas de natureza estatutária e empresas de natureza societária só viria a fazer-se plenamente, no caso das empresas municipais, anos mais tarde, com a aprovação da lei n.º 53-F/2006, de 29 de dezembro. Esta divisão, atendendo ao critério do género ou natureza, e a outra, em função do critério do alcance territorial, entre empresas municipais, intermunicipais e metropolitanas, foram de resto duas das maiores novidades desta lei em face da anterior. O aspeto central, relativamente ao acolhimento expresso de empresas de natureza societária, foi a concretização do conceito de influência dominante, condição para a qualificação de uma empresa municipal como pública (também aqui o regime local foi tributário da influência do regime do SPE). Considerou-se existir influência dominante nas seguintes circunstâncias: detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto ou; direito de designar ou destituir a maioria dos membros do órgão de administração ou de fiscalização. Este mesmo critério permitiria, por outro lado, traçar a distinção entre empresas públicas (total ou parcialmente) e empresas (meramente) participadas. Quanto ao objeto social, além de se manter a exigência de inserção do mesmo no âmbito das atribuições das autarquias ou das associações de municípios respetivas, concretizou-se melhor a delimitação desse objeto e da própria modalidade de empresa municipal, em razão dos fins prosseguidos. Seria pelo menos um de três: a exploração de atividades de interesse geral; a promoção do desenvolvimento local e regional; a gestão de concessões (art. 5.º, n.º 1 da lei n.º 53-F/2006). A concretização destas três modalidades de empresas municipais fazia-se, depois, respetivamente, nos capítulos ii, iii e iv do mesmo diploma. Assim, (i) as empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse geral, aquelas cujas atividades consistiriam em assegurar a universalidade e a continuidade dos serviços prestados, a satisfação das necessidades básicas dos cidadãos, a coesão económica e social, local ou regional, e a proteção dos utentes, sem prejuízo da eficiência económica e do respeito pelos princípios da não discriminação e da transparência (art. 18.º); (ii) as empresas encarregadas da promoção do desenvolvimento local e regional, aquelas cujas atividades passariam por assegurar a promoção do crescimento económico local e regional, a eliminação das assimetrias e o reforço da coesão económica e social, local ou regional, sem prejuízo da eficiência económica e do respeito pelos princípios da não discriminação e da transparência (art. 21.º, n.º 1); finalmente, como categoria residual, (iii) as empresas encarregadas da gestão de concessões, aquelas que, não se integrando nas categorias anteriores, tivessem por objeto a gestão de concessões atribuídas por entidades públicas (art. 24.º). A Lei das Finanças Locais (LFL) (lei n.º 2/2007, de 16 de janeiro), entretanto aprovada, clarificaria o conteúdo desse objeto possível, ao elencar as áreas que poderiam justificar a criação de empresas públicas municipais nas três categorias supra – e sem prejuízo de gestão direta pelas unidades administrativas –, a saber: abastecimento público de água, saneamento de águas residuais, gestão de resíduos sólidos, transportes coletivos de pessoas e mercadorias e distribuição de energia elétrica em baixa tensão (art. 16.º, n.º 3). Clarificou-se que, nestes casos de provisão de bens pela via empresarial, haveria lugar à cobrança de preços, e não de taxas, solução que se compreende, pois a qualificação, do ponto de vista contabilístico, de uma unidade de produção ou provisão, como empresa ou entidade administrativa, depende de saber se a atividade em causa é ou não de produção mercantil, sujeita pois a cobrança de preços economicamente significativos. Uma das tendências que se vem notando na legislação mais recente – e a lei n.º 56-F/2006 foi pioneira nesse aspeto – prende-se com a opção (assinalada por Pedro Gonçalves) de canalizar na função acionista do sócio maioritário ou único, que é o município, a supremacia municipal na gestão da empresa. Deste modo, os elementos jus-publicísticos tradicionalmente associados à ideia de supremacia do ente público parecem diluir-se naqueles que são tipicamente os direitos (e também as obrigações) dos sócios maioritários nas sociedades comerciais, por serem maioritários e não por serem públicos. Assim sucede, e.g. (como refere ainda o mesmo autor), com os aspetos que se referem às orientações estratégicas da empresa, as quais devem aparecer refletidas nas orientações anuais aprovadas em assembleia geral. Não obstante a supremacia desta “lógica” societária, algumas das expressões de supremacia resultam contudo de intervenções espúrias em relação à função acionista: é o que se passa genericamente com o exercício dos poderes de fiscalização a cargo do município. O dec.-lei n.º 53-F/2006 ficou ainda marcado pelo facto de – como se refere no artigo “O Sector Empresarial após a Crise…”, de 2013 – atribuir uma larga margem de autonomia às autarquias locais e às suas associações na criação e gestão de empresas públicas, ainda que salvaguardando-se o impacto destas nos limites de endividamento dos municípios. Isto para além da sujeição ao controlo financeiro da Inspeção-Geral de Finanças e à fiscalização pelo Tribunal de Contas e, bem assim, do dever de notificação ao Governo de certas decisões (art. 8.º, n.º 2). À semelhança do que sucedera em 1998, também agora a aprovação do regime do sector empresarial local (lei n.º 50/2012, de 31 de agosto) parece ter antecipado e pré-anunciado o sentido das alterações que, no ano seguinte, iriam produzir-se em relação ao SPE (com a aprovação do dec.-lei n.º 133/2013, de 3 de outubro). O reforço da lógica privatística acentuou-se inexoravelmente, pela intromissão cada vez mais evidente do direito das sociedades comerciais em diversos aspetos do regime, tais como: procedimento associado à criação da empresa municipal (implicando, v.g., a realização de estudos comprovativos da sua viabilidade económico-financeira), exercício da função acionista, relações entre sócios, regras de governo societário, regras de transparência nas relações entre sócios e empresas, sujeição a regras de concorrência, etc. Repare-se, por outro lado, que uma empresa local – atendendo ao critério do respetivo alcance territorial – abrange tanto as empresas municipais, como as empresas (ditas) intermunicipais e as empresas metropolitanas. Relevante para este efeito é a natureza da entidade pública participante em questão (lei n.º 50/2012, arts. 2.º e 5.º), ou seja, respetivamente, consoante se trate de municípios, de associações de municípios ou de áreas metropolitanas. As empresas intermunicipais ou metropolitanas são, na verdade, uma extensão das associações de municípios ou das áreas metropolitanas que lhes estão na base e o seu fundamento económico é similar: trata-se de internalizar spillovers associados à provisão de certos bens coletivos ou de assegurar a obtenção de economias de escala em sectores habitualmente caracterizados por investimentos (na verdade, custos fixos) muito elevados e que só são verdadeiramente rentáveis e racionais se implicarem o upgrading na escala de decisão (ou seja, a assunção de responsabilidade por níveis superiores de decisão). É o que se passa, e.g., com o saneamento e o tratamento de resíduos e também, em certos casos, com os transportes coletivos de passageiros. Outras soluções – atendendo à natureza das entidades participantes – podem, por sua vez, ser encontradas: sociedades (meramente) participadas pelos municípios, ou seja, com capitais mistos, ainda que maioritariamente privados (lei n.º 50/2012, arts. 51.ºss.); empresas públicas, sob a forma societária, com participações do Estado e dos municípios (ou associações de municípios ou áreas metropolitanas) ou com participações das regiões autónomas e dos seus municípios (adiante referir-se-á um exemplo desta última hipótese). Este tipo de empresas públicas, com capitais do Estado, regiões autónomas e municípios, coloca diversas questões, quer quanto à sua qualificação (serão empresas estatais, reginais ou locais?), quer quanto à delimitação do respetivo perímetro, para efeitos de consolidação de contas com as entidades públicas (Estado, regiões autónomas, municípios) que nelas participam. Ao que tudo indica, a resposta a estas questões ficará sobretudo dependente da proporção de participação e/ou de direito de voto por parte de cada uma das entidades participantes, havendo que averiguar quem detém, no fundo, a influência dominante. Apurada esta, segue-se a regra do n.º 1 do art. 7.º da lei n.º 50/2012, quanto ao enquadramento sectorial: “As sociedades comerciais controladas conjuntamente por diversas pessoas coletivas de direito público integram-se no sector empresarial da entidade que, no conjunto das participações de natureza pública, seja titular da maior participação ou que exerça qualquer outro tipo de influência dominante”. Além disso – importa não esquecer –, a revisão, quer da lei aplicável às empresas municipais, quer da que se aplica ao SPE, surge no contexto particular de uma crise económica e financeira e da aplicação do chamado Memorando da Troika (celebrado em 2011 entre o Governo da República Portuguesa e o Fundo Monetário Internacional, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu, no qual o primeiro se comprometeu à adoção de medidas de consolidação orçamental e de reforma estrutural, como contrapartida pelo financiamento concedido pelos segundos, no âmbito de programa de assistência financeira). Os quadros normativos criados reforçam o condicionamento da capacidade financeira das empresas públicas, maxime da sua capacidade de endividamento, na medida em que isso concorre para o cumprimento dos princípios de estabilidade orçamental e de sustentabilidade de longo prazo das finanças locais, impostos não apenas pelo Memorando, mas também, desde logo, pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) e, internamente, pela Lei de Enquadramento Orçamental (LEO) (lei nº 91/2001, de 20 de agosto). Em cumprimento das regras do PEC e das regras de contabilidade nacional (também elas de raiz europeia – Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais – SEC 2010) e para efeitos da avaliação regular da situação orçamental a cargo das instâncias comunitárias, releva a situação global e consolidada de todo o sector público. É essa visão consolidada do sector público que importa, concretamente, para o efeito de verificação do cumprimento das obrigações em matéria de défice orçamental (3 % do PIB, tendencialmente caminhando para uma situação de equilíbrio) e em matéria de dívida pública (60 % do PIB). Acresce, por outro lado que, dentro de cada sector (Estado, regiões autónomas, autarquias locais), se impõe, por força das mesmas regras contabilísticas, conhecer a situação financeira global de cada um deles, o que implica nomeadamente a consolidação de contas entre as várias entidades públicas que os constituem. É essa exigência que procede também do Regime Financeiro das Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais (RFALEI) estabelecido pela lei n.º 73/2013, de 3 de setembro. Do seu art. 75.º resulta, com efeito, a noção de “grupo autárquico”, determinando-se que este grupo “é composto por um município, uma entidade intermunicipal ou uma entidade associativa municipal e pelas entidades controladas, de forma direta ou indireta, considerando-se que o controlo corresponde ao poder de gerir as políticas financeiras e operacionais de uma outra entidade a fim de beneficiar das suas atividades” (n.º 3). Os números seguintes concretizam, por sua vez, a noção de “controlo”, relevante para efeitos de consolidação de contas, a qual, repare-se, não é confundível com a noção de influência dominante e que serve, como vimos antes, para qualificar uma empresa como municipal, intermunicipal ou metropolitana (aparece, agora, em termos similares ao que resultava da lei anterior, contemplado no n.º 1 do art. 19.º da lei n.º 50/2012). Nestes termos, as empresas locais concorrem para o perímetro de consolidação dos municípios que as detêm, e a sua dívida é considerada dívida municipal. Diversamente, as empresas meramente participadas não consolidam para efeitos do referido art. 75.º, ainda que a sua dívida seja computada como dívida do município na proporção da participação deste no respetivo capital social. A tendência, em matéria de tratamento estatístico e orçamental, vai, aliás, mais longe, no sentido de se aumentar o próprio perímetro orçamental dos orçamentos públicos (que não é a mesma coisa que “perímetro”, para efeitos de consolidação de contas supra), não apenas limitando as hipóteses de desorçamentação, mas trazendo ainda, para dentro desse perímetro, realidades que apenas por razões formais ou jurídicas estavam fora deste, não o devendo estar do ponto de vista substantivo ou económico. Com efeito, as regras da contabilidade nacional, resultantes do SEC 2010, quando comparadas com as regras do SEC 1995, foram mais além nesta matéria. Na verdade, como é explicado no documento intitulado “O Sistema Europeu de Contas – SEC 2010: Impacto nas Contas Nacionais Portuguesas”, do Instituto Nacional de Estatística, “o SEC 2010 [em relação à versão precedente] reforça significativamente os critérios qualitativos de análise das unidades institucionais públicas, com destaque para os aspetos relacionados com o controlo e com a natureza das receitas obtidas. Além disso, o critério quantitativo (‘rácio de mercantilidade’) foi também alterado, passando agora a incluir no denominador correspondente aos custos operacionais, os encargos líquidos com o pagamento de juros” (INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA, 4). Assim sendo, por força do SEC 2010, “a reclassificação de empresas do sector empresarial do Estado dentro do perímetro de consolidação das Administrações Públicas (na ótica de contabilidade nacional) poderá ocorrer caso se verifique um de três critérios relacionados com o nível de inserção em mercados concorrenciais e com o grau de dependência do acionista público: (i) Nível de receitas mercantis inferior a 50 % dos encargos com o desenvolvimento da sua atividade, critério que determina a necessidade de contratualização da prestação de serviço público relativamente às empresas públicas que beneficiam de indemnizações compensatórias, o que abrange essencialmente as empresas dos sectores da cultura, transportes e infraestruturas; (ii) Classificação como empresa instrumental de investimento público em função da sua área de atuação principal; (iii) Empresas dependentes do acionista público em função do elevado endividamento bancário e das dificuldades de acesso aos mercados financeiros” (Orçamento de Estado…, 2013, 79). Diversas empresas públicas – a começar pelas empresas na área dos transportes (o caso da Companhia Carris de Ferro de Lisboa e da Metropolitano de Lisboa), passando pelos hospitais EPE, e a acabar nas entidades reguladoras de mercado – têm vindo a ser progressivamente objeto de reclassificação, ao abrigo destas regras. As consequências da reclassificação – que, como dissemos, implica trazer as empresas locais para dentro do perímetro orçamental – são definidas na LEO, que manda aplicar as regras por si definidas, para efeitos de orçamentação de receita e despesa, execução orçamental, reporte e controlo, às “entidades que, independentemente da sua natureza e forma, tenham sido incluídas em cada subsector no âmbito do Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais, nas últimas contas sectoriais publicadas pela autoridade estatística nacional, referentes ao ano anterior ao da apresentação do Orçamento” (art. 2.º, n.º 5). Na verdade, esta inclusão implica alargar o perímetro orçamental e aumentar a própria dimensão das administrações públicas. É assim, pelo menos, em relação ao sector Estado. No que às empresas municipais respeita, não se prevê nada, expressamente, sobre a reclassificação de entidades. Apenas se lhes faz referência explícita no art. 78.º da lei n.º 73/2013, a propósito dos deveres de informação a que tais entidades, como de resto quaisquer autarquias locais, estão sujeitas em relação à Direção-Geral das Autarquias Locais. Já na lei n.º 50/2012 (art. 64.º) se prevê, por seu turno, a possibilidade de integração das empresas locais em serviços municipalizados e a hipótese de fusão destas empresas entre si. Apesar de, no que às empresas locais diz respeito, a hipótese de reclassificação não estar regulada de modo expresso na legislação autárquica, esta reclassificação deve ter lugar (como sugere, aliás, o mencionado art. 78.º). A relação que existe, do ponto de vista orçamental e contabilístico, entre sectores (administrativos) locais e os respetivos sectores empresariais deve aqui obedecer às mesmas regras que se preveem para o sector Estado, salvaguardadas as devidas adaptações. Logo, verificadas as condições supra, devemos aceitar essa reclassificação. Ora, este aspeto potencia o aparecimento de um fenómeno curioso e, porventura, de sinal contrário. Da mesma forma que, por imposição das regras da contabilidade nacional, se vem operando esse alargamento do perímetro orçamental (o sector administrativo cresce à custa do emagrecimento do sector empresarial), verificamos – justamente na lei n.º 50/2012 – a tendência aparentemente oposta, de maior abrangência do conceito de “atividade empresarial local”. O art. 2.º desta lei, aliás inovador, determina que a prossecução de atividade empresarial local se faz não apenas por empresas locais propriamente ditas, mas também por serviços municipalizados, cujo regime é depois concretizado (arts. 8.º-18.º). Até aqui, os serviços municipalizados figuravam no sector administrativo local (administração local indireta) e tinham, do ponto de vista financeiro, a natureza de fundos e serviços autónomos. Agora, embora pareçam continuar integrados neste sector, caminham aparentemente para o sector empresarial. Mesmo empresas públicas não reclassificadas consolidam, como dissemos antes, as suas contas com as entidades públicas participantes e o seu endividamento concorre para os limites fixados para estas últimas. É o que acontece nas empresas municipais, por força do disposto no art. 41.º. Simultaneamente, proíbe-se o chamado bail out dos municípios relativamente aos empréstimos contraídos pelas mesmas empresas (n.º 2), endurecendo-se assim a restrição orçamental que sobre estas impende e obrigando-as a acrescida responsabilização financeira. De um modo geral, a lei é muito exigente no plano na gestão orçamental das empresas municipais, impondo resultados equilibrados, na falta dos quais deverá a entidade participante proceder à necessária transferência que garanta esse mesmo equilíbrio (art. 40.º). Esta lógica de integrar as duas entidades, participante e participada, na obtenção, nesta última, de resultados equilibrados, é uma importante manifestação da noção de “grupo autárquico”, de que falámos antes, mais exigente, como agora se vê, do que a noção de grupo empresarial. Um aspeto interessante prende-se com o regime de extinção e dissolução das empresas municipais. Aqui, a lei n.º 50/2012 foi muito inovadora e, também neste ponto, a deriva para o direito privado é evidente. Pese embora as empresas públicas (logo, também as empresas públicas municipais) ainda estejam de fora de regimes falimentares – veja-se o disposto no n.º 2 do art. 2.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (dec.-lei n.º 53/2004, de 18 de março, e suas alterações) –, a verdade é que o modelo de dissolução que resulta da lei n.º 50/2012 não anda muito longe do regime privatístico. Na verdade, nos termos do artigo 62º, as empresas locais são obrigatoriamente objeto de deliberação de dissolução, no prazo de seis meses, sempre que se verifique uma das seguintes situações: as vendas e prestações de serviços realizadas durante os últimos três anos não cobrem, pelo menos, 50 % dos gastos totais dos respetivos exercícios; quando se verificar que, nos últimos três anos, o peso contributivo dos subsídios à exploração é superior a 50 % das suas receitas; quando se verificar que, nos últimos três anos, o valor do resultado operacional, subtraído ao mesmo o valor correspondente às amortizações e às depreciações, é negativo; quando se verificar que, nos últimos três anos, o resultado líquido é negativo. Esta previsão deu os seus frutos. Em 2015, foi noticiada a primeira falência, como tal decretada pelo tribunal competente, de uma empresa municipal: a PFR Invest – Sociedade de Gestão Urbana, da Câmara Municipal de Paços de Ferreira. A aplicação desta lógica falimentar, com tudo o que isso implica (a prevalência dada à proteção dos credores) contraria a tradição: nas entidades públicas (tenham ou não natureza empresarial), as situações de rutura financeira são geralmente de natureza reorganizativa (implicando a renegociação da dívida), com vista à manutenção do serviço público prestado. Continua a ser assim no RFALEI, quando está em causa a “bancarrota” de um município. O mecanismo de recuperação financeira, aí previsto (art. 61.º), tem esse escopo reorganizativo. Em relação às empresas municipais, porém, o legislador apartou-se desse modelo publicístico, pelo que as empresas públicas municipais transitam inexoravelmente para o direito privado. Uma última nota para as empresas locais criadas nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira. Repare-se que também estas têm o seu próprio sector empresarial, cujos regimes jurídicos são, no fundo, uma extensão e adaptação do regime do SPE a esses espaços regionais. Os regimes dos sectores empresariais regionais constam, respetivamente, do dec. leg. regional n.º 7/2008/A, de 24 de março, e suas alterações, e do dec. leg. regional n.º 13/2010/M, de 5 de agosto, e suas alterações. Mas, para além disso, podem ser criadas, nos respetivos municípios, empresas locais e, até, empresas intermunicipais (ou seja, empresas resultantes de associações de municípios). Note-se, porém, que o efeito prático destas últimas é menor do que no continente, especialmente quando o alcance do upgrading daí resultante for consistente com o espaço da própria região – nesse caso, as empresas intermunicipais podem tornar-se dispensáveis, inúteis, já que as suas funções podem ser assumidas por verdadeiras empresas regionais. Só não será assim se existir uma qualquer outra motivação – e.g., de ordem política ou partidária – que justifique a agremiação de municípios em detrimento da opção regional. Solução mais curial (ainda que ousada e inovadora) parece ser, por outro lado, a criação de empresas regionais que envolvam o concurso, a participação no capital, de alguns ou de todos os municípios da região. Isso pode acontecer quando se trate, v.g., de promover o desenvolvimento económico ou social de uma certa zona ou de um determinado sector de atividade, quando o interesse for simultaneamente regional e local. Empresas municipais, na Região Autónoma dos Açores – e para referir o concelho de Ponta Delgada –, são, com carácter societário, as empresas Cidade em Ação, a ANIMA, a Ponta Delgada Social, a Coliseu Micaelense e a Azores Parque e, com carácter estatutário, a empresa Ação PDL. No caso da ilha de São Miguel, convém destacar a empresa intermunicipal ANISM, que abrange os municípios de Lagoa, Ponta Delgada, Povoação, Ribeira Branca e Vila Franca do Campo e cujo objeto é o sistema de tratamento e gestão de resíduos sólidos. Relativamente à Região Autónoma da Madeira (RAM), refiram-se, com carácter de entidade pública municipal, as empresas Frente MarFunchal e SocioHabitaFunchal. A título de entidade intermunicipal, foi criada, em 1999, a Empresa Intermunicipal da Região Autónoma da Madeira, ainda ao abrigo da lei n.º 58/98, mas cujo objeto estatutário foi considerado ilegal, pelo Tribunal de Contas, no Relatório de Auditoria n.º 1/2005- FS/SRMTC. Curiosa foi também a criação da Ponta do Oeste – Sociedade de Promoção e Desenvolvimento da Zona Oeste da Madeira, S.A., através do dec. leg. regional n.º 18/2000/M, de 2 de agosto, uma empresa com capitais públicos e subscritos quer pela RAM, quer pelos respetivos municípios, Ribeira Brava, Ponta do Sol e Calheta. Esta empresa poderia, no entanto, ser qualificada como empresa pública regional, de natureza societária, pois, ainda que contando com uma participação significativa dos três municípios (75.000 € cada), a maioria do capital foi subscrito pela RAM (275.000 €).   Nazaré da Costa Cabral (atualizado a 02.01.2017)

Economia e Finanças