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ovington, john

Nascido em Melsonby, Yorkshire, em 1653, entrou aos 15 anos para o Trinity College de Dublin, obtendo o bacharelato em 1675 e a licenciatura em 1678. Finalizou a sua formação no John’s College de Cambridge, onde ingressou em 1779. Não se sabe quando foi ordenado, mas muito provavelmente terá sido no mesmo ano de ingresso no John’s College. Integrou a Companhia das Índias Orientais 10 anos depois, partindo a 11 de abril de 1689 do porto de Gravesend, no navio inglês Benjamim daquela Companhia, como capelão de bordo, dentro do costume dos navios ingleses, de guerra ou mercantes, de contratar um capelão. Foi nessa viagem que passou pelo Funchal, tendo como destino Surat, na província de Guzerate, na Índia, onde aquela Companhia inglesa se havia instalado em 1608 e consolidado a sua presença após a batalha de Swally, a 29 e 30 de novembro de 1612, contra uma armada portuguesa enviada de Goa para os desalojar. O Rev. John Ovington domiciliou-se em Surat durante dois anos e meio, mas a cidade entrava em decadência com a transferência da sede da Companhia para Bombaim, em 1687, cidade que entrara para a Coroa inglesa em 1662 no dote de casamento de D. Catarina de Bragança (1638-1701) com Carlos II (1630-1685). A Rainha D. Catarina de Bragança introduzira o chá na corte inglesa, pelo que essa bebida passou a gozar de certa divulgação, sendo um dos principais negócios da Companhia das Índias Orientais. Regressado John Ovington a Inglaterra por volta de 1692, veio a editar as memórias da sua viagem em 1696, sendo estas, posteriormente, sucessivamente reeditadas e traduzidas. No entanto, à época, foi o folheto que escreveu a divulgar o chá, editado em 1699, que lhe deu renome, para o bem e para o mal. Até essa data, o chá era considerado uma bebida somente de senhoras, o que lhe veio a causar alguns problemas, tendo sido o seu principal delator um capitão de navio concorrente da Companhia, Alexander Hamilton, que não se escusou de o apelidar de “fêmea Ovington” e “mole hermafrodita” (SILVA, 1981, 177-178). No entanto, os trabalhos de Ovington já haviam sido reconhecidos antes de 1696, tendo sido nomeado capelão do Rei Guilherme III (1650-1702), ensinando na Universidade de Dublin e acabando os seus dias, solteiro, como reitor de St. Margaret, Lee, no condado de Kent e Diocese de Rochester, em finais de junho de 1731. Alguns anos depois, especialmente após a tradução francesa de Jean-Pierre Niceron (1685-1738), editada como Voyages Faits à Surate & en d'Autres Lieux de l'Asie & de l'Afrique (Paris, 1725), a sua obra passa a ser conhecida como apresentando franca influência mongol e aspetos do ascetismo indiano e persa deveras interessante. Seguiremos a tradução de António Ribeiro Marques da Silva, feita a partir da edição da responsabilidade da Oxford University Press, editada em Londres em 1929 e incluída em A Madeira Vista por Estrangeiros, 1455-1700. A sua descrição da ilha da Madeira começa pela habitual abordagem histórica inglesa, na base da mítica viagem de Machim e Ana de Arfet, a que, com alguns anacronismos, se segue a viagem dos primeiros capitães, não nomeados, que, desembarcados depois para o povoamento, “em pouco tempo, transformaram a região num paraíso” (OVINGTON, 1981, 196). Ovington deve ter consultado a descrição de Cadamosto (1432-1488), pois utiliza termos e medidas iguais, elogiando a fertilidade do solo da Ilha e ressaltando “que todos os seus produtos, pela notável beleza e abundância, fizeram-na ganhar o título de ‘Rainha das Ilhas’” (Id., Ibid.). O capelão refere também que dali se exportava vinho e açúcar, sendo este “considerado o melhor do mundo” (Id., Ibid., 197). No entanto, o principal produto de exportação da Ilha era o vinho, tendo as videiras vindo de Creta e sendo então três ou quatro castas, com as quais aquele era produzido. Um, menos apreciado, era da cor do champanhe; outro, mais forte e de cor mais clara, era semelhante ao vinho branco; a terceira espécie, rica e deliciosa, era designada por Malvasia; a quarta espécie era o tinto, mas era muito inferior em gosto. O texto de Ovington é um dos primeiros textos a descrever o tratamento do vinho madeirense: “Para fermentar e tratar o vinho, trituram e cozem uma pedra chamada gesso, da qual atiram nove ou dez libras para dentro de cada pipa”. O reverendo cita igualmente que, por aquela data, se começou a perceber as qualidades da fermentação ao calor do sol, informando que se desviava o batoque “da abertura da pipa e, desta maneira, o vinho ficar exposto ao ar” (Id., Ibid., 197-198). John Ovington refere que eram “muito vulgares os citrinos, dos quais os nativos fazem um doce delicioso” (Id., Ibid., 198) chamado sucket, que era anualmente exportado para França, em dois ou três pequenos barcos. O açúcar com que realizavam a cristalização de frutos, “muitas vezes receitado como remédio para a tuberculose pulmonar”, raramente era exportado devido à sua escassez, pois mal chegava para as necessidades da Ilha (Id., Ibid.). O termo “sucket” utilizado por Ovington deve corresponder a qualquer doce que se chupava, a uma espécie de rebuçado de funcho que deve ter visto apenas na Ilha, pois, na época, os doces de exportação seriam chamados de compotas, doces e casquinha, uma conserva feita com cidra cristalizada, conforme consta da documentação local. No entanto, este negócio de doces era mais importante do que Ovington pensava, exportando-se muito mais do que os três citados pequenos barcos para França. O informador de António Jorge de Melo (c. 1640-1704) afirmava mesmo que poderiam estar envolvidos nos cômputos gerais anuais cerca de 20 embarcações só de um tipo destes doces. As bananas devem ter estarrecido o puritano reverendo, que refere: “são tão apreciadas e até veneradas que ganharam, entre os nativos, a crença de serem o fruto proibido. E parecendo confirmar esta crença, as plantas exibem as vastas folhas que sendo tão grandes os levaram a dar crédito à sua utilidade na proteção da nudez de Adão e Eva. É considerado quase crime sem perdão cortar com uma faca este fruto que, depois do corte, apresenta leve semelhança com o Nosso Salvador crucificado; e isto, segundo dizem, é ferir a sua sagrada imagem” (Id., Ibid., 199). Seguindo a descrição de Ovington, lemos igualmente: “os negociantes ingleses, que se calcula não ultrapassarem uma dúzia, seguem a maneira de viver inglesa característica das suas cidades e da casa de campo. Enfastiados da cidade, recreiam-se nas suas propriedades rurais, para as quais nos convidaram solenemente levando-nos a nós, forasteiros, a um fresco lugar onde borbulhavam fontes à sombra da ramagem de laranjeiras e limoeiros. A Natureza aqui oferecia-nos um quadro de alegria e amor e esperava-nos com toda a pompa, amenidade e beleza de paisagem campestre. As colinas e vales abafados de vinha, ofereciam-nos o penetrante odor das uvas maduras” (Id., Ibid., 199). O vinho da Madeira ocupa uma boa parte do texto referente à Ilha, escrevendo com certo espanto Ovington que os madeirenses “quando bebem em companhia não impõem aos outros o vinho que devem beber. O criado empunha a garrafa entregando ao convidado o copo e lentamente verte a quantidade que aquele deseja. Deste modo, cada um toma a quantidade que lhe apetece, não sendo, por isso, os mais sóbrios forçados a beber de mais contra sua vontade” (Id., Ibid., 200). Acrescenta ainda que urinar na rua é considerado indecente e pode fazer com que “as pessoas sejam censuradas por embriaguez” (Id., Ibid.). Esta passagem de Ovington leva-nos a pensar que os excessos de consumo de álcool vigentes na Madeira nos séculos seguintes não eram então notórios. As apreciações mais complexas do reverendo anglicano vão para a forma de viver e vestir dos madeirenses, que lhe deve ter inspirado algum receio e que, a par de informações vinculadas provavelmente pelos comerciantes ingleses, o fez esboçar um quadro quase tenebroso da Madeira daquele tempo, a que é necessário dar o desconto devido à sua condição de puritano e estrangeiro. Escreveu, assim, que as pessoas optavam por uma maneira de vestir extremamente solene, trajando todas de negro, à semelhança, segundo entendeu, dos elementos eclesiásticos, “para melhor captarem as boas graças dessa classe que disfruta de tanta autoridade entre eles” (Id., Ibid.). Acrescenta ainda que não conseguiam deixar de viver sem “a galhardia que atribuem ao uso de uma espada ou punhal. Esses apêndices inseparáveis são até usados pelos criados que servem à mesa e que orgulhosamente se pavoneiam com os pratos, naqueles trajes solenes, com os punhos de uma espada de, pelo menos, uma jarda de comprimento (quase um metro) e isto em pleno verão” (Id., Ibid.). Esse e outros pormenores levaram o capelão anglicano a escrever que “o execrável pecado do homicídio ganhou também, não apenas impunidade, mas até reputação. Mergulhar as mãos em sangue tornou-se característica de qualquer cavalheiro de posição social e distinção” (Id., Ibid., 203), acrescentando: “são muito propensos a este crime, caindo frequentemente nele, devido ao fácil acolhimento das igrejas que os resguardam de qualquer ação judicial e aonde acorrem sempre que se lhes ofereça oportunidade” (Id., Ibid.), o que, embora fosse verdade, não era assim tão linear (Alçadas). O capelão anglicano atribuía esta situação à Igreja Católica, dizendo que “o número de clérigos aumenta aqui, assim como em outros países papistas, até para opressão de leigos com os quais parecem rivalizar em quantidade. Custa a crer como tantos ricos eclesiásticos podem ser sustentados com o labor de tão escassa população” (Id., Ibid.). Acrescentava ainda: “reduz-se este espanto sabendo que – segundo nos dizem – com o fim de evitar uma sobrecarga para a igreja, ninguém neste país é admitido na clerezia, se não conseguir possuir algum património” (Id., Ibid.). As apreciações mais difíceis de Ovington apontam para uma certa promiscuidade sexual que encontrou na Ilha e que, mais tarde, também apontará a Bombaim. Embora seja de colocar algumas reservas às suas observação, parece não haver dúvidas quanto à existência de uma certa libertinagem na Ilha, já confirmada, e.g., com Giulio Landi (c. 1510-1578) nos anos 30 do século anterior. Ovington cita que “a inconstância do marido encoraja (embora sem o direito de desculpar) a mesma leviandade da esposa, cujo sexo é dotado de uma fraqueza que não lhe dá resistência contra os encantos de sedutoras tentações. Portanto, são aqui as mulheres tão capazes de enganar os maridos como estes de enganar as mulheres, uns aos outros igualmente acessíveis a forasteiros, especialmente as mulheres, cuja disposição nesse sentido é mais excitada pelo facto de viverem enclausuradas, guardadas e afastadas de qualquer convívio” (Id., Ibid., 202). Ovington aponta como uma das principais razões de tal situação os arranjos matrimoniais efetuados pelas famílias, à semelhança, e.g., do que era praticado na Índia, onde as crianças de tenra idade se comprometiam, através de contrato, aos cinco ou seis anos. Ao preparar-se um casamento, as primeiras informações procuradas eram sobre a ascendência e posição económica do pendente, procurando-se evitar a “detestada afinidade com os mouros e judeus, entre eles muito numerosos” (Id., Ibid.). No âmbito deste tema, ressalta ainda que uma das atitudes que mais o “surpreendeu foi a proibição que uma certa velha dama levantou às pretensões de um jovem candidato à mão de sua filha, informada da saúde e vigor da constituição do jovem, assim como da moderação e castidade nos seus costumes dos quais constava nunca ter sofrido qualquer doença venérea” (Id., Ibid., 203), concluindo a senhora que tal se devia à fraqueza da constituição física do jovem, pois “pensava não haver necessidade de objeções de consciência para pecados tão veniais cuja prática, em sua opinião, era meritória” (Id., Ibid.). As apreciações gerais sobre a cidade são sumárias, registando Ovington que “as casas são feitas sem grande dispêndio ou esplendor, nem se distinguem pelo embelezamento artístico nem interiormente se apresentam ricas de ornamentos e mobiliários. Algumas atingem uma razoável altura” – por certo as típicas torres do Funchal para se ver o mar – “mas sem outra característica de grandeza. Geralmente são de telhados baixos, permitindo todas a ventilação através de janelas que, sem vidros, ficam abertas durante o dia e fechadas com postigos de madeira, à noite” (Id., Ibid., 200-201). No entanto, o reverendo deixou-se extasiar perante a igreja dos Jesuítas, que considerou “de longe o mais belo de todos os seus templos” (Id., Ibid., 204), descrevendo principalmente as iluminações e festas por ocasião do dia de S.to Inácio. Informa, então, que se cantou “uma série das mais escolhidas antífonas com o acompanhamento melodioso de instrumentos e música coral, suficientes, se a sua doutrina lhes correspondesse, para nos cativar e levar à conversão” (Id., Ibid.). Conta, por último, que “algumas capelas, assim como as casas, são construídas sobre colinas tão íngremes que parecem ameaçar de quedas graves os que saem delas, os quais certamente não deixarão de invocar a proteção dos santos, para afastamento desses perigos” (Id., Ibid.). O texto de John Ovington encontra-se logicamente eivado de referências anticatólicas, dada a época em que foi escrito, na qual não havia, e.g., nenhum cemitério ou igreja anglicana. Para tal também concorreu um problema que terá havido com alguns marinheiros do navio da Companhia inglesa, que Ovington e os companheiros entenderam que teriam sido presos em terra pelos padres do Colégio dos Jesuítas, que serão acusados pelo reverendo de serem profundamente incultos, “de grande incapacidade cultural, facilmente denunciada na sua ignorância”, de tal forma que apenas um em cada três com quem conversou “compreendia o latim” (Id., Ibid., 204). Isto não pode, no entanto, ser verdade, salvo se, em vez de padres, tivesse estado à conversa com leigos. Também acusa os cónegos da Sé de profunda indolência e de atrasarem o relógio da torre uma hora para não rezarem as matinas às 4 h da manhã. Como o “levantar-se cedo representa uma grande maçada, especialmente para homens corpulentos, decidiram que o relógio, de manhã, nunca bateria as quatro horas senão quando fossem realmente cinco” (Id., Ibid., 206), o que era explicado como uma pontual avaria. Para resolver o assunto dos seus homens presos em terra, o capitão do navio optou por sequestrar uma embarcação vinda das zonas rurais para o Funchal, que transportava um abade e um vigário. O capitão escreveu então uma carta ao cônsul britânico, que pensamos ser John Carter, para interceder junto do governador, então Lourenço de Almada (1645-1729), propondo a troca dos prisioneiros. Ao contrário do que esperava, recebeu a bordo alguns dos comerciantes britânicos, “trazendo consigo dinheiro para uma viagem” (Id., Ibid., 208), tal era a situação de insegurança sentida em terra com o sequestro dos eclesiásticos. Face à situação, o capitão optou por enviar todos para terra, incluindo o abade e o vigário, “até porque pensava que os padres seriam tão inúteis para ele no mar, como geralmente o são em terra, constituindo um pesado fardo em terra como no mar” (Id., Ibid.), esquecendo-se John Ovington que também era padre, pelo que o mesmo, em princípio, também se aplicava a ele. Esta memória terá sido escrita algum tempo depois do referido acontecimento, pois acrescenta que, dia e meio depois da partida do navio, chegavam ao Funchal dois navios de guerra franceses e que, mal tinham deitado a âncora, a tornavam a levantar, seguindo para as Canárias, informados de ter sido esse o destino do navio inglês. O Benjamim, no entanto, torneou a ilha da La Palma, a leste, e seguiu diretamente para a ilha de Santiago, em Cabo Verde, malogrando assim a perseguição francesa (Id., Ibid., 209). Na sequência do texto sobre a Madeira, descreve ainda os peixes-voadores que observou a bordo e um tornado que sofreram. Obras de John Ovington: A Voyage to Suratt, in The Year 1689 (1696); An Essay upon the Nature and Qualities of Tea (1699).   Rui Carita (atualizado a 15.12.2017) artigos relacionados: açúcar banana vinho

Religiões Literatura

mosteiro novo

O conjunto edificado denominado “Mosteiro Novo”, que foi depois seminário, embora tendo essa designação, nunca chegou a ser mosteiro, nem sequer recolhimento. Enquadra-se, assim, na vasta série de instituições pias criadas em momentos difíceis relativamente às quais, por morte dos instituidores, desaparece a vontade e os fundos para as instituir verdadeira e concretamente. A doação destes edifícios para um futuro mosteiro ou recolhimento foi feita pelo Cón. Manuel Afonso Rocha, a 17 de dezembro de 1638, perante um tabelião e o bispo D. Jerónimo Fernando (c. 1590-1650). Declarou então que tinha dado início a um mosteiro composto de casas, oficinas, igreja e coro, sob a invocação de S. José, destinado a religiosas ou religiosos, sob a cláusula de lhe celebrarem algumas missas e ofícios pela sua alma. Como o conjunto não estava concluído, entregava o governo e a sua administração à proteção do prelado e seus sucessores, dentro da intenção de o mesmo vir a servir de “recolhimento para damas ou mulheres de qualidade”. Caso tal não fosse possível, gostaria que o mosteiro fosse entregue “a religiosos virtuosos mendicantes ou outros que ali fizessem mais serviço a Deus” (SILVA e MENESES, 1998, II, 398-399). As informações do cónego, em princípio afastavam-se algo da realidade, não existindo qualquer “igreja com coro” e somente, na melhor hipótese, uma capela ou um oratório privado, pois que não se conhece para ali qualquer autorização de culto passado pela autoridade eclesiástica. Cerca de 10 anos depois, em 1647, o prelado dava autorização para ali residirem os sobrinhos do fundador, o Cón. António Spranger Rocha, seu irmão, o P.e Inácio Spranger e suas irmãs. Tudo indica ser então e ainda somente um espaço residencial e, muito provavelmente, a autorização do prelado era a oficialização da situação que se mantinha do anterior. Esta família viveu aí ao longo de todo o século, pois em 1691 faleceu nestas casas o também Cón. António Spranger, sobrinho dos anteriores. As casas devem ter ficado então devolutas, pois em finais de 1698, o bispo D. José de Sousa de Castelo Branco (1698-1722), pouco depois de tomar posse da Diocese, o que ocorreu a 28 de agosto de 1698, transferiu para ali o seminário diocesano, até então alojado no chamado colégio de S. Luís anexo à capela daquela evocação e ao paço episcopal. A 3 de janeiro de 1702 emitia um decreto com os novos estatutos do seminário, os quais foram confirmados, depois de ouvidos os elementos do mesmo, passando a ter um reitor, 10 colegiais e um número de pensionistas a livre arbítrio do bispo. Por 1720, Henrique Henriques de Noronha descrevia o conjunto edificado, então sob a evocação de S. Gonçalo e com uma “nobre igreja” dedicada a Jesus, Maria e José, onde existiam dois altares laterais, um de S. Gonçalo de Amarante e outro, de N.ª S.ra do Bom Despacho (NORONHA, 1996, p. 304). O terramoto de 1 de novembro de 1748 afetou bastante o edifício, tendo sido retirado dali o seminário, mas, por volta 1760, este regressou às mesmas instalações. O conjunto edificado que chegou até nós deve ser produto das obras dos finais do séc. XVII e inícios do XVIII, embora com obras de reabilitação dos anos seguintes, mas que não alteraram substancialmente a organização geral da estrutura. O conjunto do antigo Mosteiro Novo e do seminário apresenta um amplo pátio interior, sobre o qual corre o corpo que dá para a rua, que ainda no séc. XXI era chamada R. do Seminário, com uma pequena capela a nascente, profanada e sem qualquer recheio. A entrada para o pátio fica a poente desse corpo, parecendo manter preexistências dos finais do séc. XVII ou inícios do XVIII, com dois interessantes lanços de escadas e entrada para o piso nobre com alpendre refeito no séc. XIX. Ao longo da rua apresenta três portais ao gosto das primeiras décadas do séc. XVIII, mas a organização da fenestração parece anterior, salvo a janela com balcão, que deve corresponder à campanha de obras do séc. XIX. O edifício poente do pátio parece ter sido montado para os seminaristas internos, tal como o que corre sobre a rua parece ter sido ocupado pelos quadros superiores do seminário. O seminário foi transferido, em 1788, para o antigo colégio dos Jesuítas, mas logo em 1801 voltava ao edifício original, dada a instalação no colégio das forças inglesas de ocupação. Em 1909, o seminário era transferido para o novo edifício levantado na cerca do extinto convento da Encarnação, construído então pela Junta Geral do Distrito, mas a 20 de abril de 1911, com a extinção dos seminários pela República, voltava a funcionar, sem carácter oficial, nas antigas instalações do Mosteiro Novo. Em breve também o edifício era confiscado pelo Estado, tendo passado, em 1971, por uma remodelação total para a instalação do Laboratório Distrital de Análises Dr. Celestino da Costa Maia, até então a funcionar num edifício da R. das Pretas. Em 1976, e com a transferência do laboratório, o edifício ficava devoluto, tendo tido nova remodelação em 1988, e nova designação, então de Laboratório de Saúde Pública Dr. Câmara Pestana. Em 2000 voltava a estar parcialmente devoluto, aguardando definição de reutilização.     Rui Carita (atualizado a 01.02.2018)

Arquitetura Património Religiões

sé do funchal

A Sé do Funchal é o mais importante conjunto patrimonial religioso da Madeira. Construída e sagrada como tal na época áurea da expansão portuguesa e europeia, foi dotada com aquilo que de melhor o rei de Portugal pôde enviar para a Ilha e que, nos anos seguintes, os seus quadros, ou seja, bispo, cabido e demais ministros eclesiásticos, mas também a população, através das confrarias e de ações individuais, preservaram e aumentaram. Contingências várias proporcionaram que conseguisse chegar aos nossos dias com as linhas gerais com que foi construída nos primeiros anos do séc. XVI e com o principal equipamento com que foi inicialmente dotada, por D. Manuel I (1469-1521), o que não aconteceu com as suas congéneres continentais, espelhando interiormente as várias épocas e devoções, bem como a maior parte da história da Madeira. Sé do Funchal. Vista da nave central. Foto: BF A necessidade de construção de uma nova igreja para o Funchal fez-se sentir logo pelos meados do séc. XV, dado o desenvolvimento populacional e económico dessa então vila. A determinação surgiu em 1486, com a subida à administração da Ordem de Cristo do à data duque D. Manuel, escolhendo-se o antigo “chão do duque” seu pai, até então utilizado para experiências de plantio das várias espécies de cana-de-açúcar, para se edificar uma câmara e paço de tabeliães, uma “igreja grande” e uma praça para o pelourinho, denominado “picota” (Urbanismo; Pelourinho). A situação de instabilidade das coroas de Portugal, Castela e Aragão, face à delimitação das áreas de influência ultramarina, protelou as obras da igreja, acontecendo o mesmo localmente, dados os custos que tal empreendimento representava para a população e até porque, pouco tempo depois, também estava em construção o convento de Santa Clara. Os oficiais do concelho insistiam que seria mais fácil e económico construir a “igreja grande” como ampliação da de N.ª Sr.ª do Calhau, ou como ampliação da da Conceição de Cima, onde estaria para se fazer o convento de S.ta Clara. O impasse levou, inclusivamente, a que, nos finais de 1488, na vereação de 28 de dezembro, o capitão do Funchal ameaçasse não participar na reunião camarária se os oficiais não respondessem à carta do duque sobre “o fazimento da sé em baixo” (ARM, Câmara Municipal..., liv. 1299, fl. 53v.); de facto, somente acedeu depois de lhe garantirem que já havia sido dada a resposta afirmativa ao contador do duque. Saliente-se que o capitão do Funchal já utiliza a designação de “sé”, sinal que a instituição da Diocese era assunto assente em 1488, provavelmente com base nas cartas de D. Beatriz e do vigário de Tomar, escritas quase 10 anos antes, quando, em janeiro de 1477, o bispo de Tânger, D. Nuno de Aguiar, pretendeu incluir a Madeira na sua diocese e visitar a Ilha. Nessa data, a infanta escreveu, em nome do “dom” prior de Tomar, e o mesmo fez o secretário da Ordem de Cristo, não autorizando o bispo a entrar na Ilha e exortando a população a que não se “agastasse”, pois “cedo, com o favor divino, esperava el-rei, nosso senhor, criar bispo da mesma Ordem na Ilha” (COSTA, 1995, 36). As cartas foram presentes à vereação camarária de 1 de junho seguinte, realizada em N.ª Sr.ª do Calhau. Nessa data ainda reinava D. Afonso V (1432-1481) e, em 1488, reinava D. João II (1455-1495), existindo já um herdeiro para o trono, o infante D. Afonso (1475-1491). Logo, foram escritas e remetidas numa altura em que o duque D. Manuel não tinha em mente a possibilidade de vir a ser rei. Nesse quadro, só depois da subida ao trono de D. Manuel, em 25 de outubro de 1495, se começou a pressionar decisivamente para a executar as obras da nova igreja e só com a definição concreta da Coroa portuguesa no quadro ibérico se passou a contemplar um projeto mais alargado, de criação de uma diocese, o que se equacionava havia mais de 20 anos. O rei D. Manuel era primo direito da rainha de Castela, Isabel, a Católica (1451-1504), casada com Fernando de Aragão (1479-1516). Com o falecimento do infante D. Afonso, filho de D. João II e legítimo herdeiro da coroa, subiu ao trono D. Manuel, que se casou com a viúva do infante, filha mais velha dos Reis Católicos, pelo que, em 1498, o casal chegou a ser jurado herdeiro dos tronos de Castela e de Aragão. Entretanto, falecendo a rainha de parto e, pouco depois, o jovem príncipe, a sucessão dos senhorios desses reinos ibéricos passou para a outra irmã e para o filho, o futuro imperador Carlos V. Mas, mantendo-se em Roma o papa Alexandre VI (1431-1503), nascido Rodrigo de Bórgia e que fora arcebispo de Valência, especial defensor dos interesses dos Reis Católicos, foi preciso aguardar mais algum tempo para poder negociar a criação de uma diocese ultramarina em Portugal. O rei D. Manuel, a partir de 1500, iniciou um programa de reestruturação administrativa geral da ilha da Madeira, começando por criar, em dezembro de 1501, com o falecimento do segundo capitão-donatário, em março desse ano, a vila da Ponta do Sol e, em julho de 1502, a vila da Calheta, desmembrando, assim, o espaço administrativo do Funchal. No entanto, a 16 de agosto de 1502, cativou as imposições das vilas recém-criadas para fazer face às obras da nova igreja do Funchal. Estando levantadas as paredes desta igreja em 1508, data em foram benzidas por D. João Lobo, bispo de Tânger, elevou o Funchal a cidade, a 21 de agosto do mesmo ano, iniciando os contatos para a criação, na nova cidade, da diocese dos Descobrimentos. As despesas de manutenção do culto religioso eram da responsabilidade geral da Ordem de Cristo, mas a sua definição precisa levou algum tempo a ser determinada. Cobrando a administração da Ordem o dízimo eclesiástico, cabia-lhe o pagamento da manutenção do clero e do culto, mas com o desenvolvimento da comunidade e a diversificação das fontes de rendimento, houve que especificar concretamente as responsabilidades. À Ordem de Cristo e então à coroa passou a corresponder o pagamento das côngruas do clero, o projeto geral das novas igrejas e o acervo e manutenção da capela-mor, ou seja, altar, retábulo e principais alfaias religiosas, tal como o serviço dessa capela e da sacristia. Cabendo à coroa a coordenação geral do projeto, ficando prontas as capelas colaterais da futura sé, em agosto de 1508, o rei determinou a sua venda, para, com o dinheiro das mesmas, continuar as obras. Definia-se assim o modelo de financiamento do culto, com a coroa a pagar, através da Alfândega, as despesas gerais do clero e do culto, mas os habitantes, em nome individual ou através das confrarias, a pagarem o serviço das restantes capelas. Com a instalação de uma fábrica com verbas próprias e responsável pela manutenção geral do edifício, veio a atribuir-se à mesma também os dinheiros obtidos com os enterramentos, situação com a qual, juridicamente, nem todos os analistas estiveram de acordo, dado que fora a população que pagara o corpo da igreja (Cemitérios). Os serviços religiosos começaram a funcionar na nova igreja em 1512, data em que também foi referida a necessidade de cativar verbas para o retábulo, devendo o mesmo estar a ser montado com o cadeiral dois anos depois. Esta informação coloca em causa a longa tradição histórica das “ofertas” do magnânimo rei D. Manuel, pois grande parte das obras acabou por ser paga pelos rendimentos da Ilha e pelos vários impostos criados especialmente para esse efeito. Mais tarde, quando D. João III mandou entregar ao cabido do Funchal, em 1528, o conjunto de alfaias encomendadas pelo pai, do qual faz parte a magnífica cruz processional, as mesmas vieram acompanhadas do peso da prata e da conta “do feitio” de cada peça (ANTT, Cabido..., avulsos, mç. 7), com certeza, para tudo ser descontado nas contas da fábrica da sé. A 12 de junho de 1514 a igreja foi elevada a sé por bula do papa Leão X e a 2 de agosto ainda se trocava correspondência sobre como rematar a torre. O cadeiral para o coro da capela-mor estava a ser montado nos meados ou finais desse ano, pois D. Manuel, em carta de 27 de fevereiro de 1515, a pedido da Câmara, autorizava que o coro se não fizesse na capela-mor, o que acabou por não ter efeito, dado que o mesmo se manteve nesse local, já devendo estar, então, em adiantado estado de montagem. Tudo devia estar concluído a 18 de outubro de 1517, quando o altar-mor foi sagrado por D. Duarte, bispo de Dume, por delegação do bispo do Funchal, D. Diogo Pinheiro, em nome da “Beatíssima Virgem Maria e das Onze Mil Virgens” (APEF, Documentação de sagração...). O projeto da nova igreja deve ter vindo de Lisboa ou de Tomar, sede da Ordem de Cristo, nos meados da déc. de 80, quando o duque D. Manuel começou a cativar as verbas para a futura construção ou, mais provavelmente, por volta de 1492, quando enviou para o Funchal um escrivão para a obra, Marcos Lopes, depois elevado a escudeiro da casa real e mamposteiro-mor dos cativos e que se fez enterrar na sé. Por essa altura, sensivelmente, deve ter ido também para o Funchal um mestre-de-obras, João Gonçalves, embora só tenhamos conhecimento da sua existência em 6 de junho de 1503, quando se deslocou a Lisboa, “por causa da mãe”, provavelmente doente e foi apresentar ao rei D. Manuel o estado da construção da então “igreja nova” (ANTT, Corpo Cronológico, Fragmentos, doc. 7). O mestre João Gonçalves era pago através do capitão do Funchal, superintendente das alfândegas, mas não voltamos a ter informações a seu respeito, pelo que não deve ter voltado à Madeira. A igreja, no entanto, estava sumariamente levantada por volta de 1508, como antes afirmámos, ano em que foi sagrada por D. João Lobo, bispo de Tânger e quando o rei mandou colocar à venda as capelas colaterais, tal como referimos, para com o dinheiro continuar as obras, tudo assuntos que acabaram por ficar ao cuidado do vigário frei Nuno Cão (c. 1460-1530), correndo os pagamentos pela fazenda régia, com uma interferência mínima por parte do capitão do Funchal. Entre 1514 e 1517 voltamos a ter informações da direção geral das obras, encontrando-se as mesmas entregues a Pêro Anes, “mestre das obras de Sua Alteza” e “mestre da carpintaria” da sé e da Alfândega (ANTT, Núcleo Antigo, doc. 764). Temos, assim, nesses anos, uma profunda alteração da situação, com um mestre das obras reais de carpintaria à frente destas empreitadas, como era habitual no continente, passando os mestres pedreiros a seus subordinados. A superintendência de Pêro Anes sobre as obras da sé parece confirmada na assinatura de mestre: um compasso de pontas que aparece nas paredes da antiga capela do Amparo e na porta da antiga sacristia, sob a torre da sé, em tudo semelhante às que constam na documentação dos arquivos camarários do Funchal onde assinou pareceres. Para além de inúmeros carpinteiros, do mestre das obras reais Pêro Anes terá dependido Gil Enes, que mais tarde se fez enterrar na Serra de Água como “mestre pedreiro da sé” (NORONHA, 1996, 135-136). Ao contrário, o mestre das obras reais Pêro Anes seria enterrado na sé, entre 1536 e 1538, data provável do seu falecimento e, muito mais tarde, em 1579, a sua viúva, Isabel Gonçalves, ainda era referida como “mestra da sé” (ARM, Registos Paroquiais, Sé, Óbidos, liv. 5, fls. 83v. e 100), sinal da fama de longa duração que o marido, mestre Pêro Anes, gozara. A Sé do Funchal é uma igreja de três naves com transepto somente definido em planta, com ampla nave central e largo transepto, o mais largo das catedrais portuguesas. De tudo isto resulta uma edificação clara e luminosa, destacando-se também a inteligência e singularidade da aplicação dos materiais locais que caracterizam o modelo corrente português de arquitetura chã, uma arquitetura despojada, repetida e apurada na infinita variação local de igrejas mais ou menos comuns, mas algumas depois instituídas em sés. Teto da capela-mor. Foto BF O aumento da dimensão da nave central e do transepto apontam já o decidido propósito ducal ou real de a tornar, futuramente, sede do bispado dos Descobrimentos. A cobertura das naves e do transepto por um magnífico conjunto de tetos mudéjares (Tetos de alfarge), o mais monumental que chegou aos nossos dias em Portugal, tal como a montagem, na capela-mor, de um aparatoso retábulo e de um cadeiral, evidenciam, decididamente, o intento manuelino de levantar uma igreja primaz das Índias Orientais e Ocidentais. O conjunto da Sé do Funchal assenta numa plataforma nivelada, constituída por um adro gradeado, razoavelmente amplo, com a fachada principal virada a poente, aspeto obrigatório até ao Concílio de Trento, localização onde se veio a colocar a estátua do papa João Paulo II, que aí esteve em 12 de maio de 1991. O pano central é totalmente em cantaria vermelha aparente do cabo Girão, ligeiramente relevado em relação aos laterais, com um pequeno portal de seis arquivoltas, envolvido por arco relevado, rematado superiormente pelo que parece ser uma copa ou uma custódia, encimada pelas armas de D. Manuel com coroa aberta. Superiormente, apresenta uma pequena rosácea com grilhagem radiante centrada numa pequena cruz de Cristo, sendo rematada por cimalha de cantaria e, igualmente, pela cruz de Cristo. Os panos laterais são cegos, caiados e estão rematados, lateralmente, por fortes cunhais de cantaria aparente. As fachadas laterais das naves apresentam quatro janelas em forma de fresta, que se repetem no clerestório, ou seja, na parte superior da nave central, aí com colunelos decorados, de que restam vestígios, e existe um largo janelão quadrangular a iluminar o batistério, a norte, provavelmente, algo posterior. Todas as janelas são da construção inicial, embora as paredes tenham sido reforçadas nas obras de 1790 para a reposição dos altares das confrarias, nessa altura, foram feitos os portais neoclássicos, atribuíveis ao pintor e arquiteto de origem canária António Vila Vicêncio (c. 1730-1796), então mestre das obras reais. O adro serviu também de cemitério, talvez nos meados do séc. XVIII, quando se limitou ao máximo os enterramentos no interior dos templos, aparecendo quase sempre restos de ossadas quando se processam obras nessas áreas. No lajeamento, foram utilizadas algumas pedras tumulares provenientes do interior da sé, mas a maioria das inscrições terão sido bujardadas. Escapou um pequeno fragmento na área norte, com escrita gótica, mas quase impossível de ler, provavelmente, é das mais antigas lápides da sé. Para os degraus da porta sul também foram utilizadas lápides sepulcrais antigas, uma das quais muito curiosa, porque dupla. A inscrição refere ser da sepultura de Manuel Vieira Jardim, mulher e herdeiros, e de Pedro Vaz, mercador e, igualmente, mulher e herdeiros, tudo famílias de cristãos-novos dos meados do séc. XVI. A sua colocação fora do edifício da sé e como degrau da porta parece indiciar que, mesmo nos finais do séc. XVIII, o estigma de cristão-novo se mantinha. O transepto tem um grande impacto visual e apresenta janelões, já de alguma dimensão, nas paredes laterais, tendo o virado a poente, do braço norte, capitéis com esferas armilares; os do braço oposto são mais simples e, um deles, foi aberto em campanha de obras bastante posterior. As fachadas sul e norte têm pequenas rosáceas, semelhantes à da fachada poente. O janelão poente do braço norte do transepto ainda apresenta, interiormente, moldura polilobada de tradição tardo-gótica que deverá ter tido correspondência no braço sul, mas que sucessivas obras de reabilitação terão feito desaparecer. A cabeceira apresenta-se toda em cantaria aparente e é composta por abside de topo facetado, com quatro contrafortes repostos nas campanhas de obras dos meados do séc. XX, altura em que foram também repostas as frestas de arcos apontados, então dotadas de vitrais de Joaquim Rebocho (1912-?), datados de 1959. O absidíolo da atual capela do Santíssimo é igualmente reforçado por contrafortes escalonados, rematado por uma grelha decorada com cruzes de Cristo e encimada por grandes pináculos torsos, sendo o remate da inicial capela de Santiago, a norte, uma reposição conjetural, efetuada na campanha de 1950. A direção das obras gerais de levantamento das paredes da sé e da torre parecem ter sido da responsabilidade do mestre João Gonçalves, entre 1492 e 1503, ano em que se deslocou a Lisboa, como referimos, e parece não ter voltado à Ilha. No entanto, nos anos seguintes, a direção foi assumida por Pêro Anes que, além das obras da sé, se encarregou, a partir de 1514, das da alfândega (Alfândega nova). Destes factos, resultam duas leituras totalmente diferentes da sé: exteriormente, vemos um edifício fechado e marcadamente de uma ordem militar, em especial, na desmesurada torre sineira medieval, coroada com ameias e merlões piramidais, e interiormente, um elegante e luminoso conjunto, sobretudo na articulação das altas colunas de suporte dos magníficos tetos de alfarge. Torre da Sé. Foto BF. A torre, elevando-se a cerca de 55 m de altura, possui quatro pisos com cobertura de abóbadas nervadas e janelas para nascente, sendo o último ocupado pelos sinos, com sete janelas sineiras. O pequeno terraço superior sobre o andar dos sinos encontra-se praticamente rematado ao gosto dos castelos medievais templários, indiciando uma campanha de obras de um mestre diferente daquele que executou o coruchéu quadrangular piramidal, assente sobre oito arcos góticos com capitéis decorados com motivos vegetalistas e revestido de azulejos sevilhanos, por certo, obra da campanha seguinte, de Pêro Anes. O acesso exterior é hoje feito por uma pequena porta de arco apontado, acedida por um lanço de escadas adossadas, reconhecendo-se as estreitas escadas de caracol interiores de acesso aos vários pisos pela sequência das pequenas frestas de iluminação. Esta torre marcou ainda toda a história urbana da cidade pelo seu impacto visual, e a regional, dado ter servido de prisão a inúmeros eclesiásticos nas complicadas questões que opuseram os prelados ao clero local. Na junção superior com o braço do transepto, que corre à mesma face, resiste uma gárgula, em forma de canhão de corpo helicoidal, porventura a única gárgula que resta das campanhas iniciais do edifício. O coruchéu de remate da torre, revestido a azulejos das oficinas de Sevilha, foi mandado levantar em agosto de 1514 pelo rei D. Manuel. O remate superior, no entanto, é uma reposição de outubro de 1601, dado o original ter sido derrubado por um temporal, ocorrido a 28 de dezembro de 1591, tendo a grimpa, na queda, provocado importantes estragos na cobertura da abside. A reposição utilizou já azulejos de produção nacional e a nova grimpa não reaproveitou os pesados materiais da anterior, com quase 100 kg, em ferro e cobre, entretanto vendidos, mas repetiu em linhas gerais, por certo, a sua forma inicial, rematada por esfera armilar e catavento. O acesso principal da sé é feito por um para-vento montado na campanha de obras de 1790 a 1794, altura em que foi construído o coro sobre a entrada. As pesadas portadas da entrada principal da sé não são já as de origem, pois foram remontadas em 1652, pelo carpinteiro Manuel Afonso, com cedro vindo da Ponta do Sol, tendo-se utilizado também antigas madeiras, que pertenciam à fábrica da igreja e que repetem, em desenho inciso, as decorações do teto mudéjar. Face ao desenho de raiz islâmica, podemos afirmar que se trata de um trabalho contemporâneo dos magníficos tetos que cobrem quase toda a igreja, pois, poucos anos mais tarde, com a entrada da Inquisição em Portugal e as diretivas do Concílio de Trento, não era possível executar um trabalho do género. A dificuldade de o observar, dado o contraste da luz interior com a exterior terá possibilitado que chegasse aos nossos dias. A entrada dá acesso ao batistério, a norte, dotado de interessantes arcos de cantaria e abóbada de nervuras manuelina, tendo, no interior, a pia batismal, em calcário-brecha da serra da Arrábida. A Coroa manuelina estabeleceu um quase monopólio sobre as correspondentes pedreiras, pelo que os vários elementos neste tipo de calcário que existem na sé devem ter vindo das oficinas reais da área de Setúbal. Embutido na parede, existe um pequeno armário; nas paredes superiores do batistério, encontram-se pintadas as armas reais e uma esfera armilar; em princípio, tudo contemporâneo das primeiras décadas de vida da sé. No lado sul, encontra-se um compartimento semelhante em dimensões, igualmente com um interessante arco manuelino, rematado superiormente por esfera armilar, que dá acesso às escadas para o coro. O arco parece ser, decididamente, manuelino, embora conste nos cadernos das obras de 1790 como tendo sido levantado apenas então. Deve, assim, ter sido remontado de uma estrutura anterior, pois apresenta todas as características estilísticas e materiais dos inícios do séc. XVI. Na campanha de obras de abril de 1755, para esta área e para a das portas laterais, já no interior, quando a sé foi quase toda assoalhada, a maioria das lápides sepulcrais que existiam dispersas pela igreja foi transferida, referindo-se que se deveriam aproveitar as que se encontravam em melhor estado. Para a entrada foi transferida uma lápide das esculpidas em pedra azul-escura, muito semelhante às chamadas “pedras azuis” de Hainaut, na Bélgica, rematadas por inscrições laterais, que, aqui, infelizmente, se perderam; ainda assim, o grupo de lápides da sé, remontado nas juntas das portas laterais, é o maior que se regista em Portugal (Lápides sepulcrais). O interior da Sé do Funchal é definido por um conjunto de dupla e elegante arcaria de finas colunas góticas decoradas com capitéis esculpidos, delimitando uma alta nave central iluminada por frestas, sendo os tetos elaborados em madeira de cedro insular (juniperus oxycedrus). O conjunto destas complexas armações de carpintaria de alfarge, que referimos atrás, chamados “tetos mudéjares” ou “de alfarge”, é, como notámos antes, o maior existente em território nacional. Esta ampla campanha de obras deve ter ocorrido sob a direção de Pêro Anes, “mestre das obras de Sua Alteza”, tal como indicámos, que, por volta de 1514 e já na direção das obras da Alfândega, estava à frente de uma larga equipa de carpinteiros, onde, a par dos seus três criados – Bartolomeu, Brás e Cosmo –, tinha sob as suas ordens mais de dezena e meia de carpinteiros, serradores, ajudantes e, inclusivamente, escravos. O conjunto da capela-mor da Sé do Funchal é uma “joia da coroa” da Região, dado ser o único conjunto manuelino de altar, retábulo e cadeiral que chegou aos nossos dias no seu local original. A estrutura geral da capela estava pronta em 1508, data da bênção do templo e em que foram colocadas à venda as capelas colaterais, tal como expusemos antes. A capela abre com um arco triunfal polilobado, sendo coberta por uma abóbada de nervuras de três tramos, com as armas de D. Manuel na última chave, cruz de Cristo e esfera armilar nas outras chaves, e os capitéis de arranque dos arcos das abóbadas com decoração zoomórfica e antropomórfica bastante cuidada. Todo o conjunto se apresenta profusamente pintado e dourado, o que será especialmente fruto da campanha de obras dos meados do séc. XVIII, da oficina de António Vila Vicêncio, que parece ter-se deslocado das Canárias para efetuar este trabalho, acabando por se radicar no Funchal.   Este complexo foi sofrendo reabilitações ao longo dos séculos, adaptando-se, inclusivamente, às alterações litúrgicas, mas manteve, no essencial, a articulação geral dos inícios do séc. XVI e, muito especialmente, o mencionado conjunto do primitivo altar manuelino, recuperado nos finais do séc. XX, dado nos finais do XVI, em princípio, ter sido incluído no altar tridentino, tal como o retábulo e o cadeiral manuelinos. Deve datar dos finais do séc. XVI ou dos meados do XVII a construção de uma cripta sob o altar, onde passaram a ser sepultados os prelados que foram falecendo na diocese, embora tivessem sido muito poucos e somente um se encontre identificado no exterior da sepultura: D. Fr. António Teles da Silva, 11.º bispo do Funchal, falecido em 1682. Deve datar de 1512, de quando o serviço religioso do Funchal foi transferido para a nova igreja, a assunção, pela corte de D. Manuel, das responsabilidades da elevação da nova igreja principal a sé, assunto que fora equacionado havia mais de uma dezena de anos, tal como expusemos atrás, e que ficou patente, também nessa data, na cativação de dinheiro para o futuro retábulo. Nestes anos, o retábulo português conheceu uma especial evolução iconográfica, tornando-se num políptico rígido, enquanto na Flandres e mesmo em Castela se mantiveram os painéis articuláveis, adaptando-se à planta do topo das absides. Cadeiral da Sé. Foto: BF                Retábulo-mor. Foto BF O retábulo do Funchal é constituído por cinco corpos, dispostos em três andares e rematado superiormente por um sobrecéu com francas afinidades com o do cadeiral, tendo ao centro as armas de D. Manuel, ladeadas por duas esferas armilares. O corpo central do políptico terá sido ocupado, inicialmente, por três conjuntos escultóricos, dos quais resta, in loco, somente o sacrário, no corpo inferior. O corpo intermédio está ocupado, neste início de milénio, por uma monumental imagem da N.ª Sr.ª da Assunção ou da Conceição, de uma oficina continental do séc. XVIII e o registo superior foi, entretanto, preenchido com um crucifixo, em memória do Calvário desaparecido. O conjunto das 12 pinturas a óleo ao gosto flamengo encontra-se dividido de acordo com as orientações iconográficas religiosas então seguidas: o primeiro registo, com cenas do Antigo Testamento e da Paixão de Cristo; o registo médio, com temática mariana, evocação do orago da Sé do Funchal e de todas as congéneres portuguesas; o registo superior, as representações finais da Paixão, com a Descida da Cruz e a Ressurreição. A oficina régia encarregada desta empreitada continua por esclarecer, sendo a opinião mais corrente, já na passagem para o séc. XXI, a de que houve uma parceria alargada na execução dos vários painéis, mantendo-se a atribuição de ao incógnito Mestre da Lourinhã. Para além dessa oficina, devem ter trabalhado outras duas, não sendo de excluir a hipótese de uma delas ser a de Francisco Henriques (c. 1460-1518), ou alguns elementos que estavam ligados à mesma, tendo sido ela que, por volta de 1500, terá trabalhado na matriz da Ribeira Brava. As pinturas foram executadas no continente, segundo um programa iconográfico certamente proposto pelo grão prior da Ordem de Cristo, em Tomar, o futuro bispo do Funchal, D. Diogo Pinheiro (1437-1525), que cuidava no despacho régio, e aprovado pelo rei D. Manuel. A equipa que se deslocou ao Funchal para a sua montagem na máquina retabular terá sido a mesma que executou o cadeiral, dadas as afinidades do trabalho geral de talha; mas comportaria vários entalhadores, como está patente nos pormenores esculpidos, podendo, um ou outro dos oficiais de talha do retábulo não terem trabalhado no cadeiral e vice-versa. O coro de uma grande igreja era essencialmente definido, ao longo da Idade Média, pelo cadeiral onde os vários clérigos rezavam e celebravam os ofícios em conjunto e era praticamente sempre nos presbitérios ou capelas-mores. Tratava-se de um espaço fechado à igreja e onde decorriam, inclusivamente, as reuniões mais importantes do cabido, tendo o rei D. Manuel, em 1517, proibido os leigos de entrarem na capela e coro da Sé do Funchal. A parede do cadeiral que fechava a capela-mor apresentaria duas portas laterais, pois o centro deveria ser ocupado pela cátedra episcopal. O cadeiral do Funchal foi alterado em 1587 e em 1588, talvez na sequência dos desmandos ocorridos durante o saque corsário de 1566 e, muito especialmente, como consequência da implantação das diretivas de Trento, na vigência do bispo D. Luís de Figueiredo de Lemos (1544-1608), altura em que foram retiradas “umas cadeiras do coro, que não serviam” (FERREIRA, 1963, 249). Tudo leva a crer que o trabalho da montagem do retábulo e da execução do cadeiral da “igreja nova”, a, em breve, Sé do Funchal, tivesse sido executado pela equipa do mestre Machim Fernandes, dadas as semelhanças existentes com o cadeiral da colegiada de Santa Cruz de Coimbra, onde o mesmo trabalhara entre 1512 e 1513 (Cadeirais). Este mestre, de provável origem alemã e talvez de nome Maximiliano, fora contratado em Toledo, juntamente com o “carpinteiro de Tomar” João de Tojal (Sé do Funchal, 2003, 65-67), e estava naquela cidade em fevereiro de 1513, tendo acabado, ambos, as cadeiras dos cónegos da igreja de S. João Batista, em novembro do mesmo ano. Em fevereiro seguinte, os seus trabalhos foram vistos pelo próprio rei D. Manuel, tendo então sido, provavelmente, contratados para seguirem para o Funchal. O largo transepto da sé é definido somente em planta, como já afirmámos, pois é constituído pelo prolongamento da nave central e, lateralmente, por duas capelas independentes, cobertas por elaborados tetos de alfarge. A cabeceira interior da sé, onde se inscrevem os arcos triunfais da capela-mor e das colaterais, apresenta um pano frontal muito amplo, largamente iluminado pelas grandes janelas do transepto e por um pequeno óculo sobre o arco triunfal da capela-mor. Especialmente na capela do Senhor Jesus, os dois janelões permitem uma visão quase luminosa do teto mudéjar, o que não acontece nos restantes espaços da sé, sendo as capelas colaterais dedicadas ao Santíssimo e a N.ª Sr.ª de Lourdes, mas tiverem inicialmente outras evocações. Na capela que depois foi do Santíssimo começou a funcionar, entre 1508 e 1512, a capela de Pedro Gonçalves de Barros e de sua mulher Branca Fernandes, que haviam adquirido esse espaço, cuja evocação inicial se desconhece. Sabe-se apenas que, nos meados do séc. XVI, estava consagrada ao Santíssimo Sacramento, pois o Santíssimo encontrava-se no sacrário do retábulo da capela-mor. Como para esta capela teria sido encomendado, em Antuérpia, um retábulo do Calvário, atribuído a Pieter Coeck van Aelst (1502-1556), é possível que a mesma tenha tido essa evocação, sendo, em 1566, designada do Sacramento e, em princípio, só após o Concílio de Trento, do Santíssimo Sacramento, já sendo assim referida em 1572. A capela passou depois para Manuel de Barros, casado com Maria de Lemos, que terão encomendado um novo retábulo, pintado a óleo, muito possivelmente um tríptico, mas do qual só resta a tábua central, hoje no Museu de Arte Sacra do Funchal (MASF). A manutenção do altar passou depois à filha, Branca de Barros, falecida em outubro de 1621, casada com Francisco Bettencourt de Atouguia e daí aos Barros Atouguia, como registou Henriques de Noronha, família essa que deveria incluir Gonçalo de Barros, falecido a 3 de janeiro de 1613, como consta na sua pedra tumular, que se encontra na entrada da sé. A confraria do Santíssimo da sé não deve datar de muito antes do episcopado de D. Jerónimo Barreto (1543-1589), iniciado em 1573 e prolongado até 1585, quando se registaram, nas Constituições de 1585, as regras gerais por que se deveriam reger as confrarias, de acordo com as diretivas iniciais do Concílio de Trento (Confrarias). Com este prelado deve ter passado a capela do Santíssimo, pois quando chegou ao Funchal o bispo D. Luís de Figueiredo de Lemos, foi assim referida, na visita que o mesmo lhe fez, na sua entrada solene. Durante este novo episcopado são várias as indicações da existência da confraria, mas a instituição da mesma, com a aprovação dos respetivos estatutos, data do episcopado de D. Jerónimo Fernando (c. 1590-1650), concretamente, de 1638, embora também só o saibamos por documentação posterior. Na transição do séc. XVI para o XVII, a confraria do Santíssimo corporizou especialmente os ideais reformistas de Trento, integrando “os homens principais da terra”, que pertenciam também a outras confrarias, “para melhor serviço de Deus e bem das almas” (ARM, Câmara Municipal..., Registo Geral, tombo 7, fls. 86v.-87). Nos meados do séc. XVII, esta confraria ganhou ascendente sobre as restantes, chegando a pedir para os elementos da sua mesa serem dispensados do serviço de vigias e alardos (Vigias). No quadro das ações gerais de afirmação social da confraria do Santíssimo da sé, em 1648, quando presidia o reitor Jorge de Andrade Correia e era tesoureiro Francisco Gonçalves Figueira, a mesa da confraria encomendou à oficina de Manuel Pereira (c. 1605-1679) a mais monumental obra de talha do seu tempo: o conjunto escultórico do camarim da sé. Os trabalhos decorreram entre 1648 e 1654, envolvendo uma vasta equipa, marcando, a partir de então, com a sua montagem e até aos meados do séc. XIX, as festas da Semana Santa no Funchal. A montagem e remontagem sucessiva dos vários andares dessa estrutura, ao longo dos anos, danificou irremediavelmente o conjunto escultórico do camarim, que chegou aos finais do séc. XVIII em muito mau estado. Foram então encetadas várias tentativas de reformulação, o que veio a ocorrer, sob a direção do mestre Estevão Teixeira de Nóbrega (1746-1833), em 1801. No entanto, nos meados do século, estava de novo impraticável de montar, acabando por serem recolhidas, no MASF, as suas peças principais. Com a exposição do trabalho do camarim, as confrarias do Amparo e do Santíssimo devem ter-se abalançado, por pressão do cabido da sé, certamente, a mandar executar os remates de coroamento dos arcos de acesso às respetivas capelas, entre 1660 e 1670. São dois monumentais trabalhos de talha dourada, com os pendentes com dois anjos apresentando coroas de louro e, por cima, um entablamento maneirista, de inspiração arquitetónica, rematado por um frontão triangular e a enquadrar duas grandes telas de dois metros de largura, provavelmente, de uma oficina local. A rigidez dos anjos, no entanto, aponta mais para um dos mestres que trabalhou na oficina de Manuel Pereira do que para o mestre em questão, embora a obra repita o mesmo esquema maneirista geral usado pela oficina. Por estes anos, também, a confraria do Santíssimo ampliou o conjunto de alfaias de prata do seu serviço, encontrando-se algumas documentadas. A maior parte delas foi reformulada depois, dando origem a outras, dentro do costume de fundir as peças mais antigas e já com defeitos, para, com a sua prata, mandar executar alfaias novas (Ourivesaria e prataria). Em 1661, por exemplo, foram realizados vários trabalhos deste teor pelos ourives Simão Lopes, Manuel Fernandes Chita, Sebastião de Afonseca e António de Araújo. A entrega deste tipo de trabalho a vários prateiros adveio do acidente ocorrido em 1658, quando a confraria confiou ao prateiro José Dias Araújo a prata de “dois anos de esmolas que deram os irmãos da mesa” para fazer um sacrário e o mesmo fugiu com a mesma para o Brasil (Sacrários) (FERREIRA, 1963, 214). Sé do Funchal. Sacrário. Foto: BF Na segunda metade do séc. XVIII, a capela do Santíssimo foi reformada já ao gosto rococó, com um novo retábulo de talha onde figuram as três virtudes teologais: fé, esperança e caridade. O autor do risco destas peças foi o mestre das obras reais Domingos Rodrigues Martins (c. 1710-1781), que trabalhou sobre uma proposta do entalhador Julião Francisco Ferreira, pois parte dos mesmos trabalhos foi pago pela fazenda régia. Executaram os labores de escultura os entalhadores António José, António João, Manuel Francisco Gomes, o escultor Agostinho José Marques e o limpador João de Nóbrega, que preparou o trabalho para o dourador José António da Costa, também pintor, natural das Canárias e cunhado de António Vila Vicêncio. Os trabalhos decorreram entre janeiro de 1769 e fevereiro de 1772, custando à confraria a importante verba de mais de oito contos de réis. O conjunto apresenta uma certa harmonia, embora dentro do gosto pesado de começo do rococó, com as virtudes, nas paredes laterais, assentes em largas peanhas entalhadas, ladeadas por colunas salomónicas e encimadas por um baldaquino, do qual pende um dossel, também entalhado. O mesmo esquema foi repetido no retábulo, encimado por uma cimalha contracurvada com baldaquino e com uma grilhagem decorativa, entre o rococó e o neoclássico, no topo. O retábulo foi sobrelevado cerca de 20 anos depois, quando se deu a grande reforma dos altares das confrarias, dentro do gosto de transição do rococó para o neoclássico difundido pela oficina do mestre Estêvão Teixeira de Nóbrega, como é patente na própria estrutura retabular. Nessa altura, ter-se-á voltado a dourar e policromar a parte superior do retábulo, como atestam as assinaturas dos pintores Ambrósio Joaquim de Sousa e Jacinto Januário de Vasconcelos, em 1790. Nos inícios do séc. XIX, ainda para esta capela, foram adquiridos os grandes potes de porcelana chinesa da época Kangxi, datáveis de 1680 a 1720, aproximadamente, que tinham pertencido ao bispo D. Luís Rodrigues Villares (c. 1740-1810), falecido na quinta da Nazaré, em 1810 e que teriam vindo do espólio de um anterior prelado. O complexo da confraria do Santíssimo prolonga-se para as traseiras da sé, envolvendo um pequeno pátio interior e, nos sécs. XVIII e XIX, tinha mesmo instalações fora, pois foi necessário alugar um edifício, nomeadamente, para guardar a grande quantidade de peças que constituíam o camarim. As instalações da confraria possuem uma boa sala de reuniões, reformulada em 1732, data em que foi encomendado, em Lisboa, um bom conjunto de azulejos que chegou nesse ano, por intermédio do comerciante Caetano da Costa, registando-se os preços dos mesmos e dos transportes, mas não da oficina que os executou. Estes painéis apresentam cenas campestres e de caça inspiradas em gravuras da época, provavelmente francesas, como era hábito neste tipo de instalações, mesmo no âmbito de instituições religiosas. A capela colateral norte teve inicialmente a evocação de Santiago Maior e à mesma pertencia a tábua flamenga da oficina de Dieric Bouts, o velho (c. 1415-1475), depois transferida para a nova igreja de Santiago, levantada por voto da cidade, na sequência do surto de peste dos inícios do séc. XVI (Voto da cidade). A tábua flamenga em causa é, inclusivamente, anterior à construção da sé, datando o mais tardar de 1475, ano do falecimento de Bouts. Esta capela veio a ser comprada, em 1628, pela confraria de N.ª Sr.ª do Amparo. Tudo leva a crer que a confraria se havia instituído dois anos antes, em 1626, pois foi essa a data em que foi pintada no retábulo. A pintura em questão, um magnífico retábulo flamengo atribuível à oficina de Jan Gossart (c. 1478-1532), dito o Mabuse, dado ser natural de Maubeuge, em França, contém a inscrição “Ano de 1543”, conforme revelou o restauro efetuado nos meados do séc. XX. Trata-se de uma data posterior, em 11 anos, ao falecimento do mestre, mas a obra mantém muitas das características da pintura do mesmo. Assim, será uma obra que ficou inacabada e foi retomada, nos anos seguintes, por elementos da sua oficina. A capela do Amparo é a única que apresenta revestimento cerâmico de azulejos na Sé do Funchal, pois estes existem apenas na torre, em estilo mudéjar, datando de século e meio antes e no anexo da confraria do Santíssimo, montados no século seguinte (Azulejaria). Assim, as paredes laterais da capela do Amparo encontram-se cobertas com painéis de azulejos pseudoenxaquetados azuis e brancos do séc. XVII, tal como as paredes das escadas, mas de um século depois. São painéis de muito boa qualidade, atribuídos à oficina de Bartolomeu Antunes (1668-1753) e datáveis de cerca de 1732, quando a capela foi alterada para se construir a ligação à nova sacristia. Nos finais do séc. XIX, em data que não conseguimos apurar, a evocação da capela passou a ser de N.ª Sr.ª de Lurdes, devendo estar na origem desta alteração o 25.º bispo do Funchal, D. Aires de Ornelas e Vasconcelos (1837-1880), cuja família possuía ligações e contactos em França. Para a capela foi uma imagem realizada por Raphael Verrebout, um célebre escultor à época, ativo entre 1857 e 1880, fundador da Raffl, Delin Frères, em Paris, casa de artigos religiosos que exportou, nesse final de século, milhares de imagens para todo o mundo. Esta capela dá acesso àquela que se veio a designar como sacristia velha, sob a torre, e que perdeu parcialmente as suas funções com a construção da nova, em 1732. É composta por uma abóbada de nervuras e apresenta ainda o antigo lavabo, cuja posição indica que terá sofrido alterações ao longo dos tempos. Para este local foi transferido, nos inícios da República, o retábulo da antiga capela de N.ª Sr.ª do Monte dos Varadouros (Portão dos Varadouros), capela então demolida e que provocou a primeira crise no seio do partido republicano madeirense (República). Trata-se de um retábulo dos primeiros anos do séc. XIX, dentro da linha geral dos existentes nas naves laterais e proveniente de uma das oficinas locais de filiação neoclássica, ficando, logicamente, muito longe da riqueza dos trabalhos montados nas naves ainda nos finais do séc. XVIII. No braço sul do transepto, foi inicialmente levantada a capela de S.ta Ana, da qual restam apenas as pinturas do retábulo. Tudo leva a crer que estas tenham chegado por interferência de António Rodrigues Mondragão, enviado a Lisboa, pela Câmara do Funchal, à aclamação de Filipe II de Castela, primeiro de Portugal. Trata-se de um conjunto de pinturas da oficina de Michel de Coxcie (1499-1592), pintor da especial estima daquele rei, encontrando-se uma assinada, com a indicação “pictor Regi” e a data de 1581. Poucos anos depois, a capela passou a ter a evocação de Senhor Jesus, sendo referida assim em 1585. No século seguinte, o altar foi novamente todo reformulado, mas manteve os painéis de Coxcie no novo e espetacular retábulo. Não possuímos referências documentais sobre a execução da primeira fase deste retábulo, datado de 1677, embora, face às características formais, deva ser atribuído à oficina de Manuel Pereira, figura dominante no panorama da talha dos meados desse século na Madeira. A avançada idade do mestre à data, indica-nos que terá sido assessorado pelo sobrinho Manuel Pereira de Almeida (c. 1648-c. 1706), que o terá concluído, entre 1683 e 1684, registando a documentação que se tratou de um “acrescentamento” (ANTT, Cabido..., liv. 21, fls. 1 e 6v.-7). No entanto, só 10 anos depois se procedeu ao douramento, provavelmente, por se ter aguardado a chegada, de Lisboa, das três grandes telas pintadas a óleo que preenchem o andar superior e que chegaram apenas em 1691, por ventura, vindas da oficina de um dos colaboradores de Bento Coelho da Silveira (c. 1620-1708), oficina que, aliás, trabalhou para a Madeira (Igreja e recolhimento do Carmo), Essas três telas repetem parte do forte colorido daquele mestre, mas as figuras nelas representadas revelam alguns defeitos anatómicos. Nesta capela, foram montadas as imagens do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado Coração de Maria, devoções excecionalmente divulgadas nos primeiros anos do séc. XX. A imagem de Jesus é um modelo do já referido escultor Raphael Verrebout, das oficinas Raffl, Delin Frères, de Paris, dos finais do séc. XIX ou inícios do XX, quando esta casa já havia mudado de proprietário: a do Imaculado é da oficina de Porto de Pereira d’Abreu, Filhos, decididamente, já dos inícios do séc. XX. Anexa a esta capela e à do Santíssimo, existe ainda a capela de N.ª Sr.ª dos Anjos, que teve aprovação eclesiástica em 1689 e foi instituída pelo comerciante Manuel Gonçalves de Freitas, homem de confiança do cabido da sé. Esta capela, que veio a fazer parte da sacristia da do Santíssimo, à época e como refere a petição do instituidor, pertencia à sacristia da capela do Senhor Jesus. O retábulo de N.ª Sr.ª dos Anjos apresenta uma boa pintura, datada de 1688, de uma oficina de Lisboa, tendo um enquadramento simples, mas bem entalhado, que deve ter sido também executado por Manuel Pereira de Almeida ou por algum dos seus colaboradores. No braço norte do transepto foi instituída a capela de S.to António pelo navegador Álvaro de Ornelas e sua mulher Branca Fernandes de Abreu. Álvaro de Ornelas faleceu em 1526 e foi ali sepultado, assinalando-o uma magnífica laje em calcário-brecha da serra da Arrábida que indicia muito bons contatos com as cortes de D. Manuel e D. João III. O instituidor, em testamento de 1517, menciona que a capela se encontra levantada e possui capelão privativo. Portanto, por essa data, haveria um altar, dotado, pelos finais do mesmo século, de pinturas óleo, pois ainda ostenta quatro tábuas muito semelhantes às de Michel de Coxcie que estão no altar fronteiro, sendo, assim, de data próxima a 1581. Com a reformulação do monumental retábulo do Senhor Jesus, a confraria de S.to António iniciou rapidamente os pedidos para reformular também o seu. A solicitação foi feita pelos mordomos da confraria ao rei, a 6 de fevereiro de 1697, alegando que o mesmo estava muito velho e citando, inclusivamente, a recente reforma do altar em frente. Logo na tarde de 20 de fevereiro desse ano de 1697, ainda antes de chegar a resposta de Lisboa, remetida apenas em 1700, a confraria procedeu à montagem de uma grade para suporte do futuro altar. Portanto, já tinha sido desmanchado o anterior e, muito provavelmente, os trabalhos de entalhamento do novo já tinham sido iniciados. No alto da grade estava, então, o pedreiro Teodósio Pestana, que se desequilibrou e caiu, salvando-se por ter conseguido agarrar-se à corta do lampadário que, com os seus 35 kg de prata, lhe amparou a queda. O sucedido foi logo considerado milagroso, embora só tenha vindo a ser registado alguns anos depois, em 1702, por ordem do bispo D. José de Sousa Castelo Branco (1654-1740), o que proporcionou que chegasse aos nossos dias a constituição da equipa de entalhadores, carpinteiros e pedreiros. Nos autos, vieram a depor o mestre principal Manuel Pereira de Almeida, “mestre imaginário”, Agostinho de Almeida, oficial imaginário, João de França, oficial de carpinteiro, João Vieira, mestre pedreiro e Teodósio Pestana, o pedreiro que havia caído da grade (ANTT, Cabido..., mç. 4, doc. 20). O retábulo de S.to António repete quase formalmente o retábulo que se encontra em frente, com duas ordens arquitetónicas suportadas por dois pares de colunas, um remate com duplo frontão interrompido e óculo superior entalhado sobre a rosácea do transepto, e anjos idênticos, reclinados sobre as aletas, tudo em talha dourada. O trabalho de talha, no entanto, é muito mais relevado e profundo, especialmente nos entablamentos e nas colunas, já salomónicas e avançadas sobre mísulas, sendo o centro ocupado por um nicho fundo, rematado por par de colunas, que se prolongam em arcos concêntricos de volta perfeita, dentro do chamado barroco nacional ou barroco português, com a imagem monumental do orago, que deve ser de data muito aproximada à da reformulação do retábulo, 1697 a 1699, embora já existisse quando ocorreu a queda do pedreiro Teodósio Pestana e à mesma se atribuiu o milagre. Os meados do séc. XVIII corresponderam, um pouco por toda a Europa, ao recrudescimento da regulação e centralização do poder régio que, de certa forma, tentou ocupar um espaço, até então e em parte, ocupado pela Igreja. Num breve período de uma a duas décadas, a igreja madeirense deu a sua resposta, com a realização de uma reforma da própria imagem, montando uma ampla campanha de obras na sé, determinada pelo bispo D. José da Costa Torres (1741-1813), a partir de 1790, sob coordenação do cónego fabriqueiro João Paulo Berenguer, falecido em 1797, ao qual se seguiu o Cón. João Leandro Afonso e, depois, o Cón. Miguel Caetano Moniz e direção, por certo, do mestre das obras reais natural das Canárias, o já referido António Vila Vicêncio. [ Sé do Funchal. Vista Interior a partir do coro. Foto: BF A campanha envolveu a montagem do coro sobre a entrada, nessa altura, na fachada, foram abertos dois amplos janelões neogóticos e montado um pequeno varandim, e envolveu também a reformulação de parte das paredes laterais, então dotadas de novas portas, com portais exteriores neoclássicos, embora interiormente se tivessem mantido as pias de água benta manuelinas. O reforço das paredes exteriores das naves laterais foi feito para a montagem, no interior, dos altares das confrarias, emoldurados por arcos neogóticos, levantando-se ligeiramente o piso ao longo das naves para o serviço dos altares e limitando-se esse espaço por balaustradas de madeira torneada. Até então, os altares das confrarias encontravam-se todos montados no transepto, numa situação difícil de compreender, no nosso tempo; inclusivamente, dois deles tapavam parcialmente a entrada da capela-mor. O primeiro passo para a reforma do interior da sé foi a provisão episcopal de 18 de abril de 1792, extinguindo as antigas confrarias dos mesteres, incorporando os seus bens e encargos no património da fábrica da sé, acusando-as o bispo D. José da Costa Torres de irregular ou nula administração. A provisão episcopal, a breve trecho, não foi cumprida, pelo menos em algumas confrarias, tendo o prelado, por este e outros motivos, especialmente pela perseguição a prováveis elementos de lojas maçónicas e já estando eleito bispo de Elvas, sido embarcado compulsivamente para o continente. O primeiro altar a ser levantado nas naves laterais foi o da confraria de S. José dos Carpinteiros e Pedreiros do Funchal, que, ao longo do séc. XVII, conseguira parte dos proventos das pedreiras de Câmara de Lobos e, na segunda metade do séc. XVIII, ganhara um protagonismo muito especial, sob a direção da célebre morgada D. Guiomar Madalena de Sá Vasconcelos Bettencourt Machado Vilhena (1705-1798), a grande proprietária da Madeira nos últimos quartéis dessa centúria (Vilhena, D. Guiomar Madalena de Sá). A confraria de S. José, através do seu tesoureiro, o carpinteiro Manuel José de Freitas, a 25 de setembro de 1797, contratou o pintor Filipe Caetano da Trindade e Silva para “pôr um altar completo e acabado de tudo que preciso seja para a mesma obra, segundo o risco que tem em seu poder”, dado “bem entendido que é de carpinteiro, e entalhador, e pintor” (ACSF, Livro de Eleições..., fls. 58-59). O altar era para estar concluído a 1 de março de 1798, dando o tesoureiro a madeira e o ouro necessários; o pagamento devia ser faseado por três prestações, remetendo-se a última para quando o altar estivesse assente. O altar seguinte foi levantado na nave em frente, sendo o contrato de 14 de novembro de 1797 celebrado entre o sargento-mor de milícias do regimento da Calheta, Agostinho Domingos de Gusmão, tesoureiro da confraria de S.ta Ana e S. Joaquim, o pintor Filipe Caetano da Trindade, o entalhador João da Câmara Sá e o carpinteiro José Rodrigues Gonçalves, para construírem o novo altar. O pintor Filipe Caetano ficou responsável por dirigir a obra, fornecer todas as “plantas e riscos” que fossem necessários ao carpinteiro e ao entalhador, ficando obrigado a dourar e pintar o altar no final do trabalho do entalhador, referindo-se o mesmo como idêntico ao “que se está fazendo para o altar de S. José da mesma catedral”, igualmente a cargo deste mesmo pintor e dourador (ARM, Registos Notariais, liv. 1072, fls. 13v.-15v.). Os altares das naves laterais da Sé do Funchal, mais tarde colocados no lado Evangelho, o primeiro dedicado às Almas, o segundo a N.ª Sr.ª da Conceição, S.ta Ana e S. Joaquim, e o terceiro ao Senhor do Milagre, imagem vinda do extinto convento de S. Francisco, apresentam, sensivelmente, um desenho geral similar. O mesmo acontece com os altares do lado da Epístola, onde se evoca N.ª Sr.ª de Fátima, mas que, anteriormente, terá sido de N.ª Sr.ª do Rosário, imagem de pequena dimensão, provavelmente, então transferida para o altar contíguo, de S. José; o mesmo se passou com o de S. Miguel Arcanjo. Para além de algumas variações cromáticas dos efeitos de marmoreados, os altares revelam apenas pequenas diferenças nos pormenores decorativos. No altar de S. José existe um excecional frontal de prata, que seria também da confraria de N.ª Sr.ª do Rosário. A confirmar-se essa hipótese, a peça terá sido mandada fazer pela confraria, em 1724, ao prateiro Faustino de Araújo Feio, estando pronta no início de 1725. No Funchal, terão existido quatro ou cinco frontais de prata, na igreja do colégio dos Jesuítas e na sé, mas terá subsistido apenas este. No entanto, todos os retábulos das naves laterais, tal como os das restantes capelas, ainda apresentam, no começo do séc. XXI, os seus lampadários de prata, sendo os expostos nestas naves dos meados e finais do séc. XVIII. O último altar do lado do Evangelho apresenta a célebre imagem do Senhor do Milagre (milagre feito perante Helena Gonçalves da Câmara, filha de Zarco, a 26 de dezembro de 1482), proveniente do extinto convento de S. Francisco, de onde veio com o seu diadema e o lampadário de prata, a 11 de março de 1835, por requisição do cabido da sé. Em frente ao retábulo do Senhor do Milagre e adossado à última coluna da nave, encontra-se o púlpito da sé, em calcário brecha da serra da Arrábida, como outras peças já referidas. Apresenta uma interessante caixa cilíndrica decorada com ligeiro relevado helicoidal, assente em coluna de fuste hexagonal, também com decoração helicoidal, sendo a base constituída por seis meias-moedas. Tudo leva a crer que é obra das oficinas régias de Setúbal, existindo, aliás, na igreja de Jesus, um púlpito idêntico, embora de menores dimensões, mas igualmente de grande qualidade formal. O acesso é feito por escada exterior, de cantaria regional, pintada a imitar o calcário-brecha da Arrábida e, na caixa das escadas, encontra-se uma carranca com uma cabeça de homem de cabelos compridos e barrete, tradicionalmente identificado como o mestre das obras reais Pêro Anes e, inferiormente, uma cabeça de Diabo. Os anexos principais da Sé do Funchal foram reformulados nos inícios do séc. XVIII, tendo sido reconstruídas as velhas instalações do cabido e, totalmente de raiz, a sacristia nova da sé. O autor da obra da sacristia nova e do edifício cabido da sé, provavelmente a mais importante da sua época, foi o mestre das obras reais Diogo Filipe Garcês, que servia este ofício desde 1727. O projeto primitivo data de 8 de novembro de 1732, envolvendo, entre outros, as obras de pedreiro da “casa dos lavatórios”; abrir a passagem da capela do Amparo e levantar o altar com balaustradas (ANTT, Provedoria..., liv. 971, fls. 5v.-6). Este projeto foi, depois, francamente ampliado, refazendo-se toda a antiga “casa do capelão” como “casa do cabido” (Id., Ibid., liv. 396, fls. 5v.-6 e 8), sendo assinado por Diogo Filipe Garcês e João António de França, respetivamente, como responsáveis pelas obras de pedreiro e de carpinteiro, tendo a autorização do conselho da Fazenda a data de 16 de março de 1733. A arrematação da obra, com data de 26 de setembro, foi feita por João António de França e João Moniz de Abreu, sucedendo este último a Diogo Filipe Garcês como mestre das obras reais da Madeira; o contrato da mesma data de 26 de outubro de 1734. O edifício do cabido ficou com dois pisos, um de arrecadações e serviços, não só para o cabido, mas também para as confrarias, com janelas gradeadas e, por cima, com uma larga fiada de sete janelas de sacada altas e com varandas de ferro forjado, definindo uma ampla e austera frontaria para as então casas da Câmara. Para o lado do mar, ainda apresenta outra janela de sacada idêntica, mas com uma varanda muito mais larga, que ocupa todo o corpo. As instalações do cabido eram e são no andar superior do edifício, piso constituído, essencialmente, por duas grandes salas, sendo a de reuniões para norte, coberta por um teto em caixotão e, mais tarde, dotada com a coleção de retratos dos bispos do Funchal. A sacristia da sé apresenta cobertura em caixotão, assente em trompas laterais concheadas, tudo, aparentemente, em estuque pintado. As paredes laterais são ocupadas por armários paramenteiros monumentais, com alçados decorados por réguas de talha vazada e remates entalhados com florões, obra da oficina dos entalhadores Manuel Pereira de Almeida e Julião Fernandes Ferreira, dos Açores, que foram pagos ao longo dos dois anos seguintes, ou seja, 1735 e 1736. A parede frontal está ocupada por um altar, dentro da mesma gramática decorativa, com a imagem de S. Gregório pintada a óleo sobre tela que assenta numa moldura que é o prolongamento do alçado dos armários paramenteiros e sendo enquadrado pelos armários de parede dos amitos, vestes utilizadas na liturgia. Para a sacristia veio a ser transferida, no séc. XVIII, a tábua central do retábulo de N.ª Sr.ª do Rosário, quando, nos finais da centúria, se desmancharam os altares das confrarias e os remontaram nas naves laterais. A sacristia era antecedida de uma outra sala, onde estavam os dois lavatórios, que já vinham discriminados no primeiro projeto da autoria do mestre pedreiro Diogo Filipe Garcês, então orçamentados em 50.000 réis cada. No entanto, parece-nos uma verba francamente baixa para a obra existente, ou que existiu, pois estes dois lavatórios foram “restaurados” nos anos 50 do séc. XX, tendo ficado somente um na sé e tendo o outro passado para a igreja matriz de S.ta Luzia. O trabalho que chegou até nós é de uma das boas oficinas de Lisboa da época e, por certo, foi muito mais caro do que a verba prevista. Resta acrescentar que, com a reforma dos meados do séc. XVIII, foram executadas uma série de pinturas, que terão contado com o trabalho em parceria de António Vila Vicêncio e o seu cunhado José António da Costa, devendo datar dessa época os frescos da casa dos lavabos. Com as obras da Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN), nos meados do séc. XX, esse compartimento foi demolido, acabando por se perder os frescos, de que só resta um vago apontamento da Expulsão do Paraíso. O conjunto edificado da sé foi alvo de uma importante campanha de obras na déc. de 50 do séc. XX, como já sugerimos. Nessa ocasião, foram eliminadas as enormes janelas neogóticas da fachada e o varandim; gradeou-se de novo o adro e eliminaram-se algumas das construção encostadas à torre, à sacristia nova e, inclusivamente, às absides. Nos finais do século, dentro da mesma linha, recuperou-se a pintura da abóbada da capela-mor, reabilitou-se o retábulo do Bom Jesus e limpou-se a talha da capela do Santíssimo. Entre 1997 e 2003, efetuou-se o estudo do estado de degradação e do tipo de alterações da pedra vulcânica utilizada na sé, numa parceria entre a Direção Regional dos Assuntos Culturais (DRAC), hoje Direção Regional da Cultura (DRC), e a antiga DGEMN, procedendo-se ainda à revisão das estruturas de amarração dos tetos; destes trabalhos resultou um dossiê, publicado na revista Monumentos daquela direção geral, em 2003. Sé do Funchal, 2007. Foto: Wikimedia Commons Nos primeiros anos do séc. XXI, numa ampla parceria entre a Diocese, o Governo Regional e a World Monuments Fund – Portugal, através de um protocolo assinado a 7 de agosto de 2011, iniciaram-se vários trabalhos, visando o restauro e a conservação da sé. Estes envolveram a intervenção no retábulo-mor e no cadeiral, realizada por técnicos do Laboratório de Conservação e Restauro José de Figueiredo e do Departamento de Conservação e Restauro do Instituto dos Museus e da Conservação, em colaboração com o Laboratório HERCULES, da Universidade de Évora. Os resultados foram apresentados em junho de 2014, já tendo sido perante este retábulo restaurado que, a 21 de setembro do mesmo ano, se celebrou a missa comemorativa do encerramento do congresso internacional dos 500 anos da diocese do Funchal, “A primeira diocese global – História, Cultura e Espiritualidade”, como lembra o subtítulo do encontro.   Rui Carita (atualizado a 30.12.2017)

Arquitetura Património História Política e Institucional Religiões

susan harriet vernon harcourt

Lady Susan Harriet Vernon Harcourt nasceu em 1824 e recebeu o nome de Susan Harriet Holroyd. Era filha do 2.º conde de Sheffield (1802-1876) e casou-se, em agosto de 1849, com Edward William Vernon Harcourt (1825-1891). No ano anterior ao do seu casamento, lady Susan acompanhou o noivo à Madeira com sua mãe, a condessa de Sheffield. Edward já tinha estado na Madeira de outubro de 1847 a abril de 1848., e esteve com a noiva de novembro de 1848 a maio de 1849. Volta à Ilha depois do casamento, de novembro de 1849 a maio de 1850 e de novembro de 1850 a abril de 1851. Na família Harcourt parece ter sido tradição, entre os que apresentavam debilidades físicas, a passagem do inverno na Madeira, onde esteve o pai de Edward, Rev. William Vernom Harcourt, e, no inverno de 1847 para 1848, seu irmão William George Granville Venables Vernon Harcourt (1827-1904), depois ministro do Interior de um dos governos da rainha Vitória e uma das figuras políticas determinantes do seu tempo; mais tarde, o filho deste também frequentaria a Madeira (Turismo terapêutico). O álbum de lady Susan Harcourt Sketch of Madeira, editado em Londres, em 1851, por Thomas McLean, espelha a educação das classes abastadas da sua época, a que não escapava a autora e o marido, que edita na mesma data e pelo mesmo editor A Sketch of Madeira, Containing Information for the Traveller, or Invalid Visitor, dedicado à sogra, condessa de Sheffield. Edward também se interessava por ornitologia e daria à estampa as suas observações sobre as aves da Madeira, igualmente editadas em Londres, em 1855. Trocava, inclusivamente, correspondência com Charles Darwin; da qual se extraíram as informações sobre as suas deslocações à Madeira. O conjunto de litografias de lady Susan reúne 22 vistas da Madeira, litografadas pela própria ou pelo menos com a sua colaboração. Destas litografias 3 são em grande formato, demonstrando muito boa qualidade de desenho, com um traço suave, delicado e feminino, abarcando os grandes planos gerais e esboçando somente os pequenos detalhes. Desconhece-se o destino dos originais, bem como de posteriores trabalhos da autora, que terá passado a dedicar-se inteiramente à educação dos dois filhos. Morre aos 64 anos, em abril de 1894. A documentação da família encontra-se hoje integrada na Bodleian Library da Universidade de Oxford, onde, em conformidade com o que foi dito não constam os desenhos originais nem referência a trabalhos posteriores, que talvez se mantenham na posse da família. O conjunto editado do casal Harcourt enquadra-se no “grand tour” de educação das sociedades europeias abastadas, que olhavam para a Madeira como um destino no leque de possibilidades do turismo terapêutico. Ao mesmo tempo, este conjunto retrata uma nova posição e atitude da mulher ao longo do séc. XIX, que não só desenha em público, o que até então era quase impossível, como edita depois as suas obras, podendo, inclusivamente, trabalhar na sua passagem à litografia. Poucos anos antes, em 1845, também Jane Wallas Penford (1821-1884) editara os seus trabalhos em Londres, no conjunto Madeira Flowers, Fruits, and Ferns, este elaborado a partir de aguarelas feitas na sua propriedade da quinta da Achada – e não em público – e de litografias posteriormente aguareladas pela sua mão, também na sua quinta do Funchal. Edward Harcourt tece algumas considerações sobre os desenhos da sua então ainda noiva lady Susan, onde descreve a dificuldade em captar o cenário grandioso da paisagem madeirense, face à contínua mudança de luminosidade. Ao contrário da permanente neblina dos ambientes nórdicos, na Madeira a constância dos brilhos alterava-se constantemente pela simples passagem de uma nuvem. O autor conta ainda as dificuldades em que se via a pintora ao iniciar o seu trabalho, por ser de imediato rodeada de inúmeros observadores que, parecendo não ter mais nada para fazer, ali se mantinham inabaláveis durante horas a fio. Informa e alerta também os futuros leitores sobre a taxa imposta pela Alfândega do Funchal aos desenhos levados da Ilha, 6 xelins e 8 pences por libra de peso, o que considerava um verdadeiro exagero, mas que configura a consciência do interesse económico dos mesmos por parte das autoridades aduaneiras insulares.   Rui Carita (atualizado a 30.12.2017)

Artes e Design Madeira Global Sociedade e Comunicação Social

paço episcopal

Os primeiros bispos do Funchal, ligados à administração régia, não se deslocaram à Madeira, tendo sido D. frei Jorge de Lemos (c. 1510-1574) o primeiro a fazê-lo. Desembarcou na Ilha dois anos após a sua nomeação, em 1558, tendo-se instalado em casas particulares, pertencentes a Tristão Gomes de Castro (1539-1611), neto de Bárbaro Gomes Ferreira (c. 1475-1544), que fora vedor das obras da sé do Funchal e depois alferes-mor da Ilha (Sargento-mor), casas na então Rua Direita, atual Rua dos Ferreiros, onde se levantou depois o palácio Torre Bela (Palácios). Após uma breve estadia de apenas cinco anos, num episcopado que durou na totalidade treze, D. frei Jorge de Lemos retirou-se para Lisboa, em 1563, e nas mesmas casas veio a residir depois D. Jerónimo Barreto (1543- 1589). Este bispo começou por se instalar após a sua chegada, a 31 de outubro de 1574, na inicial residência da Companhia de Jesus, na albergaria da capela de São Sebastião, e só após o conselho dos jesuítas escolheu residência, nas casas um pouco acima, onde residira D. frei Jorge de Lemos, dado que o proprietário nunca ali residiu. D. Jerónimo Barreto ainda permaneceria 10 anos na sua diocese, mas em 1584 foi colocado na do Algarve, para onde saiu, a 3 de junho de 1585. A substituição foi rápida para a época e, a 4 de agosto de 1586, desembarcava no Funchal D. Luís de Figueiredo de Lemos (1544-1608). Após as complexas cerimónias da tomada de posse da diocese, primeiro na praia do Funchal e depois na sé, o novo bispo retirou-se “às suas pousadas, que tomadas estavam na Rua das Pretas” (FRUTUOSO, 1968, 316-317). A referência à residência na Rua das Pretas parece ser um lapso do cronista açoriano, pois que D. Jerónimo Barreto residiu na Rua Direita, hoje Rua dos Ferreiros, e todas as informações seguintes dão as mesmas casas como também residência de D. Luís Figueiredo de Lemos. Em carta de Lisboa, o prelado tinha solicitado “umas casas acomodadas” (ANTT, Cabido da Sé do Funchal, avulsos, mç. 9, doc. 9), onde se pudesse instalar aquando da sua chegada, pelo que se pode ter optado, de imediato, pelas casas da Rua das Pretas, mas depois voltou-se às da Rua Direita, anteriormente ocupadas por D. Jerónimo Barreto. O bispo D. Luís Figueiredo de Lemos deixou estas casas em meados de 1594, ocupando, em princípio, as casas negociadas pelo seu antecessor para instalação do seminário, na atual Rua do Bispo. Escreve depois o cronista Henrique Henriques de Noronha (1667-1730) que nas referidas casas da Rua Direita se iniciou um enorme incêndio, no dia 26 de julho de 1594, “em dia da gloriosa Santa Ana”, dizendo que havia pouco tempo desde que foram despejadas pelo prelado, incêndio que queimou 104 casas de morada, “das melhores e mais principais de toda a cidade” no centro do Funchal. Refere ainda o cronista a estranheza do ocorrido, tanto porque nessas casas tinham residido os anteriores prelados, “por cuja causa as devíamos supor santificadas”, como pela razão de terem sido hospício dos “gloriosos mártires”, do padre Inácio de Azevedo e seus companheiros (NORONHA, 1996, 367). Esta referência, contudo, não é verdadeira, uma vez que esses jesuítas pernoitaram muito pontualmente no Funchal, e mais abaixo, na albergaria de São Sebastião, dado que quase todos pernoitaram a bordo da nau em que pensavam chegar ao Brasil. Desse incêndio ficaram os topónimos das Ruas da Queimada de Baixo e de Cima. Foi o prelado D. Luís Figueiredo de Lemos que mandou construir os primeiros paços episcopais. O paço foi levantado segundo desenho executado pelo mestre das obras reais Jerónimo Jorge (c. 1570-1618) e à custa do erário régio, como ainda hoje se pode constatar pelas armas reais existentes no edifício. Desse paço primitivo ficou a loja maneirista e a capela de São Luís de Tolosa, datada, na fachada, de 1600, ano que corresponde possivelmente à data de intenção e não de construção, pois o pagamento feito ao mestre das obras reais Jerónimo Jorge, por umas traças e diligências que fez no sítio do “Seminário, tocantes às casa episcopais”, tem a data de janeiro de 1604 (ANTT, Cabido da Sé do Funchal, liv. 6, fls. 279-279v.). Do edifício maneirista dos inícios do séc. XVII resta a fachada simples virada para a Rua do Bispo, com o brasão real de Portugal com coroa aberta, que os Filipes usaram em todas as obras no país e a interessante loggia de sabor renascentista, virada a Norte, onde funciona hoje o Café do Museu. Compõe-se de uma galeria aberta e alpendrada, com balcão cego e pilastras muito elegantes, assente em arcos de volta perfeita, que se articula com a pequena capela de São Luís de Tolosa, onde o prelado se fez sepultar e cuja lápide se encontra hoje na entrada da sé do Funchal. A lápide, em mármore branco continental, com as suas armas e cartela maneirista, lembra, decididamente, a de D. Manuel de Noronha, bispo de Lamego, que se fez sepultar como arcebispo, mas existem no continente e na Ilha outras lápides semelhantes. O portal da capela é de muito bom desenho, com entablamento decorado com pontas-de-diamante, a inscrição “Ludovicus Epus Funchalensis 1600” e as armas do prelado, ladeadas e encimadas pelo que parecem ser esferas armilares simplificadas, conjunto ainda rematado pela cruz da Ordem de Cristo. A fachada da capela é encimada por óculo simples e rematada a norte por campanário de gosto tardo-gótico. O prelado mandou representar nas suas armas as dos Figueiredo, mas não as dos Lemos, com rosetas de quarto crescente. Nas armas da capela aparece uma merleta, pequena ave semelhante à andorinha, mas sem patas aparentes, que foi atribuída aos Leme, família que se fixou na Madeira ainda no séc. XV, cujos elementos heráldicos o bispo carregou nas suas armas, bem como as cinco folhas de figueira, utilizadas pela família Figueiredo. Para norte, a capela articula-se com uma escadaria de acesso à antiga entrada do paço, com arco de volta perfeita e acesso ao alpendre da loggia, numa composição que terá sido reposta pelas obras de 1940/50. Estas casas ainda tiveram obras ao longo do séc. XVII, pelo menos na vigência do prelado D. frei António Teles da Silva (1675-1682), homem de gosto refinado, que deixou um importante espólio de que faziam parte móveis orientais, entre outras peças, e, muito provavelmente, também duas grandes talhas chinesas, adquiridas após a morte de D. Luís Rodrigues Villares (c. 1740-1810) para a capela do Santíssimo da sé. Da vigência de D. António Teles da Silva no Funchal sobrevive a Relação do Sínodo Diocesano de 9 de junho de 1680, com a descrição das decorações feitas no paço episcopal (BNP, Arquivo da Casa de Tarouca, doc. 150), das mais interessantes descrições do que foi a época barroca na Madeira. Nos inícios do séc. XVIII, na vigência de D. José de Sousa Castelo Branco, de quem se diz ter sido o “prelado mais amante da nobreza” que veio à Madeira, o paço conheceu nova ampliação (ARM, Arquivo do Paço Episcopal do Funchal, doc. 273). Incorporou então as instalações do seminário, ao tempo denominado como “colégio de São Luís”, e os estudantes foram realojados no chamado “mosteiro novo”, onde hoje existe o laboratório regional de análises, na rua ainda desta evocação: Seminário. O “mosteiro novo”, que nunca o chegou a ser, era até então “recolhimento de mulheres honestas” e dos descendentes da família do fundador, o cónego António Spranger (SILVA e MENESES, II, 1998, 398-399). A oportunidade de ampliar francamente as instalações ocorreu com o tremor de terra de 1748. O paço episcopal teria sido bastante abalado e o bispo podia ocupar a residência da fortaleza de São Lourenço, pois desde maio do ano anterior desempenhava as funções de governador, dada a saída para o Brasil, diretamente da Madeira, de Francisco Pedro de Meneses Gorjão, nomeado para o governo do Maranhão. Assim, após o tremor de terra, o bispo e a família transferiram-se para São Lourenço. O pedido para aumentar o “palácio episcopal”, que “já antes era muito pequeno, pelo que se tinha ocupado o Colégio de S. Luís, [até então] seminário da Diocese” (ANTT, Provedoria e Junta da Real Fazenda do Funchal, liv. 973, fls. 155v-156), seguiu logo no mesmo ano de 1748, havendo diligências em 1749, altura em que o mestre das obras reais, Domingos Rodrigues Martins (c. 1710-1779), efetuou o projeto e se orçamentaram as obras. A autorização do conselho da fazenda chegou com data de 24 de janeiro de 1750, foi registada a 18 do mês seguinte e logo no dia 24 próximo se procedeu à arrematação, feita pelo mestre carpinteiro Francisco Gomes, morador aos Arrifes, no Funchal, por mais de cinco contos de réis. O auto de arrematação foi lavrado com data de 19 de março, figurando como fiadores do mestre carpinteiro Bernardo Fernandes de Freitas, que também tinha feito um lanço sobre as obras, no valor de sete contos de réis, António Gonçalves e Francisco Fernandes Antunes e Silva. O bispo D. frei João do Nascimento, no entanto, percebeu de imediato que o lanço efetuado pelo mestre Francisco Gomes não cobria as obras que pretendia, pelo que conseguiu, por mandado do conselho da fazenda de agosto de 1751, que se revertessem os ordenados de governador, que se encontrava a acumular desde quase os inícios de 1747, para a reedificação do paço. Com base nesse dinheiro e no seu próprio, o bispo assumiu a direção final das obras. O prelado tinha acumulado até então uma série de ordenados para além do seu, como sejam os de provisor e de vigário-geral, cargos que, entretanto providos, tinham sido comutados para o prelado por mais 200.000 réis anuais, passando tudo os 10.000 cruzados de renda. Por novo mandado do conselho da fazenda, do final desse ano de 1751, as obras foram pagas no estado em que se encontravam ao mestre carpinteiro Francisco Gomes, assumindo o prelado a direção e os encargos do restante. O paço já devia estar, no entanto, minimamente habitável nos meados de 1751, pois em agosto desse ano, o prelado entregou o governo e o palácio de São Lourenço ao novo governador, D. Álvaro José Xavier Botelho e Távora (1708-1789), conde de São Miguel. Contudo, as obras do paço devem-se ter arrastado ainda por algum tempo, pois o magnífico painel de azulejos das fábricas de Lisboa, que decora a enorme varanda superior da torre de ver o mar, deve ser um pouco posterior a 1760. Todo o acompanhamento dos trabalhos, entretanto, foi efetuado pelo mestre das obras reais Domingos Rodrigues Martins. A direção deste, aliada à austeridade franciscana de D. frei João do Nascimento, explica o total despojamento da arquitetura exterior do paço episcopal assim como, por outro lado, a sua escala verdadeiramente monumental para a cidade do Funchal dos meados séc. XVIII. O enorme bloco quadrangular do paço episcopal, rematado por ampla varanda superior, em torre e ao gosto funchalense, aberta para o mar, articulava-se (como ainda se articula) com o corpo construído por Jerónimo Jorge em 1604/1609, rematado pela pequena capela de São Luís de Tolosa. A nascente é muito possível que possuísse mais alguma construção, de serviços, e de que teria ficado o prédio contíguo, com fachada para a Rua do Bispo. Trata-se de um prédio de grande dignidade e anterior à construção do monobloco de 1748/1751, que possui no primeiro piso e no piso térreo vestígios vários de arcos e nichos, ainda mais antigos, assim como cantarias boleadas nos pisos superiores. Todo este conjunto possuía uma cerca ampla para Norte com jardim, ainda utilizada pelo então Liceu do Funchal, que ali funcionou a partir de janeiro de 1914, e que foi depois parcialmente atulhada para nivelamento e utilizada para a construção do largo do Município. Paço Episcopal A fachada para a rua do Bispo apresenta portal central de moldura de remate relevado em cantaria, datado no lintel do início da construção (1750), encimado por cornija relevada e ligeiramente ondulada, ladeado por grandes janelões gradeados de idêntica moldura. As entradas laterais de serviço, de molduras mais simples, são ladeadas por óculos quadrilobados e gradeados. O andar intermédio, correspondendo ao andar de serviços, apresenta oito janelas, que usam como cornija de balanço as sacadas das varandas do andar nobre, aí com grade de ferro com bolachas. As molduras das janelas das varandas do andar nobre são rematadas por frontão curvo e a fachada rematada superiormente por cornija de cantaria relevada com duas gárgulas em forma de meia cana. A fachada norte, dantes virada para os jardins do bispo e depois para o campo de jogos do Liceu do Funchal, apresenta a marcação dos três pisos da fachada com um bloco central de mais dois pisos correspondentes à torre monumental, não visível da Rua do Bispo, sendo o andar inferior, correspondente às antigas arrecadações do paço, dotado de gradeamento à face. O andar nobre é excecionalmente alto, com varandas de sacada a servirem de balanço às janelas do andar de serviços, criando as molduras de cantaria espelhos superiores vazados e possuindo estas janelas grades de ferro, ditas “de barriga”, que permitiam a quem se debruçasse continuar protegido por detrás das mesmas. A fachada poente deste enorme bloco apresenta uma janela decorada com as chaves de São Pedro esculpidas no lintel e uma porta inferior com lintel com cartela maneirista esculpida com a emblemática dos jesuítas. O trigrama cristológico IHS é a abreviatura do nome de Jesus em grego ou em latim medieval: Ihesus. Ora, embora propagado no séc. XIV pelo pregador São Bernardino de Sena e utilizado pelos franciscanos a partir do séc. XVI, foi retomado por Santo Inácio de Loyola com a significação de “Jesum habemus socium”, em português “Temos Jesus como companheiro”, e passou a ser o emblema da Companhia, pelo que o lintel desta porta do paço episcopal deve ter vindo do edifício do Colégio ou de uma das suas quintas. O paço episcopal é rematado superiormente por larga torre de ver o mar, de mais dois pisos, colocada na parte central do conjunto, ligeiramente recuada em relação à fachada, com uma elegante balaustrada de pedra com grade de ferro, que é das poucas que ainda se mantêm abertas no centro da cidade. O alpendre assenta em seis barras de ferro que partem dos balaústres de cantaria, tenda duas portas de moldura de cantaria com lintel de balanço, definindo três panos totalmente ocupados por um painel contínuo de azulejos com as três virtudes teologais: fé, esperança e caridade, de uma das oficinas dos grandes mestres de Lisboa, datáveis de 1760 a 1765 e de uma grande qualidade de execução. O átrio de entrada do antigo paço episcopal encontra-se empedrado ao gosto madeirense dos sécs. XVIII/XIX, mas num desenho conjetural das grandes obras de reabilitação de 1950 a 1954 para instalação do Museu Diocesano de Arte Sacra. Mantém ainda as argolas de parede para prisão das cavalgaduras, que sobreviveram, assim, a inúmeras campanhas de obras. Apresenta ao centro uma escadaria de grande impacto visual, com corrimão de cantaria e de planta em voluta, terminado nas pilastras com enrolamento das guardas e remate por pelouro, o que lhe dá uma sensação especial de profundidade. A porta superior é rematada por arco abatido e ladeada por dois enormes óculos ovais com moldura de cantaria, de eixo ligeiramente inclinado para iluminação das escadas, ao gosto das encenações barrocas. Assim, os óculos parecem iluminar uma grande escadaria interior, mas esta, interiormente, só corresponde a um lanço de escadas. Armas do Paço Episcopal Nem sempre os prelados funchalenses ocuparam este edifício, optando alguns por se recolherem em outros locais mais recatados, embora ali se mantivessem os seus serviços e os órgãos da diocese. D. José da Costa Torres (1741-1813), 18.º bispo do Funchal, por exemplo, vivia habitualmente na residência da quinta da Penha de França, de onde, aliás, foi embarcado à força em julho de 1796, na escuna Andorinha, do futuro conde de Carvalhal (1778-1837), dado já ter sido eleito bispo de Elvas, e o bispo seguinte, D. Luís Rodrigues Vilares (c. 1740-1810), faleceu na quinta da Nazaré. Os prelados administradores apostólicos, como D. Francisco Joaquim de Meneses e Ataíde (1765-1828), bispo de Meliapor, depois eleito bispo de Elvas, também ali não viviam, mas, ao contrário, o cardeal D. Lorenzo Caleppi (1741-1813), arcebispo de Nibisi e núncio apostólico em Portugal, passando pelo Funchal a caminho do Rio de Janeiro em julho de 1808, ficou a residir no paço episcopal.     Arcadas do Paço Episcopal O paço episcopal do Funchal seria confiscado pela fazenda da República em 1910, por ter sido construído com verbas da anterior fazenda régia e aí foi instalado o Liceu do Funchal, em janeiro de 1914. Com a nova consciencialização patrimonial do Estado Novo e a campanha desenvolvida por várias entidades locais em prol da criação de um Museu de Arte Sacra, assim como com a construção de um novo edifício para o Liceu, veio a ser ali instalado esse Museu, após a saída dos alunos em 1942 e as obras de reabilitação, cuja inauguração decorreu em 1 de junho de 1955, cerimónia que contou com a presença do general Francisco Higino Craveiro Lopes, presidente da República, então em visita ao arquipélago, do bispo do Funchal D. António Manuel Pereira Ribeiro (1879-1957) e das demais entidades regionais.   Arcadas do Paço Episcopal Em 1915, com a tomada de posse de D. António Manuel Pereira Ribeiro, depois de ter sido sagrado em Viana do Castelo, o cabido e um grupo de católicos alugaram uma residência na Rua dos Netos, na esquina da Rua dos Ferreiros, em frente ao antigo Ateneu do Funchal. No entanto, ainda nesse ano, por aquisição da diocese e com apoio de uma doação e uma herança, o prelado passou a residir na quinta senhorial do Largo do Ribeiro Real, que passou a paço episcopal, onde ainda se encontra. O atual paço episcopal foi objeto de obras de reabilitação na época em que assumiu o lugar de bispo auxiliar do Funchal D. Manuel de Jesus Pereira (1911-1978) e que os serviços gerais da diocese conheceram um novo dinamismo, entre 1948 e 1953. Data dessa época a reforma do portal de acesso aos jardins e do alinhamento do muro, ficando o portal encimado pelas armas do bispo D. António Manuel Pereira Ribeiro e a data de 1951. No início da década de 90, construiu-se o novo bloco da Câmara Eclesiástica, sob projeto do arquiteto João Francisco Caires.   Rui Carita (atualizado a 19.12.2017)

Religiões

universidade da madeira

Universidade da Madeira, Campus da Penteada. Foto BF Na Madeira, ao longo do Antigo Regime, o ensino esteve entregue, quase exclusivamente, à igreja, nomeadamente, através das paróquias ou, na sede da diocese, do mestre-escola da sé, e depois, do Colégio dos Jesuítas e do seminário, fundados nos finais do séc. XVI. Para o acesso ao ensino superior, os madeirenses tinham que deslocar-se ao continente, como aconteceu a muitos, formando-se nas universidades de Coimbra, Salamanca, Paris e Roma, entre outras, com todos os custos daí advindos e nem sempre regressando à Ilha. Com a fundação do Colégio dos Jesuítas, por carta régia de D. Sebastião, a 20 de agosto de 1569, nasceu a primeira instituição de ensino nacional na Madeira. As aulas tiveram início a 9 de maio de 1570, na então albergaria de S. Sebastião; sendo o dia dedicado ao martírio de S. João Evangelista, este passou a ser o orago da igreja e do colégio do Funchal. Em 1599, iniciou-se a construção do grande edifício do colégio, no centro da cidade, onde se encontra hoje instalada a reitoria da Universidade da Madeira (UMa), que também veio a escolher o dia 9 de maio para data festiva. Ao mesmo tempo, foi instituído o seminário diocesano, cujas aulas vieram a funcionar sempre em certa articulação com as do colégio. Após a extinção da Companhia de Jesus, em 1768, no edifício do antigo colégio, ainda funcionou a aula de geometria e desenho, essencialmente dedicada ao ensino militar. A atividade desta Aula foi mais ou menos efémera, mas o ensino militar manteve-se, depois, nas dependências do quartel do colégio e no quadro de formação dos vários regimentos ali aquartelados. A primeira instituição de ensino superior na Madeira foi a Escola Médico-Cirúrgica do Funchal. Por dec. de 29 de dezembro de 1836, determinava-se a abertura de uma escola médico-cirúrgica no hospital da Santa Casa da Misericórdia (SCM) de cada uma das capitais dos distritos administrativos do ultramar. A do Funchal, criada em 1837, mas correspondendo a uma aspiração com mais de 20 anos da SCM, foi encerrada nos primeiros meses da República, por dec. de 11 de novembro de 1910, tendo, ao longo de 73 anos, formado 250 médicos, que exerceram clínica em Portugal e no estrangeiro, incluindo, em 1902, duas médicas. O ensino das artes plásticas na Ilha remonta, pelo menos, aos meados do séc. XVIII, com o ateliê ou escola de pintura de Nicolau Ferreira Duarte. Entre os finais da centúria e os inícios de Oitocentos, esse mestre e os seus alunos executaram uma quantidade excecional de trabalhos, embora de qualidade muito irregular, obras que ainda se encontram na Madeira, dispersos por quase todas as igrejas e capelas do arquipélago. Nos inícios do séc. XIX, com a carta régia de 7 de julho de 1809, foi criada uma aula de desenho e pintura na Madeira que começou a funcionar em março do ano seguinte. A regência foi confiada ao pintor Joaquim Leonardo da Rocha, cujo pai lecionara no estabelecimento congénere de Lisboa, decorrendo as aulas até à sua morte, em 1824. Cândido Pereira – autorretrato a carvão, assinado, datado de 1930 e com dedicatóriaFonte: acervo da Escola Secundária Francisco Franco. O ensino das belas-artes, sob perspetiva diversa, seria reinstalado na Madeira em setembro de 1889, quando foi fundada, no Funchal, uma escola de desenho industrial (Escola Industrial do Funchal), então dirigida pelo professor Cândido Pereira (1872-c. 1935), que regressaria ao continente em 1903. A ideia que motivou a fundação desse estabelecimento, designado Escola de Desenho Industrial Josefa de Óbidos, nome que veio a ser mudado para António Augusto de Aguiar, foi a de “ministrar o ensino do desenho com aplicação à indústria ou indústrias predominantes na localidade” (SILVA e MENESES, I, 1998, 399). A instituição instalou-se num bom prédio da família Acciauoli, ainda existente e hoje devoluto, na R. de Santa Maria Maior. Nos anos cinquenta do século passado, em 1955, a Sociedade de Concertos da Madeira criou uma secção de belas-artes no âmbito da Academia de Música, instituição que teve alvará definitivo em 1947 e cujos cursos seguiam os programas oficiais do conservatório nacional. Assim, os cursos complementares de belas-artes que eram lecionados em Lisboa e no Porto passaram a ser igualmente lecionados na Madeira, deslocando-se os professores daquelas escolas continentais até ao Funchal para que fossem realizados os exames finais na Ilha. Esta situação verificou-se até 1974, quando a Academia de Música e Belas-Artes da Madeira passou a gozar de total autonomia científica e pedagógica e a ministrar integralmente os referidos cursos. Pelo dec.-lei n.º 450/77, de 27 de outubro de 1977, foi criado, enquanto estabelecimento de ensino superior público, o Instituto Superior de Artes Plásticas da Madeira (ISAPM), até então, privado; era dotado de personalidade jurídica e autonomia próprias, sucedendo assim à antiga secção de belas-artes da Academia de Música. Nos inícios de 1975, as aulas e as atividades relacionadas com os trabalhos práticos do ISAPM passaram a ocupar a antiga Quinta das Angústias, hoje Quinta Vigia, mudando, no final do ano, para um prédio na R. da Carreira onde vivera o pintor Alfredo Miguéis (1883-1943). Pouco depois, foi adquirido o prédio anexo, a poente, para ampliar as instalações, procedendo-se também à integração daquele instituto na UMa, a que ainda hoje pertence. O ISAPM esteve em regime de instalação até outubro de 1985, com quadros e regime de pessoal definidos pelo dec.-lei n.º 55/84, de 16 de fevereiro, sendo a sua estrutura orgânica, os serviços e o regime de funcionamento determinados pelo dec.-lei n.º 423/85, de 22 de outubro, completando-se assim a constituição do estatuto específico dessa instituição, em inteira paridade com o das suas congéneres no continente, as escolas superiores de Lisboa e Porto. O assunto da instalação de uma universidade na Madeira era ventilado desde os meados do séc. XX, chegando a ser objeto de uma intervenção na Assembleia Nacional, a 2 de abril de 1965, pelo deputado Dr. Agostinho Cardoso (1908-1979), que aborda a questão dos “estudos universitários na Madeira” (Diário das Sessões..., n.º 203, 4853). Foi necessário esperar pela época da autonomia política e administrativa para o assunto voltar a ser equacionado, estabelecendo-se, em 1975, a extensão de alguns cursos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa à Madeira e, depois, em 1982, da Faculdade de Ciências da mesma universidade e da Universidade Católica. A 19 de dezembro de 1975, na Assembleia Constituinte, o deputado Dr. Emanuel Rodrigues tinha já apresentado um requerimento ao ministro da Educação e Investigação Científica a solicitar a constituição de um instituto universitário na Madeira, à semelhança do que havia disso feito nos Açores. Assim, sucessivos diplomas alargaram o campo do ensino na Ilha: o dec.-lei n.º 664/76, de 4 de agosto, criou o Instituto Universitário da Madeira; o n.º 322/77, de 6 de agosto, o Conservatório de Música da Madeira; o n.º 450/77, de 27 de outubro, o Instituto de Artes Plásticas da Madeira; e o n.º 205/81, de 10 de junho, instituiu oficialmente na Região Autónoma da Madeira (RAM) os centros de apoio dos estabelecimentos de ensino superior universitário. O dec.-lei n.º 332/83, de 13 de julho, por sua vez, veio estabelecer as normas gerais sobre o ensino superior na RAM, levando a um despacho conjunto, com a data de 4 de novembro de 1983, da Secretaria de Estado do Ensino Superior e da Secretaria Regional da Educação, então tutelada por Eduardo Brazão de Castro, no sentido de se criar “uma comissão com vista ao estudo da viabilidade de criação e funcionamento de uma universidade na Região Autónoma da Madeira e/ou outras alternativas institucionais” (VERÍSSIMO e SANTOS, 2015, 26). A comissão tinha um mandato de seis meses e seria constituída por cinco membros, sendo nomeados, de imediato, como presidente, Fernando Alves Cristóvão, e, como vogais, José Freitas Ferreira e Victor Hugo Lecoq Forjaz. Alguma instabilidade governativa em Lisboa e a nomeação do presidente para outras funções levaram a um certo atraso nos trabalhos desse grupo. A comissão veio a agregar àqueles dois vogais o Eng. Rui Manuel da Silva Vieira (1926-2009), antigo presidente da Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal e membro da primeira Junta Governativa da Madeira, de 1974. O trabalho do grupo veio a ser apresentado em 1985 como estudo sobre a viabilidade da Universidade da Madeira, contrapondo ao modelo napoleónico de universidade um outro, supostamente mais adaptado à realidade da Madeira, mas que levaria alguns anos a ser aprovado, verificando-se que acabaria por não se afastar especialmente dos modelos implementados no continente. Três anos mais tarde, através do dec.-lei n.º 319-A/88, de 13 de setembro de 1988, nasceu a UMa. Por despacho conjunto do ministro da República para a RAM e do ministro da Educação, de 15 de dezembro desse ano e publicado a 29 seguinte, fizeram parte da primeira comissão instaladora, como presidente, o Prof. Doutor Raul de Albuquerque Sardinha, como vogais, os Profs. Doutores Fernando Santos Henriques e José Luís Morais Ferreira Mendes, e, como administradora, a Dr.ª Ana Isabel de Portugal Almada Cardoso. A partir de então, foram sendo integrados os cursos de letras e de ciências que, desde 1978, tinham funcionado nos centros da extensão universitária, embora nesses primeiros documentos se considerasse que a UMa, pelo menos no que dizia respeito aos cursos de letras, e dada a diversidade de variantes, não poderia assumir a finalização dos cursos, tendo os seus alunos de se deslocar ao continente para obter o diploma. Em 1989-1990, começou a funcionar o 1.º ano do curso de educação física e desporto, o primeiro curso de licenciatura da UMa, criado pela portaria n.º 861-A/89, de 4 de outubro, do ministério da Educação, então sob a orientação do Prof. Fernando Ferreira. Com a extinção da Escola Superior de Educação da Madeira e a subsequente criação do Centro Integrado de Formação de Professores, através do Dec.-lei n.º 391/89, de 9 de novembro, a formação inicial dos educadores de infância e dos professores do 1.º ciclo do ensino básico passou para o âmbito da UMa. Foram aprovados, ainda durante o período de vigência da primeira comissão instaladora, a primeira versão dos estatutos da UMa. Dado o peso institucional da educação física e desporto na UMa e na RAM, e a necessidade de se encontrarem espaços com determinada liberdade e independência, adequados àquela realidade, foi equacionada, durante esses anos, a instalação da reitoria da universidade na célebre Quinta do Monte, passando as várias reuniões de trabalho a decorrerem nesse espaço emblemático madeirense. Iniciaram-se, assim, contatos vários e equacionou-se o projeto de instalar nos limites do bom parque daquela quinta as instalações de educação física, reservando-se a antiga residência para a reitoria. Em maio de 1990, todo o espaço do parque da Quinta do Monte foi demoradamente visitado por Aníbal Cavaco Silva, então primeiro-ministro do Governo central, acompanhado pelo ministro da República para a RAM e por Alberto João Jardim e Eduardo Brasão de Castro, respetivamente presidente do Governo Regional da Madeira (GRM) e secretário regional da Educação, entre outras individualidades. A quinta veio a ser adquirida pelo GRM e o seu recheio pela UMa, numa complexa negociação com os inúmeros herdeiros daquela propriedade. Porém, num curto espaço de tempo, foram tomadas outras opções, passando a comissão instaladora seguinte para o antigo Colégio dos Jesuítas. Na sequência de um período conturbado, que levou a que o vogal presidente pedisse a sua exoneração, foi indigitada uma nova comissão instaladora. Esta segunda comissão, nomeada por despacho conjunto de 25 de julho de 1991, era constituída pelo Prof. Doutor Fernando Santos Henriques, vogal da anterior que assumia agora a presidência, pelos vogais Prof. Doutor Jorge Manuel Morais Barbosa, Prof. Doutor Carlos Alberto Nieto de Castro e Prof. Doutor Joaquim José Borges Gouveia, e pela administradora Mestre Elizabete Maria Azevedo Olim Marote Oliveira. O regime de instalação foi prorrogado por mais um ano e com esta comissão a UMa comprometia-se a garantir a totalidade das licenciaturas. No entanto, os estatutos aprovados durante o mandato da primeira comissão ainda não tinham sido homologados, prolongando-se, assim, uma vez mais, a fase de instalação da universidade. O ano letivo de 1990-1991 assistiu aos primeiros passos de grande parte dos cursos da UMa, nomeadamente, biologia; física; matemática; química; línguas e literaturas modernas; variantes de estudos portugueses; estudos portugueses e franceses; estudos portugueses e ingleses; estudos portugueses e alemães; estudos portugueses e espanhóis; estudos ingleses e alemães; e estudos franceses e ingleses; todos com o ramo científico e de ensino. Em 1992-1993, começaram a funcionar os cursos de gestão e de engenharia de sistemas e computadores. Através do protocolo de integração de 30 de setembro de 1992, publicado no Diário da República, n.º 280, II série, de 4 de dezembro de 1992, o ISAPM passou a estar integrado na UMa sob a denominação de Instituto Superior de Arte e Design, da Universidade da Madeira (ISAD/UMa), devendo adotar uma organização semelhante à dos restantes departamentos e secções autónomas da instituição. Em 1991, criou-se a Associação Académica da Universidade da Madeira (AAUMa), com o intuito de responder às necessidades dos estudantes. As eleições para os corpos sociais foram marcadas para 10 de dezembro desse ano, dia em que se comemorava o aniversário da adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos por parte da Organização das Nações Unidas. Participaram no sufrágio 416 estudantes, tendo sido eleito presidente da direção Jorge Carvalho, da mesa da assembleia geral, Deodato Rodrigues e, do conselho fiscal, António Cunha; tomaram posse a 2 de janeiro seguinte. A partir de então, a AAUMa seria uma parceira privilegiada de toda a vida universitária, colaborando na elaboração da sigla, na criação do trajo académico, de várias tunas e de um grupo de fados, entre outros. Assumiu um protagonismo excecional, no plano interno e externo, lançando mesmo uma revista e criando uma imprensa académica, e mantendo exposições regulares, na área do edifício do colégio, onde montou uma das suas lojas Gaudeamus; também organizou visitas guiadas e outras atividades. O aumento exponencial dos cursos lecionados pela UMa e do número de alunos obrigou a procurar novas instalações, chegando-se, inclusivamente, a arrendar dois complexos: um no edifício Oudinot, onde passaram a funcionar alguns dos cursos das áreas das ciências exatas e naturais, e o piso térreo do edifício José Maria Branco, à R. Bela de Santiago, que fora equacionado para servir de centro comercial, para os cursos de Línguas e Literaturas Modernas e Clássicas. Entretanto, as Ciências da Educação, a Matemática e outras instalaram-se no antigo quartel do Colégio, onde vieram a ser realizados os primeiros exames, além de outras provas académicas, e.g., em 1993, a de aptidão pedagógica e capacidade científica de Mário Dionísio Cunha, e a de agregação de António Manuel Esteves dos Santos Casimiro. A primeira prova de doutoramento ocorreu a 15 de dezembro de 1994, sendo candidata Rita Maria César e Sá Fernandes de Vasconcelos, com a tese Contribuição à Análise de Dados Categorizados, inscrita em estatística matemática. A primeira prova de mestrado foi em 1999, quatro anos após a abertura o primeiro curso de mestrado da UMa, com o candidato João José Abreu de Sousa e a tese A Revolução Liberal na Madeira. Em 1993, entretanto, fora nomeada uma terceira comissão instaladora, constituída pelo vogal presidente Prof. Doutor João David Pinto Correia, pelos vogais Profs. Doutores José Manuel Castanheira da Costa e Ruben Antunes Capela, e pelo administrador Prof. Doutor António Augusto Marques de Almeida. Da sua unidade de planeamento e informação surgiu o documento Plano de Desenvolvimento: 1994-1998. Delineado em termos de proposta, este plano partiu do diagnóstico da situação então vigente (dezembro de 1994), respeitante a alunos, pessoal docente e não docente, para apresentar, a partir dessa análise, uma estratégia, tendo em vista dois grandes objetivos: o equilíbrio, em termos de rácios, em 1999 e o melhoramento da qualidade científica e pedagógica dos cursos da UMa. Datam da fase inicial da terceira comissão instaladora as primeiras obras de reabilitação do velho edifício do colégio, procedendo-se à adaptação das salas do piso superior da ala sobre a R. do Castanheiro para gabinetes e salas de reunião, e à construção de uma entrada independente desta ala para o Lrg. do Município. A área foi partilhada com a diocese do Funchal, que tinha conseguido a cedência da ala sobre aquele largo e o chamado Pátio dos Padres para instalar a Universidade Católica, havendo assim que isolar algumas paredes, construir escadas interiores e balaustradas, equipar a entrada (onde foi recuperado um antigo oratório, para o qual se adquiriu uma imagem do orago) e fechar parte do corredor grande em cima, que deixou assim de percorrer visualmente todo o edifício, desde a antiga cerca ao Lrg. do Município. Foi durante a vigência desta terceira comissão instaladora que começaram a funcionar os cursos de línguas e literaturas clássicas (ramo científico e de ensino) e que se realizaram eleições para a nova Assembleia Constituinte, tendo-se em vista a elaboração e a aprovação dos estatutos. Os seus trabalhos foram iniciados a 5 de setembro de 1995 e prolongaram-se até 25 do mesmo mês, dia em que os estatutos da UMa foram aprovados. Reenviados de novo àquela instituição de ensino e depois de analisados pela comissão de apreciação dos estatutos (a chamada Comissão Ferrer), a fim de se proceder a algumas alterações, reiniciaram-se os trabalhos, a 9 de fevereiro de 1996, até estar completa a versão final, lida e aprovada a 14 de março seguinte. Com a homologação dos estatutos da UMa pelo ministro da Educação, o Prof. Doutor Marçal Grilo, no anfiteatro do edifício do colégio, a 13 de maio de 1996, e com a consequente eleição do responsável da instituição para os dois anos seguintes, o reitor José Manuel Castanheira da Costa, que tomou posse a 28 de julho de 1996, a UMa entrou numa nova e crucial fase da sua existência. Uma fase que pressupunha a sua afirmação no contexto nacional como universidade de pleno direito, e o atingir, a nível interno, as variações mínimas nos seus balanços e números, para que pudesse enfrentar os grandes desafios que se apresentavam a qualquer instituição de ensino superior no limiar do séc. XXI. A partir de 1992/1993, a RAM assumiu a alteração da articulação do novo Complexo Tecnológico da Penteada ou Madeira Tecnopolo. Este complexo foi projetado pelo ateliê João Francisco Caires, entre 1985 e 1991, para acomodar a UMa, transitando para ali vários departamentos, no ano letivo de 1998-1999. Entre eles, o de arte e design, que, por deliberação do senado universitário, em reunião de 11 de junho de 1997, definiu a sua organização à imagem da das restantes secções autónomas. Assim, em reunião do mesmo senado, a 29 de abril de 1998, foi aprovado o novo regulamento desta unidade, com a denominação institucional de Arte e Design. Com a passagem dos departamentos para o edifício da Penteada, iniciaram-se as obras de reabilitação do outro velho edifício, nos primeiros meses de 2000, para acolher a reitoria. Esta era então liderada pelo Prof. Doutor José Manuel Castanheira da Costa, ainda no exercício do seu primeiro mandato, ficando a intervenção a cargo dos arquitetos Rui Campos Matos e Vasco Cardoso Marques (ateliê CM Arquitectos). O projeto destes assentou na abertura da antiga cantina militar à R. dos Ferreiros, como havia sido no séc. XVIII, libertando as enormes portas entaipadas, provavelmente, desde o terramoto no Funchal, em 1748. A abertura deste espaço permitiu o acesso imediato ao antigo Pátio dos Estudantes, então ajardinado, e a reabilitação do antigo ginásio militar para servir como sala de atos da UMa. Os gabinetes da reitoria passaram para o antigo Corredor do Eirado, sobre a R. dos Ferreiros. As principais cerimónias universitárias, que até então haviam decorrido, primeiro, no salão nobre da antiga Junta Geral e, depois, no congénere salão da Assembleia Legislativa, passaram a ser feitas na sala de atos da reitoria. De igual forma, todo o piso térreo à volta do Pátio dos Estudantes, quer a sala de atos, quer o conjunto de salas da antiga cooperativa militar, reabilitadas em 2005, e as salas de simulação empresarial e empreendedorismo, onde era o antigo refeitório militar, que foram reabilitadas em 2011, passaram a ter um muito especial protagonismo na vida regional, ali decorrendo encontros e congressos, mesmo organizados por outras instituições, que por vezes utilizam o espaço para receções oficiais. Não deixou de ser paradigmático que as primeiras obras de reabilitação tivessem sido inauguradas na visita do Presidente Jorge Sampaio e as segundas na do Presidente Cavaco Silva, e que, inclusivamente, fosse feita uma grande exposição alusiva aos trabalhos de reabilitação da igreja do colégio, efetuados sob a coordenação da Direção Regional dos Assuntos Culturais (DRAC). As eleições de 2000 foram ganhas por uma equipa liderada pelo Prof. Doutor Ruben Antunes Capela, que tomou posse a 19 de julho. Findo o seu mandato, assumiu a reitoria o decano da UMa, Prof. Doutor José Manuel Cunha Leal Molarinho do Carmo, exercendo funções entre 1 de junho e 19 de julho de 2004. Realizadas novas eleições, tomou posse como reitor, nesse dia 19 de julho, o Prof. Doutor Pedro Telhado Pereira, tendo sido durante a sua vigência no cargo que ocorreu a adequação dos cursos ao denominado Processo de Bolonha e que foram criados novos ciclos de estudo, de acordo com esse paradigma; em 2006 e no ano seguinte, a UMa foi objeto de avaliação externa pela European University Association. Em 2009, o serviço de ação social da UMa abriu a residência universitária N.ª S.ª das Vitórias, na R. de Santa Maria, obra que se arrastou alguns anos e, a 15 de abril desse ano, voltou a tomar posse como reitor o Prof. Doutor José Manuel Castanheira da Costa. Sucedeu-o, a 18 de abril de 2013, o Prof. Doutor José Manuel Cunha Leal Molarinho do Carmo. O Processo de Bolonha e a progressiva capacidade de mobilidade dos estudantes, especialmente europeus, aliados à fama da Madeira como destino turístico, graças à benignidade do clima, mas não só, levou à presença exponencial de estudantes estrangeiros na UMa, quer em estágios pontuais e na frequência de determinadas cadeiras, como até em cursos. Já anteriormente, as qualidades gerais do destino Madeira haviam captado um importante lote de professores e investigadores de outras nacionalidades, chegando os departamentos a contar, somente nos quatros docentes, 30 nacionalidades diferentes. O número de estudantes da UMa, entretanto, subiu para cerca de 3000 alunos e o corpo docente para cerca de 250 professores, dos quais, apenas cerca de 15 não se encontram ainda doutorados em 2014/2015, embora quase todos perto disso. A UMa cobria áreas do conhecimento que iam das ciências exatas, às engenharias, às artes e humanidades, oferecendo 18 cursos de 1.º ciclo, 18 de 2.º ciclo e 6 de doutoramento no ano letivo 2014/2015. Neste mesmo período, forneceu ainda 2 diplomas de estudos avançados, 3 pós-graduações, 9 de especialização tecnológica, e também cursos livres. Tinha, então, em funcionamento 10 unidades de investigação com 25 projetos em curso, mantendo os seus docentes e investigadores presença em inúmeras redes nacionais e internacionais de investigação científica. O trabalho de internacionalização foi especialmente iniciado e cimentado pelo Prof. Doutor Ludwing Streit, fundador do Centro de Ciências Matemáticas que soube atrair para a Madeira uma série de investigadores internacionais notáveis. Culminou com a criação, em 2009, de um instituto de investigação, o M-ITI, Madeira Interactive Technologies Institute, criado em parceria com o Tecnopolo Madeira e a Carnegie Mellon University, consolidando a internacionalização necessária e almejada por qualquer universidade. Universidade da Madeira, Campus da Penteada. Foto BF   Universidade da Madeira, Campus da Penteada. Foto BF A ideia veio a ser apresentada na abertura das aulas do ano letivo 2010/2011, comemorada no Funchal a 13 de setembro, que serviu para o ministro da Ciência e Tecnologia, o Prof. Doutor Mariano Gago (1948-2015), assinar o Contrato de Confiança no Ensino Superior com as universidades portuguesas. Na ocasião, o ministro revelou ainda a ideia trazer para a RAM uma escola de categoria internacional, na área da medicina, em rede com instituições de prestígio mundial, uma ideia que contou com o apoio do GRM. Na cerimónia esteve igualmente presente o primeiro-ministro José Sócrates, que traçou rasgados elogios ao trabalho desenvolvido na UMa, afirmando: “Estou aqui na Madeira para dizer à Universidade da Madeira e ao senhor reitor que temos orgulho no vosso trabalho e que […] sendo a mais pequena e mais jovem [das universidades portuguesas] esse trabalho foi mais custoso” (DN, Funchal, 13 set. 2010). Em 2014/2015, passados mais de 25 anos sobre o dia 13 de setembro de 1988, data do decreto que criou a UMa, esta instituição corporizava o espaço e o ponto de encontro político oficial da República e da Região, com uma progressiva afirmação nacional e internacional, tal como a conquista de uma determinada afirmação de universalidade a que todas as universidades aspiram. Nesse panorama de crescente consolidação, foi-se assistindo à colocação de elementos dos quadros docentes da UMa à frente de secretarias regionais do GRM e dos seus antigos alunos nos mais diversos postos de chefia, confirmando assim o trabalho desenvolvido nos últimos tempos.   Rui Carita (atualizado a 08.12.2017)

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