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guarda republicana

A Guarda Republicana nasceu com a implantação da República, incorporando a antiga Guarda Municipal de Lisboa e Porto, essencialmente com funções de policiamento urbano (Polícia de Segurança Pública), cujo nome passou a ser Guarda Republicana de Lisboa e Porto, por decreto de 3 de maio de 1911 (República). De notar que a Guarda Municipal fora a última força monárquica a render-se aos republicanos, sendo, por isso, curioso o facto de se ter transformado talvez na única instituição pública portuguesa com o título de “republicana”. Tratava-se de uma força de segurança composta por militares e organizada num corpo especial de tropas. Em tempo de paz, dependia do ministério responsável pela segurança pública para efeitos de recrutamento, administração e execução dos serviços correntes, e do ministério responsável pelos assuntos militares para efeitos de uniformização e normalização da doutrina militar, de armamento e de equipamento. Em situação de guerra ou de crise grave, esta força ficava operacionalmente sob comando militar. Isto explica o seu destacamento para o Funchal em maio de 1919, no quadro da chamada República Nova e após o assassinato do “Presidente-Rei”, Sidónio Pais, a 14 de dezembro de 1918, quando se encontrava como representante da Madeira em Lisboa e presidente da Câmara de deputados o antigo Gov. civil do Funchal José Vicente de Freitas (1869-1962), já então com interferência na área de segurança interna, que o levaria, após o golpe de 1926, à presidência da Câmara Municipal de Lisboa, ao Ministério do Interior e à presidência do Conselho de Ministros. Guarda Republicana na Quinta Vigia. 1921. Arquivo Rui Carita O decreto de criação da companhia independente n.º 1 da Guarda Republicana foi de 10 de maio de 1919. Esta força chegou ao Funchal a 3 de dezembro do mesmo ano, no paquete Quelimane, com 2 sargentos, 3 cabos e 21 soldados, oriundos de forças de militares de infantaria e cavalaria. Foi reforçada na Madeira com 16 elementos locais, constituindo uma força de comando de capitão e com um total de quase 90 homens, tendo tido por quartel a antiga Quinta Vigia, que passara à posse do Estado com a extinção da Sociedade dos Sanatórios e onde mais tarde se instalou o Casino Park Hotel. O efetivo desta força nunca foi perfeitamente definido. Pensou-se que poderia vir a ter de criar destacamentos na Ilha mas, dada a instabilidade política no continente, foi mandada recolher a Lisboa em 1922, viagem que efetuou no vapor São Miguel nos meses de abril e maio desse ano.   Rui Carita (atualizado a 13.12.2017)

Sociedade e Comunicação Social

guarda nacional

Com a implantação do Governo liberal foram criadas novas forças militares, dado entender-se estarem as vigentes – pois não foi possível desmobilizá-las na totalidade –, em especial nas zonas rurais e mais afastadas dos grandes centros urbanos, fora do contexto ideológico das novas instituições (Guarnição militar). Arquivo Rui Carita Por alvará do prefeito Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque (1792-1847) (Prefeito), de 15 de setembro de 1834, foi nomeada uma comissão para fazer o recenseamento e alistamento nominal de todos os indivíduos que, nos termos do decreto de 29 de março do mesmo ano, deviam fazer parte dessa Guarda. Para tal, foi chamado o coronel do extinto Batalhão de Milícias de São Vicente, João Lício Vilhena Teixeira de Lagos (1776-1846), secretariado pelo bacharel Daniel de Ornelas e Vasconcelos (1800-1878) (Vasconcelos, Daniel de Ornelas, Barão de S. Pedro) e pelo primeiro-tenente Manuel Joaquim Moniz Bettencourt. No final de 1835, no entanto, a Guarda não estava ainda devidamente organizada, apesar de os oficiais da mesma terem sido eleitos e aprovados pelas autoridades competentes. Teria havido, nos primeiros tempos, algum receio em fornecer armamento aos seus elementos, por se suspeitar de que nem todos eram afetos à causa constitucional.   William Hinton (1817 - 1904) Arquivo Rui Carita A formação da Guarda Nacional provocou alguma celeuma nas principais cidades do reino por causa dos privilégios alardeados pelos estrangeiros, que reclamavam estar isentos dos serviços e das reuniões daquela força. O problema era geral e também se fez sentir na Madeira, obrigando o Governo a esclarecer o então prefeito Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque, em julho de 1835. Face à reclamação recebida pelas caixas gerais do contrato do tabaco, o Governo informou que os estrangeiros abrangidos pelo contrato em causa estavam de facto “isentos das companhias e de quaisquer cargos públicos e militares”, mas ressalva-se que apenas para o serviço ordinário e para as reuniões. Quanto ao resto, frisava-se que todos os residentes deviam alistar-se na Guarda Nacional e armar-se “para se reunirem aos seus respetivos corpos, logo que seja preciso combater quaisquer inimigos externos ou internos da pátria” (RODRIGUES, 2006, 720). Aludia-se, desta forma, à possibilidade de as forças do infante D. Miguel se aliarem às congéneres absolutistas espanholas. Conhecendo a situação na Madeira e assumindo em Lisboa a pasta do ministério do Reino, a posição de Mouzinho de Albuquerque não poderia ter sido outra, aludindo desta forma à possibilidade de as forças do infante D. Miguel se aliarem às suas congéneres absolutistas espanholas. O assunto conheceu depois outros desenvolvimentos, entre os finais de 1838 e janeiro do ano seguinte, quando se levantou uma forte contestação por parte de alguns comerciantes estabelecidos no Funchal, especialmente as casas de George & Robert Blackburn, de Keirs & C.ª e de Robert Wallas, cujo gerente seria depois sogro do conhecido industrial William Hinton (1817-1904), casas comerciais que pretendiam que os seus criados e empregados em geral ficassem isentos de qualquer recrutamento, mesmo os madeirenses. Nessa altura, o relacionamento luso-britânico atravessava algumas dificuldades, o que alertou o Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico. O cônsul em Lisboa, Howard de Walden, foi informado pelo congénere da Madeira, George Stoddart (1795-c. 1860) (Stoddart, George), tendo sido pedido um parecer ao juiz conservador britânico em Lisboa. O parecer foi negativo, tendo concordado com o mesmo o ministro britânico lord Palmerston. Contudo, o assunto continuou a agitar a comunidade britânica no Funchal. Corpo cavalaria Guarda Nacional. Arquivo Rui Carita A portaria de 19 de março de 1835, entretanto, determinou a formação, na Madeira, de um Batalhão de Caçadores da Guarda Nacional, o qual se constituiu definitivamente em 1836, tendo os seus oficiais sido eleitos em 10 de janeiro desse ano, numa reunião realizada na Pr. da Constituição (Palácio e fortaleza de S. Lourenço). A Câmara Municipal do Funchal enviava ao prefeito a lista dos oficiais eleitos, para este a submeter à aprovação do Governo de Lisboa. Eram eleitos de dois em dois anos e o primeiro comandante do Batalhão de Caçadores da Guarda Nacional foi o Cor. Valentim de Freitas Leal (1790-1879), que já havia comandado o Batalhão dos Voluntários Reais de D. Pedro IV, sendo depois membro do conselho do Governo e governador interino (Governo civil). A Guarda Nacional do Funchal tinha uma bandeira oferecida por Ana Mascarenhas e Ataíde (c. 1795-1887), mulher do prefeito, em 14 de janeiro de 1835. Os guardas nacionais foram dissolvidos pela lei de 7 de outubro de 1846, no contexto político que levaria às revoltas da Maria da Fonte e da Patuleia, nas quais perdeu a vida o antigo prefeito da Madeira, junto a Torres Vedras, a 27 de dezembro de 1847. Rui Carita (atualizado a 13.12.2017)

Sociedade e Comunicação Social

susan harriet vernon harcourt

Lady Susan Harriet Vernon Harcourt nasceu em 1824 e recebeu o nome de Susan Harriet Holroyd. Era filha do 2.º conde de Sheffield (1802-1876) e casou-se, em agosto de 1849, com Edward William Vernon Harcourt (1825-1891). No ano anterior ao do seu casamento, lady Susan acompanhou o noivo à Madeira com sua mãe, a condessa de Sheffield. Edward já tinha estado na Madeira de outubro de 1847 a abril de 1848., e esteve com a noiva de novembro de 1848 a maio de 1849. Volta à Ilha depois do casamento, de novembro de 1849 a maio de 1850 e de novembro de 1850 a abril de 1851. Na família Harcourt parece ter sido tradição, entre os que apresentavam debilidades físicas, a passagem do inverno na Madeira, onde esteve o pai de Edward, Rev. William Vernom Harcourt, e, no inverno de 1847 para 1848, seu irmão William George Granville Venables Vernon Harcourt (1827-1904), depois ministro do Interior de um dos governos da rainha Vitória e uma das figuras políticas determinantes do seu tempo; mais tarde, o filho deste também frequentaria a Madeira (Turismo terapêutico). O álbum de lady Susan Harcourt Sketch of Madeira, editado em Londres, em 1851, por Thomas McLean, espelha a educação das classes abastadas da sua época, a que não escapava a autora e o marido, que edita na mesma data e pelo mesmo editor A Sketch of Madeira, Containing Information for the Traveller, or Invalid Visitor, dedicado à sogra, condessa de Sheffield. Edward também se interessava por ornitologia e daria à estampa as suas observações sobre as aves da Madeira, igualmente editadas em Londres, em 1855. Trocava, inclusivamente, correspondência com Charles Darwin; da qual se extraíram as informações sobre as suas deslocações à Madeira. O conjunto de litografias de lady Susan reúne 22 vistas da Madeira, litografadas pela própria ou pelo menos com a sua colaboração. Destas litografias 3 são em grande formato, demonstrando muito boa qualidade de desenho, com um traço suave, delicado e feminino, abarcando os grandes planos gerais e esboçando somente os pequenos detalhes. Desconhece-se o destino dos originais, bem como de posteriores trabalhos da autora, que terá passado a dedicar-se inteiramente à educação dos dois filhos. Morre aos 64 anos, em abril de 1894. A documentação da família encontra-se hoje integrada na Bodleian Library da Universidade de Oxford, onde, em conformidade com o que foi dito não constam os desenhos originais nem referência a trabalhos posteriores, que talvez se mantenham na posse da família. O conjunto editado do casal Harcourt enquadra-se no “grand tour” de educação das sociedades europeias abastadas, que olhavam para a Madeira como um destino no leque de possibilidades do turismo terapêutico. Ao mesmo tempo, este conjunto retrata uma nova posição e atitude da mulher ao longo do séc. XIX, que não só desenha em público, o que até então era quase impossível, como edita depois as suas obras, podendo, inclusivamente, trabalhar na sua passagem à litografia. Poucos anos antes, em 1845, também Jane Wallas Penford (1821-1884) editara os seus trabalhos em Londres, no conjunto Madeira Flowers, Fruits, and Ferns, este elaborado a partir de aguarelas feitas na sua propriedade da quinta da Achada – e não em público – e de litografias posteriormente aguareladas pela sua mão, também na sua quinta do Funchal. Edward Harcourt tece algumas considerações sobre os desenhos da sua então ainda noiva lady Susan, onde descreve a dificuldade em captar o cenário grandioso da paisagem madeirense, face à contínua mudança de luminosidade. Ao contrário da permanente neblina dos ambientes nórdicos, na Madeira a constância dos brilhos alterava-se constantemente pela simples passagem de uma nuvem. O autor conta ainda as dificuldades em que se via a pintora ao iniciar o seu trabalho, por ser de imediato rodeada de inúmeros observadores que, parecendo não ter mais nada para fazer, ali se mantinham inabaláveis durante horas a fio. Informa e alerta também os futuros leitores sobre a taxa imposta pela Alfândega do Funchal aos desenhos levados da Ilha, 6 xelins e 8 pences por libra de peso, o que considerava um verdadeiro exagero, mas que configura a consciência do interesse económico dos mesmos por parte das autoridades aduaneiras insulares.   Rui Carita (atualizado a 30.12.2017)

Artes e Design Madeira Global Sociedade e Comunicação Social

indústrias do turismo

O alerta oficial para o turismo e todas as futuras indústrias relacionadas com o mesmo ficou a dever-se ao Gov. José Silvestre Ribeiro (1807-1891), que, a partir de 1847, desenvolveu uma intensa pressão sobre toda a sociedade insular nesse sentido. O governador implantou, inclusivamente, a iluminação pública no centro da cidade, no que envolveu a Câmara Municipal e os comerciantes, tentou criar normas de relação cívica “com os inúmeros estrangeiros que nos visitam”, propôs a edição de “memórias históricas” (MENESES, 1849, I, 607-608), no âmbito dos anais municipais e chegou mesmo a propor a sua publicação em várias línguas, e, no palácio de S. Lourenço, em 1850, realizou uma exposição industrial que foi a base da representação madeirense na célebre Exposição Universal de Londres do ano seguinte. Datam dessa época o desenvolvimento dos serviços de instalação e transporte dos forasteiros, que deixam de alugar prioritariamente as antigas quintas madeirenses para optarem por instalações hoteleiras, e dos transportes locais, como os carros de cesto do Monte e os carros de bois, e o lançamento das indústrias de artesanato, como bordados, vimes e embutidos, que atingiram depois padrões de certa qualidade na Madeira, dada a sua ligação à indústria geral do turismo. Com profundas raízes na cultura e nas tradições locais, o seu aproveitamento económico, com o aumento dos índices de turismo na Ilha, apresentou aspetos totalmente novos e até inesperados, como é o caso dos bordados, cujo peso económico chegou, pontualmente, a ultrapassar o dos vinhos. A indústria dos bordados na Madeira, enquanto indústria, foi introduzida pelos Ingleses; não que não houvesse já trabalhos de bordado, mas foi com os comerciantes ingleses que este trabalho se adaptou progressivamente aos vários mercados internacionais. As primeiras referências que temos na Ilha à sua existência datam de 1849, quando o futuro conselheiro José Silvestre Ribeiro os refere como “produtos e artefactos de algum merecimento”, numa nota exarada do Governo Civil do Funchal em 23 de novembro desse ano, depois transcrita num periódico continental (Revista Univesal Lisbonense, 1849, 133-134). Com a crise de 1847, o célebre “ano da fome”, o Gov. José Silvestre Ribeiro reativara a anterior “Comissão Central de Auxílio”, que funcionara entre 1843 e 1844. A ideia foi lançada na “Assembleia-geral” realizada a 4 de fevereiro desse ano de 1847, no palácio de S. Lourenço, reunindo os elementos do Conselho do Distrito, e então alargada a outras autoridades. Foi nessa assembleia que se propôs a reativação da antiga “Comissão de Auxílio”, o que se efetivou no dia 6 seguinte, com o título de “Comissão de Socorros Públicos”, e que se constituiu ainda comissões concelhias. A comissão central foi constituída pelo prelado D. José Xavier Cerveira e Sousa (1810-1862), como presidente, Pedro Agostinho Teixeira de Vasconcelos, John H. Holloway, William Grant e João Francisco Florença, como vogais, e, como secretário, Joseph Selby, então vice-cônsul inglês no Funchal e depois também cônsul da Dinamarca (VIEIRA e RIBEIRO, 1989, 39). Os fundos recolhidos por esta comissão haveriam de ser investidos em obras públicas e, também, no artesanato dos bordados, reconhecendo o trabalho já efetuado por algumas mulheres madeirenses e que as mesmas, através do seu trabalho, poderiam contribuir para o sustento dos seus agregados familiares. Em 1850, na exposição industrial de S. Lourenço, já há referências à presença de panos e de bordados e, para a célebre Exposição Universal de Londres, na representação madeirense dos objetos manufaturados, seguiram igualmente panos de linho, guardanapos, rendas de linho, xaile de meia e obras de croché, demonstrando a visibilidade dessa nova atividade. No entanto, na exposição seguinte, de 1853, descrita, embora sumariamente, por Isabella de França, que a visitou a 29 de abril, a atenta escritora não refere a presença de bordados, limitando-se à descrição das giestas em flor que decoravam os currais, de fetos muito bonitos, etc. A sua apresentação como produto para venda aparece na exposição industrial do Funchal de 1850, e, no ano seguinte, alguns bordados eram expostos em Londres, na Exposição Universal, embora a sua divulgação só ocorra a partir de 1854 e 1856, com as “meninas” Phelps, filhas de Joseph Phelps (1791-1876), antigo presidente da Associação de Comerciantes do Funchal, e de Elisabeth Dickinson (1796-1876). Na correspondência e nos diários das irmãs Mary Phelps (1822-1893) e Bella Phelps (1820-1893) não existe, no entanto, qualquer referência a esse respeito, nem ao ensino de bordados, nem à sua comercialização, como a tradição inglesa tem transmitido. O comércio de bordados seria seguido pelos irmãos Robert e Franck Wilkinson, também Ingleses, estabelecidos na Madeira a partir de 1862 – nesse ano, segundo a “Estatística Industrial do Distrito do Funchal”, de Francisco de Paula de Campos e Oliveira, existiriam mais de 1000 bordadeiras na Madeira, rendendo a venda anual de bordados cerca de 100 contos de réis (SILVA e MENESES, 1998, I, 162). Ao mesmo tempo, diariamente consumiam-se em bordados cerca de 15 kg de linhas. No entanto, a exportação registada pela Alfândega era somente de 6 a 7 contos de réis, pelo que a sua saída se dava, essencialmente, por meio dos turistas, que os transportavam na bagagem, o que justifica que este assunto se torne, depois, um cavalo de batalha da Associação Comercial do Funchal. Elizabeth e Joseph Phepls. 1875. Arquivo Rui Carita. Na Madeira, o bordado para exportação começou por ser executado em tiras de pano, e estimava-se que uma bordadeira trabalhava um dia inteiro para produzir 0,5 m de bordado. Estas tiras destinavam-se a ser aplicadas em roupa branca, confecionadas nos sítios de destino, quer nas casas da cidade do Funchal, quer no estrangeiro. Esta época representou na Europa um novo interesse pela indumentária, especialmente feminina, mesmo íntima, que dominou os hábitos de vestir das classes mais favorecidas e que se estendeu à restante roupa, como a de cama, com lençóis e almofadas, cortinados, etc. Esta fase correspondeu a criações ingénuas e rudimentares, da responsabilidade da própria bordadeira, que, inspirada em temas antigos e tradicionais, utilizava riscos próprios. Mais tarde, as bordadeiras passaram a criar outros modelos a partir de pequenos carimbos ou rodízios feitos em madeira de buxo, muitos fornecidos pelas casas comerciais do Funchal, com os quais imprimiam o desenho sobre o pano, utilizando como material de impressão papel químico ou as antigas almofadas de carimbo embebidas em tinta azul. Vestido de manhã. 1887 O bordado da Madeira sofreu uma certa concorrência na déc. de 80, especialmente do bordado suíço, parcialmente mecanizado e com uma outra qualidade de execução, de acordo com os padrões internacionais. O bordado madeirense, entretanto, mantinha-se perfeitamente artesanal, sem qualquer inovação nos desenhos e nos padrões apresentados. Embora a sua execução continuasse dentro de bons padrões de qualidade, como atesta Helen Taylor, cidadã inglesa que residiu na Madeira durante algum tempo e que, em 1882, referia que “muito bom bordado” era vendido de porta em porta (TAYLOR, 1882, 27), o produto não atingia, ainda, um patamar que lhe permitisse ser internacionalmente apresentado nas grandes lojas de moda. Mesmo assim, os níveis de exportação conseguiram manter-se, somente com alguma quebra, embora não em valores exponenciais, como até então, e nos quais não é possível contabilizar, acrescente-se, nem o bordado vendido de porta em porta, nem o vendido nos navios que estacionavam na baía do Funchal. Datam do final do séc. XIX, por volta de 1890, as primeiras casas alemãs exportadoras de bordados e as principais responsáveis pela divulgação, na Europa Central e na América, deste produto. O mercado inglês, por razões várias, tinha deixado de se mostrar interessado nos bordados da Madeira, mas estes passaram a encontrar uma boa recetividade nos mercados centrais europeus e americanos. Dos finais do séc. XIX data também a fixação no Funchal de uma importante comunidade de sírio-americanos, que igualmente iriam apostar fortemente na exportação dos bordados, principalmente para a América do Norte. Este aumento tem por base as alterações introduzidas no mercado internacional pela Alemanha, que passa a apoiar, sob o ponto de vista fiscal, num sistema aduaneiro denominado drawback, os tecidos que, exportados da Alemanha, eram reimportados estando valorizados com elementos vários, como seja o bordado, sendo então novamente reexportados, preferencialmente para o mercado americano. Nesse quadro, entre 1893 e 1910, e.g., as casas de exportação de bordados no Funchal quase triplicaram, alterando profundamente o seu esquema de distribuição e produção anteriores. As casas de bordados passaram a elaborar os desenhos que pretendiam, distribuindo assim às bordadeiras do campo o tecido já estampado através de maquinaria própria, que era depois recolhido semanalmente pelos seus agentes. As casas de bordados passaram ainda a possuir serviços especiais para executarem os desenhos e a estampagem, assim como depois para alguns acabamentos finais, que incluíam as lavagens que apagavam os vestígios dos desenhos, o engomar e o empacotar do produto final. De um global de exportação de pouco mais de 200 contos de réis, nos inícios do séc. XX, passava-se, em 1919, para mais de 600 contos. Por esta altura, no Funchal, existiriam cerca de 34 casas exportadoras de bordados, parte das quais na mão de firmas norte-americanas, orientadas no Funchal por elementos de origem síria. A questão da sobrevivência do bordado da Madeira apaixonou alguns historiadores, não sendo fácil explicar a sua capacidade de sobrevivência perante a crescente industrialização de outros centros de produção. A defesa da sua qualidade com base no pressuposto de que, por ser manual, era superior ao mecânico, não resiste à mínima análise, pois os bordados mecânicos revelavam-se idênticos, não sendo facilmente destrinçáveis dos manuais, salvo um ponto mais encorpado no “bordado Madeira”, o que não deixa de ser um pormenor. Acresce ainda que muito do bordado manual apresenta imperfeições de execução. Também o mito da sua originalidade não resiste à análise, pois a maior parte dos desenhos eram enviados pelos importadores e os pontos utilizados são comuns a muitos outros bordados, como o “Richelieu”, “garanitos”, “estrelas abertas” ou “fechadas”, “caseado”, “pesponto”, “cavacas”, “ilhós”, etc., pouco ou nada se tendo inovado nesse campo, com base na alardeada “tradição do bordado Madeira”. A questão assenta assim, essencialmente, no preço da mão de obra, excecionalmente barata (CÂMARA, 2002, 203-221). Bomboto de vimes e bordado. 1936. Arquivo Rui Carita No mesmo caminho se encontram os trabalhos de vime, essencialmente efetuados na área da freguesia da Camacha, mas cujos valores económicos nunca se aproximaram dos do bordado, até porque este se chegou a estender por quase toda a Ilha, enquanto o vime foi pouco mais longe que a Camacha. Estes trabalhos eram construídos a partir dos ramos do vimeiro, salis fragilis, arbusto que se cultiva até uma altitude de cerca de 800 m, em locais húmidos e com abundância de água, quase sempre perto de ribeiras. As tarefas de preparação da planta, embora complexas e utilizando alguma mão de obra, eram compensadas pelo baixo preço da mesma nas freguesias rurais, como era a da Camacha. O tratamento exigia mergulhar as pontas das hastes do vimeiro nas ribeiras, ou em tanques, onde ficava cerca de três meses, para rebentar ou refilar o caule, após o que podia ser descascado. Esta operação era da responsabilidade dos produtores, muitos dos quais estavam na costa norte da Ilha, que assim o vendiam quase sempre já descascado. Após esta operação, o vime era seco ao sol durante cerca de dois meses, após o que era novamente humedecido para poder ser trabalhado. O trabalho de verga é comum em toda a Europa e noutros locais do mundo, como no Oriente, já sendo mencionado na Madeira, nos meados do séc. XVI, por Gaspar Frutuoso. Refere assim o cronista, por interposta pessoa, pois nunca foi à Madeira, que, “nas faldas da serra da banda do Sul”, existia muita giesta, “que é mato baixo, como urzes”, e que dá flor amarela. Era gasto nos fornos e dele se colhia “a verga que esbulham como vime”, de que se fazem “os cestos brancos muito galantes e frescos para servir de mesa, e oferta de batismo, e outras coisas, por serem muito alvos, e limpos”. Por isso se vendiam então para fora da Ilha e do reino de Portugal, porque se faziam “muitas invenções de cestos muito polidos e custosos, armando-se às vezes sobre um dez, e doze diversos, ficando todos” como uma “peça só”. Acrescenta ainda que “para se fazerem mais alvos do que a verga é de sua natureza, ainda que é muito branca, os defumam com enxofre” (FRUTUOSO, 1968, 138). Seriam obras deste género as enviadas para a já mencionada Exposição Universal de Londres de 1852 por José Silvestre Ribeiro, citando-se então “cestos de verga de giestas”. Bomboto de vimes. 1950. Arquivo Rui Carita.   Bomboto de vimes. 1936. Arquivo Rui Carita Refere o Elucidário Madeirense, por certo Carlos Azevedo de Meneses, que se debruçou mais especialmente sobre esta área, que o desenvolvimento e a industrialização deste tipo de trabalhos se ficou a dever a William Hinton (1817-1904), que incentivou alguns trabalhadores a executá-lo, aproveitando as especiais e húmidas condições climáticas do local. Um dos primeiros artífices teria sido António Caldeira, o qual, desmanchando uma cesta importada pela família Hinton, a utilizou como modelo para fazer outra idêntica em vime. No entanto, parece que na freguesia da Camacha já se executavam trabalhos semelhantes em vime por volta de 1812, por certo mais rudes e sem o vime descascado, como a cestaria que se utiliza ainda hoje nas vindimas e para obras várias de construção civil, sobretudo para transporte de pedras e madeiras. As obras de vime tiveram larga utilização na Madeira, fornecendo um género de mobiliário adaptado ao clima um tanto húmido da Madeira, vulgarizando-se nos lugares ao ar livre. Foram ainda o mobiliário de eleição para os visitantes temporários do Funchal, especialmente no inverno, que deste modo mobilavam as suas casas por preços módicos e em conformidade com um certo exotismo apreciado em meados e finais do séc. XIX. O seu fabrico disparou na déc. de 80, com o exponencial aumento da navegação atlântica, sendo vendido por bomboto e acumulando-se nos decks dos grandes paquetes, como é patente em inúmeros registos fotográficos da época, servindo, inclusivamente, de mobiliário de bordo, leve e facilmente transportável. Miss Henriette Wilhelmina Montgomery Cadogan na Quinta da Saudade. 1888. Arquivo Rui Carita. A procura motivada pelo fluxo turístico fez crescer a produção, assim como a população da freguesia da Camacha que se dedicava a este artesanato, mas não criou novas relações de produção, como nos bordados, que melhorassem e favorecessem a atividade com algumas inovações mecânicas. O aparecimento, em 1902, no Funchal, de uma oficina da firma britânica Raleigh C. Payne & C.ª, que chegou a mecanizar alguns segmentos da produção, não teve grande seguimento, sendo o grosso da produção efetuado na Camacha e de modo totalmente manual. A produção envolvia quase toda a população daquela freguesia, incluindo mulheres e crianças, cabendo mesmo a algumas mulheres, as cesteiras, transportar parte da produção à cabeça para o Funchal. Salvo a já referida Raleigh C. Payne & C.ª, as restantes firmas eram essencialmente constituídas por capitais locais, com as oficinas na Camacha e um ou outro escritório no Funchal. A produção ficou assim entregue, até aos meados do séc. XX, aos camponeses camachenses, não tendo havido qualquer intervenção mais especializada que lhes melhorasse a qualidade visual e lhes organizasse a produção. Consultando um catálogo dos inícios do século, dos poucos que foram produzidos nesta área, da firma A. F. Nóbrega & Filho, com escritório no Funchal e “com fábrica na origem, na pitoresca freguesia da Camacha”, constata-se que, embora apresentando uma espantosa coleção de mais de 420 obras de vimes (RODRIGUES, 2000, 3-4), não passam os seus modelos do pitoresco e do engenhoso. As obras de marcenaria na Madeira foram quase contemporâneas do povoamento, tendo tido por base o excecional parque arbóreo encontrado na Ilha. Em 1506, e.g., Valentim Fernandes descrevia a utilização das madeiras da Ilha, fazendo uso, por certo, de informações referentes ao século anterior. Assim, refere que se explorava a madeira de cedro, sendo então possível obter tabuado de sete palmos de largo, ou seja, cerca de 1,5 m, referindo que quase parecia madeira para mastros de navios (Arsenal de S. Tiago). Desta madeira fabricavam-se caixas para casa, mesas e cadeiras, conforme também acrescenta. Os trabalhos de preparação das madeiras são igualmente descritos por Gaspar Frutuoso mais de 70 anos depois, com um muito interessante apontamento sobre o trabalho da serra de água do Faial, também referindo que se exportavam móveis e bufetes. Nos meados do séc. XVII, existem inclusivamente cartas de examinação do mestre das obras reais Bartolomeu João (c. 1590-1658), de 28 de setembro de 1656, registada na Câmara do Funchal, certificando que Filipe Correia fora examinado como mestre de ofício de “marceneiro e ensamblador”, e que o mestre das obras “o achara muito destro e hábil em fazer escrivaninhas e bufetes ao mosaico, guarda-roupas marchetados de ébano”, tal como mosquetes (PEREIRA, 1968, II, 788). Estes trabalhos tiveram assim continuidade nos sécs. XVII e XVIII, então utilizando-se madeiras de outras proveniências, como do Brasil, de que os mais importantes exemplos deverão ser o para-vento e os púlpitos, assim como os vários móveis de parede da sacristia da igreja do Colégio dos Jesuítas do Funchal, trabalho efetuado pela mesma data, como consta no para-vento: 1725. Na continuidade desse trabalho, na listagem dos produtos enviados para a Exposição Universal de Londres por José Silvestre Ribeiro, nas “Obras de marcenaria”, figuram mesas, caixas, tabuleiros de xadrez, estantes e facas para cortar papel (FREITAS, 1852, 404-407), não sendo fácil identificar os trabalhos e os artesãos. É provável que uma das peças enviadas a Londres tenha sido a garrafeira de José António de Sousa, que assinava também como “artista madeirense”, a qual se encontra na coleção do Museu Quinta das Cruzes, e que esteve na exposição de 1850 realizada no palácio de S. Lourenço, onde o ensamblador premiado foi António José de Abreu. Outros nomes de embutidores ou ensambladores madeirenses aparecem mais tarde, já perto dos finais do século, com a integração destes mestres no ensino profissional, oficialmente por volta de 1893, na então Escola de Desenho Industrial, na R. de Santa Maria, cujo edifício subsiste, com a sua alta torre. O primeiro elemento de certa notoriedade teria sido Manuel Rodrigues Gaspar, com oficina própria junto ao eremitério da Penha de França, mestre da oficina daquela escola. Já então se distinguiam outros mestres embutidores, entre os quais João de Sousa, José Gregório de Sousa e Eduardo Pereira (c. 1860-1940), que se tornaram notórios a partir dessa data. O último criou uma mesa decorada com os monogramas reais, que foi oferecida ao casal real D. Carlos e D. Amélia na visita que fizeram às ilhas em 1901, e depois depositada na Fundação D. Manuel II, em Lisboa. Os temas dos trabalhos de embutidos, tal como acontecia nos bordados, eram essencialmente vocacionados para os visitantes estrangeiros, repetindo até à exaustão pares de vilões a dançar, carrinhos de bois e cestos do Monte, mais ou menos envolvidos por flores e monótonas cercaduras, como refere, por volta de 1906, Vitorino José dos Santos. Refere o mesmo que havia então na Madeira alguns operários e embutidores “por ensino técnico”, dispondo de “talento para a composição artística, que produzem trabalhos de reconhecido merecimento, procurados e apreciados por pessoas entendidas”. Não deixa, no entanto, de mencionar que, em geral, aos “operários madeirenses falta cultura intelectual e gosto artístico”, o que os desinteressa da ideia de “progredir, variando e melhorando a composição dos seus trabalhos”, e, por isso, a maioria dos embutidos continua “rotineiramente a apresentar-se segundo os mesmos modelos”, quase sempre figurando os tradicionais “vilões madeirenses”, os carros de bois, redes e “carrinhos do Monte”, guarnecidos de “cercaduras de desenhos simétricos e pouco variados” (SANTOS, 1907). Mesa com cabeças de vilºoes. 1930 Miguéis e Franco. Arquivo Rui Carita. O diploma de 4 de setembro de 1916 determinou a oficialização da marcenaria na então Escola Industrial e Comercial do Funchal, através da constituição de uma oficina de “incrustação e embutidos”, que só viria a funcionar em outubro de 1919, sendo seu primeiro regente o ensamblador Manuel dos Passos Aguiar, depois medalha de ouro da grande Exposição Industrial Portuguesa de 1939 (PEREIRA, 1968, II, 789). Com este regente, aparecem a trabalhar o já citado Eduardo Pereira, o marceneiro Francisco Franco (pai), cujo diploma se encontra no espólio do Museu Henrique e Francisco Franco, os pintores Henrique Franco (1883-1961) e Alfredo Miguéis (1883-1943), assim como, provavelmente, também o escultor Francisco Franco (1888-1955). Devem datar dessa época os desenhos “arte nova” com cabeças de menino com barrete de vilão, bem ao gosto de Henrique Franco, ou algumas mesas com cabeças de senhoras, indubitavelmente da autoria de Alfredo Miguéis. A saída dos irmãos Franco para Lisboa nos anos 30 e o falecimento de Alfredo Miguéis em 1943 levaram à estagnação criativa desta atividade. A indústria dos embutidos manter-se-ia nas primeiras décadas do séc. XX, mas acusaria algum cansaço nos meados do século. Apesar da introdução do pintor Américo Tavares de Oliveira e Silva, a lecionar na Escola Industrial entre 1945 e 1950, a situação de impasse manteve-se, como é patente pela tentativa de revitalização da então Delegação de Turismo, de 20 de abril de 1948, no sentido de “difundir o gosto pelas artes, ofícios e curiosidades de produção local, reintegrando-os no seu pitoresco e na pureza das suas características” (Id., Ibid., 170), cujos termos enunciados são já de perfeita morte anunciada. Passeio de rede. Pico dos Barcelos. Fotografia sem data. Os meados do séc. XIX assistiram ao nascimento da fotografia, inicialmente tímido, a qual, porém, a partir dos inícios da segunda metade desse século, iniciou a sua progressiva internacionalização e democratização, o que, de certa forma, alteraria e condicionaria, a partir de então, toda a forma de estar das sociedades urbanas. O séc. XIX foi um século ávido da fixação da imagem, primeiro através da litografia, mais ou menos animada a aguarela (Andrew Picken, Frank Dillon, Pitt Springet e Lady Susan Vernon Harcourt), e, depois, da fotografia, também essa muitas vezes igualmente animada, e que fornecia o que se entendia ser a inteira verdade da realidade captada, tão cara ao positivismo. Se, numa primeira fase, os viajantes internacionais adquiriram nos fotógrafos locais as principais imagens da Ilha, como fez o médico Carl Passavant (1854-1887), em 1883, muito provavelmente no estúdio de Augusto Maria Camacho (1838-1927), e, em 1887, o marquês de Albizzi, para depois as passar a gravura e ilustrar os seus “Six mois à Madère”, publicados em Paris em 1888, em breve muitos chegavam à Ilha como fotógrafos amadores, tirando as suas próprias fotografias, como, inclusivamente, o Rei D. Carlos, na visita régia de junho de 1901. Nessa altura, já se encontravam estabelecidos no Funchal os fotógrafos Vicente Gomes da Silva (1827-1906) e já saíra para Lisboa João Francisco Camacho (1833-1898), que passara o atelier ao irmão Augusto Maria Camacho, estúdio onde se viria a instalar, depois, Joaquim Augusto de Sousa (1853-1905), embora sempre se dando como amador, e, ainda, Manuel de Olim Perestrelo (1854-1929), a que se seguiram os filhos, netos, bisnetos e trisnetos. Sé do Funchal. Georges Balat. 1901. Arquivo Rui Carita. A fotografia desempenhou e desempenha um muito especial papel num destino turístico como a Madeira. Primeiro, com a possibilidade de registar a passagem pela Ilha dos inúmeros doentes, dos quais, por vezes, só regressavam a casa as fotografias, mas também as paisagens, de que avidamente os muitos visitantes levavam fotografias, quer como prova de ali terem estado quer como recordação do que ali tinham visto, ou que gostariam de ter visto. A instalação dos estúdios fotográficos e a posterior divulgação das máquinas fotográficas, assim como da indústria das reproduções, associada ainda à divulgação dos correios, criará igualmente uma outra indústria totalmente nova, a do bilhete-postal, que se tornará uma novidade que promoverá a imagem da Madeira um pouco por todo o mundo e dará origem a uma moda de colecionismo romântico excecionalmente importante, que entrará pelos meados do séc. XX; e, no séc. XXI, pela divulgação do digital, aparecem quase todos os dias nos diversos fóruns destas áreas novas fotografias tiradas na ilha da Madeira.   Rui Carita (atualizado a 18.12.2017)

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universidade da madeira

Universidade da Madeira, Campus da Penteada. Foto BF Na Madeira, ao longo do Antigo Regime, o ensino esteve entregue, quase exclusivamente, à igreja, nomeadamente, através das paróquias ou, na sede da diocese, do mestre-escola da sé, e depois, do Colégio dos Jesuítas e do seminário, fundados nos finais do séc. XVI. Para o acesso ao ensino superior, os madeirenses tinham que deslocar-se ao continente, como aconteceu a muitos, formando-se nas universidades de Coimbra, Salamanca, Paris e Roma, entre outras, com todos os custos daí advindos e nem sempre regressando à Ilha. Com a fundação do Colégio dos Jesuítas, por carta régia de D. Sebastião, a 20 de agosto de 1569, nasceu a primeira instituição de ensino nacional na Madeira. As aulas tiveram início a 9 de maio de 1570, na então albergaria de S. Sebastião; sendo o dia dedicado ao martírio de S. João Evangelista, este passou a ser o orago da igreja e do colégio do Funchal. Em 1599, iniciou-se a construção do grande edifício do colégio, no centro da cidade, onde se encontra hoje instalada a reitoria da Universidade da Madeira (UMa), que também veio a escolher o dia 9 de maio para data festiva. Ao mesmo tempo, foi instituído o seminário diocesano, cujas aulas vieram a funcionar sempre em certa articulação com as do colégio. Após a extinção da Companhia de Jesus, em 1768, no edifício do antigo colégio, ainda funcionou a aula de geometria e desenho, essencialmente dedicada ao ensino militar. A atividade desta Aula foi mais ou menos efémera, mas o ensino militar manteve-se, depois, nas dependências do quartel do colégio e no quadro de formação dos vários regimentos ali aquartelados. A primeira instituição de ensino superior na Madeira foi a Escola Médico-Cirúrgica do Funchal. Por dec. de 29 de dezembro de 1836, determinava-se a abertura de uma escola médico-cirúrgica no hospital da Santa Casa da Misericórdia (SCM) de cada uma das capitais dos distritos administrativos do ultramar. A do Funchal, criada em 1837, mas correspondendo a uma aspiração com mais de 20 anos da SCM, foi encerrada nos primeiros meses da República, por dec. de 11 de novembro de 1910, tendo, ao longo de 73 anos, formado 250 médicos, que exerceram clínica em Portugal e no estrangeiro, incluindo, em 1902, duas médicas. O ensino das artes plásticas na Ilha remonta, pelo menos, aos meados do séc. XVIII, com o ateliê ou escola de pintura de Nicolau Ferreira Duarte. Entre os finais da centúria e os inícios de Oitocentos, esse mestre e os seus alunos executaram uma quantidade excecional de trabalhos, embora de qualidade muito irregular, obras que ainda se encontram na Madeira, dispersos por quase todas as igrejas e capelas do arquipélago. Nos inícios do séc. XIX, com a carta régia de 7 de julho de 1809, foi criada uma aula de desenho e pintura na Madeira que começou a funcionar em março do ano seguinte. A regência foi confiada ao pintor Joaquim Leonardo da Rocha, cujo pai lecionara no estabelecimento congénere de Lisboa, decorrendo as aulas até à sua morte, em 1824. Cândido Pereira – autorretrato a carvão, assinado, datado de 1930 e com dedicatóriaFonte: acervo da Escola Secundária Francisco Franco. O ensino das belas-artes, sob perspetiva diversa, seria reinstalado na Madeira em setembro de 1889, quando foi fundada, no Funchal, uma escola de desenho industrial (Escola Industrial do Funchal), então dirigida pelo professor Cândido Pereira (1872-c. 1935), que regressaria ao continente em 1903. A ideia que motivou a fundação desse estabelecimento, designado Escola de Desenho Industrial Josefa de Óbidos, nome que veio a ser mudado para António Augusto de Aguiar, foi a de “ministrar o ensino do desenho com aplicação à indústria ou indústrias predominantes na localidade” (SILVA e MENESES, I, 1998, 399). A instituição instalou-se num bom prédio da família Acciauoli, ainda existente e hoje devoluto, na R. de Santa Maria Maior. Nos anos cinquenta do século passado, em 1955, a Sociedade de Concertos da Madeira criou uma secção de belas-artes no âmbito da Academia de Música, instituição que teve alvará definitivo em 1947 e cujos cursos seguiam os programas oficiais do conservatório nacional. Assim, os cursos complementares de belas-artes que eram lecionados em Lisboa e no Porto passaram a ser igualmente lecionados na Madeira, deslocando-se os professores daquelas escolas continentais até ao Funchal para que fossem realizados os exames finais na Ilha. Esta situação verificou-se até 1974, quando a Academia de Música e Belas-Artes da Madeira passou a gozar de total autonomia científica e pedagógica e a ministrar integralmente os referidos cursos. Pelo dec.-lei n.º 450/77, de 27 de outubro de 1977, foi criado, enquanto estabelecimento de ensino superior público, o Instituto Superior de Artes Plásticas da Madeira (ISAPM), até então, privado; era dotado de personalidade jurídica e autonomia próprias, sucedendo assim à antiga secção de belas-artes da Academia de Música. Nos inícios de 1975, as aulas e as atividades relacionadas com os trabalhos práticos do ISAPM passaram a ocupar a antiga Quinta das Angústias, hoje Quinta Vigia, mudando, no final do ano, para um prédio na R. da Carreira onde vivera o pintor Alfredo Miguéis (1883-1943). Pouco depois, foi adquirido o prédio anexo, a poente, para ampliar as instalações, procedendo-se também à integração daquele instituto na UMa, a que ainda hoje pertence. O ISAPM esteve em regime de instalação até outubro de 1985, com quadros e regime de pessoal definidos pelo dec.-lei n.º 55/84, de 16 de fevereiro, sendo a sua estrutura orgânica, os serviços e o regime de funcionamento determinados pelo dec.-lei n.º 423/85, de 22 de outubro, completando-se assim a constituição do estatuto específico dessa instituição, em inteira paridade com o das suas congéneres no continente, as escolas superiores de Lisboa e Porto. O assunto da instalação de uma universidade na Madeira era ventilado desde os meados do séc. XX, chegando a ser objeto de uma intervenção na Assembleia Nacional, a 2 de abril de 1965, pelo deputado Dr. Agostinho Cardoso (1908-1979), que aborda a questão dos “estudos universitários na Madeira” (Diário das Sessões..., n.º 203, 4853). Foi necessário esperar pela época da autonomia política e administrativa para o assunto voltar a ser equacionado, estabelecendo-se, em 1975, a extensão de alguns cursos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa à Madeira e, depois, em 1982, da Faculdade de Ciências da mesma universidade e da Universidade Católica. A 19 de dezembro de 1975, na Assembleia Constituinte, o deputado Dr. Emanuel Rodrigues tinha já apresentado um requerimento ao ministro da Educação e Investigação Científica a solicitar a constituição de um instituto universitário na Madeira, à semelhança do que havia disso feito nos Açores. Assim, sucessivos diplomas alargaram o campo do ensino na Ilha: o dec.-lei n.º 664/76, de 4 de agosto, criou o Instituto Universitário da Madeira; o n.º 322/77, de 6 de agosto, o Conservatório de Música da Madeira; o n.º 450/77, de 27 de outubro, o Instituto de Artes Plásticas da Madeira; e o n.º 205/81, de 10 de junho, instituiu oficialmente na Região Autónoma da Madeira (RAM) os centros de apoio dos estabelecimentos de ensino superior universitário. O dec.-lei n.º 332/83, de 13 de julho, por sua vez, veio estabelecer as normas gerais sobre o ensino superior na RAM, levando a um despacho conjunto, com a data de 4 de novembro de 1983, da Secretaria de Estado do Ensino Superior e da Secretaria Regional da Educação, então tutelada por Eduardo Brazão de Castro, no sentido de se criar “uma comissão com vista ao estudo da viabilidade de criação e funcionamento de uma universidade na Região Autónoma da Madeira e/ou outras alternativas institucionais” (VERÍSSIMO e SANTOS, 2015, 26). A comissão tinha um mandato de seis meses e seria constituída por cinco membros, sendo nomeados, de imediato, como presidente, Fernando Alves Cristóvão, e, como vogais, José Freitas Ferreira e Victor Hugo Lecoq Forjaz. Alguma instabilidade governativa em Lisboa e a nomeação do presidente para outras funções levaram a um certo atraso nos trabalhos desse grupo. A comissão veio a agregar àqueles dois vogais o Eng. Rui Manuel da Silva Vieira (1926-2009), antigo presidente da Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal e membro da primeira Junta Governativa da Madeira, de 1974. O trabalho do grupo veio a ser apresentado em 1985 como estudo sobre a viabilidade da Universidade da Madeira, contrapondo ao modelo napoleónico de universidade um outro, supostamente mais adaptado à realidade da Madeira, mas que levaria alguns anos a ser aprovado, verificando-se que acabaria por não se afastar especialmente dos modelos implementados no continente. Três anos mais tarde, através do dec.-lei n.º 319-A/88, de 13 de setembro de 1988, nasceu a UMa. Por despacho conjunto do ministro da República para a RAM e do ministro da Educação, de 15 de dezembro desse ano e publicado a 29 seguinte, fizeram parte da primeira comissão instaladora, como presidente, o Prof. Doutor Raul de Albuquerque Sardinha, como vogais, os Profs. Doutores Fernando Santos Henriques e José Luís Morais Ferreira Mendes, e, como administradora, a Dr.ª Ana Isabel de Portugal Almada Cardoso. A partir de então, foram sendo integrados os cursos de letras e de ciências que, desde 1978, tinham funcionado nos centros da extensão universitária, embora nesses primeiros documentos se considerasse que a UMa, pelo menos no que dizia respeito aos cursos de letras, e dada a diversidade de variantes, não poderia assumir a finalização dos cursos, tendo os seus alunos de se deslocar ao continente para obter o diploma. Em 1989-1990, começou a funcionar o 1.º ano do curso de educação física e desporto, o primeiro curso de licenciatura da UMa, criado pela portaria n.º 861-A/89, de 4 de outubro, do ministério da Educação, então sob a orientação do Prof. Fernando Ferreira. Com a extinção da Escola Superior de Educação da Madeira e a subsequente criação do Centro Integrado de Formação de Professores, através do Dec.-lei n.º 391/89, de 9 de novembro, a formação inicial dos educadores de infância e dos professores do 1.º ciclo do ensino básico passou para o âmbito da UMa. Foram aprovados, ainda durante o período de vigência da primeira comissão instaladora, a primeira versão dos estatutos da UMa. Dado o peso institucional da educação física e desporto na UMa e na RAM, e a necessidade de se encontrarem espaços com determinada liberdade e independência, adequados àquela realidade, foi equacionada, durante esses anos, a instalação da reitoria da universidade na célebre Quinta do Monte, passando as várias reuniões de trabalho a decorrerem nesse espaço emblemático madeirense. Iniciaram-se, assim, contatos vários e equacionou-se o projeto de instalar nos limites do bom parque daquela quinta as instalações de educação física, reservando-se a antiga residência para a reitoria. Em maio de 1990, todo o espaço do parque da Quinta do Monte foi demoradamente visitado por Aníbal Cavaco Silva, então primeiro-ministro do Governo central, acompanhado pelo ministro da República para a RAM e por Alberto João Jardim e Eduardo Brasão de Castro, respetivamente presidente do Governo Regional da Madeira (GRM) e secretário regional da Educação, entre outras individualidades. A quinta veio a ser adquirida pelo GRM e o seu recheio pela UMa, numa complexa negociação com os inúmeros herdeiros daquela propriedade. Porém, num curto espaço de tempo, foram tomadas outras opções, passando a comissão instaladora seguinte para o antigo Colégio dos Jesuítas. Na sequência de um período conturbado, que levou a que o vogal presidente pedisse a sua exoneração, foi indigitada uma nova comissão instaladora. Esta segunda comissão, nomeada por despacho conjunto de 25 de julho de 1991, era constituída pelo Prof. Doutor Fernando Santos Henriques, vogal da anterior que assumia agora a presidência, pelos vogais Prof. Doutor Jorge Manuel Morais Barbosa, Prof. Doutor Carlos Alberto Nieto de Castro e Prof. Doutor Joaquim José Borges Gouveia, e pela administradora Mestre Elizabete Maria Azevedo Olim Marote Oliveira. O regime de instalação foi prorrogado por mais um ano e com esta comissão a UMa comprometia-se a garantir a totalidade das licenciaturas. No entanto, os estatutos aprovados durante o mandato da primeira comissão ainda não tinham sido homologados, prolongando-se, assim, uma vez mais, a fase de instalação da universidade. O ano letivo de 1990-1991 assistiu aos primeiros passos de grande parte dos cursos da UMa, nomeadamente, biologia; física; matemática; química; línguas e literaturas modernas; variantes de estudos portugueses; estudos portugueses e franceses; estudos portugueses e ingleses; estudos portugueses e alemães; estudos portugueses e espanhóis; estudos ingleses e alemães; e estudos franceses e ingleses; todos com o ramo científico e de ensino. Em 1992-1993, começaram a funcionar os cursos de gestão e de engenharia de sistemas e computadores. Através do protocolo de integração de 30 de setembro de 1992, publicado no Diário da República, n.º 280, II série, de 4 de dezembro de 1992, o ISAPM passou a estar integrado na UMa sob a denominação de Instituto Superior de Arte e Design, da Universidade da Madeira (ISAD/UMa), devendo adotar uma organização semelhante à dos restantes departamentos e secções autónomas da instituição. Em 1991, criou-se a Associação Académica da Universidade da Madeira (AAUMa), com o intuito de responder às necessidades dos estudantes. As eleições para os corpos sociais foram marcadas para 10 de dezembro desse ano, dia em que se comemorava o aniversário da adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos por parte da Organização das Nações Unidas. Participaram no sufrágio 416 estudantes, tendo sido eleito presidente da direção Jorge Carvalho, da mesa da assembleia geral, Deodato Rodrigues e, do conselho fiscal, António Cunha; tomaram posse a 2 de janeiro seguinte. A partir de então, a AAUMa seria uma parceira privilegiada de toda a vida universitária, colaborando na elaboração da sigla, na criação do trajo académico, de várias tunas e de um grupo de fados, entre outros. Assumiu um protagonismo excecional, no plano interno e externo, lançando mesmo uma revista e criando uma imprensa académica, e mantendo exposições regulares, na área do edifício do colégio, onde montou uma das suas lojas Gaudeamus; também organizou visitas guiadas e outras atividades. O aumento exponencial dos cursos lecionados pela UMa e do número de alunos obrigou a procurar novas instalações, chegando-se, inclusivamente, a arrendar dois complexos: um no edifício Oudinot, onde passaram a funcionar alguns dos cursos das áreas das ciências exatas e naturais, e o piso térreo do edifício José Maria Branco, à R. Bela de Santiago, que fora equacionado para servir de centro comercial, para os cursos de Línguas e Literaturas Modernas e Clássicas. Entretanto, as Ciências da Educação, a Matemática e outras instalaram-se no antigo quartel do Colégio, onde vieram a ser realizados os primeiros exames, além de outras provas académicas, e.g., em 1993, a de aptidão pedagógica e capacidade científica de Mário Dionísio Cunha, e a de agregação de António Manuel Esteves dos Santos Casimiro. A primeira prova de doutoramento ocorreu a 15 de dezembro de 1994, sendo candidata Rita Maria César e Sá Fernandes de Vasconcelos, com a tese Contribuição à Análise de Dados Categorizados, inscrita em estatística matemática. A primeira prova de mestrado foi em 1999, quatro anos após a abertura o primeiro curso de mestrado da UMa, com o candidato João José Abreu de Sousa e a tese A Revolução Liberal na Madeira. Em 1993, entretanto, fora nomeada uma terceira comissão instaladora, constituída pelo vogal presidente Prof. Doutor João David Pinto Correia, pelos vogais Profs. Doutores José Manuel Castanheira da Costa e Ruben Antunes Capela, e pelo administrador Prof. Doutor António Augusto Marques de Almeida. Da sua unidade de planeamento e informação surgiu o documento Plano de Desenvolvimento: 1994-1998. Delineado em termos de proposta, este plano partiu do diagnóstico da situação então vigente (dezembro de 1994), respeitante a alunos, pessoal docente e não docente, para apresentar, a partir dessa análise, uma estratégia, tendo em vista dois grandes objetivos: o equilíbrio, em termos de rácios, em 1999 e o melhoramento da qualidade científica e pedagógica dos cursos da UMa. Datam da fase inicial da terceira comissão instaladora as primeiras obras de reabilitação do velho edifício do colégio, procedendo-se à adaptação das salas do piso superior da ala sobre a R. do Castanheiro para gabinetes e salas de reunião, e à construção de uma entrada independente desta ala para o Lrg. do Município. A área foi partilhada com a diocese do Funchal, que tinha conseguido a cedência da ala sobre aquele largo e o chamado Pátio dos Padres para instalar a Universidade Católica, havendo assim que isolar algumas paredes, construir escadas interiores e balaustradas, equipar a entrada (onde foi recuperado um antigo oratório, para o qual se adquiriu uma imagem do orago) e fechar parte do corredor grande em cima, que deixou assim de percorrer visualmente todo o edifício, desde a antiga cerca ao Lrg. do Município. Foi durante a vigência desta terceira comissão instaladora que começaram a funcionar os cursos de línguas e literaturas clássicas (ramo científico e de ensino) e que se realizaram eleições para a nova Assembleia Constituinte, tendo-se em vista a elaboração e a aprovação dos estatutos. Os seus trabalhos foram iniciados a 5 de setembro de 1995 e prolongaram-se até 25 do mesmo mês, dia em que os estatutos da UMa foram aprovados. Reenviados de novo àquela instituição de ensino e depois de analisados pela comissão de apreciação dos estatutos (a chamada Comissão Ferrer), a fim de se proceder a algumas alterações, reiniciaram-se os trabalhos, a 9 de fevereiro de 1996, até estar completa a versão final, lida e aprovada a 14 de março seguinte. Com a homologação dos estatutos da UMa pelo ministro da Educação, o Prof. Doutor Marçal Grilo, no anfiteatro do edifício do colégio, a 13 de maio de 1996, e com a consequente eleição do responsável da instituição para os dois anos seguintes, o reitor José Manuel Castanheira da Costa, que tomou posse a 28 de julho de 1996, a UMa entrou numa nova e crucial fase da sua existência. Uma fase que pressupunha a sua afirmação no contexto nacional como universidade de pleno direito, e o atingir, a nível interno, as variações mínimas nos seus balanços e números, para que pudesse enfrentar os grandes desafios que se apresentavam a qualquer instituição de ensino superior no limiar do séc. XXI. A partir de 1992/1993, a RAM assumiu a alteração da articulação do novo Complexo Tecnológico da Penteada ou Madeira Tecnopolo. Este complexo foi projetado pelo ateliê João Francisco Caires, entre 1985 e 1991, para acomodar a UMa, transitando para ali vários departamentos, no ano letivo de 1998-1999. Entre eles, o de arte e design, que, por deliberação do senado universitário, em reunião de 11 de junho de 1997, definiu a sua organização à imagem da das restantes secções autónomas. Assim, em reunião do mesmo senado, a 29 de abril de 1998, foi aprovado o novo regulamento desta unidade, com a denominação institucional de Arte e Design. Com a passagem dos departamentos para o edifício da Penteada, iniciaram-se as obras de reabilitação do outro velho edifício, nos primeiros meses de 2000, para acolher a reitoria. Esta era então liderada pelo Prof. Doutor José Manuel Castanheira da Costa, ainda no exercício do seu primeiro mandato, ficando a intervenção a cargo dos arquitetos Rui Campos Matos e Vasco Cardoso Marques (ateliê CM Arquitectos). O projeto destes assentou na abertura da antiga cantina militar à R. dos Ferreiros, como havia sido no séc. XVIII, libertando as enormes portas entaipadas, provavelmente, desde o terramoto no Funchal, em 1748. A abertura deste espaço permitiu o acesso imediato ao antigo Pátio dos Estudantes, então ajardinado, e a reabilitação do antigo ginásio militar para servir como sala de atos da UMa. Os gabinetes da reitoria passaram para o antigo Corredor do Eirado, sobre a R. dos Ferreiros. As principais cerimónias universitárias, que até então haviam decorrido, primeiro, no salão nobre da antiga Junta Geral e, depois, no congénere salão da Assembleia Legislativa, passaram a ser feitas na sala de atos da reitoria. De igual forma, todo o piso térreo à volta do Pátio dos Estudantes, quer a sala de atos, quer o conjunto de salas da antiga cooperativa militar, reabilitadas em 2005, e as salas de simulação empresarial e empreendedorismo, onde era o antigo refeitório militar, que foram reabilitadas em 2011, passaram a ter um muito especial protagonismo na vida regional, ali decorrendo encontros e congressos, mesmo organizados por outras instituições, que por vezes utilizam o espaço para receções oficiais. Não deixou de ser paradigmático que as primeiras obras de reabilitação tivessem sido inauguradas na visita do Presidente Jorge Sampaio e as segundas na do Presidente Cavaco Silva, e que, inclusivamente, fosse feita uma grande exposição alusiva aos trabalhos de reabilitação da igreja do colégio, efetuados sob a coordenação da Direção Regional dos Assuntos Culturais (DRAC). As eleições de 2000 foram ganhas por uma equipa liderada pelo Prof. Doutor Ruben Antunes Capela, que tomou posse a 19 de julho. Findo o seu mandato, assumiu a reitoria o decano da UMa, Prof. Doutor José Manuel Cunha Leal Molarinho do Carmo, exercendo funções entre 1 de junho e 19 de julho de 2004. Realizadas novas eleições, tomou posse como reitor, nesse dia 19 de julho, o Prof. Doutor Pedro Telhado Pereira, tendo sido durante a sua vigência no cargo que ocorreu a adequação dos cursos ao denominado Processo de Bolonha e que foram criados novos ciclos de estudo, de acordo com esse paradigma; em 2006 e no ano seguinte, a UMa foi objeto de avaliação externa pela European University Association. Em 2009, o serviço de ação social da UMa abriu a residência universitária N.ª S.ª das Vitórias, na R. de Santa Maria, obra que se arrastou alguns anos e, a 15 de abril desse ano, voltou a tomar posse como reitor o Prof. Doutor José Manuel Castanheira da Costa. Sucedeu-o, a 18 de abril de 2013, o Prof. Doutor José Manuel Cunha Leal Molarinho do Carmo. O Processo de Bolonha e a progressiva capacidade de mobilidade dos estudantes, especialmente europeus, aliados à fama da Madeira como destino turístico, graças à benignidade do clima, mas não só, levou à presença exponencial de estudantes estrangeiros na UMa, quer em estágios pontuais e na frequência de determinadas cadeiras, como até em cursos. Já anteriormente, as qualidades gerais do destino Madeira haviam captado um importante lote de professores e investigadores de outras nacionalidades, chegando os departamentos a contar, somente nos quatros docentes, 30 nacionalidades diferentes. O número de estudantes da UMa, entretanto, subiu para cerca de 3000 alunos e o corpo docente para cerca de 250 professores, dos quais, apenas cerca de 15 não se encontram ainda doutorados em 2014/2015, embora quase todos perto disso. A UMa cobria áreas do conhecimento que iam das ciências exatas, às engenharias, às artes e humanidades, oferecendo 18 cursos de 1.º ciclo, 18 de 2.º ciclo e 6 de doutoramento no ano letivo 2014/2015. Neste mesmo período, forneceu ainda 2 diplomas de estudos avançados, 3 pós-graduações, 9 de especialização tecnológica, e também cursos livres. Tinha, então, em funcionamento 10 unidades de investigação com 25 projetos em curso, mantendo os seus docentes e investigadores presença em inúmeras redes nacionais e internacionais de investigação científica. O trabalho de internacionalização foi especialmente iniciado e cimentado pelo Prof. Doutor Ludwing Streit, fundador do Centro de Ciências Matemáticas que soube atrair para a Madeira uma série de investigadores internacionais notáveis. Culminou com a criação, em 2009, de um instituto de investigação, o M-ITI, Madeira Interactive Technologies Institute, criado em parceria com o Tecnopolo Madeira e a Carnegie Mellon University, consolidando a internacionalização necessária e almejada por qualquer universidade. Universidade da Madeira, Campus da Penteada. Foto BF   Universidade da Madeira, Campus da Penteada. Foto BF A ideia veio a ser apresentada na abertura das aulas do ano letivo 2010/2011, comemorada no Funchal a 13 de setembro, que serviu para o ministro da Ciência e Tecnologia, o Prof. Doutor Mariano Gago (1948-2015), assinar o Contrato de Confiança no Ensino Superior com as universidades portuguesas. Na ocasião, o ministro revelou ainda a ideia trazer para a RAM uma escola de categoria internacional, na área da medicina, em rede com instituições de prestígio mundial, uma ideia que contou com o apoio do GRM. Na cerimónia esteve igualmente presente o primeiro-ministro José Sócrates, que traçou rasgados elogios ao trabalho desenvolvido na UMa, afirmando: “Estou aqui na Madeira para dizer à Universidade da Madeira e ao senhor reitor que temos orgulho no vosso trabalho e que […] sendo a mais pequena e mais jovem [das universidades portuguesas] esse trabalho foi mais custoso” (DN, Funchal, 13 set. 2010). Em 2014/2015, passados mais de 25 anos sobre o dia 13 de setembro de 1988, data do decreto que criou a UMa, esta instituição corporizava o espaço e o ponto de encontro político oficial da República e da Região, com uma progressiva afirmação nacional e internacional, tal como a conquista de uma determinada afirmação de universalidade a que todas as universidades aspiram. Nesse panorama de crescente consolidação, foi-se assistindo à colocação de elementos dos quadros docentes da UMa à frente de secretarias regionais do GRM e dos seus antigos alunos nos mais diversos postos de chefia, confirmando assim o trabalho desenvolvido nos últimos tempos.   Rui Carita (atualizado a 08.12.2017)

Educação História da Educação

áustria, carlota de

Maximiliano e Carlota da Áustria. 1857. Coleções Imperiais Austríacas A princesa Maria Carlota (1840-1927) era a filha mais nova do Rei Leopoldo de Saxe-Coburgo (1790-1865), que a revolução de 1831 fizera eleger Rei da Bélgica, e de Luísa Maria de Orleães (1812-1850), princesa de França, tendo nascido no castelo de Laeken, nos arredores de Bruxelas, a 7 de junho de 1840. Dentro da política de casamentos e alianças entre as casas reinantes europeias, chegou a colocar-se a hipótese do príncipe e futuro Rei D. Pedro V de Portugal (1837-1861), mas a opção foi para o seu casamento, em 27 de julho de 1857, com o arquiduque Ferdinando Maximiliano de Habsburgo-Lorena (1832-1867), futuro e malogrado Imperador do México (Áustria, Ferdinando Maximiliano de), tornando-se, assim, arquiduquesa de Áustria e depois, Imperatriz do México. O arquiduque fora nomeado vice-rei da Lombardia e de Veneza, reino dependente do Império Austríaco, por pressão ou sugestão do Rei Leopoldo da Bélgica, fixando-se o casal em Milão. A evolução da guerra de independência de Itália, entretanto, levou à ampliação do antigo reino da Sardenha com a Lombardia, em meados de 1859, e ao afastamento do arquiduque Maximiliano de Milão, passando para Trieste e voltando à armada austríaca, onde anteriormente prestara serviço. A frustrada viagem ao Brasil Carlota, Imperatri do México. Foto aguarelada. 1867 A 6 de dezembro de 1859, Maximiliano e Carlota, no vapor de guerra austríaco Elisabeth – em homenagem à Imperatriz Sissi, Isabel de Áustria (1837-1898) (Áustria, Isabel de) –, entravam no porto do Funchal, dando depois vários passeios pelos arredores da cidade, que o arquiduque já conhecia. Os arquiduques, desembarcando, passaram a residir na Qt. Bianchi – designada, na altura, como Qt. da Pontinha –, colocada à sua disposição pelo cônsul da Áustria, Carlo de Bianchi (1834-1910), espaço depois incorporado no complexo do Casino (Casino Parque Hotel). Uma das primeiras deslocações foi à Qt. do Monte, onde foram recebidos por Teodósia Arabela Pollock Gordon, referida por Carlota como uma “velha inglesa muito simpática, cujo filho casou há pouco tempo com uma portuguesa, filha do visconde de Torre Bela”. Nessa sequência, tinham descido para o Funchal em carro de cesto do Monte a “uma velocidade estonteante”, chegando à cidade “como por encanto”. Tendo ido ao Hotel Milles (Arquitetura do turismo de lazer), deram-lhe a provar “todas as espécies de compotas da região” e frutas tropicais da Madeira, que não lhe agradaram. Carlota escreveu, inclusivamente, nada existir, na sua opinião, “de tão desagradável ao gosto e ao olfato”, salvaguardando os ananases. Achava serem “detestáveis, como as bananas, ou então espalham, como as goiabas, um odor infeto, e possuem um gosto tão horrível, que tive de engolir muitas tangerinas antes de me livrar dele” (HABSBURGO e BÉLGICA, 2011, 92).   Quinta Bianchi. An Hiver. 1860. Na Qt. Bianchi também já lhe tinham dado a provar outro “fruto aquoso e detestável duma passiflora a que os portugueses chamam maracujá” (Id., Ibid., 89), mas que agradou bastante ao marido. Mais tarde, mostrou interesse em provar cana-de-açúcar, cujo sabor achou muito agradável, assim como refere então “um encantador costume da Ilha que consiste em lavar as mãos após o jantar em taças cheias de rosas vermelhas desfolhadas” (Id., Ibid., 96). Toda a paisagem natural da Madeira, no entanto, encantou-a profundamente, considerando-a “um espetáculo tão grandioso como imponente” (Id., Ibid., 98), como se refere à vista do pico Grande sobre o Curral das Freiras. As descrições das quintas e dos jardins visitados são igualmente quase sempre encomiásticas. Os arquiduques saíram do Funchal a 15 de dezembro, com destino a Cabo Verde e ao Brasil, em viagem de estudo, chegando às Canárias, ao porto de Orotava, na ilha de Tenerife, a 17 seguinte, mas não lançando âncora, dadas as condições do mar. O mau tempo alterou totalmente o plano de viagem, assim como a autonomia do Elisabeth, que não estava preparado para as grandes viagens atlânticas. O navio levou Carlota e a sua comitiva de volta para o Funchal, ficando a arquiduquesa na Madeira nesse inverno de 1859-1860, aguardando o regresso do marido do Brasil, que ocorreu a 5 de março de 1860. Os arquiduques saíram da Ilha a 12 desse mesmo mês, com destino ao Adriático e à costa da antiga Dalmácia, que incorporava o então Império Austro-Húngaro (Áustria). O diário de Carlota Vilão da Madeira. An Hiver. A arquiduquesa Carlota, tal como fez Maximiliano, veio a publicar as suas impressões da viagem na Madeira e, tal como as do marido, anónimas e com um sentido muito crítico para com os habitantes da Ilha. O trabalho, editado em Viena em 1863, é um diário que se inicia a 10 de novembro de 1859, quando o casal embarca num porto do Adriático no navio Fantaisie, escalando depois em Pola, onde passam para o vapor Elisabeth, e acaba a 25 de março de 1860, quando chegam ao porto de Gravosa, na cidade croata de Ragusa, que também se denomina Dubrovnik. O texto, em francês, é acompanhado por 15 litografias referentes à Madeira, algumas das quais a cores e fora do texto. A autoria destas parece ser de um dos membros da comitiva de Carlota, que menciona algumas vezes no texto “o pintor” (HABSBURGO e BÉLGICA, 2011, 105); uma delas aparece depois assinada pelo reverendo Waldheim X. A. Wien (NASCIMENTO, 1951, 89). O historiador italiano Cesare Cantu (1804-1895), mais tarde, ao descrever romanticamente a vida deste casal, referirá taxativamente que Carlota ilustrou este trabalho “com estampas de sua mão” (Id., Ibid., 101). O investigador Eberhard Axel Wilhelm alvitra que o pintor em questão seria o austríaco Joseph Selleny (1824-1875) (HABSBURGO e BÉLGICA, 2011, 105), citado em outras viagens financiadas por Maximiliano, e que se encontrava no Funchal, pelo menos, em abril de 1857, a bordo da fragata Novara; regressara à Europa em agosto de 1859 (Litografias e litógrafos), pelo que terá acompanhado os arquiduques nesta viagem, não tendo ficado, porém, com Carlota, no Funchal. De qualquer forma, havendo um pintor na comitiva e, muito provavelmente, também um reverendo pintor – embora a arquiduquesa tivesse por certo tido lições de pintura, quase obrigatórias à época na educação de uma princesa –, na elaboração das estampas houve vários autores, tal como depois um gravador e litógrafo, que as deram à estampa. [caption i     Sé do Funchal. An Hiver.1860   O inverno de 1859-1860 A arquiduquesa, então com apenas 19 anos, era uma pessoa cultivada, entendendo de botânica, e.g., e enumerando a maior parte das espécies encontradas pelos seus nomes científicos, embora na comitiva seguissem naturalistas, que forneceram também esses dados. A geografia, a história e a política também lhe eram familiares, inclusivamente com algum sentido crítico, como quando refere que os letreiros das lojas tinham quase sempre tradução inglesa à vista. Acrescenta então que, “se bem que tenha voltado a ficar oficialmente, em 1815, sob o domínio português, a Madeira nunca deixou de ser, de facto, uma espécie de colónia inglesa” (Id., Ibid.,, 90). A autora começa logo por se queixar da não existência de portos a partir de Lisboa e de Cádis, tecendo depois opiniões gerais sobre política e eleições, tendo consultado, inclusivamente, alguns periódicos locais, embora não os tendo podido ler completamente, dado não dominar a língua portuguesa, e emitindo opiniões que não correspondem taxativamente ao que lá se encontrava escrito. Mais tarde, também refere as “tendências miguelistas dos madeirenses” (Id., Ibid., 110) e que o Governo de Lisboa mandara à Ilha o visconde de Atouguia (Atouguia, Aloísio Jervis de) para atalhar a situação nas seguintes eleições. O visconde, no entanto, não seria eleito e Luís Vicente de Afonseca (1803-1878), membro do Partido Reformista, conhecido por Popular, que não era propriamente miguelista, manteria o seu lugar de deputado. As fontes de informação de Carlota de Áustria não teriam, assim, sido as melhores. Ao regressar das Canárias, onde nem conseguiu desembarcar, Carlota trouxe do Elisabeth – que voltou àquele arquipélago para retomar a viagem para o Brasil – tudo o que entendeu necessário para uma longa estadia na Qt. Bianchi. Acrescenta, entretanto, que “nos países quentes, quanto menos mobilados são os quartos, mais estamos à vontade”. Tinha, assim, encontrado na residência “algumas boas poltronas, paredes caiadas, uma grande esteira das Índias”, entendendo “tudo muito adaptado ao clima” e que o “embelezamento das quintas torna-se, na Madeira, inteiramente supérfluo” (Id., Ibid.,, 108), face à adaptação ao meio ambiente e à relação estabelecida com a exuberância dos jardins envolventes, que nunca deixa de enaltecer. A comitiva da princesa organizou uma festa de Natal, na noite de 24 para 25 de dezembro, com uma christbaum, escrevendo a mesma que teria sido a primeira árvore de Natal que se ergueu na Madeira, o que não era verdade, pois há descrições anteriores (FRANÇA, 1970, 169-170) e, por certo, dada a antiga presença alemã, muitas teriam sido já montadas. No final do mês, o cônsul da Áustria organizava um baile pela passagem do ano, tendo os convites sido enviados com bastante antecedência. Escreve então a princesa, que “os madeirenses, que são muito lentos, não gostam de imprevistos” (HABSBURGO e BÉLGICA, 2011, 117) e daí a antecedência do envio dos convites. As críticas da princesa Carlota a este baile foram essencialmente para a obesidade das madeirenses. No intervalo das danças, o cônsul Bianchi trazia duas senhoras de cada vez para as apresentar à arquiduquesa, começando pelas suas irmãs, a primogénita das quais, Isabel Leopoldina, casada com o advogado Gregório Perestrelo da Câmara, por lapso citado como Francisco, tinha “sido a mais bonita das três, mas há algum tempo já, embora ainda conserve vestígios disso”. A princesa refere-se ainda à mulher do cônsul, Ana de Velosa Castelo Branco, afirmando que, apesar de ser da sua idade, “porém, ultrapassa-me em volume”, o mesmo se passando com a irmã, “duas vezes mais gorda do que ela”. Ao aproximar-se a meia-noite, o cônsul serviu vinho velho da Madeira, para ser bebido “pelo ano novo e pelos ausentes”, o que constitui uma das poucas, vagas e prováveis referências da arquiduquesa ao marido, a quem quase nunca alude, tal como também acontece com ele. A descrição encerra com a informação de que foi no meio de uma quadrilha, dançada com o comandante militar, o Cor. José Herculano Ferreira Horta, “que se abriu para mim o 1.º de janeiro de 1860” (Id., Ibid.,, 118). Um dos destaques deste quase diário, para além dos inúmeros passeios, vai para a festa organizada no palácio de S. Pedro (Palácios e Arquitetura senhorial) pelo 2.º conde do Carvalhal (1831-1888). A arquiduquesa achou que fora “um belíssimo baile, que teria feito as honras a um salão de Londres ou de Paris. Nunca se suspeitaria de que, no meio de uma pequena ilha do oceano, privada de comunicação com o mundo civilizado, se pudesse ostentar tanta elegância e tão bom gosto” (Id., Ibid., 127). Acrescenta ainda que a “festa foi muito animada e não faltaram os lindos trajes de gala, que faziam lembrar os de Milão”. Ao soar da meia-noite abriu-se de repente, como por encanto, uma sala até aí fechada, surgindo um toldo branco e vermelho decorado aos quatro cantos com bandeiras austríacas, belgas e portuguesas. Sob esse toldo aguardava-os uma ceia sumptuosa, servida em pratos armoriados, de porcelana inglesa, alguns dos quais sobreviveram. “A sala, que se prestava a este esplêndido uso, era um teatro, utilizado normalmente quando das representações de sociedade às quais a aristocracia portuguesa se entrega com paixão”. No entanto, não deixa de voltar a referir que “entre as frutas que guarneciam o bufete, encontravam-se ananases da Ilha, que são muito coriáceos e não se comparam, na minha opinião, com os que amadurecem nas estufas da Europa” (Id., Ibid., 128). A arquiduquesa foi também a uma récita no Teatro Esperança, a 11 de fevereiro, espantando-se com o facto de haver um teatro público no Funchal (Teatros), embora colocasse algumas reservas. Era, “de muita boa-fé, uma miniatura bem proporcionada, deveras bonita no seu género. Não tem nenhum camarote, mas à volta da sala encontravam-se duas filas de senhoras muito bem arranjadas”, não resistindo, porém, a acrescentar: “algumas de pronunciada nutrição” (Id., Ibid., 129). Também não deixa de referir que o público se fartou de rir com uma série gracejos vulgares, como se se tratasse de qualquer coisa superior. A 21 de fevereiro, ainda refere o célebre jantar de gala dado pelo conde de Farrobo (1801-1869) e pela mulher, em São Lourenço, destinado a comemorar a sua elevação ao cargo de governador civil do Funchal. O jantar tinha sido especialmente preparado, tendo-lhe os condes de Farrobo apresentado as principais individualidades insulares e reservando-lhe, na mesa, um lugar entre o bispo do Funchal, D. Patrício Xavier de Moura (c. 1800-1872), e o conde governador civil. A arquiduquesa mostrou-se maravilhada, escrevendo que “o jantar foi magnífico. Tudo quanto se encontrava sobre a mesa, candelabros, requintados suportes guarnecidos de confeitaria, etc., estava coberto por uma profusão de flores, ocultando graciosamente a riqueza metálica dos objetos, complementados por pães de açúcar com diversas bandeirinhas” (Id., Ibid., 132). Descreve ainda que na sala se viam “três retratos de corpo inteiro” de D. João VI (1767-1826), da mãe, D. Maria I (1734-1816), “que morreu louca”, e do avô, D. José (1714-1777), “em cujo tempo reinou Pombal” (1699-1782) (Id., Ibid., 132). Os retratos em questão, salvo o de D. João VI, que permaneceu em São Lourenço, deveriam ser propriedade dos Farrobo, regressando com os mesmos a Lisboa. A última opinião da arquiduquesa, embora abusiva, reflete algum conhecimento da situação política portuguesa e a informação sobre D. Maria I também, embora desconhecesse a autora que o mesmo lhe iria acontecer a ela e dentro de poucos anos. Após o jantar, descreve Carlota que cantou “uma pessoa jovem” – que Cabral do Nascimento (1897-1978) e Duarte Mendonça, que publicou e anotou a mais recente tradução deste texto identificam como a cantora Júlia de França Neto (1825-1903) – e que o governador, “que pertence a uma família muito musical” (Id., Ibid., 129), a acompanhou ao piano. Parece pouco provável que se tratasse da cantora Júlia de França Neto, que teve aulas de canto em Génova e atuou em vários salões aristocráticos franceses, regressando à Madeira em 1854. Embora a cantora tenha dado depois vários recitais para fins de caridade, inclusivamente em São Lourenço, tinha então já 35 anos e, tendo a atenta Carlota 19, crítica como se mostrou com quase todas as mulheres na Madeira, dificilmente poderia tê-la descrito como uma jovem. O arquiduque Maximiliano entrou no porto do Funchal a 5 de março, mas como vinha do Brasil e na Baía grassava uma epidemia de febre-amarela, o navio teve de aguardar 5 dias de quarentena e só então os passageiros puderam desembarcar, tendo o arquiduque recebido uma salva de 21 tiros. Carlota já fizera parte das suas despedidas e, juntos, os arquiduques ainda assistiram, das janelas do escritório do cônsul, a uma procissão. Descreve a autora que tomaram parte na solenidade as autoridades locais, como de costume, entre as quais o administrador do concelho, a quem, embora tivesse como nome de batismo Tarquínio Torcato da Câmara Lomelino (1818-1888), a folha local O Direito apelidava sempre de “o paxá de três caudas” (Id., Ibid., 113-114, 142). Descreve a arquiduquesa que, na manhã desse dia 11 de março de 1860, ela e o marido ainda participariam, na capela montada na Qt. Bianchi , no batizado do filho do cônsul Carlos Bianchi, de que foram padrinhos; o rapaz nascera a 15 de abril do ano anterior e receberia então o nome de Ferdinando Maximiliano Bianchi (1859-1930).   Registo de batismo de Ferdinando Bianchi. ABMad. Os arquiduques saíram, no dia 12, da Qt. Bianchi, mas antes de embarcarem ainda assistiram a um concerto de caridade no palácio do governador, na mesma sala onde fora oferecido o banquete, e nesse concerto participou Júlia de França Neto (“Notícias locais”, A Ordem, Funchal, 10 mar. 1860, 3), embora Carlota não a mencione, até por só terem assistido a metade do concerto. Acrescenta ainda a arquiduquesa que o vapor estava ornamentado a preceito para os receber e se viam na coberta móveis de verga da Madeira (Indústrias do Turismo e Vimes), “leves e cómodos” (HABSBURGO e BÉLGICA, 2011, 142), que o marido havia adquirido a 9 de dezembro do ano anterior, quando pensavam que iriam ambos para o Brasil. Nas suas memórias, Maximiliano de Habsburgo refere ter-se deslocado no seu “trenó de quatro lugares à cidade para fazer várias compras: os famosos embutidos, os pontiagudos barretes madeirenses com para-raios e cadeiras de braços feitas de vime para as nossas varandas” (Id., Ibid., 63), numa provável alusão ao palácio de Miramar, em Trieste, onde residiam. A aventura mexicana Imperatriz Carlota. Gravura em Santa Bérbara, México. 1870. ABM Em abril de 1864, os então Imperadores do México voltavam a passar na Madeira. A 10 de abril de 1864, o príncipe Maximiliano de Áustria aceitara, por indicação ou pressão de Napoleão III (1808-1873), o referido cargo de Imperador, sendo logo aclamado como tal e passando, a 28 desse mês, pelo porto do Funchal, na companhia da Imperatriz Carlota, a caminho do México, onde voltariam a ser aclamados. Deslocaram-se a bordo da fragata austríaca Novara, acompanhada pela fragata francesa Thémis, sendo-lhes sido prestadas as devidas honras. Os Imperadores convidaram depois para jantar a bordo o governador civil, jurisconsulto Jacinto António Perdigão, o bispo da diocese, D. Patrício Xavier de Moura, o 2.º conde de Carvalhal, o cônsul Carlos de Bianchi, António da Luz Pita (1802-1870), que a Imperatriz nas suas memórias refere como “o médico de maior renome na Madeira” (Id., Ibid., 119) e outras personalidades. O Elucidário Madeirense refere também a presença do conde de Farrobo, que tinha saído da Madeira, em outubro 1861, para assistir ao casamento de D. Pedro V e entregara o governo ao seu secretário, 3.º Visconde do Andaluz (1833-c. 1900) (Melo, António Júlio de Santa Marta do Vadre de Mesquita e), e que, sabendo da passagem dos Imperadores do México pela Madeira, ali se deslocou para os cumprimentar. O casamento dos Imperadores do México não terá sido perfeito, não havendo descendência. Acresce que Carlota gozou de muito pouco apoio na corte de Viena e sofreu uma franca e agressiva oposição da Imperatriz Isabel de Áustria, a romântica Sissi, que a teria acusado nas páginas do seu diário, inclusivamente, de ambiciosa e de ser, em parte, responsável por Maximiliano se ter metido “no vespeiro mexicano” (HABSBURGO, 2008, 91-92). É muito provável que assim tivesse sido, tendo a Imperatriz Carlota participado na organização do governo do marido e serem de sua mão várias das minutas do Gabinete imperial, como as versões da proposta Carta Constitucional, etc. Com o progressivo isolamento de Maximiliano do México, e quando Napoleão III retirou suas tropas do país, em 1867, o regime ficou numa situação insustentável. Temendo o pior, a Imperatriz Carlota, que já escrevera a Eugênia de Montijo (1826-1920), mulher de Napoleão III, parte para a Europa com o intuito de angariar apoio para o Império mexicano junto da França, da Áustria e da Santa Sé. A França e a Áustria, no entanto, não estavam já em condições políticas para os ajudar e foi numa audiência com o Papa Pio XI (1792-1878) que a Imperatriz subitamente começou a ter diversos colapsos nervosos. A situação piorou decisivamente ao tomar notícia do fuzilamento do marido no México, tendo sido necessário interná-la. Carlota passou então 60 anos confinada no castelo de Bouchout, em Meise, Bélgica, onde faleceu, a 18 de janeiro de 1927, com 86 anos. Encontra-se sepultada na igreja de N.ª Sr.ª de Laeken, perto da cidade de Bruxelas, Bélgica, onde se encontram os pais.   Rui Carita (atualizado a 09.10.2017)

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