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cais regional

O cais regional, também designado por cais da entrada da cidade, nasceu da passagem pelo Funchal da princesa D. Leopoldina de Áustria, em setembro de 1817, quando se fez uma ponte para o seu desembarque junto ao palácio de S. Lourenço, tendo o espaço envolvente sido arranjado nos anos seguintes. A construção de um cais de pedra ensaiou-se em 1843, mas a breve trecho estava arruinado, e somente em 1879 se voltou a estudar o assunto, sendo as obras do cais iniciadas em 1889 e terminadas em 1892. O cais ainda foi ampliado entre 1932 e 1933, e a sua importância é patente na imensa documentação fotográfica existente. O seu interesse como cais perdeu-se com o aumento da capacidade de acostagem do molhe do porto do Funchal e o advento dos transportes aéreos, no entanto, mantém-se como importante zona de lazer da cidade, tanto para visitantes como para residentes. Palavras-chave: Entrada da cidade; Molhe de acostagem; Porto; Transportes marítimos; Turismo. O cais regional, também designado por cais da entrada da cidade, nasceu da determinação feita, quando da passagem pelo Funchal da princesa D. Maria Leopoldina de Áustria (1797-1826), em setembro de 1817, de que deveria ser feita “uma ponte para o cómodo e decente desembarque da mesma Augusta Senhora”, assim como preparar-se com o devido “asseio e arranjo na Casa do Governo” instalações para a princesa (ARM, Governo Civil, liv. 198, fls. 33-34v.; AHU, Madeira e Porto Santo, doc. 3965). Configurou-se, assim, o arranjo do espaço frente ao palácio e fortaleza de S. Lourenço para a entrada solene da arquiduquesa de Áustria no Funchal, então perene, mas a partir de 1839, demolidas as portas e casa da Saúde, onde até então a Câmara procedia ao controlo sanitário, foi a área transformada em entrada de honra da cidade (Entrada da Cidade). O cais de desembarque do porto do Funchal fora feito na base do ilhéu do forte de S. José, em 1756, pelo Eng. Francisco Tosi Colombina (1701-c. 1770), mas não só era então muito distante do centro da cidade, como muito acanhado. Em 1824, ensaiou-se um novo cais de desembarque, então nas baixas frente à fortaleza de S. Tiago, projeto da autoria do Brig. Francisco António Raposo e execução do Ten.-Cor. Paulo Dias de Almeida (c. 1778-1832), em cujos trabalhos se gastaram então 37 contos de réis, tendo tudo sido levado pelo mar. A 17 de fevereiro de 1829, inclusivamente, mandava-se retirar de S. Tiago os degraus de cantaria “que se destinavam ao cais que se projetara construir” para se utilizarem no molhe de cais da Pontinha (ARM, Governo Civil, liv. 798, fl. 51v.). A oportunidade da construção de um cais frente à entrada da cidade veio a surgir após a aluvião de 24 de outubro de 1842. Um mês depois, a 26 de novembro, foi despachado para o Funchal o então Maj. Manuel José Júlio Guerra (1801-1869), experiente militar liberal com larga folha de serviço nos Açores, Porto, Algarve e Setúbal, mas, em princípio, sem as capacidades científicas dos outros dois engenheiros na altura também presentes na ilha: António Pedro de Azevedo (1812-1889)  e Tibério Augusto Blanc (c. 1810-1875), mas um somente capitão e o outro tenente. O mais importante e inglório trabalho de obras públicas desenvolvido nestes anos pelo novo diretor das obras públicas, Maj. Manuel José Júlio Guerra, foi o cais em frente à entrada da cidade, mas a breve trecho viria a perder-se, como o ensaiado nos baixios de S. Tiago. A Câmara Municipal do Funchal, por resolução de 23 de abril de 1843, por certo após acordo com o Maj. Guerra, propunha a construção de um cais de pedra em frente à entrada da cidade, votando, para isso, a verba de 1200$000 réis. O assunto foi presente ao conselho do distrito em 6 de maio seguinte, ficando encarregado de dirigir a obra o Maj. de engenharia Manuel José Júlio Guerra, que a 24 do mesmo mês solicitava um reforço de mais um conto de réis para colocar depois as obras a coberto do inverno. O custo da obra não parava de aumentar, tendo-se já gasto em fevereiro de 1844 mais de quatro contos de réis, pedindo ainda o Maj. Guerra mais um reforço de 18 contos de réis, quantia que a Câmara não via maneira de poder satisfazer. Em sessão camarária de 6 de março de 1844, foi colocado o assunto, surgindo uma proposta de criação de uma comissão para dirigir as obras do cais, entregando-se a presidência ao Maj. Guerra, mas constituindo um corpo com um delegado camarário, o Dr. Manuel Joaquim Moniz, os engenheiros militares Cap. António Pedro de Azevedo e Ten. Tibério Augusto Blanc e o Eng. camarário Vicente de Paula Teixeira (1785-1855). A proposta acabou por não ser aprovada superiormente, continuando as obras sob a desastrosa direção do Maj. Guerra. Entretanto, assumindo a direção dos destinos da Ilha a Junta de Governo (Regeneração e Partido Regenerador), na sequência das revoltas da Maria da Fonte e da Patuleia, que afastou o Gov. José Silvestre Ribeiro (1807-1891) e chegou a ter por presidente o já então Ten.-Cor. Eng. Manuel José Júlio Guerra, ainda viriam a ser desbloqueadas importantes verbas para as obras do cais da entrada da cidade. Com o regresso do governador ao palácio de S. Lourenço, as obras pararam e o Ten.-Cor. Guerra seria transferido para o continente, não voltando à Madeira. Mais tarde, em 1853, Isabella de França (1797-1880) descreveria que, “perto do sítio onde desembarcámos, notam-se vestígios de um cais, planeado há já alguns anos. Nele se gastaram quantias importantes e se desperdiçaram materiais e trabalho que bem poderiam ter sido úteis”. A autora cita ainda que as obras, não devidamente acauteladas, haviam sido praticamente desfeitas por um temporal. Acrescenta ainda que “em Portugal, como na maioria das nações, a utilidade pública é a razão que se alega para todas as obras; infelizmente trata-se só de um pretexto; o primeiro objetivo reside na glorificação pessoal, se não nos emolumentos que os funcionários auferem. Nestas condições iniciam-se obras de vulto; os que as projetaram deixam os seus cargos antes que elas terminem – e ei-las abandonadas, para darem lugar a outras, do mesmo modo superiores aos recursos do país”. As obras haviam sido planeadas pelo Maj. Guerra, acrescentando a autora que, “numa das efémeras revoluções que então desvairaram Portugal, colocou-se ele à frente de um movimento para destituir o governador e estabelecer uma junta, de que seria, é claro, presidente”. Reconduzido o governador, o Maj. Guerra fora “enviado para o continente e posto a meia-ração. Noutro país teria sido fuzilado!”. Com a sua saída, tinham paralisado “e ninguém se incomodou em garantir o que estava feito, pois as honras reverteriam para ele” (FRANÇA, 1970, 51-52). Desconhecia a atenta inglesa que o Maj. Guerra, colocado no polígono de Tancos, conseguiria ainda candidatar-se a deputado por Vila Nova da Barquinha e ser eleito, acabando os seus dias como general. O desenvolvimento do turismo, especialmente o terapêutico, começou a condicionar, a partir dos inícios e meados do séc. XIX, de uma forma cada vez mais determinante, a situação geral da ilha da Madeira, quer económica quer social. Esse caminho encontrava-se já perfeitamente definido na época da governação do Cons. José Silvestre Ribeiro, que a todo o momento evocava para as suas determinações “a presença de inúmeros estrangeiros que nos visitam” (Anais municipais), etc. Na época da sua governação, especialmente, encontram-se na Ilha três das mais altas figuras da aristocracia europeia: a rainha viúva Adelaide de Inglaterra (1792-1849), de origem alemã, nascida Saxe-Meiningen, o príncipe Maximiliano de Beauharnais, duque de Leuchtenberg (1817-1852), que seria pintado na Madeira por Karl Briullov (1799-1852) (Briullov, Karl), e a sua irmã, a imperatriz viúva do Brasil, D. Amélia de Bragança (1812-1873), tendo todas essas visitas sido cuidadosamente preparadas e, também, aproveitadas para melhoramentos vários na Madeira. Quando da preparação da visita da imperatriz viúva D. Amélia e da sua filha, a princesa D. Maria Amélia (1831-1853), em agosto de 1851, por exemplo, um ano antes da chegada dessas senhoras, determinou de imediato o governador ao Eng. Tibério Blanc “o maior desembaraço na construção do cais da Pontinha”, ou seja, na remodelação do mesmo, “para desembarque de Sua Majestade Imperial, a Senhora Duquesa de Bragança e filha”, recomendando que “a obra seja executada de forma a ficar para sempre”. Aproveitou ainda para determinar ao mesmo engenheiro que mandasse “os moradores da zona caiarem as casas e limparem os entulhos”, assim como determinou que fossem feitos alguns “trabalhos na estrada nova do Ribeiro Seco, de modo a ficar perfeita e que S. M. I., possa ir até à Praia Formosa”, determinações que de imediato foram publicadas nos jornais da época (A Época, 31 ago. 1851). Os portos e os cais de desembarque eram assim uma constante preocupação das autoridades locais. Na fase final da sua estadia na Madeira, ainda o encarregou José Silvestre Ribeiro, mais uma vez, da revisão de todos os cais da ilha da Madeira. O Eng. Tibério Blanc elaborou assim uma extensa lista dos cais que necessitavam de obras de melhoramento e reformulação, como eram os casos do cais do Pesqueiro, na Ponta do Pargo; Paul do Mar; Ponta da Galé; Ponta do Sol; Câmara de Lobos; Ponta da Cruz; Gorgulho; Ponta da Oliveira; Ponta do Guindaste e Ponta Delgada, assim como um novo ancoradouro na baía de Machico. As décs. de 80 e 90 do séc. XIX apresentaram o progressivo aumento do turismo, já não especificamente terapêutico, mas essencialmente de lazer, que já começava a representar algum peso na economia nacional, pelo que passou a despertar um certo interesse nas secretarias do Governo de Lisboa. A repartição das obras públicas distritais conheceu mesmo algum incremento, por ela passando os Caps. Júlio Augusto de Leiria (c. 1838-1878) e Henrique de Lima e Cunha (1843-1915), tendo cabido a este último os primeiros trabalhos conducentes à execução do novo cais da entrada da cidade. Com o aumento da circulação de passageiros no porto do Funchal, por portaria de 17 de setembro de 1879, voltava a estudar-se, finalmente, o que fazer do amontoado de ruínas em que se transformara o cais da entrada da cidade. Foi então encarregado do estudo o Cap. de artilharia Henrique de Lima e Cunha, voltando a propor-se a execução de um cais idêntico e no mesmo local, com toda uma outra solidez, claro, à frente da Entrada da Cidade, proposta aprovada em Lisboa, em 17 de julho de 1881, mas que só avançaria em 1886, quando já se encontrava aprovado a prolongamento do molhe da Pontinha através da união dos dois ilhéus. O projeto teve ainda alterações, pelo Eng. José Bernardo Lopes de Andrade, em 1887, e veio a ser adjudicado pelos Engs. franceses Fréderic Combemale, Jules Michelon e Arthur Mury, que já em 1885 haviam conseguido a execução das obras do molhe da Pontinha (Molhe da Pontinha). As obras do cais regional iniciaram-se a 18 de janeiro de 1889, envolvendo um montante de 87.000$000 réis e – vindo a ser depois reconhecido a estes empreiteiros, na ocasião do ajuste de contas, vários trabalhos executados fora do projeto inicial ajustado, ainda receberam mais 92.005$485 réis – demonstrando a complexidade do projeto. A obra ficou concluída a 27 de abril de 1892, sendo recebida provisoriamente nessa data, mas a receção definitiva só teve lugar a 27 de abril de 1895. Por parecer da Junta Consultiva das Obras Públicas, de 30 de maio do mesmo ano, foram os empreiteiros julgados quites para com o Estado de todas as obrigações que haviam contraído, o que consta da portaria de 10 de julho de 1895. Ao longo destes anos, decorreram assim igualmente as obras do molhe do porto do Funchal, cuja iniciativa se ficou a dever ao governador civil, António de Gouveia Osório (1825-c. 1905), visconde de Vila Mendo (Vila Mendo, Visconde de), que, no seu ofício de 15 de outubro de 1881, voltara a chamar a atenção para as vantagens que a baía do Funchal ganharia com a construção de um cais e porto de abrigo, ação saudada pelos comerciantes do Funchal. O molhe proposto, no entanto, era insatisfatório, sendo “apenas um ponto de partida para a futura construção de uma doca regular” e que devia completar-se pelo seu prolongamento em direção a leste, como refere a direção da Associação Comercial do Funchal (Ibid., 25 abr. 1884, 16 jun. e 19 out. 1885), chegando, inclusivamente, a colapsar com o grande temporal ocorrido no último dia de fevereiro e nos primeiros dias de março de 1892, que arruinou de forma drástica uma grande parte da obra já feita e a destrui quase por completo. As obras seriam recomeçadas em 1893, estando prontas em 1895, porém, as condições de acostagem dos grandes navios sempre foram deficientes nesta fase do molhe, acabando os paquetes por ficar ao largo e os passageiros a ser transferidos por lancha para o cais da entrada da cidade. Assim que, até à ampliação do molhe de acostagem, nos meados do séc. XX, para leste da fortaleza do Ilhéu, o movimento de passageiros do porto do Funchal foi feito pelo cais frente à entrada da cidade, ou cais regional. Com o aumento do movimento de passageiros, impôs-se o aumento deste cais, tendo a Junta Autónoma das Obras do Porto aberto concurso para essa realização, que terminou a 30 de outubro de 1930, sendo a construção adjudicada à casa Nederlandsche Maatschappij Voor Havenwerken pela importância de 4763.000$00 escudos. O acrescentamento do cais seria feito pela colocação de cinco grandes módulos de 3337 m3, tendo o primeiro sido colocado a 25 de junho de 1932 e o quinto e último em janeiro de 1933. A inauguração oficial ocorreu a 28 de maio desse ano, data especialmente comemorada pelo Governo da Ditadura. A importância deste cais é patente na imensa documentação fotográfica existente, que, graças aos novos meios de comunicação, não deixa de aumentar. O aumento da capacidade de acostagem do molhe do porto do Funchal e, muito especialmente, o advento e a democratização dos transportes aéreos roubaram protagonismo e interesse ao cais em frente à entrada da cidade, como aliás também à mesma. No entanto, todo este espaço se mantém como importante zona de lazer da cidade até aos dias de hoje, tanto para visitantes como residentes.   Rui Carita (atualizado a 14.12.2016)

Arquitetura Património História Económica e Social

budismo

O Buda histórico, Siddhartha Gautama, era conhecido como Shakyamuni (de “Sakya”, país dos sakyas, e “muni”, sábio) e terá nascido no séc. VI a.C., num reino situado entre a Índia e o Nepal. A palavra “buda” deriva dos termos sânscritos “boud”, que significa totalmente desperto do sono da ignorância, e “dha”, eclosão perfeita da potencialidade fundamental, ou “bodhisattva”, ser iluminado (de “bodhi”, iluminado, e “sattva”, ser); refere-se a um estado de consciência plena ou presença amorosa para com toda a existência, beneficiando todos os seres sencientes. Este estado, que nos começos do séc. XXI recebeu a denominação de estado de mindfullness ou atenção plena, foi neste período muito preconizado como técnica de meditação com efeitos terapêuticos. No entanto, no budismo, não se trata de um estado momentâneo, mas sim de um estado permanente do ser com um objetivo espiritual. O budismo surgiu dentro do hinduísmo ou bramanismo (religião em que o conhecimento sagrado dos sacerdotes brâmanes passava de pai para filho) e tornou-se uma religião que, desde então, é um caminho para a superação do sofrimento e a autorrealização ou desenvolvimento da perfeita potencialidade humana. Não contempla a existência de um deus criador como as outras religiões, mas de um grande mestre, Buda; por isso, não é teísta. Trata-se do caminho da libertação, através do conhecimento do dharma (princípio de respeito pelas leis sagradas da natureza, ação correta no mundo, sabedoria) ou autorrealização. É aqui que encontramos o principal ponto de contacto com o Yoga e o Hinduísmo. Os ensinamentos de Buda são chamados Dhammapada, o caminho da retidão. Por isso, a essência do conhecimento alcançado e transmitido por Buda resume-se nas seguintes palavras: "Vós sois o vosso próprio mestre, tudo assenta sobre os vossos ombros, tudo depende de vós”. Deste modo, o nobre caminho da verdade, para a superação do sofrimento humano, é composto por oito preceitos: visão correta, intenção correta, fala correta, ação correta, viver corretamente, esforço correto, atenção correta e concentração correta ou plena atenção. A expansão dos ensinamentos de Buda na Ásia ocorreu a partir da Índia para o Nepal, Tibete (donde provém o Dalai Lama reinante em 2016: “Dalai”, oceano, e “Lama”, mestre – Oceano de Sabedoria), e outros países asiáticos, adquirindo métodos e estilos diferentes em cada cultura, o que originou diferentes tradições religiosas, sem comprometer, todavia, os seus valores essenciais. Assim, da história do budismo no Ocidente do séc. XX fazem parte várias tradições budistas, como o budismo zen, mas sobretudo o budismo tibetano, cujos primeiros Rinpoche (palavra do tibetano que significa precioso, título que se junta ao nome de um grande mestre) foram: Kalu Rinpoche (que estabeleceu vários centros do dharma na Europa) e, posteriormente, Dudjom Rinpoche, que foi para França juntamente com a família de Kangyur Rinpoche (entretanto falecido), nomeadamente a viúva, Amalá, que faleceu em Portugal (para onde tinha ido ensinar o budismo), em 1973, e o filho mais velho, Tulku Pema Rinpoche, a quem se deve a grande divulgação do budismo tibetano em Portugal. A União Budista Portuguesa (UBP) foi fundada para reunir todas as tradições budistas autênticas presentes em Portugal, apoiar as suas atividades, bem como exercer e promover a prática dos seus ensinamentos. A fundação da UBP, a 24 de junho de 1997, resultou da união de vários grupos do budismo zen e do budismo tibetano que faziam yoga e meditação em Portugal. A UBP organizou a primeira conferência budista na Madeira a 22 de novembro de 1998, passando a ir com frequência à região oradores e mestres para darem ensinamentos budistas. A delegação da UBP da Madeira foi criada a 27 de abril de 1999, tendo como sede a sala G do n.º 26 da R. das Mercês. No ano seguinte, Tulku Pema Rinpoche, na sua visita a Portugal, visitou pela primeira vez a Madeira, tendo-se deslocado novamente à Ilha em 2009 e em 2012, a convite da Delegação da UBP da Madeira, tal como muitos outros mestres budistas. A 19 de novembro de 2010, chegou à Madeira a Exposição de Relíquias do Buda e de Outros Grandes Mestres Budistas. A delegação da Madeira da UBP tem promovido, entre outras atividades, palestras, ensinamentos e retiros com vários mestres budistas. Na Madeira existe uma delegação do Centro de Apoio ao Sem-Abrigo (CASA), de inspiração budista, desde outubro de 2007 (um mês depois de esta associação ter começado a sua atividade na cidade de Lisboa, a 22 de setembro de 2007, no último dia de ensinamentos do Dalai Lama em Portugal, em que Tulku Pema Rinopoche distribuiu comida e roupas aos sem-abrigo), como forma de contribuir para atenuar o sofrimento dos mais pobres e para o bem-estar de todos os seres. Na Madeira, em finais de 2015, a associação tinha já 250 voluntários, no Funchal, Calheta, Ponta do Sol e Santa Cruz. Nas diferentes delegações da CASA, a chamada “Casa Amiga” – espalhada por muitos outros países da Europa e do mundo – também ia semanalmente à residência das pessoas desfavorecidas, para levar um cabaz de alimentos. A associação ecologista Mother Earth, outro projeto de Tulku Pema Rinpoche para proteger o planeta ou “mãe” Terra, está na Madeira desde 2014, tendo sido criada em Portugal a organização internacional Protector of Life, a 30 de maio de 2012, com o propósito de libertação de um milhão de vidas de animais por ano. Outra linha de orientação do budismo que existiu na Madeira foi a Nova Tradição Kadampa, do inglês New Kadampa Tradition (NKT), introduzida na Ilha em 2002. Esta linha do budismo surgiu em Inglaterra nos anos 80 do séc. xx e tem o seu principal centro no Noroeste de Inglaterra, onde se encontra o Kadampa World Peace Temple. Foi em maio de 1991 que Geshe Kelsang Gyatso deu o nome de NKT a esta orientação budista que segue a doutrina dos seus livros. Na Madeira, a Nova Tradição Kadampa teve um centro de meditação denominado Centro Avalokiteshvara (Buda da Compaixão), que oferecia aulas de meditação e organizou várias atividades de âmbito espiritual, como retiros espirituais budistas e ensinamentos de mestres budistas do NKT. Terminou as suas atividades no verão de 2008. No começo do séc. XXI, havia 400 milhões de budistas espalhados pelo mundo, nas suas diversas tradições, sendo o budismo a quarta grande religião mundial.     Naidea Nunes (atualizado a 14.12.2016)

Religiões

branco, josé de sousa de castelo

Nasceu em Leiria a 2 de novembro de 1654, sendo filho de Heitor Vaz de Castelo Branco, “senhor do Lagar do Rei e comendador de Santa Marinha”, e de sua mulher, D. Luísa Maria da Silva Arnault, senhora de morgado (NORONHA, 1996, 126). Tal como o seu antecedente, D. Fr. José de Santa Maria, este prelado foi recrutado nas fileiras da pequena nobreza de província. Enquanto jovem, foi para Coimbra estudar, e aí se formou em teologia, tendo, de seguida, ocupado um canonicato na sé de Leiria. Encetou, depois, uma carreira na Inquisição, instituição que serviu como deputado em Évora, como promotor em Lisboa, como inquisidor, de novo em Évora, e, finalmente, como presidente do tribunal de Coimbra. Nessa posição se encontrava quando, em 1697, foi designado por D. Pedro II para bispo do Funchal. A sagração aconteceu em Lisboa, no oratório de S. Filipe de Nery, a 28 de junho de 1698, ano em que se deslocou para a diocese, fazendo, na viagem, um desvio por Mazagão, onde se deteve “a ensinar os moradores” e a crismar 1400 pessoas (Id., Ibid., 127). Ainda durante a viagem, começou, de acordo com um manuscrito intitulado Memorias sobre a Creacção e Augmento do Estado Eccleziastico na Ilha da Madeira, a dar indícios de um comportamento singular, pois, segundo reza o texto, “foi este Bispo o Prelado mais amante da nobreza que tem vindo a esta Ilha”. A fundamentação desta apreciação encontra-se, logo de seguida, na descrição de um episódio com Gaspar Mendes de Vasconcelos, cujo pai, o Ten.-Gen. Inácio Bettencourt de Vasconcelos, o mandara para o reino assentar praça; segundo se conta, o bispo logo o trouxera para bordo, atribuindo-lhe no caminho uma conezia, tendo mandado, assim que chegou a terra, o mordomo avisar o general que “ali lhe mandava o filho cónego” esperando que ele lhe perdoasse “o vir contra as suas determinações” (ARM, Arquivo do Paço..., doc. 273, fl. 93v.). O mesmo documento insiste nesta tónica quando acrescenta que não “houve casa que não beneficiasse, criando-lhe alguns dos seus filhos em cónegos da catedral”, e, de facto, é possível constatar que da família dos Correias e da dos Ornelas saíram três capitulares, da dos Freitas dois e da dos Berengueres um, registando-se, ainda, a atribuição de benefícios que favoreceram outros agregados nobres da Ilha. Com efeito, as Memorias acrescentam que “continuamente lhe estava fazendo a eles presentes de trastes e ainda cortes de vestido” e que ia “passar dias de verão nas Quintas dos Cavaleiros da terra e com todos fez uma boa harmonia (Ibid., fl. 97). Se esta era uma estratégia de minimização de conflitos, não resultou em pleno, porque o episcopado de D. José não foi isento de confrontos que opuseram o bispo a mais do que uma entidade na Ilha. Um dos cenários dessa conflitualidade ocorreu com dois dos três governadores com quem se cruzou no exercício de funções, sendo que, logo com o primeiro, João da Costa Ataíde, se registaram atritos que também envolveram o provedor da fazenda, Manuel Mexia Galvão. Este último, acusado de mancebia pelo vigário-geral, virou-se contra aquele eclesiástico “mais por vingança e por ódio que por defensa […] com ânimo vingativo de injuriar a pessoa de um prelado […] a quem devia tratar com respeito de Pai”, o que determinou a apresentação de queixas mútuas para o reino. Do reino veio, assim, um desembargador, Diogo Salter de Macedo, incumbido de averiguar o que na realidade se passara. Em virtude da sua ação, o provedor foi chamado à câmara a fim de lhe ser aplicada pública e áspera repreensão, e o mesmo teria acontecido ao governador, não fosse ter falecido entretanto. Quanto aos autos do processo, determinou o desembargador que se queimassem para “que de tão estranho modo de recusa não haja em tempo algum memoria nem lembrança”. Em contrapartida, as referências contidas na provisão trazida por Diogo Salter de Macedo dizem que ao bispo se deveria dar notícia da anterior resolução, a fim de que “reconheça a consideração que a minha Real justiça [tem] a quem com menos decoro fala em autos públicos das pessoas dos prelados que justamente se queixam das ofensas que lhes fazem”, o que é o bastante para se perceber que o bispo saiu com grande vantagem desta contenda (ARM, Arquivo do Paço..., doc. 270, fl. 7). Com o governante seguinte, Duarte Sodré Pereira, gozou o prelado da melhor das relações, chegando, inclusivamente, a ser padrinho de um dos seus filhos e estabelecendo-se, portanto, entre os dois, uma relação de compadrio. Já com o seu sucessor, Pedro Alves da Cunha, voltaram as coisas a correr mal, designadamente por terem surgido diferendos quanto ao lugar que o governador pretendia ocupar na sé. Terminada a comissão de Pedro Alves da Cunha, foi o prelado cumprimentar o novo governador, João Saldanha da Gama, mas, da conversa que tiveram, ficou o bispo com a impressão de que o novo titular do cargo seria “do mesmo caráter” do anterior, e essa constatação terá apressado a decisão de D. José de Castelo Branco abandonar a diocese. Com efeito, e embora publicamente evocasse razões de saúde como motivo da ida para Lisboa, a verdade é que ficaram registos de que a bordo da nau “ia aquele por cuja causa ele largava o bispado”, ou seja, Pedro Alves da Cunha, o que motiva alguma dúvida sobre as reais motivações do abandono episcopal. A confirmar esta asserção, acrescentam as Memorias que, a bordo, o ex-governador fez ao bispo “muitos obséquios, de sorte que ele se arrependeu de ter partido”, mas, apesar deste sentimento, e de se ter mantido como titular da diocese por mais sete anos, nunca mais regressou à Madeira. Embora tivesse renunciado à mitra do Funchal em finais de 1721, por, segundo afirma Noronha, os médicos considerarem que o clima da Ilha não era favorável à sua doença, a verdade é que D. José só veio a falecer bastantes anos mais tarde, em 1740, facto que contribui para infirmar a tese da doença como real motivo para a saída do arquipélago (NORONHA, 1996, 128). Para além dos dois governadores, outra das entidades com quem D. José registou desentendimentos graves foi com a comunidade franciscana, a qual, em consequência disso, se viu quase completamente destituída de confessores. O desaguisado começou com a determinação exarada pelo bispo de que todos os clérigos, regulares e seculares, do bispado teriam de se fazer examinar para confessores, do que discordou o custódio de S. Francisco, padre frei Jacinto da Esperança, que recorreu ao rei por causa da “perseguição” que considerava estar a ser-lhe movida pelo prelado. Queixava-se, então, o custódio, em seu nome e no dos religiosos da Ordem, “da notória força e violência com que os oprime o reverendo bispo da dita Ilha”, consubstanciada na privação da autorização para confessar sem se submeterem a novo exame, o que se repercutia negativamente não só na reputação da Ordem, como nos proventos arrecadados (PAIVA, 2009, 37). Além disso, acrescentava, estas ordens do prelado tinham levado à suspensão de todos os frades da Calheta, e não se poderia aceitar a ideia de que fossem “todos criminosos” (DGARQ, Cabido da Sé..., mç. 12, doc. 34, fl. n.n.). A estes argumentos contrapunha D. José o de que “como os confessores tratam de matéria mais arriscada não só pelo foro da consciência e utilidade, ou prejuízo das Almas, mas também porque doutrinam em segredo, é mais perigosa e mais arriscada esta matéria que a dos pregadores”, pelo que não podia ser “tão liberal” neste tema quanto era na concessão de licenças para pregar. A isto acrescia o bispo que poderia acontecer que desta sua “severidade” resultasse estímulo para aplicação ao estudo de que “até aqui pouco se cuidava”, e, usando de uma ironia fina, ainda fazia notar que, sendo os franciscanos pobres, “pelos pregadores haveriam os proventos temporais que das confissões não podem tirar; e da suspensão destes [confessores] lhes resultará viverem com mais descanso que sempre é apetecido da natureza” (Ibid.). Os antecedentes deste conflito derivariam, possivelmente, de uma pastoral publicada a 20 de dezembro de 1699, na qual o prelado derrogava todas as facilidades anteriormente concedidas a pregadores e confessores, condicionando-as, agora, à realização de novo exame. Esta atitude decorria do facto de ter o prelado sido informado de que alguns clérigos, “esquecidos de suas obrigações”, se não aplicavam no estudo da Moral, “não usando do sacerdócio mais que só na missa, pelo interesse temporal que dela tiram”, situação que lhe parecia intolerável, e à qual procurava, então, obviar (AHDF, Arquivo da Câmara Eclesiástica..., cx, 45, doc. 8). Porém, se as relações com os franciscanos foram tensas, o mesmo não se passou com os jesuítas, cujo reitor, o padre Miguel Vitus, era, nas palavras endereçadas pelo prelado à inquisição de Lisboa, “coisa muito singular em tudo, na capacidade, letras, virtude e ardente zelo na conversão dos hereges, e no cuidado que tem nos reduzidos”, pelo que seria homem a quem se poderia fiar tudo e “só a ele se devem cometer os negócios de maior importância e risco” (FARINHA, 1993, 887). Vinha este elogio a propósito daquela que, no entender do prelado, seria a melhor opção para se tratar dos assuntos respeitantes ao Santo Ofício na Ilha, pois, apesar de na Madeira haver dois comissários, os desentendimentos entre eles poderiam comprometer a objetividade necessária nos julgamentos. Durante este episcopado, e por razões que se poderão atribuir, por um lado, ao facto de o bispo ter sido recrutado das fileiras da Inquisição, e, por outro, à recente reativação do funcionamento do tribunal, assiste-se a um certo aumento das denúncias apresentadas, cujo número, para o período de 1690 a 1719, se cifra em 59 casos. Apesar de o bispo ter referido a meritória ação do reitor do colégio no combate aos hereges, ou talvez por isso, as ocorrências de heresia são escassas, pois só aparecem dois suspeitos, enquanto a grande incidência das faltas se dá nos domínios das curas supersticiosas e das blasfémias, com 13 acusados em cada área. O saldo final destas denúncias cifra-se em apenas 3 processos, 1 de judaísmo e 2 de bigamia, mas a correspondência trocada entre o bispo e a Inquisição, em Lisboa, permite saber-se que a boa opinião que o prelado tinha da nobreza insular não se estendia ao resto da população da Ilha. Assim, em carta escrita a 11 de novembro de 1707, D. José lamentava-se, dizendo que “a assistência de dez anos e o trabalho de sofrer esta gente me tem dado conhecimento do seu orgulho, e dos seus atrevimentos. Saiba Vossa Senhoria que não estou entre gente, senão em um bosque de feras sem nenhum conhecimento, sem obediência da razão, levados tão-somente de suas paixões como brutos sem temor de Deus, nem honra nem previsão de futuros” (Ibid., 887), o que, por sua vez, se harmoniza com a impressão que colhe dos seus fregueses, os quais, em visita a Ponta Delgada, considera “muito rudes” na doutrina, não só os meninos, como também os pais que, se falhassem no envio dos filhos à estação da missa, deveriam ser publicamente inquiridos sobre os ensinamentos religiosos (ARM, Paroquiais, Livro 116-B, fl. 5). Num outro sítio e num outro contexto, expandia ainda o prelado a má opinião que tinha dos ilhéus, que considerava, pela sua ambição “fáce[i]s de levantar testemunhos uns aos outros para melhorarem as suas pretensões” (ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações, Eusébio, mç. 1, doc. 21). Para tentar obviar às falhas de caráter e às omissões de doutrina, envidou D. José alguns esforços, traduzidos na realização de um plano de visitação com a periodicidade devida, complementado por missões de interior, para as quais recorria aos meios ao seu dispor. Assim, em 31 de janeiro de 1700, enviava para as paróquias rurais, “armados de todos os poderes da sua jurisdição”, dois jesuítas, os padres mestres Inácio de Bulhões e Domingos de Melo, a fim de que, por ser o tempo de “grande calamidade de doenças e mortes”, ajudassem os vigários nas confissões. A esses missionários cometia, ainda, a responsabilidade de “aprovar e reprovar confessores na forma que lhes parecer”, voltando a demonstrar a preocupação que a correta prática do sacramento da penitência lhe despertava. Como nota curiosa, pode ainda acrescentar-se o facto de, para além da saúde moral das populações, o prelado zelar, ainda, pela cura dos males do corpo, pelo que, a acompanhar os jesuítas, ia também um cirurgião “aprovado para que visite os enfermos e lhes aplique os remédios necessários” (AHDF, Arquivo da Câmara Eclesiástica..., cx. 45, doc. 9). No mesmo ano, mas em agosto, realizava-se nova missão, desta vez resultante da oferta dos serviços de um frade, frei João de Santo Ambrósio, que “movido do fervor do seu zelo e caridade determina fazer missão em todas as freguesias deste nosso bispado” (Ibid., doc. 10). Os cuidados que o bispo dispensava à qualificação dos ministros autorizados a confessar voltam a evidenciar-se em edital publicado em 1710, onde se determinava que se não lançassem no rol dos habilitados a apresentar-se a exame os indivíduos que não mostrassem certidão de matrícula, ou aprovação, na aula de moral do colégio da Companhia “por serem muito poucos os sacerdotes capazes de servir a Igreja no exercício do confessionário” (Ibid., cx. 32, doc. 39). Para além disso, destaca-se uma lista dos clérigos do bispado feita em 27 de agosto de 1715, onde constam para a freguesia da sé, por exemplo, 131 eclesiásticos, dos quais apenas 24 estão habilitados a confessar, o que vem, mais uma vez, demonstrar que os critérios para acesso àquele ministério eram severos (Ibid., Livro 2.º da Câmara Eclesiástica, fls. 17-17v.). Para além dos cuidados já expressos com alguns aspetos do exercício do múnus episcopal no tocante à formação dos clérigos, D. José ainda dedicou uma atenção particular ao seminário, o qual fez transferir das antigas instalações no paço onde residia para um novo espaço, situado na rua que passou a chamar-se “do Seminário”, e onde se situavam uns aposentos inicialmente destinados a um mosteiro, o “Mosteiro Novo”, que nunca chegou a funcionar para o fim a que se destinara. O bispo dotou, ainda, o seminário de novos estatutos. Outra das tarefas com as quais se comprometeu o antístite foi a de provedor da Santa Casa da Misericórdia do Funchal, a cujos destinos presidiu nos anos de 1704 e 1709. Depois de 15 anos em que esteve presencialmente à frente da diocese do Funchal, retirou-se, então, o prelado para Lisboa, conforme já se viu, mantendo-se em funções por mais sete anos, findos os quais renunciou, ficando o bispado à guarda de um governador, Pedro Álvares Uzel, que dele se ocupou até à chegada do novo titular da mitra, D. frei Manuel Coutinho.     Ana Cristina Machado Trindade Rui Carita (atualizado a 22.12.2016)

História Política e Institucional Religiões

blanc, tibério augusto

Tibério Augusto Blanc nasceu em Santarém, cerca de 1810, entrando para o Real Colégio Militar em 1822, onde teve o número 34 e já se não encontra registado com os últimos apelidos. Terminado o curso, ingressou como cadete, a 9 de setembro de 1828, na Real Academia de Fortificação, Artilharia e Desenho, onde “foi o primeiro em todos os exames” (SANTOS, 1991). Seria depois promovido a 2.º tenente, a 24 de julho de 1833, e a 1.º tenente, a 5 de setembro de 1837, sendo colocado nesse mês na ilha da Madeira. Fixou residência no Funchal na rua de Santa Maria, onde veio a conhecer a futura esposa, Marta Carolina de Abreu Rego, da família dos capitães de Ponta Delgada, com quem se casou a 16 de fevereiro de 1838. Passou depois a residir na antiga rua das Portas Novas, atual rua do Carmo, e, depois, junto à ponte do Ribeiro Seco, quando foi colocado à frente daquelas obras. Tibério Augusto Blanc parece ter ido para a Madeira a pedido do administrador-geral António Gambôa e Liz (1778-1870) e, provavelmente, por indicação do futuro barão de Lordelo, que fora nomeado para o Funchal em 1835, embora só se tenha aqui apresentado em setembro de 1838. Tibério Blanc casar-se-ia no Funchal em fevereiro de 1838 e, em abril do ano seguinte, nascer-lhe-ia uma filha, da qual em agosto foram padrinhos de batismo os barões de Lordelo, José da Fonseca e Gouveia, administrador-geral do Funchal, e Maria Leopoldina, sua esposa, demonstrando as boas relações que mantinha com as mais altas autoridades do distrito. Tibério Blanc terá ido para a Madeira trabalhar na canalização das ribeiras do Funchal, monumental obra que fora iniciada pelo brigadeiro Oudinot em 1804, após a aluvião do ano anterior. Integrou assim a comissão nomeada para superintender na inspeção e direção dos trabalhos de limpeza das ribeiras da cidade em 1839 e, no mesmo ano, ainda foi encarregado do conserto da igreja de São Lourenço da Camacha. Em 1840 seria encarregado de verificar o estado da igreja matriz de Machico e orçamentar os reparos necessários, assim como igualmente o estado das muralhas da ribeira daquela vila, indicando os melhoramentos urgentes de que necessitava, “visto recear-se qualquer desastre” (ABM, Governo Civil, liv. 132, fls. 104 e 131v.), o que viria a acontecer dois anos depois, com uma nova e destrutiva aluvião. Nesse ano de 1840 ainda veio a ser encarregado de vistoriar se os cemitérios de Machico, Água de Pena, Santo António da Serra e Caniçal estavam de acordo com as determinações dos decretos de 21 de setembro e de 8 de outubro de 1835, vindo, no final desse ano de 1840, a vistoriar também um terreno em Machico, no sentido de avaliar se tinha condições para servir de cemitério àquela vila, embora a sua autorização para ser destacado para o serviço do Governo Civil só tivesse vindo no ano seguinte. Em 1841, o tenente Tibério Blanc procedeu à medição das águas da levada do Furado e orçamentou os reparos de que a mesma necessitava, vindo a ser o trabalho das levadas um dos aspetos mais relevantes da sua atividade na Madeira. No final do ano de 1842, face à importante aluvião, era chamado à Comissão Central de Auxílio, encarregada de avaliar os trabalhos a ser feitos. Nas reuniões e na presença do então administrador-geral, o Dr. Domingos Olavo Correia de Azevedo (1799-1855), estavam presentes os engenheiros militares da ilha: o então novo diretor das obras públicas, Manuel José Júlio Guerra (1801-1869), e os engenheiros Tibério Augusto Blanc, António Pedro de Azevedo (1812-1889), recentemente regressado à Madeira, e o velho e experiente Vicente de Paula Teixeira (c. 1790-c. 1850), como representante das obras camarárias do Funchal. A aluvião ocorrera a 24 de outubro de 1842, tendo sido despachado para o Funchal, a 26 de novembro, o então major Manuel José Júlio Guerra, experiente militar liberal, com larga folha de serviço nos Açores, no Porto, no Algarve e em Setúbal, mas, em princípio, sem as capacidades científicas dos outros dois engenheiros na altura também presentes na ilha. A sua colocação à frente das obras públicas não deve ter agradado a Tibério Blanc que, até certo ponto, se apaga nos anos seguintes, assim como a António Pedro de Azevedo, que pouco tempo depois volta para o continente, embora regressasse, também em pouco tempo, à Madeira. Entre as mais importantes obras públicas da Madeira dos meados do séc. XIX encontram-se a ponte do Ribeiro Seco, a Estrada Monumental para Câmara de Lobos e as várias pontes para tal construídas, assim como a levada do Rabaçal. Este conjunto de obras teve a direção do Eng. Tibério Augusto Blanc e, dados os interesses políticos e económicos que envolveu, foi objeto de ampla discussão nos periódicos da época. Não lograram assim estes trabalhos, durante a sua execução, face aos sucessivos encargos que todos tiveram e que quase duplicaram os orçamentos iniciais, a larga aceitação que viriam a conhecer após a sua conclusão. Em fins de 1846, já o conselheiro José Silvestre Ribeiro (1807-1891) iniciara as consultas sobre o modo de levar a efeito a obra da ponte projetada pelo seu antecessor Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque (1792-1847), mas só em 1848 se pôde dar começo aos trabalhos, depois de o conselheiro ter obtido a promessa de donativos que chegassem para satisfazer a quarta parte das despesas em que haviam sido orçados os trabalhos. A arrematação das obras da ponte teve lugar no dia 27 de fevereiro de 1848, e, no dia 6 de março seguinte, começaram os trabalhos, tendo pouco antes o governador aberto uma subscrição para os gastos da ponte. Em junho desse ano, José Silvestre Ribeiro partiria de licença para o continente, não deixando de, antes de partir, louvar Tibério Blanc pelos trabalhos já desenvolvidos na ponte e no traçado da futura Estrada Monumental. As obras da ponte do Ribeiro Seco foram arrematadas pela quantia de quase 6 contos de réis, sendo arrematantes o mestre-de-obras José Pereira e seus sócios António Joaquim Marques Basto, João António Bianchi e Francisco Luís Pereira. Os trabalhos ficaram acabados em fevereiro de 1849, altura em que Tibério Blanc comunicou ao governador civil interino, Sérvulo Drumond de Meneses (1802-1867), em ofício de 5 de dezembro do mesmo ano, estar concluída a grandiosa obra com toda a “solidez e perfeição” requeridas, tendo o governador interino louvado a forma como tinha “dirigido a execução do plano que habilmente traçara da mesma obra”. Mais tarde, toda a documentação respeitante à obra seria publicada em volume independente, integrada nas várias obras respeitantes à atuação da administração de José Silvestre Ribeiro (MENEZES, 1848). Tibério Blanc, talvez para poder acompanhar mais de perto a obra da Estrada Monumental, tinha adquirido um terreno junto à ponte do Ribeiro Seco, onde fizera construir uma residência. Assim, em breve era atacado pelo jornal O Archivista, insinuando-se que na execução dessa casa se servira dos materiais do Estado destinados à Estrada Monumental. Face às insinuações, o engenheiro enviou um ofício ao governador dando conta do andamento dos trabalhos e, ao mesmo tempo, demonstrando que nada de censurável havia feito. Acrescenta ainda que entretanto resolvera vender a dita casa e regressar à que adquirira anteriormente, em setembro de 1848, no Salto de Cavalo. O Archivista viria a publicar os esclarecimentos de Tibério Blanc, mas acrescentaria que, apesar de tudo, o engenheiro deveria de futuro fazer a sua residência um pouco mais afastada das obras que dirigia. O incidente não deve ter afetado a ação e aceitação institucional de Tibério Blanc, que desde o ano de 1850 integrava a direção da Sociedade Agrícola Madeirense, composta por quase 30 pessoas, dando nesse ano orçamento para umas obras a executar na cadeia da cidade para a construção de uma lareira e respetiva chaminé a fim de evitar que os presos fizessem lume ao longo dos muros, provocando fumos. Também no final desse ano se deslocara a Santa Cruz para escolher o terreno para o futuro cemitério. No ano seguinte, continuaria os seus trabalhos e, inclusivamente, responderia, por indicação também do Gov. José Silvestre Ribeiro, aos quesitos apresentados pela Câmara Municipal do Funchal sobre a iluminação a gás da cidade. O problema mais grave viria a ocorrer, entretanto, em relação à levada do Rabaçal. O Eng. Tibério Blanc foi colocado em agosto de 1848 à frente dos trabalhos da construção da levada, cujos primeiros estudos datavam dos meados do século anterior, de outubro de 1768, do tempo do sargento-mor Francisco de Alincourt (1733-1816), do ajudante Salustiano da Costa (c. 1745-c. 1820) e do governador João António de Sá Pereira (1719-1804). Os trabalhos de perfuração do importante túnel decorreram nos dois anos seguintes, comunicando o engenheiro, a 5 de novembro de 1850, em ofício escrito do lugar do Rabaçal, a finalização daquela fase dos trabalhos. No mesmo documento ainda dava conta de ter informado os vigários da Calheta, Estreito, Prazeres, Fajã da Ovelha e Ponta do Pargo, localidades que mais tarde haveriam de beneficiar dos trabalhos em curso. Acrescentava, também que encarregara os portadores das cartas de, nos adros das respetivas igrejas, darem girândolas de foguetes pela consumação do importante túnel de ligação das partes norte e sul do monte das Estrebarias. As questões entre Tibério Blanc e António Pedro de Azevedo, no entanto, datavam de, pelo menos, os inícios de 1848. Tibério Blanc fora nomeado por despacho régio de 23 de janeiro de 1839, em comissão de serviço civil, como encarregado da direção das obras públicas civis do distrito, ou seja, passara para a dependência direta do governador civil. Ora, com o afastamento de Júlio Ribeiro Guerra, passara o capitão António Pedro de Azevedo a chefiar o Comando da Engenharia da 9.ª Divisão Militar, pelo que entendeu dever Tibério Blanc dar-lhe conhecimento dos trabalhos em que andava. A questão entre os dois chegou a Lisboa e teve como despacho a suspensão de ambos em 31 de março desse ano de 1848, nomeando-se mesmo um capitão engenheiro, de nome Cunha, para substituí-los, como consta do processo arquivado no Arquivo Histórico Militar. A suspensão acabou por não ter efeito com a chegada de José Silvestre Ribeiro a Lisboa, no mês de junho, e ambos se mantiveram em serviço na Madeira nos anos seguintes. No governo de José Silvestre Ribeiro, em meados de 1849, ainda se havia iniciado um interessante trabalho, que era o de classificar as várias acessibilidades, atribuindo-se depois as responsabilidades de conservação às várias autoridades concelhias e distritais. A iniciativa começou pela publicação de um edital convocando a Junta Geral para a discussão de um projeto sobre as estradas, apelando-se à participação dos cidadãos interessados no assunto. A junta veio a nomear uma comissão para a elaboração de um Projeto para as Estradas e Caminhos da Ilha da Madeira e do Porto Santo, que propôs então a sua classificação em estradas, caminhos do concelho, caminhos vizinhais e caminhos rurais, propondo ainda a constituição de uma Junta das Estradas e de um inspetor das estradas. O trabalho foi publicado na tipografia do palácio de S. Lourenço, mas parece que as contingências políticas posteriores o deixaram cair no esquecimento. O Eng. Tibério Blanc desenvolveu uma espantosa atividade durante o governo de José Silvestre Ribeiro, visitando toda a ilha e, especialmente, as antigas levadas, dando parecer sobre os melhoramentos a efetuar e as novas obras a empreender nas mesmas. Em outubro de 1848, receberia na levada do Rabaçal o então tenente de engenharia António Maria Fontes Pereira de Melo, que chegou no bergantim Mariana, a caminho de Cabo Verde, tal como em meados de 1849 receberia o príncipe Maximiliano de Beauharnais (1817-1852), duque de Leuchtenberg e irmão da ex-imperatriz do Brasil, D. Maria Amélia de Bragança (1812-1873), empreendimento que o príncipe muito apreciou, vindo a contribuir monetariamente para o mesmo. Com a montagem do novo Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria de Fontes Pereira de Melo, Tibério Augusto Blanc foi mantido à frente das obras públicas do distrito do Funchal, situação que se conservou na vigência do novo governador, o visconde de Fornos de Algodres, João Maria de Abreu Castelo Branco Cardoso e Melo (1789-1878). As obras da levada do Rabaçal continuavam, entretanto, com a abertura de novo túnel, o das Levadinhas, para aumentar o caudal das águas. A época corresponde a uma nova inflexão política da regeneração, proclamando-se o major António Pedro de Azevedo adversário político do anterior governador José Silvestre Ribeiro, considerado localmente pelos “novos regeneradores” pouco dialogante e até autoritário. Com a nova situação, e não tendo sido nomeado diretor-geral das obras públicas do distrito, António Pedro de Azevedo consegue ser nomeado inspetor das mesmas obras, oficiando então a Tibério Blanc a comunicar-lhe as suas novas funções, solicitando-lhe vários elementos sobre as obras do Rabaçal e, alojamento no local para proceder à sua inspeção, ofícios depois divulgados nos periódicos do Funchal. O assunto foi acompanhado pelos periódicos do Funchal, que protestavam contra o atraso com que decorria a inspeção, a primeira a efetuar-se àquela obra, uma das mais importantes obras públicas da Madeira, chegando a alvitrar-se não estar o major António Pedro de Azevedo a cumprir cabalmente as suas funções, colocando-se mesmo a hipótese de não ter sido a pessoa certa para proceder à inspeção. A questão arrastou-se pelos meses de outubro e novembro de 1852, embora Tibério Blanc tivesse logo colocado toda a obra à disposição de António Pedro de Azevedo, incluindo os serviços do apontador-geral, José Maria Passos. Os resultados acabaram por revelar que tudo se encontrava a decorrer conforme os projetos iniciais definiam, havendo perfeita consonância entre os trabalhos desenvolvidos pelo Maj. Tibério Blanc e a inspeção efetuada pelo Maj. António Pedro de Azevedo, como consta na carta de 20 de novembro do apontador-geral (A Ordem, 25 set., 13 nov., 4 e 18 dez. 1852). O Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, em Lisboa, no entanto, parece não ter entendido assim a situação, passando a encarregar logo António Pedro de Azevedo de vários projetos na área das obras públicas e determinando a Tibério Blanc que entregasse o projeto final das obras da levada do Rabaçal. Na sequência disso, em fevereiro de 1853, exonerava Tibério Blanc do cargo da direção das obras públicas, indicando que deveria entregar a comissão a António Pedro de Azevedo. A passagem dos diversos materiais, e especialmente o arquivo, levantou inúmeros problemas, patentes em vários ofícios trocados entre o Governo Civil e o Ministério. O visconde de Fornos de Algodres encarregou de superintender à passagem de funções o administrador do concelho do Funchal, e, face à dispersão dos materiais pelas várias frentes de obras, os arquivos de plantas e projetos levaram imenso tempo a ser entregues. O assunto levou à intervenção do Ministério, que questionava se Tibério Blanc se recusava a entregar o arquivo, como se deduzia dos ofícios de António Pedro de Azevedo. O problema só se encontrava encerrado nos finais de março de 1853, com a entrega do relatório e do inventário do arquivo, assim como com a resposta taxativa do administrador do Funchal de desconhecer se o major Tibério Blanc se recusara a entregar o arquivo em causa, e dizendo que a elaboração do inventário final levara algum tempo a entregar por causa da acumulação de serviço no Funchal. Tibério Augusto Blanc acabou por ser destacado para diretor das obras públicas de Ponta Delgada, nos Açores, entendendo Fontes Pereira de Melo que dado existirem dois engenheiros no Funchal, e não havendo nenhum nos Açores, um deveria seguir para ali. A ordem para um dos oficiais engenheiros da Madeira passar a São Miguel foi assinada a 31 de outubro de 1853, mas sobre o ofício o ministro dos Negócios da Guerra informou que já a 14 de outubro se determinara o envio para os Açores do major Tibério Augusto Blanc. A sua atuação nos Açores deve ter sido bem aceite, pois a 19 de janeiro de 1861 era nomeado inspetor-geral das obras públicas dos Açores e do Funchal. Tibério Blanc optara, entretanto, por se radicar definitivamente no continente, vindo em 1854 à Madeira recolher a família, embarcando então para Lisboa no Galgo, acompanhado da esposa, da mãe, três filhas, uma irmã e a criada. No entanto, não teria sido impunemente que passara 17 anos ao serviço das obras públicas da Madeira, e, nos anos seguintes, regressaria pontualmente ao Funchal para a assinatura de uma escritura com o 2.º conde de Carvalhal (1831-1888) e Nuno de Freitas Lomelino (1820-1880), em 1858, subscrevendo uma sociedade para execução de uma levada em Boaventura destinada a regar a Ponta Delgada, altura em que vende algumas propriedades que ainda possuía na Madeira. Voltaria ainda em 1860 e em 1862, neste último ano como inspetor das obras públicas, altura em que publica um artigo defendendo a sua obra da Levada Nova do Rabaçal, então atacada pelo jornal Voz do Povo. Ainda voltaria em 1866 e 1867, esta última vez para vistoriar aspetos da construção de uma “docka” no porto do Funchal, assim como em 1873 e 1875, quando a sua saúde já se encontrava bastante abalada, falecendo em Lisboa, em setembro desse último ano. O major António Pedro de Azevedo teria idêntico percurso, também se retirando para Lisboa em meados de 1865, onde foi promovido a general a 13 de dezembro de 1869, passando depois a diretor do arquivo da Engenharia. Reformado a 31 de dezembro de 1878, manteve-se à frente daquele arquivo até falecer em Lisboa, a 10 de agosto de 1889. Salvo melhor opinião, a ele se deve não ter ficado uma única planta assinada por Tibério Blanc nos arquivos militares, das inúmeras que do Funchal para ali foram enviadas ao logo de quase 20 anos.   Mapa de gastos da Pontinha. Out. 1847. Arquivo Rui Carita.   [gallery order="DESC" columns="4" size="medium" ids="3569,13460,13463,13466"] O único documento assinado por Tibério Blanc que resta é um mapa de gastos das obras da Pontinha, de outubro de 1847, e, se restam algumas plantas da sua autoria, como as da fortaleza do Ilhéu, do forte de S. José da Pontinha ou dos estragos da aluvião de 1842, só escaparam porque não estão assinadas. Inclusivamente desapareceu quase todo o conteúdo do seu processo individual nos arquivos de pessoal do exército, só dali constando seis documentos soltos provenientes de outros fundos.   Mapa dos estragos da aluvião de 1842     [gallery order="DESC" size="medium" ids="13487,13484,13481,13478,13475,13472"]   Rui Carita Imagens: Arquivo Rui Carita (atualizado a 05.01.2017)

Arquitetura Património Personalidades

barbosa, pedro correa

Cónego da Sé do Funchal e vigário geral do mesmo bispado, nasceu na cidade do Funchal. Era filho de José Barbosa, homem que vivia das suas fazendas, um estanqueiro que serviu de feitor dos contratadores do tabaco na ilha da Madeira, natural da freguesia de Santa Maria Madalena, em Lisboa, e de sua mulher Maria Correa, natural da freguesia da Madalena do Mar, na ilha da Madeira. Era neto paterno de Duarte Barbosa, um fanqueiro, e de Maria Ferreira, que haviam morado em Lisboa, na rua dos Fanqueiros, artéria onde ficavam localizadas as lojas que vendiam roupas provenientes de fora do Reino. Pela via materna, era neto de Jacinto de Freitas da Silva, um homem nobre, dos principais do Funchal, e de uma mulher com quem aquele mantivera um relacionamento ilícito, chamada Domingas Rodrigues. Pese ser filha natural, a mãe de Pedro Correa Barbosa foi criada por Jacinto de Freitas da Silva “de portas a dentro”, o que lhe permitiu adquirir o mesmo estatuto do progenitor, que acabou por a legitimar e dotar. Na déc. de 70 do séc. XVII, foi estudar para a Universidade de Coimbra, onde, a 1 de outubro de 1673, efetuou uma matrícula em Instituta. No ano seguinte, matriculou-se em Cânones. Alcançou o bacharelato nessa área do saber a 11 de julho de 1678, e a formatura a 16 de maio de 1679, tendo sido em ambos os atos aprovado nemine discrepante, classificação que implicou a unanimidade por parte do júri, mas que não esclarece sobre as suas capacidades intelectuais. Existe informação de que, na cidade do Mondego, mas também na do Funchal, serviu na Irmandade dos Terceiros de S. Francisco. A devoção ao dito patriarca levou-o, mais tarde, a consagrar-lhe uma ermida que mandou edificar, dotar e ornar na sua quinta do Pico, freguesia de São Pedro, no Funchal, templo que recebeu autorização para celebrar os ofícios divinos em dezembro de 1697. D. Fr. José de Santa Maria Saldanha, bispo do Funchal (1690-1696), fê-lo cónego meio prebendado na Sé da sua Diocese, não obstante recair sobre a sua família fama de cristã-novice. Aliás, em 1647, o rumor já havia sido levantado em relação a seu pai, quando aquele pretendera ocupar a escrivania da Câmara do Funchal, o que apenas conseguiu depois de recorrer ao Desembargo do Paço. O mesmo prelado diocesano designou-o vigário geral do bispado, o que, mais uma vez, motivou os seus inimigos a publicitar a sua suposta impureza de sangue, por intermédio de pasquins. É de notar que esse importante cargo, que já desempenhava em dezembro de 1694, lhe proporcionava largos proventos (segundo relatório ad limina de 1693, a renda em dinheiro do vigário geral era de 37 ducados de câmara), o que naturalmente intensificou o ódio dos seus contrários. Para tentar colocar cobro à infâmia, recorreu à Casa da Suplicação, correição do cível de Lisboa, tendo conseguido obter justificação de genere, sobre a limpeza do seu sangue, em fevereiro de 1699. Como seria expetável, tais rumores, ainda que falsos, persistiram. Porém, esses rumores não impossibilitaram que, anos mais tarde, um sobrinho homónimo e uma sobrinha-neta tivessem conseguido habilitar-se pelo Santo Ofício, o primeiro para obter a familiatura e a segunda para celebrar matrimónio com um familiar do Tribunal da Fé. Pedro Correa Barbosa foi ainda professor de Cânones e examinador sinodal do bispado funchalense. A propósito, recorde-se que, em 1695, o antístite daquela Diocese convocou um sínodo diocesano, no qual foram promulgadas algumas constituições sobre a disciplina eclesiástica, mas que, dada a sua transferência para a Diocese do Porto, acabaram por não ser impressas. Segundo Diogo Barbosa Machado, autor da famosa Biblioteca Lusitana, Pedro Correa Barbosa foi um pregador insigne. Sem prejuízo, conhece-se apenas um sermão impresso da sua autoria, pregado a 13 de junho de 1697, na festa de S.to António, texto que foi dado à estampa em Lisboa, na oficina de Miguel Deslandes, em 1699, com o título Sermaõ Panegyrico na Solemnissima, & Anniversaria festa, que o Reverendo Cabido da Santa Sè do Funchal da Ilha da Madeira, faz na tarde do dia oitavo do Corpo de Deos. Faleceu a 3 de fevereiro de 1709, tendo sido sepultado na capela maior da Sé do Funchal, no jazigo dos padres capitulares. Fez testamento, aprovado pelo tabelião Filipe Rodrigues Cunha, em que instituiu por seu herdeiro universal António Correa Barbosa, seu irmão, deixando-lhe os seus bens em vínculo de morgado com obrigação de, anualmente, no dia em que fosse celebrada a festividade de Nossa Senhora do Amparo na Sé do Funchal, dotar uma órfã com 20.000 réis e mandar dizer uma missa por sua alma. Deixou ainda 30.000 réis aos religiosos de S. Francisco da cidade do Funchal; 20.000 réis à fábrica da Sé; e 4000 réis para os pobres do hospital daquela urbe.     Ricardo Pessa de Oliveira (atualizado a 14.12.2016)

Religiões Personalidades

associação académica da universidade da madeira

A Associação Académica da Universidade da Madeira (AAUMa) foi criada a 10 de dezembro de 1991 com o intuito de responder às necessidades dos estudantes, sendo a estrutura representativa e comunitária dos estudantes da Universidade da Madeira (UMa). É uma instituição privada, sem fins lucrativos, que foi reconhecida em 2006 pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior; está inscrita no Registo Nacional do Associativismo Jovem do Instituto Português do Desporto e Juventude e possui, desde 2010, o estatuto de instituição de utilidade pública. Os primeiros órgãos sociais – liderados por Jorge Carvalho como presidente da direção, por Deodato Rodrigues como presidente da mesa da assembleia geral e por António Cunha como presidente do conselho fiscal – foram eleitos por 416 estudantes, tomando posse a 9 de janeiro de 1992. Diversas atividades foram desenvolvidas no sentido de consolidar uma estrutura estudantil única na Madeira, que representasse os estudantes da UMa. O registo legal, a idealização do logotipo, a organização de festividades e de colóquios aquando do Dia Nacional do Estudante, a participação em provas desportivas regionais e nacionais são disso exemplo. Para fazer cumprir algumas das promessas eleitorais, foi necessário “adquirir uma máquina de encadernação, formar uma tuna, adquirir um computador, fomentar a participação dos estudantes no grupo de teatro, realizar um festival de tunas e participar nas competições desportivas interuniversitárias” (Livro de Actas da Direcção…, 16 jan. 1993, s.p.). A 14 de janeiro de 1994 foi eleita, para mais um mandato, a equipa liderada por Jorge Carvalho na direção, com Deodato Rodrigues na mesa da assembleia geral e Ricardo Félix no conselho fiscal, tomando posse a 2 de fevereiro do mesmo ano. O apoio ao estudante e a organização de colóquios, de conferências e de fóruns de discussão sobre assuntos relacionados com o ensino superior e com a UMa e a sua oferta formativa foram as principais preocupações da equipa. O segundo mandato da equipa liderada por Jorge Carvalho terminou com o I Encontro de Estudantes Madeirenses do Ensino Superior, no qual, durante dois dias, se discutiram questões sobre o ensino de qualidade e sobre a formação de profissionais de excelência em Portugal. A 19 de janeiro de 1996 tomavam posse os novos corpos sociais da AAUMa, liderados por Vítor Freitas como presidente da mesa da assembleia geral, por Orlando Oliveira como presidente do conselho fiscal e por Eduardo Marques como presidente da direção, cargo que manteve até 18 de dezembro do mesmo ano, data em que trocou de lugar com a vice-presidente, Natércia Silva. É com esta equipa que se institui, pela primeira vez, a Semana do Caruncho e o Corte das Fitas (até então, designados de Semana Académica e Queima das Fitas), o primeiro Código de Praxe e Comissão de Praxe, a primeira publicação do jornal (Parenthesis), a 14 de maio de 1996, e a aposta no desporto e na contratação de bandas nacionais e regionais para celebrar o adeus aos finalistas e a receção dos novos estudantes da UMa. A 6 de março de 1998 tomavam posse Sara André Serrado, como presidente da direção, Paulo Santos, como presidente da mesa da assembleia geral, e José Costa, como presidente do conselho fiscal. Uma das primeiras preocupações foi a alteração estatutária e a regulação da praxe na UMa, modificando para tal o Código de Praxe em vigor e criando a Comissão de Veteranos. Seria, contudo, na direção seguinte, liderada por Clara Freitas, que as questões da praxe ficariam desvinculadas da AAUMa, por deliberação da Reunião Geral de Alunos. Eleita por dois mandatos – a 19 de janeiro de 2001 e a 20 de fevereiro de 2003 –, Clara Freitas vê o último mandato terminar de forma abrupta. A direção acaba por ser exonerada, pois o pedido de demissão apresentado pela maioria dos membros dos órgãos sociais inviabiliza a continuidade da restante equipa na liderança da AAUMa. No entanto, e enquanto os corpos sociais desta direção estiveram ao serviço dos estudantes, as questões desportivas, as de ação social, as culturais e as recreativas foram as suas principais bandeiras. A 23 de abril de 2004 é eleita a equipa de Marcos Pestana, que encontra uma estrutura associativa com uma situação financeira instável, parca de recursos e com uma credibilidade reduzida, o que acabou por dificultar grande parte do trabalho a que se havia proposto. A aposta no desporto universitário e na tradição académica da UMa foi, contudo, concretizada. A 8 de março de 2006 aquela dá lugar à equipa de Luís Eduardo Nicolau, que viria a ser, pelo menos até 2016, o presidente com maior longevidade à frente dos destinos da AAUMa, com três mandatos (14 de março de 2006, 21 de abril de 2008 e 3 de novembro de 2010) e três equipas diferentes (lideradas por André Dória, Andreia Micaela Nascimento e Rúben Sousa como presidentes da mesa da Reunião Geral de Alunos e por Pedro Olim, Tiago Seixas e Gonçalo Camacho como presidentes do conselho fiscal). A implementação do processo de Bolonha e do regime de prescrições na UMa foi uma das primeiras preocupações desta equipa. Nestes anos são criados vários projetos, muitos dos quais se mantêm vários anos depois. Uma publicação mensal, a emissão de programas de rádio e de televisão, um projeto de solidariedade social, um grupo de fados de Coimbra, um centro de explicações para o ensino básico, secundário e superior, o acolhimento de estágios curriculares e pedagógicos diversos, as lojas Gaudeamus e os projetos de valorização e de preservação do património histórico regional são alguns exemplos. Deve ainda enfatizar-se a participação da AAUMa no primeiro conselho de leitores do Diário de Notícias da Madeira, no Conselho de Cultura da UMa e no Observatório do Emprego e Formação Profissional da UMa. É no último mandato de Luís Eduardo Nicolau que, por decisão dos estudantes presentes na assembleia geral de 4 de março de 2010, se decide laurear, com o título de associado honorário, D. António Carrilho, bispo da Diocese do Funchal, José Manuel Castanheira da Costa, então reitor, Jorge Carvalho, Marco Faria, Idalécio Antunes, Andreia Micaela Nascimento, Carlos Diogo Pereira e a Tuna Universitária da Madeira. Em outubro de 2012, João Francisco Baptista assume a presidência, formando equipa com Vitor Andrade, como presidente da mesa da Reunião Geral de Alunos, e com Nuno Rodrigues, como presidente do conselho fiscal; em outubro de 2014, é reeleito, tendo Ricardo Martins como presidente da mesa da Assembleia Geral de Alunos e Nuno Rodrigues como presidente do conselho fiscal. No decorrer dos seus mandatos, salientam-se a continuidade e o crescimento de alguns projetos já existentes, o início da Imprensa Académica, linha editorial da AAUMa, a criação de projetos de apoio social destinados aos estudantes da UMa (a bolsa de alimentação, a bolsa escolar e a bolsa LER), o apoio ao estudante, o ateliê de férias Doutorecos, a dinamização de projetos de interesse turístico e cultural e o reconhecimento, pela União Europeia, da AAUMa enquanto entidade de acolhimento e de envio de voluntários pelo Serviço Voluntário Europeu. A cultura, o desporto, o apoio ao estudante (presencial, telefónico e remoto), a tradição, a ciência, a investigação, a empregabilidade, a formação e a cidadania ativa e responsável voltam a ser as prioridades de uma estrutura que cresceu e que representa a UMa e todos os estudantes que nela são formados.     Andreia Micaela Nascimento (atualizado a 14.12.2016)

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