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coelho, josé vieira

Poeta popular madeirense que ficou conhecido pelas suas histórias em verso, impressas em folhetos e vendidas pela Ilha, nos arraiais, nos autocarros e no mercado dos Lavradores. Da sua obra fazem parte, entre outros, os opúsculos “As Modas das Raparigas e a Arte delas Namorar” e “Um Pai Que Matou a Sua Própria Filha”. Palavras-chave: poesia popular; cultura popular; tradições populares José Vieira Coelho foi, provavelmente, um dos últimos poetas populares madeirenses a declamar e a vender, pela ilha da Madeira, diversas histórias em verso, de sua autoria, impressas em folhetos. Nasceu na freguesia e concelho de Santa Cruz, no sítio da Levada da Roda, Lombada de São Pedro, a 20 de junho de 1926. Filho de Manuel Vieira Coelho e de Cristina de Gouveia, casou-se na igreja de S.ta Cruz com Isabel da Mata, “ex-freira da Congregação das Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora das Vitórias”, no dia 30 de julho de 1951. “Membro ativo da Igreja Adventista do Sétimo Dia”, José Vieira Coelho é pai de José Manuel da Mata Vieira Coelho, um popular e controverso político da Região, que em 2008 assumiu a função de deputado à Assembleia Legislativa da Madeira e foi o primeiro madeirense a candidatar-se à Presidência da República, no ano de 2011 (NÓBREGA, Público, 14 jan. 2011). José Vieira Coelho começou a escrever poesia ainda jovem. Aos 17 anos, fez uma viagem ao Porto Santo e escreveu um poema dedicado à ilha da Madeira. Um ano depois, escrevia para vender. Conforme certifica nas quadras finais de alguns dos seus folhetos, e como se pode ler na história “Um Pai Que Matou a Sua Própria Filha”, era ele próprio quem redigia os seus versos: “Tudo isto que vem escrito // Foi eu que escrevi // Bem empregado tempo // Nos livros que aprendi” (COELHO, “Um Pai Que Matou…”, 7). Note-se que o poeta só tinha a 4.ª classe (equivalente, na graduação do começo do séc. XXI, ao 4.º ano do 1.º ciclo do ensino básico). No entanto, em 1996, numa entrevista concedida a Rui Camacho (responsável pelo grupo Xarabanda), que serviu de base para a publicação de um texto de Ana Araújo, em 2004, na revista Xarabanda, afirmou que os seus poemas eram fruto da memória e não do estudo. Por vezes, justificava-se e pedia desculpa por algum erro que os seus poemas pudessem ter, como se pode verificar no referido opúsculo: “Para eu escrever estes versos // Eu tive muita maçada // Os senhores que me desculpem // De alguma palavra errada” (Id., Ibid., 7). José Vieira Coelho imprimia os versos no Funchal, na Tipografia Natividade ou na Minerva, em edições de 2000 a 3000 exemplares. As impressões eram feitas a crédito e o pagamento era regularizado depois de o poeta vender os exemplares, pelo preço de dois escudos e meio ou de cinco escudos, conforme a narrativa. Por vezes, as histórias faziam muito sucesso junto do público, sobretudo quando reportavam faits divers de grande impacto, acontecimentos marcantes e situações dramáticas ou trágicas, como é o caso das narrativas “Cuidado com o Lume em mãos de Crianças”, sobre um incêndio em São Roque, “O Caso do ‘Santa Maria’ e os seus passageiros” e “Um Pai Que Matou a Sua Própria Filha”. Nessas ocasiões, chegava a vender cerca de 4000 exemplares. Vendia os seus versos, por vezes conjuntamente com o Borda d’Água, pela Ilha, nos arraiais e também nos autocarros. O mercado dos Lavradores era outro local de eleição para venda da sua literatura de cordel, ou, melhor dizendo, dessa “literatura popular escrita tradicionalista”, de acordo com a nomenclatura de João David Pinto-Correia (PINTO-CORREIA, 1985, 391). Deste modo, foi ficando conhecido e ganhando a simpatia dos populares, que o chamavam José Coelho, Coelho ou simplesmente “o poeta”. Os temas dos seus versos são diversificados. Um dos primeiros poemas a ser publicado foi “Amor de Mãe”, dedicado à mãe, que perdeu ainda jovem. José Vieira Coelho inspirava-se nos acontecimentos do quotidiano, nas vivências do povo e nos casos que faziam notícia nos jornais, principalmente crimes, desastres e tragédias. O trovador popular conta também histórias de amor, dá conselhos, faz homenagens e fala sobre a religião, os costumes e a moral. Por vezes, imprimia um carácter humorístico aos seus poemas, e quase sempre procurava prender a atenção do leitor desde o início da narração, pedindo que prestasse atenção ou que desse ouvidos a uma história verdadeira. Outras vezes, especialmente quando relatava crimes ocorridos, pedia a Deus para lhe dar paciência e uma boa memória para narrar a história. Acerca desta temática, destacam-se alguns dos seus relatos de crimes sucedidos, como o caso de “Um Pai que Matou a Sua Própria Filha” na freguesia de Água de Pena. Nesta história, conta como um pai tirou a vida à filha, de forma violenta, por esta não querer seguir a sua vontade de casar com um determinado pretendente. Conta ainda a tragédia que se deu entre dois irmãos, que resultou na morte do irmão mais novo, por amor a uma mesma rapariga. Esta “história sensacional”, na expressão do poeta – nós diríamos “sensacionalista” –, denominada “A Inveja dos Casamentos”, ocorrida na ilha Terceira, Açores, expõe como o sentimento de inveja do rapaz mais velho destruiu o sonho de casamento do seu irmão e da noiva, mas também como essa paixão arruinou a sua própria vida, sendo preso pelo crime que cometeu e passando depois por diversas provações. Com as narrativas em verso, nas quais relatava crimes decorrentes de casos de amor, o poeta pretendia levar o leitor a meditar nos acontecimentos, para que estes servissem de exemplo, quer para os pais, quer para os rapazes solteiros, e evitar que fossem cometidos os mesmos erros. Na verdade, o poeta popular gostava de aconselhar os seus leitores, procurando apresentar uma nota moralista no final das suas criações literárias, sendo esta uma característica dos seus versos. Terminava as suas composições, quase sempre, com uma quadra em forma de conselho para os seus leitores, que tratava como “amigos”, “caros leitores” ou “senhores”. Vejam-se, e.g., as seguintes quadras: “Eu escrevi estes versos // Que para todos é um espelho // Sabeis quem os versou // Foi José Vieira Coelho” (COELHO, “Um Pai Que Matou…”, 7); “Aqui tendes esta lição // Em versos, como bom conselho // P’ra exemplo de algum coração // Escritos por José Vieira Coelho” (Id., “A Inveja…”, 8). Ainda sobre a temática dos amores e casamentos, recria a “História de um Grande Amor João e Balbina”, sucedida na ilha Terceira, Açores. Dois jovens desejavam casar-se, mas ambos tinham os pais contra aquela união. Contrariados no seu amor, infelizes e apaixonados, adoecem e acabam por morrer no mesmo dia, causando grande consternação na localidade (veja-se uma outra versão dessa narrativa em Historia de João e Balbina. Dois Namorados na Ilha Terceira, Faliecidos Ambos no mesmo Dia, de M. V. C. Figueira). O poeta procura levar o leitor a tirar uma lição desta história, especialmente dirigida aos pais, para meditarem em como não devem intrometer-se nas escolhas dos filhos. Atento à realidade do seu tempo, José Coelho comentava a conduta dos seus conterrâneos, quer criticando as raparigas solteiras, as “meninas vaidosas”, que só pensavam nas modas e no luxo, quer lançando avisos “aos pais que pensam deixar seus bens em vida”, para que tivessem cuidado com o que poderiam passar, e aconselhava os leitores a terem cautela com as pessoas “maldizentes”, que censuram tudo e todos. Por vezes, terminava os poemas com um pedido de desculpas: “No terminar destes versos // Peço, para me desculpar // Se alguém se ofendeu, peço-vos // Que me queiram perdoar” (COELHO, “As Modas das Raparigas…”, 4). Nos versos baseados em notícias de jornais, situações trágicas ou crimes, o poeta relata acontecimentos como “O Desastre Horroroso do Fogo no Arco da Calheta”, um acidente, ocorrido a 11 de julho de 1953, que vitimou mortalmente os dois ocupantes de um automóvel. Na origem do acidente terá estado uma explosão de fogo de artifício que era transportado pela viatura onde seguiam os jovens. O rebentamento causou ainda danos no veículo, prejuízos em residências e o pânico da população da localidade. Narra também o “Desastre Marítimo na Fajã do Mar”, ocorrido no dia 7 de fevereiro de 1955, em que morreram seis pessoas devido à forte ondulação que atingiu um barco de transporte de passageiros, e que terá soçobrado no mar. Reporta ainda outros acidentes: em “O Triste Desastre de Automóvel”, sucedido na Ribeira Funda, Estreito da Calheta, em que morreram dois jovens irmãos; em “Cuidado com o Lume em mãos de Crianças”, acerca de um incêndio em São Roque, Funchal, que deixou uma família sem lar e provocou a morte a uma criança; em “O Crime do Beco das Frias”, em que duas irmãs foram assassinadas; e em “O Caso do ‘Santa Maria’ e os Seus Passageiros”. Revelou-se simpatizante do Estado Novo, a julgar pelos ditos elogiosos que então publicou. Escreveu versos que dão conta da visita à Madeira do Presidente da República Craveiro Lopes, a 30 de maio de 1955, contribuindo assim para o conhecimento daquele momento histórico da vida da Ilha. Descreve alguns pormenores das festividades e as manifestações de regozijo com que o chefe de Estado foi recebido pela população madeirense: as artérias da cidade, enfeitadas de flores, bandeiras e luzes, encheram-se com uma multidão que saiu à rua para o saudar à sua passagem. O poeta aproveita o ensejo para agradecer ao Presidente e enaltecer Salazar, exaltando as obras feitas na Madeira – nomeadamente as estradas, as escolas, as obras do porto, as levadas e a iluminação – graças às políticas do Estado Novo, na sua opinião. O vate popular deixou alguns versos homenageando os padres António Nicolau Fernandes e José Maurício de Freitas, falecidos em 1954, e também registou a sua moral religiosa em versos como “A Felicidade do Lar Cristão – Versos em recordação do Ano Santo de Nossa Senhora – No Primeiro Centenário da Sua Proclamação por Pio IX – 1854-1954” (s.d.). Reescreveu também histórias que tiveram por base a literatura oral tradicional, como “João de Calais”, “Genoveva a Princesa da Alemanha” e “O Testamento do Galo”, dando-lhes o seu cunho pessoal, e narrativas curiosas como “O Sapateiro Remendão e Suas Aventuras”, entre tantas outras, algumas nomeadas por si como “história verdadeira”, outras como “história sensacional” e outras ainda como “história versada”. No final dos opúsculos, apresenta uma listagem das suas histórias publicadas, com a informação de que as mesmas podiam ser solicitadas ao próprio José Vieira Coelho. Faleceu a 24 de abril de 2011 em Santa Cruz. Obras de José Vieira Coelho: “Amor de Mãe” (s.d.); “O Caso do ‘Santa Maria’ e os Seus Passageiros” (s.d.); “O Crime do Beco das Frias” (s.d.); “Cuidado com o Lume em Mãos de Crianças” (s.d.); “A Felicidade do Lar Cristão – Versos em recordação do Ano Santo de Nossa Senhora – No Primeiro Centenário da Sua Proclamação por Pio IX – 1854-1954” (s.d.); “Genoveva a Princesa da Alemanha” (s.d.); “História de um Grande Amor João e Balbina” (s.d.); “A Inveja dos Casamentos” (s.d.); “João de Calais” (s.d.); “As Modas das Raparigas e a Arte delas Namorar” (s.d.); “Um Pai Que Matou a Sua Própria Filha” (s.d.); “O Sapateiro Remendão e Suas Aventuras” (s.d.); “O Testamento do Galo” (s.d.); “O Desastre Horroroso do Fogo no Arco da Calheta a 11-7-53” (1953); “Desastre Marítimo na Fajã do Mar” (1955); “O Triste Desastre de Automóvel” (1963).   Sílvia Gomes (atualizado a 30.12.2016)

Literatura

parcerias público-privadas

Partindo da definição proposta por E. R. Yescombe em Public Private Partnerships: Principles of Policy and Finance (2007), pode-se começar por definir as parcerias público-privadas (PPP) como: 1) um contrato de longo prazo (o contrato de PPP), celebrado entre um parceiro do sector público e um parceiro do sector privado; 2) que tem em vista o desenho, construção, financiamento e funcionamento de uma infraestrutura pública, a cargo do parceiro privado; 3) mediante pagamentos feitos ao privado, ao longo da vida do contrato de PPP, seja pelo Estado com recurso a dotações orçamentais, seja diretamente pelos utentes ou utilizadores através da cobrança de tarifas ou taxas; 4) assegurando-se que a infraestrutura ou permanece na propriedade do Estado ou reverte para este, no final da vigência do contrato de PPP, ainda que o mesmo possa ser objeto de renovação. Estes quatro aspetos merecem, contudo, algumas precisões (atender-se-á, nomeadamente, à concretização das PPP em Portugal). Quanto ao aspeto mencionado em 1), de que as PPP configuram um contrato de longo prazo, a afirmação não é inteiramente linear. A dúvida não se prende com a segunda parte: é de facto característica das PPP serem de longo prazo. Na verdade, a dúvida é a de saber se as PPP traduzem verdadeiramente um tipo de contrato ou antes um modelo de contratação (falar-se-á então de contratação em PPP), e se, sendo contrato, será um contrato único ou antes uma pluralidade de contratos (no limite, uma união de contratos). Isto porque as PPP são geralmente caracterizadas pela sua complexidade, envolvendo não apenas o contrato principal (o acordo de PPP propriamente dito), mas também outros, com destaque para os contratos de financiamento, contratos de seguros, contratos de empreitadas e de fornecimentos, contratações técnicas diversas, etc. Mas regressemos à primeira questão, mais interessante: a de saber se as PPP são um contrato ou antes um modelo de contratação. Admitimos como válidas as duas hipóteses, embora propendamos para a segunda opção. Ainda assim, admitindo que as PPP possam ser olhados como contrato, importa fazer notar que a identificação do tipo contratual em causa dependerá, antes de mais nada, do modelo de PPP perante o qual se esteja. Assim, à luz do modelo anglo-saxónico (o modelo da Private Finance Iniciative –PFI), que apresenta, na nossa opinião, uma natureza eminentemente institucionalizada, o contrato de PPP traduz-se na criação de um Special Purpose Vehicle (SPV), o qual pode inclusive passar pela formação de uma joint venture entre os principais parceiros (público e privado). Pertencerá a esse SPV assegurar a construção e a gestão da infraestrutura durante o período de vida útil do ativo e todas as relações contratuais iniciais e ulteriores que hajam de ser estabelecidas passam pela intervenção deste novo protagonista. Ora, como se vê, no modelo da PFI, a PPP estriba-se num contrato de direito societário (ou próximo deste), e a matriz é eminentemente privatística. Já no modelo concessivo – o modelo continental –, o contrato (principal) de PPP consiste numa concessão (de obras ou de serviços públicos), i.e., é verdadeiramente um contrato administrativo, ainda que lhe possam ser apontadas algumas especificidades relativamente às concessões “tradicionais”, quer do ponto de vista conceitual ou do alcance legal do conceito (respetivamente, por se tratar sempre de uma concessão de longo prazo e por delimitar a lei a aplicação do regime das PPP apenas a parcerias de montantes superiores a um valor predefinido), quer no plano do regime jurídico aplicável (seja em sede inicial, de decisão de contratar e de contratação, seja em fase posterior, a nível da execução – aspetos que veremos mais adiante). Nesta medida, no modelo concessivo, a matriz é mais fortemente juspublicística. Posto isto, olhando agora para o modelo português, que é um modelo concessivo, propendemos a defender que as PPP se traduzem não num (único) contrato, ou sequer numa união de contratos, antes verdadeiramente num modelo de contratação (ainda que encerrem um contrato principal, de concessão, a par de outros, contratos acessórios). Esta qualificação resulta dos seguintes elementos (para maior desenvolvimento dos pontos seguintes, leia-se o estudo de 2009 de Nazaré C. Cabral; veja-se ainda, em sentido não distante, o texto de Maria Eduarda Azevedo): i) Fundamento das PPP: as PPP desenvolvem-se sobretudo a partir de finais do séc. XX para superarem as restrições orçamentais com que diversos países desenvolvidos se veem confrontados, nomeadamente para continuarem a realizar grandes investimentos públicos. As PPP foram um expediente satisfatório que esses mesmos países forjaram para ganhar “espaço orçamental” numa altura em que se acentuavam os seus problemas orçamentais, designadamente em virtude do elevado crescimento da despesa pública e dos níveis de endividamento. Nesta medida, as PPP aproveitam-se de modelações contratuais convencionais (g. contratos de concessão) para as adaptarem a finalidades contemporâneas do ponto de vista económico e financeiro: capacidade de realização de grandes investimentos em contexto orçamental restritivo; ii) Os alcances da noção de PPP: mais do que contrato, mais do que união de contratos, as PPP traduzem um arranjo complexo que envolve relações contratuais (relevância estrita ou jurídica), mas que envolve também, desde logo, uma determinada visão ou conceção acerca da forma como o Estado deve agir na economia, pela intermediação da ideia de contratualização externa (contracting out) e, se se quiser, em sentido amplo, de privatização da própria administração pública (relevância ampla ou económica). Enquanto visão acerca da atuação do Estado na economia, as PPP configuram muito mais do que um contrato: elas são um verdadeiro modelo de contratação. Justamente, neste sentido, é usual encontrar a contraposição entre modelo de contratação em PPP e modelo de contratação pública tradicional, conforme foi clarificado por António Pombeiro. Neste último, o Estado envolve-se diretamente na conceção, desenho, aprovisionamento, produção, distribuição, aquisição, posse, propriedade, manutenção, atualização dos ativos destinados à satisfação de necessidades públicas. Diversamente, no modelo de contratação em PPP, a Administração Pública apenas delimita, caracteriza e quantifica as necessidades públicas essenciais, contratando esse provimento em parceria com o sector privado, de modo a maximizar o Value for Money (VfM) e a minimizar o risco do seu envolvimento, sem deixar no entanto de exercer controlo efetivo sobre o provimento em causa. O parceiro privado é corresponsabilizado pelo sucesso do empreendimento por toda a vida do contrato, respondendo pela economia, eficiência e eficácia, e ainda pelo impacto económico de todo o empreendimento na satisfação das necessidades públicas. Repare-se que a própria legislação aplicável (o de-lei n.º 111/2012, de 23 de maio, e também, para o efeito, o n.º 2 do art. 19.º da Lei de Enquadramento Orçamental (LEO), lei n.º 91/2001, de 20 de agosto) acolhe o chamado “princípio do comparador do sector público” (CSP), que mais não significa, na verdade, do que a necessidade de, aquando da decisão de contratar em PPP, se proceder a uma análise comparada entre os resultados económicos e financeiros a obter com a PPP e os resultados que se obteriam caso se optasse pela contratação pública em moldes tradicionais; iii) A dimensão whole-life das PPP: um dos elementos que permite também diferenciar as PPP relativamente às soluções de contratação pública convencionais reside na sua perspetiva whole-life. O princípio do VfM (antes mencionado), que basicamente significa “fazer mais com o mesmo dinheiro”, permite fixar a atenção numa característica nem sempre evidenciada nos processos de contratação pública: o facto de tais processos não se esgotarem no momento pré-adjudicatório e adjudicatório, antes se tratando de processos whole-life, de aquisição a terceiros de bens, serviços ou obras públicas que, por isso, se iniciam com a identificação da necessidade coletiva e terminam com a conclusão do contrato ou com o fim da disponibilidade da infraestrutura em causa. O VfM pode ser assim definido, de acordo com Darrin Grimsey e Mervyn Lewis (2004), como a combinação ótima do custo e da qualidade whole-life, com vista à satisfação das necessidades dos utilizadores. Estes mesmos autores acrescentam que uma das grandes vantagens das PPP reside no facto de se alicerçarem numa abordagem “whole-of-life cycle ‘bundled’” (GRIMSEY e LEWIS, 2004, 135). Esta integração leva a que a infraestrutura seja desenhada não apenas tendo em vista a satisfação de serviços core, mas também de todos os serviços associados. Por sua vez, trata-se não apenas de responder, no imediato ou no curto prazo, a uma dada necessidade, mas também de garantir a provisão ao longo do ciclo da vida da infraestrutura (disponibilidade e qualidade da infraestrutura no médio e longo prazos). As PPP são pois um incentivo contratual que leva o parceiro privado a olhar para além da fase de conceção e construção, para se fixar também nas fases de funcionamento e manutenção. Ainda que existam argumentos favoráveis à provisão unbundled, a verdade é que, para estes autores, “a atribuição da coordenação do projeto a uma só entidade do sector privado (ou consórcio) garante melhores incentivos e aumenta o esforço de ‘accountability’” (Id., Ibid., 136); iv) As PPP e a distribuição dos riscos: este é, sem dúvida, um dos elementos matriciais das PPP enquanto modelo novo, distinto, de contratação relativamente às soluções convencionais. Mas repare-se, antes de mais nada, que os princípios de distribuição dos riscos são já de há muito conhecidos no direito, tal como lembra António Menezes Cordeiro: “O sentido geral do sistema do risco, bastante harmonioso, é o seguinte: se o Direito atribui a um sujeito, através do esquema do direito subjetivo, uma vantagem, é justo que corra, contra ele, a possibilidade de dano superveniente causal. Ubi commoda, ibi incommoda. [...] Observa-se ainda que, em situações relativas – maxime, contratos bilaterais – o risco distribui-se por ambos os intervenientes” (CORDEIRO, 1987, 43). No caso das PPP, o critério operativo, aceite em termos internacionais (FMI, OCDE, etc.) e pela generalidade das legislações aplicáveis, e que permite identificar que riscos é que devem transferidos do parceiro público para o privado e os que devem permanecer da responsabilidade do primeiro é um critério pragmático. Ele expressa-se, de acordo com Yescombe (2007), no seguinte: o risco deve ser suportado pela parte que o consiga suportar melhor a um custo mais baixo. A esta regra não é alheia, como bem se compreende, a natureza duradoura do contrato em PPP. Além deste critério pragmático de distribuição de riscos (impropriamente também denominada de partilha de riscos), uma outra particularidade nos contratos em PPP reside no facto de deles constar, ab initio, e., logo na definição do clausulado contratual, a chamada “matriz de riscos”. Nesta, as partes, em regra de acordo com o critério supra, alocam os diferentes riscos de uma PPP aos dois parceiros principais envolvidos e eventualmente, em casos particulares, a terceiros (e.g., seguradoras). De entre os riscos geralmente cometidos ao parceiro público, destacam-se os riscos políticos (v.g. revisões constitucionais, alterações legislativas que tenham relevância direta ou indireta sobre a execução do contrato de PPP, em suma, o chamado fait du prince) e os riscos económicos (v.g. taxa de inflação). A alteração das taxas de juro em regra tende a ser assumida por ambos os contraentes (uma vez que ela é por vezes exógena relativamente à ação governativa) e, sendo um risco de grande significado, pode mesmo ser estabilizada pelas partes, mediante definição prévia, no mercado de derivados, da taxa de juro aplicável ao longo da execução do contrato: o caso mais comum são os swaps de taxas de juro. Já os riscos de conceção e de construção, bem como os riscos de funcionamento ou e performance (incluindo o risco de mercado ou de procura), são, em regra, assumidos pelo parceiro privado; v) A posição particular do terceiro financiador: este é um aspeto que se evidencia nas modernas PPP, quando as comparamos com os modelos de contratação convencionais. Repare-se, desde logo, que as PPP são marcadas por arranjos financeiros complexos, que em certos casos envolvem o recurso ao project finance. Como é referido por R. Yescombe, o project finance, enquanto técnica de financiamento, está particularmente vocacionado para a implementação de infraestruturas e/ou exploração de monopólios naturais (e.g., recursos naturais e energia). O maior impulso ao desenvolvimento das soluções de project finance aconteceu a partir da déc. de 70 do séc. XX, com o desenvolvimento de algumas técnicas financeiras, a saber: generalização dos empréstimos de longo prazo a sociedades clientes (quando até aí os bancos comerciais apenas emprestavam no curto prazo); utilização de créditos de exportação para financiar projetos de maior envergadura; recurso à shipping finance, pela qual os bancos financiam a construção de navios grandes, garantindo-se através dos fretes a realizar no longo prazo (i.e., o financiamento da construção é feito contra um cash-flow contratual, em que o financiado é uma companhia special-purpose proprietária do navio, em moldes muito similares às estruturas de project finance); o desenvolvimento das finanças do imobiliário, de novo envolvendo empréstimos garantidos através dos rendimentos de longo prazo projetados; a locação financeira tax-based que habituou os bancos a complexos cash-flows. Como é referido, por outro lado, por Graham Vinter, o project finance é uma forma de financiamento de infraestruturas ou projetos industriais de longo prazo, baseado numa estrutura financeira complexa assente em dívida e outras formas de financiamento (v.g. ações próprias), na qual a dívida é saldada através do cashflow gerado com a operacionalização do projeto, mais do que através de capitais próprios das empresas promotoras desse projeto. O financiamento é, por sua vez, fundamentalmente garantido por todos os ativos afetos ao projeto, incluindo os rendimentos previstos no contrato. Poder-se-á, na verdade, considerar que o objetivo último de recurso a esta forma de “engenharia financeira” é justamente o de assegurar que o projeto em causa seja autossuficiente do ponto de vista financeiro. Neste amplo complexo de financiamento, ganha, assim, importância acrescida o papel do terceiro financiador que, sendo terceiro relativamente ao contrato de base (o contrato de concessão), acaba por assumir o papel principal. Isto resulta em boa medida do facto, antes assinalado, de as PPP constituírem um processo alternativo de captação de financiamento para realização de grandes projetos de investimento. Por isso, a posição do terceiro financiador acaba por merecer, desde logo na lei, especiais cautelas e tutelas, principalmente na fase de execução da PPP e perante vicissitudes contratuais tão diversas, como sejam a modificação unilateral dos contratos, a renegociação ou a reposição do equilíbrio financeiro; iv) A diversificação das fontes de pagamento ao parceiro privado: diferentemente das concessões tradicionais, em que os pagamentos se fazem sobretudo diretamente pelos utilizadores, nas concessões PPP esses pagamentos podem também ser reclamados ao Estado mediante dotações orçamentais. Nesta medida, e sem prejuízo do que foi referido em ii) (apontando para um menor envolvimento do Estado nas PPP, em comparação com a contratação pública tradicional), a verdade é que, no caso particular das contratações sob a forma de concessão, veremos que, paradoxalmente, nas concessões PPP acabam por existir alguns elementos que apontam para uma menor privatização (lato sensu) destas, quando comparadas com as concessões tradicionais. E um desses aspetos tem que ver precisamente com a questão dos pagamentos, os quais, nas PPP, podem ser feitos diretamente pelo Estado ao parceiro privado; v) A reversibilidade dos ativos para o Estado: as PPP oscilam entre modelos que não implicam necessariamente a reversibilidade dos ativos para o Estado no final do contrato, como é o caso do modelo Buy-Build-Operate (BBO) – no qual o sector privado compra ao Estado uma infraestrutura previamente existente, assegurando depois a sua manutenção, renovação, modernização e expansão, e garantindo a sua exploração, sem haver qualquer obrigação de devolução posterior ao Estado –, e modelos em que essa reversibilidade ocorre, o caso do Build-Operate-Transfer (BOT) – no qual o sector privado desenha e constrói a infraestrutura, opera com ela, e depois procede à sua transferência para o Estado logo que concluído o prazo de duração do contrato ou em data específica, ainda que posteriormente possa arrendar o mesmo ativo –, passando por modelos em que a propriedade permanece no Estado, como sucede com o design-finance-build-operate (DFBO) – em que o sector privado desenha, constrói, possui, desenvolve, opera e gere a infraestrutura, mas com a propriedade nas mãos do Estado. Repare-se que desta forma, com a explicação mencionada em iv) e v), acabamos por tratar também, desde já, dos elementos característicos da noção de PPP apontados ainda por R. Yescombe, respetivamente nos pontos 3) e 4) de que demos nota logo no início do texto presente. Resta-nos assim a análise da característica restante, mencionada no ponto 2) da mesma definição: recorde-se o facto de as PPP terem em vista o desenho, construção, financiamento e funcionamento de uma infraestrutura pública, a cargo do parceiro privado. Este aspeto tem, em nossa opinião, mais importância do que à primeira vista parecer ter. Na verdade, o facto de as PPP estarem referenciadas a uma infraestrutura – e deverá ser, quanto a nós, uma infraestrutura económica ou social hard (e não apenas soft) – permite afastar da noção de PPP simples formas de cooperação entre o sector público e privado (veja-se no caso português, e.g., os acordos de cooperação celebrados entre o Estado e as instituições particulares de solidariedade social na área da ação social), que, sendo de carácter duradouro, não se referem de forma inequívoca à construção, gestão e exploração de uma certa e determinada infraestrutura hard. As PPP em Portugal  As PPP têm uma história impressionante em Portugal, não apenas por causa da sua expressão e, até certo momento, por causa da sua vitalidade, mas também pelos resultados perniciosos. Na verdade, precedendo ainda a aprovação do primeiro regime jurídico sobre contratação em PPP, o dec.-lei n.º 86/2003, de 26 de abril (alterado, especialmente pelo dec.-lei n.º 141/2006, de 27 de julho), e bem assim do Código dos Contratos Públicos (aprovado pelo dec.-lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, e suas alterações), diversas PPP foram celebradas no nosso país, sobretudo nos sectores rodoviário (autoestradas com portagens, mas também sem custos para o utilizador – SCUTs) e ferroviário (e.g., Fertagus e metropolitano ligeiro do sul do Tejo). O modelo de PPP não se limitou contudo a estes sectores: já antes, em 2002, se conhecera a primeira regulamentação das parcerias no sector da saúde, com a aprovação do dec.-lei n.º 185/2002, de 20 de agosto, e já antes se dera a celebração do primeiro contrato de gestão com um grupo privado, no caso relativo à gestão do Hospital Amadora-Sintra. Aliás, este aspeto é curioso: o contrato de gestão, adaptado às parcerias na saúde, não é muito diferente de uma concessão de serviço público (ainda que possa implicar a construção da infraestrutura hospitalar); a sua especificidade estará no objeto – concessiona-se o serviço de saúde (i.e., a prestação de cuidados médicos em estabelecimentos clínicos). Desde cedo, o modelo seguido em Portugal demonstrou falhas de conceção e de execução que foram aliás evidenciadas pelo Tribunal de Contas nas sucessivas auditorias que realizou a propósito de cada uma delas: i) falhas de planeamento e de consulta; ii) custos exorbitantes associados à contratação externa de consultores (jurídicos, financeiros, técnicos, etc.); iii) insuficiente estimação de custos, insuficiente avaliação da comportabilidade orçamental do projeto, insuficiente avaliação de impactos económicos e sociais de longo prazo; iv) falhas na distribuição dos riscos geralmente em desfavor do Estado (v.g. imputação afinal do risco de procura ao Estado); v) cláusulas leoninas em desfavor do Estado; vi) adjudicações a baixo custo potenciando renegociações geralmente lesivas do interesse público; vii) em resultado da má negociação inicial, recurso posterior à modificação unilateral do contrato, implicando o recurso ao mecanismo da reposição do equilíbrio financeiro, também ele desfavorável para o Estado; viii) atrasos diversos na execução dos projetos determinado revisão ulterior dos custos finais respetivos. Acima de tudo, verificou-se que as PPP acabaram por ser um expediente fácil, não suficientemente blindado e balizado do ponto de vista jurídico e financeiro, para obviar a falta de “espaço orçamental”, criando dívida futura, em muitos casos oculta sob a forma de responsabilidades contingentes. A crise financeira iniciada em 2008 exacerbou a dimensão desta herança. Após a celebração do Memorando com a Troika (maio de 2011), Portugal adotou um conjunto de medidas relativamente a esta matéria. Foi elaborado um primeiro relatório (2012), intitulado “Parcerias Público-Privadas e Concessões”, do qual resultou a seguinte avaliação financeira referente às PPP existentes: i) os seus encargos líquidos globais (nos vários sectores) ascendiam, em 2011, a 1.823.000.000 euros; ii) o período mais crítico dos encargos líquidos das PPP ocorreria entre 2015-2018, com o valor a ascender a 2.000.000.000 euros; iii) a partir desta data e até 2045 (fim dos contratos ou do período de vida útil dos ativos), os encargos decresceriam até atingirem então o valor de zero euros. Na sequência desta primeira avaliação, foram adotadas as seguintes medidas: 1) proibição de lançamento, desde 2011 em adiante, de novas PPP (embora algumas estivessem já em fase de estudo, mormente no sector da saúde, e não viessem a ser abandonadas); 2) aprovação, em 2012, de um novo quadro legal das PPP (dec.-lei n.º 111/2012, de 23 de maio); 3) avaliação e renegociação de diversas PPP antes celebradas no continente: as concessões ex-SCUTS (Norte Litoral, Grande Porto, Interior Norte, Costa de Prata, Beira Litoral/Beira Alta, Beira Interior e Algarve); as concessões do Norte e da Grande Lisboa; e as subconcessões da EP (Transmontana, do Baixo Tejo, do Baixo Alentejo, do Litoral Oeste, do Pinhal Interior e do Algarve Litoral). O dec.-lei n.º 111/2012 surge pois numa altura de contenção, dada a situação presente e futura das finanças públicas portuguesas. A malha das exigências aplicáveis às fases pré-contratual e contratual apertaram-se, embora na essência não tenha havido uma grande mutação relativamente ao regime anterior (constante do dec.-lei n.º 86/2003). Ainda assim, há no novo decreto-lei uma novidade importante: a criação da Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos que passa a centralizar as funções de preparação, desenvolvimento, execução e acompanhamento global  dos processos de PPP, ao mesmo tempo que presta apoio técnico especializado ao Governo em matéria de natureza económico-financeira. Esta Unidade Técnica vem ainda, para este efeito, substituir a Parpública, pois a esta cabe, nos termos da legislação anterior, a generalidade das funções ora cometidas à nova Unidade. Na implementação de uma PPP, vamos distinguir entre fase de preparação e fase pré-contratual. Na fase de preparação, intervém a equipa de projeto, constituída sempre que algum dos possíveis parceiros públicos (desde logo, o Estado) entenda lançar mão de uma parceria, cabendo-lhe, além de verificar os pressupostos para o lançamento de uma parceria (cf. n.º 3 do art. 12.º, em articulação com o art. 6.º, ambos do dec.-lei n.º 111/2012), também proceder à elaboração e justificação do modelo de parceria a adotar, bem como realizar o estudo estratégico e económico-financeiro que a sustentará. Tendo por base este trabalho prévio, os membros do Governo competentes (ministro das Finanças e ministros sectoriais) aprovam a decisão de lançar a parceria. Dessa decisão, constará também, de entre outros elementos (cf. art. 13.º, n.º 4), a escolha do tipo de procedimento, a aprovação do caderno de encargos e a escolha dos membros do júri. O lançamento da parceria corresponde assim à fase pré-adjudicatória e aqui deve atender-se não apenas ao regime do dec.-lei n.º 111/2012 (especialmente os arts. 16.ºss.), mas também ao Código dos Contratos Públicos (CCP) (regras procedimentais, sobretudo arts. 130.ºss.). A fase pré-adjudicatória é encerrada com a adjudicação e celebração ulterior do contrato de parceria, sem prejuízo de se prever no n.º 3 do art. 18.º a chamada cláusula gateway, uma cláusula usual neste tipo de contratação, justificada pela necessidade de salvaguarda do interesse público e dos interesses financeiros do Estado, que garante que a qualquer momento se possa pôr “termo ao procedimento em curso relativo à constituição da parceria, sem direito a qualquer indemnização, sempre que, de acordo com a apreciação dos objetivos a prosseguir, os resultados das análises e avaliações realizadas até então ou os resultados das negociações levadas a cabo com os concorrentes não correspondam, em termos satisfatórios, aos fins de interesse público subjacentes à constituição da parceria, incluindo a respetiva comportabilidade de encargos globais estimados”. Estando implementada a parceria, esta começa a ser executada. Não se ignora que, por causa da sua natureza duradoura, uma PPP fique sujeita a inúmeras vicissitudes, algumas previstas, outras imprevisíveis, que poderão conduzir a diferentes tipos de alterações. As PPP comportam ainda, durante a sua execução, dois elementos que não raro se antagonizam: de um lado, a prevalência que nelas deve ser dada à prossecução do interesse público; do outro, a necessidade de garantir a tutela da confiança e dos interesses económicos dos parceiros privados. As alterações podem ter dois tipos de fontes jurídicas. Podem ser ditadas pela renegociação ou por modificações unilaterais  por parte do Estado (sobre estas fontes de modificação objetiva, vejam-se os arts. 311.ºss. do CCP). Sempre que as alterações, afetando o equilíbrio económico e financeiro do contrato, sejam devidas ao chamado fait du prince ou a atos unilaterais do parceiro público (v.g. atos administrativos), reconduzíveis ao exercício de potestas variandi, há lugar à reposição do equilíbrio económico financeiro do contrato (cf. n.º 1 do art. 314.º do CCP). Esta pode implicar uma revisão de preços, a alteração dos prazos do contrato com natureza reparadora, redefinição de outras condições contratuais, etc. Importa notar que, para aferir do equilíbrio financeiro, deverá ter-se em conta o respetivo Caso Base (anexo ao contrato) que representa a equação financeira da PPP, o qual deverá integrar todas as receitas previstas pelo parceiro privado decorrentes do desenvolvimento da parceria, i.e., as receitas acessórias e receitas cessantes. O dec.-lei n.º 111/2012 limitou as possibilidades de modificação unilateral, desde logo do ponto de vista financeiro: assim, carece de despacho prévio de concordância dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e do projeto em causa qualquer decisão do parceiro público, no âmbito da execução do respetivo contrato e das condições aí fixadas, suscetível de gerar: a) um acréscimo dos encargos previstos para o sector público, exceto se o respetivo valor não exceder, em termos anuais, 1.000.000 euros brutos ou, em termos acumulados, 10.000.000 euros brutos, em valores atualizados; b) uma redução de encargos para o parceiro privado (cf. n.º 2 do art. 20.º). Nos demais casos de alteração – mormente nos casos de renegociação –, poderão ser definidas outras formas de compensação ou de redefinição da equação financeira, mas tecnicamente, em sentido estrito, não se tratará de reposição do equilíbrio financeiro. Próximo do mecanismo de reposição do equilíbrio financeiro, de certa forma o seu reverso, é o instituto da partilha de benefícios, previsto no art. 21.º do dec.-lei n.º 111/2012 e no art. 341.º do CCP. Há lugar à partilha de benefícios sempre que numa PPP se verifiquem duas condições cumulativas: i) ocorra um acréscimo anormal e imprevisível dos benefícios financeiros para o parceiro privado; ii) o referido acréscimo não resulte da eficiente gestão e das oportunidades criadas pelo mesmo parceiro privado. Tal pode ficar a dever-se, nomeadamente, à melhoria das condições de financiamento da PPP em virtude da renegociação ou substituição dos contratos de financiamento. Pode dizer-se, em suma, que a partilha de benefícios, tal como a reposição do equilíbrio financeiro, constituem respostas jurídicas para os efeitos da alteração das circunstâncias (de fonte vária) sobre o equilíbrio contratual e recursos jurídicos que visam garantir a preservação da justiça negocial e, em última análise, evitar o enriquecimento ilícito. As PPP nas regiões autónomas Uma última referência nos resta para as parcerias público-privadas celebradas nas regiões autónomas (RA). À semelhança do que sucedeu no continente, também aqui o interesse pelas PPP cresceu a partir do começo do séc. XXI e também aqui o modelo concessivo – sobretudo no sector rodoviário – foi o dominante. Vejamos, em particular, o caso madeirense. A experiência iniciou-se ainda em finais do séc. XX, com a criação da VIALITORAL – Concessões Rodoviárias da Madeira, S.A. encarregue da concessão do troço rodoviário da VR1 (ER 101) entre a Ribeira Brava e Machico, e depois com a criação, em 2004, da VIAEXPRESSO, S.A., uma concessionária de serviço público responsável pela gestão, exploração e conservação das vias expresso regionais, em regime SCUT, por um período de 25 anos. Mais tarde, em 2008, viria a ser criada uma outra empresa, a VIAMADEIRA, S.A., cujo objetivo seria também o de assumir a concessão de vias rodoviárias construídas ou a construir naquele território. Até à sua dissolução em 2011 (coincidente grosso modo com a celebração do memorando da Troika), diversos contratos foram adjudicados à mesma empresa. Assim, segundo informação fornecida pelo Tribunal de Contas no seu Relatório de Auditoria n.º 14/2012-FS/SRMTC, de novembro de 2012, a concessão à VIAMADEIRA, S.A. abrangeu a exploração, conservação e manutenção dos troços de estradas regionais abaixo descritos, em regime de exclusivo, sem cobrança direta aos utilizadores (SCUT): VE1 – Ribeira de São Jorge-Arco de São Jorge; VE1 – Arco de São Jorge-Boaventura; VE1 – Boaventura-São Vicente; VE8 – Vasco Gil-Fundoa, à cota 500; VR2 – Câmara de Lobos-Estreito de Câmara de Lobos; VE3 – Fajã da Ovelha-Ponta do Pargo; VE3 – Variante da Madalena do Mar. De acordo com a indicação constante na p. 36 do mesmo Relatório, “em termos globais, até 30 de novembro de 2011, o envolvimento financeiro da RAM rondava os 309 milhões de euros, dos quais 253,5 milhões de euros respeitantes às empreitadas de construção dos troços e 40 milhões de euros respeitantes a juros de mora”. De resto, os efeitos das concessões sobre o erário regional continuam a fazer-se sentir, mesmo em relação àquelas duas empresas iniciais. Em agosto de 2015, o Governo regional anunciou a decisão de assumir encargos orçamentais no valor de 158.700.000 euros relativos à regularização de dívida com as empresas concessionárias de rede viária VIAEXPRESSO e VIALITORAL. Esta medida é ainda o resultado de um processo de renegociação das PPP, imposto pelo Plano de Ajustamento Económico e Financeiro (PAEF) do arquipélago e celebrado na sequência do Memorando da Troika.   Nazaré da Costa Cabral (atualizado a 01.01.2017)  

Direito e Política Economia e Finanças

cem – construindo o êxito em matemática

No final da déc. de 90 do séc. XX, a Associação de Professores de Matemática (APM) realizou um estudo, Matemática 2001 – Diagnóstico e Recomendações sobre o Ensino e Aprendizagem da Matemática, “com o propósito de elaborar um diagnóstico e um conjunto de recomendações sobre o ensino e a aprendizagem da Matemática no nosso país” (ASSOCIAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA, 1998, 1). Este estudo tinha a preocupação de contribuir para a melhoria do ensino da matemática no início do séc. XXI. Dele emergiram recomendações específicas para uma reorganização curricular, repensando as finalidades do ensino da disciplina para as práticas pedagógicas dos professores em sala de aula e para a formação de professores, entre outras. Em 2001, seguindo as recomendações advindas do estudo supracitado, o Ministério da Educação lançou o Currículo Nacional do Ensino Básico – Competências Essenciais, definindo as aptidões fundamentais que um aluno deveria ter desenvolvido no final de cada ciclo (1.º, 2.º e 3.º ciclos). Esta finalidade do ensino da matemática implicava mudanças nas práticas dos professores. Visando ir ao encontro das necessidades de formação para implementar tais mudanças, realizou-se na Madeira uma formação para professores de matemática. Em 2005, no âmbito do Plano de Ação para a Matemática, iniciou-se em todo o país uma formação de professores que teve como propósito melhorar a preparação para uma mais profícua implementação do novo programa da disciplina, então em experimentação, e que veio a ser homologado em 2007. Esta formação decorreu entre 2005 e 2011 e alcançou milhares de professores. O projeto CEM O CEM – Construindo o Êxito em Matemática é um projeto de formação contínua de professores de matemática do ensino básico que teve início no ano letivo 2006-2007, no âmbito do Plano Regional de Ação para a Matemática, e que conta com o apoio da referida Direção Regional e da Universidade da Madeira (UMa). Com uma visão ampla do que é a aprendizagem no geral e a aprendizagem da matemática em especial, foram adotadas três teorias sociais de aprendizagem que seriam o suporte teórico de toda a conceção e implementação do projeto. A teoria da aprendizagem situada, que vê a aprendizagem como participação, defende que, para aprender, as pessoas têm de se empenhar conjuntamente, sendo igualmente necessário que participem nas práticas e tenham uma meta a alcançar. Outra das teorias que sustentam o projeto é a teoria da atividade, que entende a aprendizagem como transformação, seja das práticas em que as pessoas (professores e alunos) se envolvem, seja das pessoas que aprendem (professores e alunos). O terceiro pilar teórico do projeto é a educação matemática crítica, que discute a aprendizagem como ação dialógica, defendendo que para aprender é preciso existir intencionalidade por parte de quem aprende, o que envolve ação e reflexão sobre essa ação. A partir destas três ferramentas teóricas, idealizou-se um projeto com cenários de aprendizagem para os professores e para os alunos. O projeto criado visou melhorar as aprendizagens e desenvolver as competências matemáticas nos alunos, trabalhando com os professores do ensino básico da Região Autónoma da Madeira (RAM) com os seguintes objetivos: a) promover um aprofundamento dos conhecimentos matemáticos e didáticos dos professores; b) favorecer a realização de experiências de desenvolvimento curricular que contemplem a planificação e a implementação de aulas, e posterior reflexão; c) promover o trabalho cooperativo entre docentes (intra e inter escolas). Com estes objetivos, foi promovida uma formação que teve em conta os conhecimentos matemático, didático e curricular, de acordo com os conteúdos matemáticos a abordar, e procurando atender às necessidades e solicitações dos professores. A realização de experiências de desenvolvimento curricular contemplou a planificação de aulas, a sua condução e posterior reflexão por parte dos professores envolvidos, apoiados pelos pares e pelas formadoras que integravam a equipa do projeto. No ano letivo de 2006-2007, iniciou-se o projeto CEM para professores do 3.º ano do 1.º ciclo. Cada equipa de formação era constituída por uma professora do 1º ciclo e por uma professora de matemática do 3.º ciclo e do secundário. Esta exigência prendeu-se com a procura de assegurar que tanto o conhecimento matemático quanto o didático e curricular estavam salvaguardados. Metodologia de trabalho do projeto CEM As equipas de professores destacados pela DRE prepararam a formação construindo propostas de trabalho adequadas ao tipo pretendido e criaram materiais visando o trabalho dos alunos na sala de aula e considerando a sua adequação a uma metodologia de atuação onde o discente é o elemento central do seu processo de aprendizagem. Quinzenalmente, as equipas de formação reuniam com os docentes, organizados em pequenos grupos (de não mais de 12), apresentavam e discutiam com os professores em formação as propostas de trabalho e os materiais construídos, refletindo sobre as metodologias de trabalho e as consequências das mesmas para a implementação das propostas. Finalmente, prestavam apoio aos professores, em contexto de sala de aula, na execução das propostas de trabalho construídas e amplamente discutidas nas reuniões. Cada professor envolvido na formação tinha a liberdade de adaptar à(s) sua(s) turma(s) a proposta construída pelo CEM, sendo essa adaptação apresentada e discutida com as equipas de formação. Os cenários de aprendizagem dos professores também tinham momentos de discussão e reflexão conjunta (professor, equipa formadora, restantes professores em formação) acerca da prática pedagógica resultante da implementação das propostas de trabalho na sala de aula. Os formandos tinham ainda de refletir sobre o processo e apresentar ao grupo de trabalho, com base em artigos científicos fornecidos pela equipa de formadores, diversas temáticas, como sejam, a avaliação das aprendizagens matemáticas e a comunicação matemática. Como estratégia complementar, os professores envolvidos no projeto dinamizavam, com o apoio da respetiva equipa formadora, seminários trimestrais nos estabelecimentos de ensino a que pertenciam, como meio de troca e partilha de experiências com os restantes colegas da escola. Dos cenários de aprendizagem criados para os docentes faziam também parte a análise e interpretação (por parte dos professores, apoiados pelas equipas de formação) dos documentos curriculares que foram emergindo ao longo de todos os anos de projeto. Este aspeto do trabalho é bastante apreciado pelos professores. A evolução do CEM Em 2006-2007, 57 professores do 3.º ano de escolaridade aderiram voluntariamente ao projeto. Em 2007-2008, entraram 119 novos professores, também do 3.º ano, e deu-se continuidade ao trabalho realizado com 49 dos docentes que integraram o projeto no ano anterior, na altura lecionando 4.º ano de escolaridade. Em 2008-2009, o projeto funcionou com 106 professores do 4.º ano (dos que tinham entrado para o projeto no ano antecedente) e entraram cerca de 100 novos professores do 3.º ano. Ainda em 2008-2009, foram preparadas propostas para o 1.º ano de escolaridade, disponibilizadas numa plataforma Moodle, introduzida nesse ano letivo como mais um meio de comunicação entre a equipa de formação e os professores em formação. A preparação das propostas para o 1.º ano foi a forma de garantir o elo de ligação aos professores que tinham terminado a formação presencial. No mesmo ano letivo, chegaram ao 2.º ciclo os primeiros alunos do projeto CEM. O CEM, para o 2.º ciclo do ensino básico (CEM2), surgiu como a continuidade natural e desejável a dar ao trabalho realizado por esses alunos no 1.º ciclo do ensino básico (CEB). Aderiram ao projeto 65 professores de matemática que estavam a lecionar ao 5.º ano de escolaridade e entraram para o projeto mais duas equipas de formação, cada uma delas constituída por duas professoras de matemática (uma do 2.º e outra do 3.º ciclo). Em 2009-2010, o projeto CEM (1.º ciclo) funcionou com cerca de 70 professores do 4.º ano. Foram preparadas propostas para o 2.º ano de escolaridade, disponibilizadas na plataforma Moodle. No CEM2, deu-se continuidade ao trabalho realizado no ano anterior com os professores de matemática do 5.º ano que se encontravam já a lecionar ao 6.º ano. Em 2010-2011, chegaram os primeiros alunos do projeto CEM (1.º e 2.º ciclos) ao 3.º ciclo. Assim, como forma de dar continuidade ao trabalho realizado nos ciclos anteriores, o projeto CEM estendeu-se ao 3.º ciclo do ensino básico (CEM3). Os objetivos do CEM3 são, basicamente, semelhantes aos que tínhamos para o 1.º e 2.º ciclos. Neste ano letivo, foi feita a generalização dos novos programas de matemática do ensino básico. Todo o trabalho desenvolvido teve em conta as orientações do novo programa, até então em experimentação. Iniciou-se o CEM3 com 56 professores do 7.º ano de escolaridade e com três formadoras licenciadas em matemática destacadas pela DRE. Entretanto, nesse ano letivo (2010-2011), a DRE quis alargar o projeto a um maior número de professores. Estreou-se assim uma nova modalidade do CEM para o 1.º CEB (CEM1): formação de formadores. As equipas do CEM1 prepararam 30 professores para fazerem formação a outros docentes por toda a RAM. Cada um destes formadores seria responsável por dinamizar a formação de um grupo de 12 professores. Esta modalidade perdeu a componente de trabalho conjunto na sala de aula. Seguiu-se um esquema semelhante para os professores do 5.º ano. 40 docentes das diferentes escolas da RAM receberam formação com a equipa do CEM2 e depois deram-na aos colegas da sua escola que lecionavam ao 5.º ano. Em 2011-2012, foram 48 os professores do 8.º ano que estiveram envolvidos na formação na sua modalidade original, sendo que muitos deles já tinham tido formação no âmbito do projeto CEM3 no ano anterior, quando lecionavam ao 7.º ano. Ao longo deste ano letivo, 19 professores do 1.º CEB receberam formação e replicaram-na a grupos de 12 professores. Também 33 professores do 6.º ano receberam formação e dinamizaram-na nas suas escolas para os colegas que lecionavam no mesmo ano de escolaridade. Em 2012-2013, o projeto CEM3 atingiu o último ano de escolaridade do 3.º ciclo, trabalhando na sua modalidade original (com acompanhamento na sala de aula). Foram 60 os professores do 9.º ano que frequentaram a formação. Para esse ano letivo (2012-2013), a DRE propôs que se adotasse uma metodologia semelhante à dos 1.º e 2.º ciclos para os 7.º e 8.º anos. Ou seja, professores dos 7.º e 8.º anos indicados pelas próprias escolas fariam formação com as equipas do CEM3 e depois dinamizariam a mesma formação nos seus estabelecimentos de ensino para os colegas que lecionavam ao 7.º ou 8.º ano, respetivamente. Mas esta formação para os 7.º e 8.º anos não teve o sucesso esperado, nomeadamente, devido à obrigatoriedade da mesma e à falta de critérios adequados para a seleção dos professores que iriam receber a formação com as equipas do CEM3 e replicá-la nas escolas. Em relação ao 1.º CEB, nesse ano, fez-se formação para todos professores da RAM que se encontravam a lecionar ao 4.º ano de escolaridade: 153 frequentaram essa formação. Note-se que muitos destes docentes já tinham frequentado o projeto CEM na sua modalidade original e, portanto, conheciam muito bem as metodologias de trabalho em questão. Este aspeto foi uma mais-valia para a formação e refletiu-se na profundidade das reflexões elaboradas pelos professores, quer sobre as propostas apresentadas, quer sobre a implementação das mesmas na sala de aula, e também no aproveitamento dos alunos. No que concerne ao 2.º CEB, no mesmo ano letivo, 26 professores do 5.º ano e 27 do 6.º ano participaram na formação. Muitos já tinham frequentado o CEM2 na sua modalidade original. Em 2013-2014, estando a DRE muito agradada com os resultados dos exames nacionais de matemática do ano anterior, solicitou novamente formação para todos os professores do 4.º ano da RAM e para os professores do 1.º e do 3.º (anos em que o novo programa de matemática, definido em 2013, estava a ser implementado). Iniciou-se com os professores destes 1.º e 3.º anos uma nova modalidade do CEM e apostou-se no b-learning, uma vez que muitos destes professores já tinham participado no projeto, numa das outras modalidades. No 2.º e 3.º ciclo, a formação foi para os professores que lecionavam aos 5.º e 7.º anos, respetivamente, uma vez que eram anos de implementação do novo programa de matemática (2013), como se disse. No 7.º ano, na modalidade original e no 5.º, sem acompanhamento na sala de aula. Os números do CEM  Ao longo destas linhas foi indicado o número de professores que participaram na formação do CEM nos três níveis de ensino. Quanto aos discentes, cada professor que participou no CEM tinha mais do que uma turma e terá trabalhado com uma metodologia semelhante nas várias turmas que tinha e pelas quais foi passando ao longo dos anos pós-projeto CEM. Não se consideram esses valores no quadro da fig. 1, mas somente o número de alunos no ano e turma com que o professor participou no projeto. Muitos destes discentes foram “alunos do CEM” durante diversos anos e ciclos de escolaridade. Também vários professores dos diferentes ciclos participaram no CEM durante vários anos. Ano letivo N.º de professores por ciclo N.º de alunos por ciclo 1.º  2.º 3.º 1.º 2.º 3.º 2006-2007 57 - - 1140 - - 2007-2008 168 - - 3360 - - 2008-2009 206 65 - 4012 1625 - 2009-2010 70 31 - 140 775 - 2010-2011 15 40 56 1920 1000 1046 2011-2012 19 33 48 2400 825 772 2012-2013 153 53 113 3060 1300 2418 2013-2014 235 36 29 4700 900 658 Fig. 1 – Quadro com o número de docentes e discentes que participaram no projeto CEM entre os anos letivos de 2006-2007 e 2013-2014. Os resultados do projeto CEM Os resultados obtidos são, em termos gerais, semelhantes para o CEM1 e para os CEM2 e CEM3. Podemos avaliar o projeto tendo em conta: as aprendizagens matemáticas dos alunos e as transformações nas práticas dos professores. Para avaliar as aprendizagens matemáticas dos alunos, temos disponíveis os seguintes elementos: resultados das provas de aferição e dos exames nacionais; observação do trabalho dos alunos aquando da participação das equipas de formação nas aulas dos professores em formação; partilha feita pelos professores nas reuniões quinzenais sobre o desempenho dos alunos nas aulas; inquéritos realizados aos alunos; portefólios elaborados pelos professores; múltiplas teses de mestrado realizadas na UMa. No que diz respeito aos resultados das provas de aferição dos alunos do projeto CEM1, CEM2 e CEM3, podemos constatar, ao longo dos anos, que estes são ligeiramente melhores do que os resultados globais dos alunos da RAM. A grande diferença está na ausência da classificação mais baixa (nível E) nos alunos do projeto e de uma percentagem maior de alunos com classificação superior (nível C). No ano 2012-2013, a média dos resultados dos exames nacionais dos alunos da RAM foi superior à média dos resultados dos exames nacionais dos alunos de Portugal continental. Da observação direta do trabalho dos alunos, denota-se aprendizagens significativas ao nível dos conteúdos matemáticos, maior interesse e empenho para com a aprendizagem da matemática, mudança de atitude em relação a esta disciplina, mais competência na resolução de problemas matemáticos e utilização da matemática de forma crítica. Os professores que recebem “os alunos do CEM” referem que estes aprenderam a discutir ideias matemáticas e a comunicar matematicamente, quer por escrito, quer oralmente; têm um forte poder de argumentação; sabem trabalhar cooperativamente, com materiais manipulativos e com software informático, mantendo uma postura crítica face à aprendizagem da matemática; têm muita facilidade em discutir estratégias e procedimentos, bem como em fundamentar as suas opiniões. Estes resultados são também corroborados pelos autores das várias teses e relatórios de mestrado em ensino da matemática no 3.º CEB e no secundário elaboradas na UMa, por professores que frequentaram o CEM. Para avaliar as transformações nas práticas dos professores, dispomos dos seguintes meios: reuniões quinzenais, idas às escolas, reflexões; planificação e execução das aulas, escolha dos materiais e seleção de estratégias; portefólios elaborados pelos docentes; inquéritos realizados aos mesmos; e a dissertação de doutoramento da Eva Gouveia. Da análise de todos estes instrumentos de avaliação podemos afirmar que houve mudanças ao nível dos conhecimentos científicos e didáticos dos professores envolvidos no projeto, visíveis através de um maior rigor científico-matemático e de uma maior necessidade de aprofundamento dos conhecimentos matemáticos. Houve também mudanças no que diz respeito à planificação e condução das aulas, bem como à reflexão que passaram a fazer sobre as aulas participadas. As planificações tornaram-se mais sistematizadas e fundamentadas; as aulas, menos expositivas e mais centradas no aluno; os conteúdos matemáticos, tratados com maior rigor científico; os professores, mais críticos em relação ao seu desempenho. No geral, ao final de um ano de projeto, a prática pedagógica dos professores envolvidos no mesmo sofreu transformações, quer na diversificação de estratégias, quer na crescente inclusão de materiais manipulativos nas suas planificações e nas suas práticas, bem como na segurança com que passaram a trabalhar a matemática. No que diz respeito ao trabalho cooperativo entre os docentes, houve alguns casos de sucesso, mas, de um modo geral, os professores ainda resistem ao trabalho cooperativo intra e inter escolas. As formadoras do projeto As formadoras do CEM são uma parte fundamental do projeto. Para que tudo decorra da melhor forma possível, quando em contacto direto com os professores em formação, é necessário um forte trabalho de bastidores que também merece ser destacado. Semanalmente, houve reuniões de trabalho entre as formadoras do projeto e a sua coordenadora. Foi nessas reuniões que se definiram ou redefiniram estratégias de trabalho, se discutiram as propostas apresentadas e debatidas com e pelos professores, e se consideraram artigos científicos sobre a aprendizagem da matemática, a avaliação das aprendizagens matemáticas, a utilização de materiais manipuláveis e softwares educativos e applets na aula de matemática, entre outros.   Elsa Fernandes (atualizado a 29.12.2016) 

Educação História da Educação

castelbranco, manuel (maurício carlos de)

Maurício Carlos de Castelbranco, que se apresentava literariamente com o semi-pseudónimo de Manuel Castelbranco, nasceu no Funchal em 1842 e faleceu na mesma cidade no dia 6 de Setembro de 1901. Era filho do comendador Maurício José de Castelbranco Manuel, em título de Mendes Serranos, e de D. Maria Dionísia de Freitas Abreu, em título de Freitas Abreu. Casado com Guilhermina Maria de Vasconcelos Fernandes Castelbranco, teve dois filhos: Gastão de Castelbranco Manuel e Gabriela Castelbranco Machado, por sua vez casada com Vicente Machado. Exerceu durante alguns anos a função de escriturário de fazenda no Funchal. Foi redator de folhetos e um poeta admirado. Colaborou em vários jornais do Funchal, principalmente nos seguintes: Direito, O Recreio, O Crepúsculo e Diário Popular. Há registo de vários poemas seus publicados nas coletâneas Flores da Madeira, que foram objeto de notas elaboradas por Alberto F. Gomes, em 1955, e publicadas nesse mesmo ano no n.º 15 da revista Das Artes e da História da Madeira – Revista de Cultura da Sociedade de Concertos da Madeira, e no Álbum Madeirense: poesias de diversos auctores madeirenses, coligido por Francisco Vieira em 1884.   António José Borges  (atualizado a 22.12.2016)

Literatura

câmara, maria celina sauvayre da

A escritora Maria Celina Sauvayre da Câmara, filha de João Sauvayre da Câmara e de Matilde Lúcia de Sant’Ana e Vasconcelos Moniz de Bettencourt, nasceu no Funchal, na freguesia de Santa Luzia, a 1 de setembro de 1856, e faleceu em Lisboa, em 1929. A data de nascimento levantou nos estudiosos algumas dúvidas, já que as informações fornecidas por diversos investigadores ao longo dos tempos não encontravam confirmação nos documentos de registo da época. Autores como o visconde do Porto da Cruz, Alfredo de Freitas Branco (1890-1962), em Notas e Comentários para a História Literária da Madeira, bem como Fernando Augusto da Silva e Carlos Meneses de Azevedo, no volume I do Elucidário Madeirense, situam o nascimento da escritora em 1857, indicando os últimos a data de 1 de setembro. No entanto, no registo paroquial dos batismos da Sé, nesse ano, encontra-se apenas a informação sobre o nascimento, a 9 de setembro, de uma sua irmã, Maria Matilde. Já na paróquia de São Pedro, no ano de 1858, registou-se o batismo de Maria da Graça. Em 1864, nasce Maria das Dores, e, em 1868, João. Matilde Olímpia, a mais nova das irmãs, como aparece referenciado em algumas notícias de jornais da época, nasce em 1871. Tendo os pais contraído matrimónio em 1854, e considerando a ligação privilegiada que Maria Celina Sauvayre da Câmara tem com a avó, a viscondessa das Nogueiras, era provável que fosse uma das irmãs mais velhas. Encontra-se, de facto, a notícia do seu batismo no registo paroquial de Santa Luzia, e não nos registos paroquiais da Sé ou de São Pedro, nos quais estão lavradas as notícias dos batismos dos seus irmãos. Proveniente de uma família da aristocracia funchalense, cuja história se liga ao panorama literário e cultural da Ilha, a autora cresce num ambiente letrado, pautado por uma educação moderna, atenta à literatura e às artes. Neta da escritora madeirense Matilde de Sant’Ana e de Vasconcelos (1805-1888), a viscondessa das Nogueiras, que publicou, em 1862, Diálogos entre Uma Avó e Suas Netas, escolhido pelo Conselho Superior de Instrução Pública para uso nas escolas, e que foi a primeira senhora a escrever para o Almanaque Luso-Brasileiro de Lembranças, como se pode comprovar pelo estudo levado a cabo por Vania Chaves e Isabel Lousada (2014), Maria Celina teve o privilégio de privar com uma das mulheres mais notáveis do séc. XIX da Madeira. Profunda conhecedora das línguas inglesa e francesa, a viscondessa das Nogueiras traduziu Lamartine para português e foi autora de uma retroversão para francês de Eurico, O Presbítero, de Alexandre Herculano. O visconde do Porto da Cruz escreveu, nas suas Notas e Comentários para a História Literária da Madeira (vol. II), que a viscondessa tinha sido uma das figuras mais proeminentes da intelectualidade portuguesa do séc. XIX, atribuindo-lhe qualidades que a distinguiam no cenário literário da época. Bulhão Pato – amigo de Jacinto Augusto de Sant’Anna e Vasconcelos, filho da escritora e tio de Maria Celina – conta, nas suas Memórias, a visita que fez à viscondessa, referindo as suas qualidades precisamente como escritora: “compunha versos, admiráveis de mimo e sentimento. Escrevia prosa adorável. Num meio mais largo teria sido uma escritora de primeira ordem” (PATO, 1894, 279). No mesmo sentido se dirigem as palavras de Alberto F. Gomes, que a considerou um espírito superior e uma mulher pouco vulgar para a época e para o meio, dando “exemplo de estreito contacto com o público e de estímulo às senhoras que escreviam nessa época” (GOMES, 1953, 20). Responsável pela educação nas letras das netas, a quem dedica o volume dos Diálogos, a viscondessa contribuía com composições poéticas para os periódicos da época, não descurando, como afirma numa das suas poesias, o papel de educadora em prol do de poetisa. Esta posição explica o cuidado que teve na instrução das netas e a forte impressão que deixou em Maria Celina. Na família da escritora não era só a avó a ter uma forte propensão para as letras: o tio Jacinto Augusto de Sant’Anna e Vasconcelos era poeta, autor de um livro de versos prefaciado por Latino Coelho, “com muito aplauso” (PATO, 1894, 278), e fazia parte do círculo ao qual pertenciam, em Lisboa, Mendes Leal, A. Pedro Lopes de Mendonça, José Maria d’Andrade Ferreira, Luiz de Vasconcelos, António Correia Herédia e Bulhão Pato. Também a sua tia-avó, Maria do Monte de Sant’Ana e de Vasconcelos, irmã do visconde das Nogueiras, colaborava na imprensa, mantinha um encontro regular de letrados em sua casa e dedicava-se à escrita, tendo publicado obras na área do romance histórico. A irmã mais nova de Maria Celina, Matilde Olímpia, destacou-se como compositora, poetisa e autora de comédia. Aquando da visita à Madeira dos Reis D. Carlos e D. Amélia, em 1901, presenteia-os com Morto à Força, comédia que é representada no Teatro D. Maria Pia (sala cuja construção tinha sido iniciada com o apoio de João Sauvayre da Câmara, quando este fazia parte do executivo camarário), e cujos atores foram a própria autora e uma das irmãs, Maria das Dores, além de várias figuras da elite social madeirense. Maria Celina obteve considerável notoriedade no meio social e cultural português, como comprovam as notícias publicadas no Diário Illustrado, de Lisboa, na secção “High-Life”, que dão conta dos seus passeios na avenida, do seu iminente regresso de Jerusalém e da sua chegada do estrangeiro, a 11 de maio de 1898. No Diário de Notícias, aquando do seu falecimento, é descrita como “senhora madeirense das mais ilustres pelo sangue, pelo espírito, pela inteligência” (DNM, 28 fev. 1929, 2). Na residência que tinha na capital, reunia a alta aristocracia portuguesa em serões que lembravam os tempos “em que ainda em Lisboa se juntavam tantos e tantos que marcaram em Portugal pela sua distinção e seu talento” (Ibid.). O jornal lembra a publicação do seu livro de impressões de viagem e considera a autora “invulgarmente culta” (Ibid.). De facto, a escritora não só tinha uma educação esmerada, mas também possuía um vasto conhecimento, que adquirira com as várias viagens que realizara pela Europa e pelo Médio Oriente. É à avó que Maria Celina Sauvayre da Câmara dedica, lembrando “aquela que semeou em minha alma o gérmen de todas as virtudes” (CÂMARA, 1899, I), o seu livro De Nápoles a Jerusalém: Diário de Viagem – relato das lembranças e impressões de uma longa viagem que tinha levado a autora da cidade italiana de Nápoles a Jerusalém (passando por Alexandria, Cairo e Jafa) –, com edição em Lisboa de 1899. A abertura de espírito e o gosto pela literatura que alarga os horizontes, especialmente das mulheres, são os traços definidores que a autora assume como direta influência da avó. Se o texto abre com uma dedicatória que a recorda, termina com a declaração da “saudade eterna” (Id., Ibid., 196)  que a sua figura representa; saudade esta que conduz a autora a refletir sobre o sentido da própria existência (“A sensação do vácuo, da imensidade, levadas por uma frágil embarcação que levantou âncora!... A última página deste jornal que emudeceu e fechei!... A saudade eterna da minha querida avó!...” – Id., Ibid.), encontrando, em parte, resposta nos lugares com forte carga evocativa que a autora visita, como é o caso de Jerusalém. A ideia que a escritora madeirense concebe da viagem em De Nápoles a Jerusalém, e das palavras que a contam e fixam na memória, é a de algo dinâmico, que permite a mudança do ser que viaja e do leitor que experimenta as impressões da deslocação através das palavras. À união da imaginação com a investigação, que caracteriza as motivações da viajante e também da escritora, é aliado o plano da comparação: esse plano permite as viagens mentais entre o espaço que ocupa e trilha e o espaço afetivo da terra pátria, uma deslocação em pensamento à Madeira, lugar de saudade, mas igualmente de mudança, já que Maria Celina da Câmara também vê e imagina com o objetivo de comunicar e aplicar à Madeira aquilo que julga ser válido. Em Jaffa, comenta: “Os Irmãos das escolas cristãs têm aqui dois colégios para rapazes, as Irmãs de S. José da Aparição um outro para meninas. Além destes cada rito tem as suas escolas e hospitais, nós latinos temos um muito bem montado com um dispensário gratuito. (Assim tivéssemos um na Madeira!)” (Id., Ibid., 66). Na sua morte, o que considerara no seu livro como necessário à Ilha torna-se possível, através da doação de uma das suas residências (na R. da Mouraria, n.º 29) para instalação de um dispensário. A obra de Maria Celina Sauvayre da Câmara insere-se no ambiente social e cultural do séc. XIX, quando a viagem começa a fazer parte do mundo da mulher, com o surgimento da ideia de “tempo livre” (na segunda metade do século) e da viagem pedagógica, o grand tour – longa viagem de “educação” e “europeização” das camadas mais elevadas da sociedade, que incluía paragens em Londres, Paris, Bruxelas, Roma –, iniciando-se, assim, o turismo feminino. O périplo pelos países mais desenvolvidos do continente era entendido como importante para a ilustração social, histórica e cultural das jovens e das senhoras que se podiam permitir viajar. As mulheres começavam a ganhar, assim, através das deslocações a outros países – que as levavam para longe da esfera da proteção familiar, parental ou marital –, a autonomia que conduziria a uma maior autodeterminação. Os novos espaços percorridos, ao corresponder a uma abertura de horizontes, que resultava no incentivo a uma maior liberdade de espírito, potenciavam também uma maior capacidade feminina de intervenção, como refere a autora madeirense. Esta independência da mulher advinha, segundo a escritora, da possibilidade de imaginar, ver e adquirir um novo olhar sobre os valores, as tradições, os costumes e as religiões de outros povos, redimensionando a própria cultura, história e mesmo o seu próprio ser. A autora não raro refere o exemplo de Inglesas, Americanas e Holandesas, de mulheres cuja sociedade vê com naturalidade que viajem para aprender e para se divertir, ao contrário das Portuguesas, menos aventureiras e mais fechadas. Misto de diário de viagem turístico e de diário de peregrinação, o livro da escritora madeirense, cuja narração se centra principalmente no Médio Oriente, deixando muito pouco espaço para algumas pequenas indicações sobre Nápoles, contém uma parte que fornece recomendações de viagem (melhores agências a contratar, custos, alojamento, duração das deslocações entre cidades, restaurantes, ementas, lugares de diversão), chegando a transcrever um contrato de viagem, e apontamentos sobre os monumentos, as paisagens, as gentes, os costumes, bem como uma outra parte em que se dedica à descrição dos espaços simbólicos do cristianismo e dos sentimentos que esses lugares provocam. Esta última parte relaciona-se de forma mais evidente com o modo do diário de peregrinação no interior do género da literatura de viagens, ocupando-se a autora da viagem espiritual que os lugares santos permitem, percorrendo os espaços num ritual de expiação, com a promessa de salvação. Daí a referência privilegiada aos sentimentos, à introspeção, ao guia dos percursos a seguir, às leituras bíblicas ou ligadas aos lugares visitados, a orações e à possibilidade de obtenção de indulgências. No entanto, por medo de cansar o leitor e de afastá-lo do livro, designadamente com a exposição dos dias passados nos lugares santos, este jornal de viagem apresenta o relato de episódios do quotidiano dos companheiros de viagem e alojamento, não raras vezes contados com recurso a um humor quase sterniano, com “notas alegres no meio das narrações as mais sérias” (Id., Ibid., 118), fazendo uso da caricatura para traçar o perfil das várias personagens que a rodeiam. Se é certo que a espiritualidade ganha uma presença mais preponderante na visita aos lugares santos, a autora não deixa de continuar a fazer comentários sobre os costumes, a arquitetura, o espírito dos lugares e pequenas digressões sobre variados temas. Com um ritmo vivo e com a paisagem de fundo, a autora cria através da escrita quadros de cor e movimento, em que evoca pessoas e respetivos costumes, traços dos monumentos e da natureza, luzes, cores e sons. Trata-se de autênticas sinestesias que transportam os leitores aos lugares descritos e que permanecem na memória de uma longa galeria de lugares. As descrições são como bilhetes-postais animados, imagens do olhar de Maria Celina, de uma visualidade que transporta facilmente o leitor ao espírito do lugar. Além dos retratos dos espaços e das gentes, o relato contém, igualmente, uma preocupação com a mulher e a condição que esta ocupa na sociedade, com a visão do “outro”, de cultura e religião diferente, e com o diálogo possível entre Oriente e Ocidente. Pode-se considerar, assim, que o texto de Maria Celina não constitui apenas um relato, mas uma verdadeira viagem de reflexão e de um aprofundar de conhecimento, que, segundo se depreende do que declara a autora, se quer tão dinâmico como a própria viagem. O texto da autora madeirense afigura-se essencial para a perspetivação do ambiente literário e cultural da Ilha, mas também português e europeu, pela sua modernidade e pela voz feminina que se afirma autónoma, culta, de espírito cosmopolita. No início do séc. XXI, o seu livro foi em parte objeto de um estudo académico, dedicado à temática mais ampla das impressões de viagem relacionadas com as cidades europeias, caso da tese de doutoramento de Helena de Azevedo Osório e de alguns ensaios da autoria de Luísa Marinho Antunes, mas a sua riqueza literária e cultural merece uma maior divulgação e interesse científico por parte dos estudiosos. Obras de Maria Celina Sauvayre da Câmara: De Nápoles a Jerusalém: Diário de Viagem (1899).   Luísa Paolinelli (atualizado a 14.12.2016)

Literatura

concurso literário francisco álvares de nóbrega - "camões pequeno"

A 21 de junho de 2001, a Câmara Municipal de Machico (CMM), em reunião do executivo e sob proposta do então presidente, Lino Bernardo Calaça Martins, deliberou instituir o Prémio Francisco Álvares de Nóbrega, justificado pela “importância do poeta machiquense Francisco Álvares de Nóbrega, no panorama cultural madeirense”, pelo “seu valor literário no quadro nacional, em razão do qual foi chamado de ‘Camões Pequeno’”, e, igualmente, pela “necessidade de divulgar e preservar o seu espólio, que constitui património local, regional e nacional”, pelo “dever de passar o seu testamento às atuais e futuras gerações” e pela “obrigação de incentivar a juventude a cultivar os valores e a obra do escritor machiquense” (CMM, “Ata n.º 13”, de 21 jun. 2001). Anexos à proposta, foram incluídos os 14 itens do regulamento, através dos quais se definia, entre outras regras, o género literário (poesia), o objetivo (“galardoar inéditos de autores de língua portuguesa com a intenção de fomentar a produção literária”), o prémio, de “1.000.000$00 (um milhão de escudos)”, e o dia do anúncio da obra vencedora, 30 de novembro. Na primeira edição, em 2002, a vencedora foi São Moniz Gouveia, com a obra Musa das Coisas Pequenas. Em 2002, sob a presidência de Emanuel Sabino Vieira Gomes e com a colaboração da Associação de Escritores da Madeira, foi lançada a segunda edição do prémio literário, com o género literário conto e um prémio de 2500 €. No mesmo ano, a obra vencedora da primeira edição mereceu honras de publicação, e o galardão da segunda edição, fruto de uma menor qualidade dos trabalhos apresentados, não foi atribuído, tendo o prémio literário caído no esquecimento. Em 2006, a Junta de Freguesia de Machico (JFM), identificando uma lacuna no campo literário e as potencialidades de um adequado fomento à produção cultural, cogitou a criação de um Concurso Literário, cuja pertinência se fundamentava nas muitas solicitações que, ao longo dos tempos, esta autarquia local vinha recebendo. Sendo um prémio já existente (lançado em 2001 pela CMM), a JFM, sob a presidência de Emanuel Ricardo Franco Sousa, solicitou autorização à Câmara Municipal para dinamizar o prémio literário, pedido que mereceu a anuência. Com a colaboração de Élvio Sousa e de Lino Moreira, em 2007 foi produzido um novo regulamento para o III Concurso Literário Francisco Álvares de Nóbrega – “Camões Pequeno”, com o objetivo de incentivar a produção literária original de cidadãos nacionais, contribuindo, assim, para o enriquecimento do património linguístico e literário nacional. A modalidade de texto escolhida foi a prosa sob a forma de conto, e tinha como principais objetivos “criar e/ou consolidar hábitos de escrita, criar e/ou consolidar hábitos de leitura, promover a escrita criativa/valorizar a expressão literária, divulgar autores portugueses e aspectos relativos à cultura literária, descobrir novos talentos e valorizar a cultura machiquense” (JUNTA DE FREGUESIA DE MACHICO, 2007, 4). Foram instituídos quatro prémios: o 1.º Prémio, no valor de 1000 € (mil euros); o 2.º Prémio, no valor de 500 € (quinhentos euros); o 3.º Prémio, no valor de 250 € (duzentos e cinquenta euros); e o Prémio para a Melhor Ilustração Original, no valor de 150 € (cento e cinquenta euros). Nos anos seguintes, foram apresentados a concurso vários géneros literários, como a prosa sob a forma de crónica/narração (2008), a poesia (2009), a epistolografia (carta(s)/correspondência) (2010), o microrrelato ou minificção ou miniconto (2011) e a biografia literária (2012). Ao longo destas edições, o júri foi composto por ilustres individualidades que vieram emprestar ao concurso um redobrado prestígio e notoriedade: o presidente, José Eduardo Franco, a secretária, Lucinda Silva Moreira, e os vogais, Jorge Moreira, Thierry Proença dos Santos e João Nelson Veríssimo. Com o intuito de levar à estampa os trabalhos vencedores, foi criada a “coleção Camões Pequeno”, pela JFM. Uma nota de destaque para a internacionalização da V Edição Concurso Literário, já que em 2009 o concurso foi alargado a toda a diáspora portuguesa, mas mantendo a condição de que os trabalhos fossem redigidos em português, versando sobre qualquer temática à escolha do autor, tendo como horizonte de inspiração Machico. Em 2013, houve um interregno no concurso, fruto de uma alternância democrática nos destinos da autarquia local, reaparecendo em 2014, já sob a presidência de Alberto Olim e com um novo figurino, a IX Edição Concurso Literário, agora dividido em duas categorias: infanto-juvenil e adulto. O género literário escolhido foi o texto dramático, mantiveram-se os objetivos e os prémios foram reduzidos a dois: 1.º Prémio – categoria “adulto”, no valor de 500 € (quinhentos euros), e o 1.º Prémio – categoria “juvenil”, no valor de 250 € (duzentos e cinquenta euros).   Emanuel Franco Sousa (atualizado a 30.12.2016)

Literatura