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Desde o início da ocupação, a ilha da Madeira tem sido celebrada como um jardim; Cadamosto, em meados do séc. XV não hesitou em afirmar: “ela é toda um jardim e tudo o que nela se aproveita é ouro” (VIEIRA, 2014, 9). Depois os cronistas, como Gaspar Frutuoso ou António Cordeiro, valorizaram esta ideia de jardim, tendo em consideração as flores que se encontravam em quase toda a Ilha. Foi, afinal, a partir desta ideia de jardim do Éden que a Madeira começou a divulgar-se pela Europa, numa dimensão que se tem perpetuado. A todos os que chegavam do mar, a Ilha oferecia um perfume especial, resultado desta profusão de flores e árvores de fruto. Esta ideia estava já patente no séc. XVI e foi documentada por Gaspar Frutuoso, que afirmou: “cria muitas alfaces e boas, e outras muitas maneiras de hortaliça, toda regada com água, como as canas, afora os muitos pomares que tem de fruta de espinho e ricos jardins de ervas cheirosas, em tanto que dizem os mareantes que, mais de dez léguas ao mar, deita esta Ilha de si uma fragrância e um confortativo e suave cheiro, que parece cheirar a flor de laranja. Em muitas partes desta Ilha, há muitas nogueiras e castanheiros, que dão muita noz e castanha, em tanta maneira, que vale o alqueire a três e quatro vinténs e se afirma que se colhe em toda ela de ambas estas frutas de noz e castanha, juntamente cada ano, passante de cem moios; também dão amêndoas, e de tudo carregam bem as árvores” (Id., Ibid., 192). As ideias de paraíso e riqueza estão associadas às ilhas atlânticas, desde a Antiguidade Clássica. Não se sabe o momento em que os povos da bacia mediterrânica se confrontaram com este mundo insular, mas, a partir do séc. VI. A.C., diversos testemunhos evidenciaram a presença de Cartagineses e árabes, que, certamente, antes dos Portugueses, tiveram a oportunidade de descobrir estas riquezas e este paraíso. Esta visão das ilhas atlânticas como paraíso e mansão dos deuses estava ainda presente na memória dos Portugueses que se tinham lançado, em princípios do séc. XV, à descoberta do Atlântico. E continuaria por muito tempo na memória coletiva da metrópole. Desta forma, não será difícil entender a razão desses entusiasmos que acompanharam o encontro da Madeira e de outras ilhas atlânticas. Mas, de todas as ilhas que os Portugueses encontraram, a que mais extasiou os descobridores foi, sem dúvida, a Madeira. A ilha paraíso e a ilha jardim   A Europa partiu, no séc. XV, à procura do Éden bíblico ou descrito na literatura clássica greco-romana. Foi este um dos motivos não só do empenho de Colombo, mas também dos navegadores portugueses. O seu reencontro era encarado como uma conciliação com Deus, o apagar do pecado original de Adão e Eva. Esta imagem perseguiu quase todos os navegadores quinhentistas e deveria estar por detrás do esforço dos que aportaram à Madeira. A recuperação desta imagem aconteceria mais tarde, no séc. XVIII, em que a ilha da Madeira se apresentou como o paraíso redescoberto para o viajante ou tísico ingleses, recuperado e revelado ao cientista, através das recolhas ou da recriação através dos jardins botânicos. A literatura ocidental celebrou a beleza da ilha da Madeira, sendo esta sinónimo de jardim, sob a forma de múltiplos epítetos: “flor do oceano”, “flor das águas”, “ninfa florida”, “primavera imortal”, “pérola do atlântico”, “recanto do paraíso”, “açafate de flores a boiar no atlântico”, “maravilha do mundo”. Não só poetas e escritores, mas também políticos e cientistas não se cansaram de celebrar as flores e os jardins da Ilha. A insistência desta ideia é reveladora da imagem que a Madeira conquistou no Ocidente e do impacto que provocavam os jardins floridos sobre os visitantes estrangeiros que por lá passavam. A presença de forasteiros conduziu a um maior cuidado e a uma valorização do meio. Em 1864, F. T. Valdez afirmava: “São deitadas abaixo fortes e muralhas que para nada servem ao estado e os espaços são transformados em jardins. São tantas as maravilhas que encerra a Madeira, que em verdade quem a vê acreditará por momentos que os jardins de Armida e os Campos Elísios da fábula deveriam ser como esta formosa ilha, chamada por excelência a flor do Oceano” (Id., Ibid., 41). O médico austríaco Karl Scherzer (1821-1903), na narrativa da sua viagem de circum-navegação, descreveu a sua aproximação à Ilha assim: “Deleite e surpresa são as primeiras impressões do Funchal, os seus jardins luxuriantes sorrindo com flores bonitas, e as montanhas cultivadas desde o sopé até ao cume” (FARIA, 2014, 76). Isabella de França, atentando também à beleza, escreveu no seu diário: “Passámos pelo Palheiro do Ferreiro, domínio esplêndido, construído e plantado pelo defunto Conde de Carvalhal [...] agora é um extenso parque, cortado em todas as direções por estradas, entre alamedas viçosas e muitas espécies de árvores [...]. A casa é pequena em comparação com o parque, mas tem à frente jardins com muitas plantas curiosas e grandes tanques com cascatas artificiais, cuja água vem dos montes mais altos em resultado de obras que custaram muito dinheiro” (FRANÇA, 1970, 76). O pintor inglês William B. E. Ranken, ao visitar, em 1936, a Madeira, afirmou: “As flores são outro encanto. Quem vem de Inglaterra encontra aqui flores de extraordinária beleza de perfume e colorido incomparáveis. Os jardins da Madeira têm fama em Inglaterra, mas quem chega aqui recebe sempre uma agradável surpresa” (PEREIRA, 1989, 394). Recorde-se que, em 1931, com a Revolta da Madeira, esta ideia teve repercussão nas diversas notícias que correram os países da Europa, nomeadamente a Inglaterra e França. A 13 de abril de 1933, o diário parisiense Temps anunciava, em primeira página, “a revolução no paraíso”. Desde muito cedo, os jardins madeirenses cativaram a atenção dos visitantes. Aquilo que mais admirava os forasteiros era o facto de a Madeira se apresentar como um paraíso natural de flores, de forma que o odor inebriante das flores se espalhava pelo mar fora e ia ao encontro dos viajantes. Na verdade, a literatura da expansão mostrou a Ilha da Madeira como o paraíso, onde se fundiu o espaço económico da abundância com o espaço bíblico: “O Paraíso que a Bíblia citava devia ser assim”. Segundo Carlos Martins (1909-1985): “A Madeira é a Ilha Afortunada, dos Amores, o Éden”. Para o alemão Johann Baptist von Spix (1781-1826): “Nada é mais encantador que a visão desta Ilha que parece flutuar como um jardim no coração do oceano. São tantas as maravilhas que encerra a Madeira, que, em verdade, quem a vê acreditará por momentos que os jardins de Armida e os Campos Elísios da fábula deveriam ser como esta formosa Ilha, chamada por excelência a flor do Oceano”. Tudo isto, porque, segundo Álvaro Valente (1909-1985): “a Madeira é uma ilha formosíssima, uma terra cheia de prendas e de bênçãos de toda a ordem, uma inestimável joia de alto valor, o paraíso perdido no oceano” (FARIA, 2014, 324 e 328). O séc. XIX foi o momento de maior valorização dos jardins, tendo referido Isabella de França, em 1854, que “há vinte e cinco anos não se via coisa que se parecesse com um jardim, no Funchal, apesar de muitas casas terem um bocado de terra com esse nome [...]. Mas agora os jardins são geralmente cultivados e contêm em profusão as flores mais belas, assim como plantas extraordinárias. de aparência tropical” (Id., 1970, 147). Também a influência britânica foi visível nestes jardins, referindo a autora, e.g., que a Qt. Holway, na Camacha, apresentava um “jardim tratado à inglesa” (Id., 1970, 191). Os jardins, da Europa à Madeira Para os navegadores do séc. XV, aquilo que mais comoveu foi o denso arvoredo; já para os cientistas, escritores e demais visitantes da Ilha, a partir do séc. XVIII, o que mais chamou a atenção foi, sem dúvida, o aspeto exótico dos jardins e das quintas que povoavam a cidade, nomeadamente as Qts. Vigia, Palmeira, Deão, e do Palheiro Ferreiro. O Funchal, em pouco tempo, transformou-se num verdadeiro jardim botânico, num repositório da flora mundial, alvo do deslumbramento dos visitantes e da atenção dos botânicos europeus. Aqui confluíram, de diversas partes do planeta, uma profusão de espécies botânicas que, depois da fase de aclimatação, se expandiram ao velho continente. Os primeiros jardins botânicos começaram a surgir na Europa, a partir do séc. XVI. Em 1545, temos o de Pádua, seguindo-se o de Oxford, em 1621. Em 1662, a arte de Versalhes. Em todos, foi patente a intenção de fazer recuar a vista aos primórdios da criação bíblica do paraíso. As ilhas, porém, não tinham necessidade disso, pois já tinham tais qualidades por natureza. A atitude do homem do séc. XVIII foi diferente em relação ao quadro natural e às plantas. Aliás, desde a segunda metade do séc. XVII, a atitude perante as plantas havia mudado. Em 1669, Robert Morison publicou a obra Praeludia Botanica, considerada como o princípio do sistema de classificação das plantas, que teve em Carl Von Linné (1707-1778) um dos grandes obreiros do seu estudo e da sua classificação. O conde de Buffon foi contemporâneo daquele e publicou, entre 1749 e 1804, Histoire Naturelle, Générale et Particulière, em 44 volumes. Desta forma, com a publicação de Genera Plantarum (1737) e, depois, de Spectes Pfantarum (1753) e Systema Naturae (1778), a visão do mundo das plantas tornou-se diferente. Os jardins botânicos do séc. XVIII deixaram de ser uma recriação do paraíso e transformaram-se em espaços de investigação botânica. O Kew Gardens, em 1759, foi a verdadeira expressão disso. Em 1757, o inglês Ricardo Carlos Smith fundou no Funchal um destes jardins, onde reuniu várias espécies com valor comercial. Em 1797, Domingos Vandelli (1735-1816) e João Francisco de Oliveira apresentaram um projeto para um viveiro de plantas. O viveiro foi criado no Monte e manteve-se até 1828. O naturalista francês Jean Joseph d’Orquigny, que, em 1789, se fixou no Funchal, foi o principal mentor da criação da Sociedade Patriótica, Económica, de Comércio, Agricultura, Ciências e Artes. Em 1850, surgiu a proposta de Frederico Welwistsch para a criação de um jardim de aclimatação, no Funchal e em Luanda. A Madeira cumpriria o papel de ligação das colónias aos jardins de Lisboa, de Coimbra e do Porto. Este botânico alemão, que fez alguns estudos em Portugal, passou, em 1853, pelo Funchal, com destino a Angola. A presença na Madeira do P.e Ernesto João Schmitz, professor do seminário diocesano, levou à criação, em 1882, de um Museu de História Natural, que se integrou no Jardim Botânico. As quintas madeirenses são um dos traços mais peculiares da dinâmica socioeconómica e urbanística da cidade. A elas estão associados momentos inolvidáveis da história da Madeira. Foram palco de importantes acontecimentos e decisões políticas, acolheram ilustres visitantes, enriqueceram a cidade de flores e plantas exóticas e recriaram os hábitos da convivência aristocrática inglesa. Podem, por isso, ser consideradas a principal sala de visitas da Ilha. Estes espaços subdividem-se em área agrícola, casas de moradia, jardins e, por vezes, capela e cercados de muro, sendo a entrada franqueada por um grande portão de ferro. As fortunas acumuladas com o seu comércio foram usadas pelos britânicos na compra das tradicionais vivendas vinculadas, abandonadas pelos morgados. Foi o Inglês quem recheou as quintas com um riquíssimo mobiliário, rodeando-as de parques, jardins, lagos e riachos. Na área do Funchal, encontrava-se o maior número de quintas, com especial relevo para o Monte e para a Camacha. De entre todas as quintas, destacaram-se a Qt. Vigia e a Qt. do Palheiro. A primeira integrava-se num conjunto de quintas geminadas sobranceiras ao mar (Qts. das Angústias, Vigia, Pavão e Bianchi) e foi a morada de alguma aristocracia europeia: a Rainha Adelaide de Inglaterra (1847-1848), o duque Leuchtenberg (1849-1850), e a Imperatriz do Brasil, D. Amélia (1852). A segunda foi construída pelo primeiro conde de Carvalhal, que preservou e enriqueceu os arvoredos. O seu recinto serviu de palco para grandes receções. Destes momentos, destacaram-se: em 1817, a Imperatriz Leopoldina do Brasil; em 1858, o infante D. Luís; e, em 1901, o Rei D. Carlos e a Rainha D. Amélia. A abordagem do europeu aos novos espaços atlânticos fez-se por um duplo objetivo. Primeiro, procurou-se revelar os resquícios do paraíso perdido, tão celebrado na Antiguidade Clássica, e, depois, tentou-se a possibilidade de apropriação do espaço numa dinâmica voraz de apropriação da riqueza. Do primeiro, ficou apenas a lembrança e, do segundo, a plena expressão da humanização do espaço de forma desenfreada, que conduziu a diversos problemas, que se materializaram, nas Canárias, com o processo de desertificação e, na Madeira, com o efeito catastrófico das aluviões. Só muito mais tarde, o europeu se conciliou com a natureza, certamente por influência de outras culturas que teve oportunidade de contactar. Do Oriente, e de forma especial da China, da Índia e do Japão, as culturas milenares deram importantes lições ao europeu quanto a um relacionamento harmónico com a natureza. Certamente que as correntes religiosas imanentes do Taoismo permitiram uma visão diferente da relação do homem europeu com o quadro natural envolvente. Considere-se que, no séc. XVI, o Feng-Shui, que pretendia estabelecer a harmonia com a energia que flui do céu e da Terra, estava presente na China, sendo uma aposta da dinastia Ming. Esta ambiência chegou à Ilha através dos mesmos súbditos de Sua Majestade. Uma situação, aliás, evidenciada por muitos visitantes britânicos que destacaram esta forte influência britânica na arquitetura dos jardins madeirenses. As inúmeras alterações que os Ingleses, fixados na Ilha, imprimiram às diversas quintas, estão relacionadas com esta realidade. Por outro lado, o jardim chinês não se constrói, mas emerge do quadro natural com uma profusão de montanhas, vales, morros, rios, lagos, etc. Não só se copiaram os modelos dos jardins chineses, como a organização do espaço obedeceu a uma determinada ordem, e a combinação destes elementos fez-se de uma forma harmónica e de acordo com regras. É neste contexto que se pode situar o aparecimento dos lagos e das pontes como elementos essenciais na estrutura dos jardins. Não serão por acaso, também, as formas, as linhas, os espaços, a forma e os locais da disposição das plantas, nomeadamente os buxos em forma de labirintos ou em construções geométricas, que parecem lembrar mandalas, ou outras, de carácter esotérico cujo significado escapa-se, porque nunca receberam atenção sob estas perspetivas e de acordo com os conhecimentos orientais, apenas considerou-se as suas funções decorativas. As “casas de prazeres” encontram similitudes na China com os pavilhões abertos, locais de contemplação da lua ou de deleite, onde se pode beber vinho, namorar e escrever poesia. Acontece que, durante muito tempo, o garrido, a variedade e o exotismo das flores e plantas iludiu, ignorando-se que a sua presença não é alheia àquela finalidade. Além do mais, é precisamente aqui, no recato, no sossego e na harmonia energética das quintas que os doentes europeus procuraram a cura para a tísica pulmonar, a partir do séc. XVIII. Os médicos europeus recomendavam a procura destas quintas. Falava-se do clima ameno, mas também das condições relaxantes do meio, através da natureza envolvente da Ilha, de forma especial na vertente norte e nas quintas que polvilhavam a encosta funchalense até ao Monte. Desde o séc. XVII, a Madeira era conhecida pelas condições aprazíveis do seu meio e aconselhada pelos seus efeitos curativos. Aliás, no plano de sanatórios delineado para a Madeira, em princípios do séc. XX, referiu-se a necessidade de existirem jardins e parques, considerados como lugares para “cura de ar”, não obstante esta visão de uma natureza benfazeja ter surgido já no séc. XVII e se ter afirmado nas centúrias seguintes.   Madeira, a ilha jardim A partir de meados do séc. XX, ganhou importância a ideia da Ilha como um jardim, apostando-se na promoção de condições que levassem esta arte a desenvolver-se em todas as casas dos madeirenses. Por outro lado, as condições difíceis da agricultura e a necessidade de aproveitar ao máximo o espaço de cultivo levaram a que, através da construção de poios, se transformasse quase toda a Ilha num jardim, podendo definir-se a agricultura madeirense como uma técnica de jardinagem. Pelo dec.-lei de 22 de fevereiro de 1951, que estabeleceu o repovoamento florestal da Ilha, coube à Junta Geral, através da Circunscrição Florestal, proceder à “assistência técnica nos trabalhos de conservação e melhoramento das zonas de interesse turístico e dos jardins públicos e de arborização e embelezamento das bermas e taludes das estradas” (PEREIRA, 1989, 338). A exaltação da flor madeirense e dos seus jardins teve o seu momento alto no Cortejo Alegórico da Flor, uma celebração que se iniciou em 1979. Em 2007, surgiu, acoplada a esta iniciativa, a Exposição e Mercado das Flores. Tudo isto começou com A Exposição da Flor, realizada pelo Ateneu Comercial do Funchal, que teve um lugar em pavilhão próprio junto ao Palácio de S. Lourenço, na Praça da Restauração. A iniciativa começou em 1954, com a Festa da Rosa, que, no ano seguinte, se transformou na Festa da Flor. Neste contexto, devemos destacar o Jardim de Rosas, propriedade e iniciativa de Miguel Albuquerque, na Qt. do Arco, no Sítio da Lagoa – Arco de S. Jorge, onde se manifestava uma profusão de rosas de 17.000 variedades de espécies. Além do mais, no Jardim Tropical Monte Palace, no Monte, de Joe Berardo, a cultura oriental misturava-se com uma profusão de árvores e flores.   Alberto Vieira (atualizado a 18.12.2017)

Arquitetura Património

susan harriet vernon harcourt

Lady Susan Harriet Vernon Harcourt nasceu em 1824 e recebeu o nome de Susan Harriet Holroyd. Era filha do 2.º conde de Sheffield (1802-1876) e casou-se, em agosto de 1849, com Edward William Vernon Harcourt (1825-1891). No ano anterior ao do seu casamento, lady Susan acompanhou o noivo à Madeira com sua mãe, a condessa de Sheffield. Edward já tinha estado na Madeira de outubro de 1847 a abril de 1848., e esteve com a noiva de novembro de 1848 a maio de 1849. Volta à Ilha depois do casamento, de novembro de 1849 a maio de 1850 e de novembro de 1850 a abril de 1851. Na família Harcourt parece ter sido tradição, entre os que apresentavam debilidades físicas, a passagem do inverno na Madeira, onde esteve o pai de Edward, Rev. William Vernom Harcourt, e, no inverno de 1847 para 1848, seu irmão William George Granville Venables Vernon Harcourt (1827-1904), depois ministro do Interior de um dos governos da rainha Vitória e uma das figuras políticas determinantes do seu tempo; mais tarde, o filho deste também frequentaria a Madeira (Turismo terapêutico). O álbum de lady Susan Harcourt Sketch of Madeira, editado em Londres, em 1851, por Thomas McLean, espelha a educação das classes abastadas da sua época, a que não escapava a autora e o marido, que edita na mesma data e pelo mesmo editor A Sketch of Madeira, Containing Information for the Traveller, or Invalid Visitor, dedicado à sogra, condessa de Sheffield. Edward também se interessava por ornitologia e daria à estampa as suas observações sobre as aves da Madeira, igualmente editadas em Londres, em 1855. Trocava, inclusivamente, correspondência com Charles Darwin; da qual se extraíram as informações sobre as suas deslocações à Madeira. O conjunto de litografias de lady Susan reúne 22 vistas da Madeira, litografadas pela própria ou pelo menos com a sua colaboração. Destas litografias 3 são em grande formato, demonstrando muito boa qualidade de desenho, com um traço suave, delicado e feminino, abarcando os grandes planos gerais e esboçando somente os pequenos detalhes. Desconhece-se o destino dos originais, bem como de posteriores trabalhos da autora, que terá passado a dedicar-se inteiramente à educação dos dois filhos. Morre aos 64 anos, em abril de 1894. A documentação da família encontra-se hoje integrada na Bodleian Library da Universidade de Oxford, onde, em conformidade com o que foi dito não constam os desenhos originais nem referência a trabalhos posteriores, que talvez se mantenham na posse da família. O conjunto editado do casal Harcourt enquadra-se no “grand tour” de educação das sociedades europeias abastadas, que olhavam para a Madeira como um destino no leque de possibilidades do turismo terapêutico. Ao mesmo tempo, este conjunto retrata uma nova posição e atitude da mulher ao longo do séc. XIX, que não só desenha em público, o que até então era quase impossível, como edita depois as suas obras, podendo, inclusivamente, trabalhar na sua passagem à litografia. Poucos anos antes, em 1845, também Jane Wallas Penford (1821-1884) editara os seus trabalhos em Londres, no conjunto Madeira Flowers, Fruits, and Ferns, este elaborado a partir de aguarelas feitas na sua propriedade da quinta da Achada – e não em público – e de litografias posteriormente aguareladas pela sua mão, também na sua quinta do Funchal. Edward Harcourt tece algumas considerações sobre os desenhos da sua então ainda noiva lady Susan, onde descreve a dificuldade em captar o cenário grandioso da paisagem madeirense, face à contínua mudança de luminosidade. Ao contrário da permanente neblina dos ambientes nórdicos, na Madeira a constância dos brilhos alterava-se constantemente pela simples passagem de uma nuvem. O autor conta ainda as dificuldades em que se via a pintora ao iniciar o seu trabalho, por ser de imediato rodeada de inúmeros observadores que, parecendo não ter mais nada para fazer, ali se mantinham inabaláveis durante horas a fio. Informa e alerta também os futuros leitores sobre a taxa imposta pela Alfândega do Funchal aos desenhos levados da Ilha, 6 xelins e 8 pences por libra de peso, o que considerava um verdadeiro exagero, mas que configura a consciência do interesse económico dos mesmos por parte das autoridades aduaneiras insulares.   Rui Carita (atualizado a 30.12.2017)

Artes e Design Madeira Global Sociedade e Comunicação Social

quinta das cruzes

João Gonçalves Zarco (c. 1390-1471) e a família começaram por se instalar, precariamente, nos arrifes de Santa Catarina, entre cerca de 1421 e 1425; alguns anos depois, também de forma precária, fixaram-se na área do futuro convento de Santa Clara, mandado levantar pelo filho e segundo capitão-donatário do Funchal, João Gonçalves da Câmara (1414-1501). Tendo o primeiro capitão, Zarco, começado a registar, por escrituras públicas, na déc. de 50 do séc. XV, as propriedades dos seus descendentes e outras, nomeadamente a doação dos terrenos junto da capela de S. Paulo, a 25 de maio de 1454, para a edificação do primeiro hospital do Funchal, deverá datar da década seguinte a sua instalação na área da capela da Conceição de Cima, templo que mandara erguer para acolher a sua sepultura. As habitações dessa época eram, no entanto, ainda precárias, como nos informa o Cón. Jerónimo Dias Leite (c. 1537-c. 1593), indicando que a primeira casa de pedra que se fez, depois de acabadas as igrejas, fora a de Constança Rodrigues, filha de Diogo Afonso de Aguiar e neta de Zarco, junto à atual capela de S. Paulo. Constança Rodrigues não casara e ficara a viver com os avós, pelo que a construção da dita casa deve datar de pouco depois de 1471, ano provável da morte de Zarco (Arquitetura). O segundo capitão terá ocupado a residência precária do pai, mas, ao assumir a construção do convento de Santa Clara, para o que cedeu terreno e outros meios, terá iniciado uma outra edificação, mais acima, para norte, que veio a dar origem às casas das Cruzes. O futuro capitão do Funchal, Simão Gonçalves da Câmara (1463-1530), casou-se por volta de 1488. Pelo menos desde 1 de julho de 1495, data em que compareceu na Câmara do Funchal como alcaide-mor, tinha residência no chamado altinho das fontes, onde depois se levantou a fortaleza (Palácio e fortaleza de S. Lourenço). Nesse quadro, o codicilo do testamento do pai, de 1501, determina que o filho “Pedro Gonçalves da Câmara, haja as casas em que eu moro com todo o seu assentamento” (ARM, Juízo..., cx. 82, n.º 1). Não existe aqui informação específica quanto às habitações em questão, mas, como mais tarde as mesmas foram vendidas pelo neto e homónimo Pedro Gonçalves da Câmara ao seu tio-avô Francisco Gonçalves da Câmara, sabemos que se tratam das casas das Cruzes. As casas das Cruzes aparecem representadas na planta de Mateus Fernandes (III) (c. 1520-1597), realizada entre 1567 a 1570, na sequência do ataque dos corsários franceses ao Funchal, ocorrido no ano anterior, e com a indicação “casas de Luís de Noronha” (BNB, cart., 1090203), indivíduo que pensamos ser sobrinho de Pedro Gonçalves da Câmara. Essas casas, no entanto, não eram propriedade sua, pois uns anos mais tarde, a 16 de setembro de 1575, o sobrinho ou sobrinho-neto Pedro Gonçalves da Câmara, no Arco da Calheta, para resolver uma série de problemas pendentes do tempo do pai, António Gonçalves da Câmara (c. 1510-1567), teve de vender as casas das Cruzes. Com efeito, António Gonçalves da Câmara, que fora nomeado caçador-mor de D. João III, dissipara grande parte da fortuna. Assim, em 1575, o jovem Pedro Gonçalves de Abreu declarava que, “por ser já emancipado e ter licença do juiz para poder vender as terras baldias e as casas das Cruzes para suprimento das mais fazendas que tinha no Arco da Calheta, sem o que não podia fazer”, vendia ao tio-avô Francisco Gonçalves da Câmara (c. 1510-c. 1586) as mesmas. De facto, este veio a tomar posse das terras a 22 de setembro. Poucos anos depois, Gaspar Frutuoso (c. 1522-c. 1591) relatava a residência de Francisco Gonçalves da Câmara como “uns paços mui grandes e sumptuosos” (FRUTUOSO, 1873, 115); note-se, contudo, que não se tratava ainda do edifício que chegou aos nossos dias, sucessivamente reconstruído. A avaliar pelo referido traçado de Mateus Fernandes, a residência possuía planta em L, com um corpo virado a sul não muito diferente, em planta, daquele que ainda possui, e um outro para poente, também como hoje se vê. É possível que, do edifício dos primeiros anos do séc. XVI, tenham ficado duas portas rematadas por lintel esculpido ao gosto manuelino, transformadas em janelas nas obras de reabilitação dos anos 50 do séc. XX (Arquitetura senhorial). As casas das Cruzes passaram depois a Joana de Noronha (c. 1550-1613), filha de Francisco Gonçalves da Câmara (c. 1510-c. 1586) e, em seguida, ao sobrinho António do Carvalhal Esmeraldo, falecido em 1648, sucedendo-o o morgado Francisco Esmeraldo Correia Henriques na casa das Cruzes. Provavelmente na posse deste último, por volta de 1660, o edifício foi dotado de um corpo novo, adossado à fachada para servir de entrada de aparato, constituindo-o um terraço, hoje coberto, assente sobre arcaria em cantaria vermelha do Cabo Girão e com acesso por poente. Nos finais de Seiscentos, aquele morgado mandou também levantar no local a capela de N.ª S.ª da Piedade, com acesso público pelo Lg. das Cruzes ou Lg. da Bela Vista, obra realizada na altura em que a propriedade foi ampliada para sul. Na fachada da capela foi mandada gravar a data de 1692, embora a dotação da mesma seja de 25 de maio de 1695 e a vistoria eclesiástica para efeitos de autorização de culto date de 14 de junho seguinte. O morgado subsequente, António Correia Henriques Lomelino, casou com D. Guiomar Jacinta de Moura Acciauoli, a 21 de novembro de 1718; alguns anos depois, com a morte da sua mãe, Catarina Lomelino de Vasconcelos, o morgado ficou herdeiro dos vínculos dos Lomelino, onde estava incluído o convento da Piedade de Santa Cruz. Daquele casamento nasceu Ana Guiomar Acciauoli Lomelino, conhecida como morgada das Cruzes, que desposou, em 1745, Nuno de Freitas da Silva, sétimo administrador do vínculo dos Freitas da Madalena do Mar e que se dizia ser o homem mais rico da Madeira. Educado em Londres, a ele se devem, muito provavelmente, alguns dos melhoramentos realizados nas casas das Cruzes após o terramoto de 1748, período em que o edifício central adquiriu a forma que hoje conhecemos. Nos meados e finais do séc. XVIII, o jardim foi dotado de cascatas e fontes, parte em embrechados de tufo vulcânico e, inclusivamente, pinturas a fresco, como depois outras com aplicações de restos de porcelanas e faianças, sucessivamente melhoradas e ampliadas ao longo da centúria seguinte. A fonte e cascata com os frescos onde parecem figurar Vénus e Apolo, e.g., deve datar de cerca de 1770, podendo essas pinturas terem sido executadas pela oficina de António Vila Vicêncio (c. 1730-1796). Data dessa campanha de obras dos finais do séc. XVIII o conjunto representativo de quinta madeirense que chegou até nós, composto por um amplo parque demarcado por muros e rematado nos extremos por “casinhas de prazer” (Casinha de prazer), contendo ainda uma capela, neste caso, com acesso exterior e com o percurso interior percorrido por caminhos empedrados com elaborados desenhos, formados pela disposição de pequenos seixos; este parque tem espaços ajardinados e encontra-se dotado de vários tanques de água, além das fontes e cascatas mencionadas. Nos finais desse século, a planta de Agostinho José Marques Rosa que data de cerca de 1800 menciona, entre uns poucos palácios, o “de Nuno de Freitas” (BPMP, cota PP190/CE), ou seja, a quinta das Cruzes. Era então propriedade do herdeiro Nuno Martiniano de Freitas, passando depois ao seu filho, o morgado Nuno de Freitas Lomelino (1820-1880), que casou com uma prima direita, D. Ana Welsh de Freitas Lomelino, figura notável da sociedade do seu tempo. A planta do Funchal do brigadeiro Reinaldo Oudinot (1747-1807), levantada na sequência da aluvião de 9 de outubro de 1803, tal como a planta seguinte, de 1805, do Ten. Paulo Dias de Almeida, registam o amplo parque, as casinhas de prazer, a capela e um corpo, que foi demolido perto dos finais do século seguinte, situado na área do atual roseiral da entrada do museu Quinta das Cruzes. Quinta das Cruzes. Foto: BF O conjunto que conhecemos hoje foi ainda alterado e melhorado ao longo dos meados do séc. XIX, quando os Lomelino conseguiram, e.g., reivindicar a propriedade do convento da Piedade de Santa Cruz. Com efeito, alguns morgados contestaram a lei de extinção das ordens religiosas de 30 de maio de 1834 e a posterior incorporação dos seus bens no Estado, nomeadamente Nuno de Freitas Lomelino (1813-1880), último padroeiro e morgado das Cruzes, em 1836, que veio a requerer os bens do antigo convento. A sentença do Tribunal da Relação de Lisboa, a favor de Nuno de Freitas Lomelino, tem a data de 1844; a 13 de julho de 1852, tomou posse das ruínas do antigo convento, transferindo algum desse património para as Cruzes, designadamente o túmulo do fundador, trasladado para a capela da Piedade; existem outros elementos arquitetónicos, pelo menos numa das casinhas de prazer, que parecem ser também provenientes desse convento. A quinta foi vendida, em 1863, a Tristão Vaz Teixeira de Bettencourt e Câmara (1848-1903), barão do Jardim do Mar. Com o seu falecimento, passou a outros proprietários e foi arrendada. Em 1916, a residência foi adaptada para servir de sede à casa bordados A. J. Froes & C.ª Suc.. Entre 1927 e 1931, funcionou ali o Quinta das Cruzes Hotel, cujos chás dançantes eram afamados, recolhendo nele o Gen. Adalberto de Sousa Dias (1865-1934) como deportado político, em fevereiro de 1931; envolvera-se na revolta do Porto, em 1927 e, em breve, interviria na Revolta da Madeira. Já desde 1929 que uma parte da quinta funcionava como sede da banda municipal Artistas Funchalenses, que organizava sessões de cinema ao ar livre no parque do hotel. Durante a Segunda Guerra Mundial, a propriedade serviu de residência a refugiados vindos de Gibraltar. Depois da guerra, residia numa parte do edifício o ourives e antiquário César Filipe Gomes (1875-c. 1949), que, em 1946, propôs doar a sua coleção de antiguidades ao governo da ilha da Madeira. Em sequência, em 1948, a Junta Geral adquiriu a quinta para instalar aí a dita coleção. A intervenção para a adaptação às novas funções iniciou-se em 1950, sendo o museu inaugurado a 28 de maio de 1953.   Rui Carita (atualizado a 16.12.2017)

Arquitetura Património História Económica e Social

grabham, george walter

George Walter Grabham foi um cientista madeirense reconhecido internacionalmente. Nasceu na freguesia de Santa Luzia, no Funchal, a 28 de junho de 1882. Era filho do médico Michael Comport Grabham, autor de vários livros, entre os quais um sobre a Madeira, e de Mary Anne Blandy Grabham, que pertencia a uma família ligada à produção e exportação de uma reputada marca do vinho madeirense. Estudou Geologia no University College School e no Saint John’s University College de Cambridge. Trabalhou na Geological Survey of Great Britain, na Escócia (1903-1906), e foi para o Sudão anglo-egípcio como geólogo oficial (1906-1930). Tornou-se membro da Royal Society of Edinburgh e da Geographical Society e foi agraciado com a Ordem do Império Britânico. Colaborou no Geology of Edinburgh and East Lothian, com o artigo “The Geology of the Neighbourhood of Edinburgh” (1910), no The Geology of the Glasgow District, (1911), no The Journal of Geology, na Geological Magazine, com o artigo “The Geology of Knapdale, Jura, and North Kintyre” (1911), no The Geology of Ben Nevis and Glen Coe – Memoirs of the Geological Survey, Scotland (1916), e na revista Nature. Publicou o seu trabalho “Esboço da Formação Geológica da Madeira” no Boletim do Museu Municipal. O seu interesse pela botânica levou-o a estudar as árvores da serra da Encumeada, em S. Vicente, na ilha da Madeira, concluindo que a sua antiguidade excedia os cinco milhões de anos. Faleceu no Sudão, a 29 de janeiro de 1955, tendo merecido notícia nos obituários do Geographical Journal, publicado por The Royal Geographical Society (com o Institute of British Geographers), no Stanford, K. S. Obituary, Proceedings of the Geological Society e no Proceedings of the Geologists Association. Obras de George Walter Grabham: “The Geology of the Neighbourhood of Edinburgh” (1910); “The Geology of Knapdale, Jura, and North Kintyre” (1911); “Esboço da Formação Geológica da Madeira” (1948).   António Manuel de Andrade Moniz (atualizado a 13.12.2017)

Biologia Terrestre Geologia

hearne, thomas

O gravador inglês Thomas Hearne nasceu em Marshfield, Gloucestershire, a 22 de setembro de 1744, tendo iniciado a sua atividade como ajudante de gravador em 1765, sob a orientação de William Woollett (1735-1785), que se tornaria, mais tarde, secretário da Incorporated Society of Artists. Nos primeiros meses de 1771, aceitou trabalhar com sir George Howland Beaumont (1753-1827), depois 7.º barão de Beaumont, pintor amador que esteve na base da fundação da National Gallery de Londres. Teria sido na sequência desse trabalho de seis semanas em Suffolk, onde desenharam paisagens e edificações, e aonde voltaria depois, que foi convidado a servir, como gravador e pintor, o governador das Antilhas, Ralph Payne (1739-1807), cuja armada passou pela Madeira pelos finais de 1771, altura em que executou os desenhos preparatórios da grande panorâmica da cidade do Funchal, senão mesmo todo o trabalho. A partir dos meados do séc. XVIII, os governadores ultramarinos, não só os britânicos, mas também os portugueses, começaram a fazer-se acompanhar por engenheiros militares e também por pintores-gravadores, cuja função era desenhar os principais portos e edifícios desses domínios, além da criação de representações de paisagens e de costumes (Descrições militares). Estes elementos eram imprescindíveis para apoiar as decisões dos governadores e para informar as instâncias superiores das propostas daqueles. Ao mesmo tempo, deveriam ilustrar os arquivos dos governadores, promovendo depois a sua ação governativa, o que a morte prematura de Payne não veio a permitir. Muito provavelmente, um dos pressupostos dos trabalhos que este gravador e aguarelista inglês executou ao longo da sua viagem às Antilhas era também o de virem a ser passados a gravura em Londres. Vista geral do Funchal Thomas Hearne terminaria a sua comissão de serviço com o governador Ralph Payne em 1775, altura em que regressa a Inglaterra e termina os trabalhos efetuados nas Antilhas: cerca de 20 grandes aguarelas semelhantes à do Funchal, as quais vieram a ser leiloadas em 1810 por lady Lavington, após a morte de Ralph Payne, então barão de Lavington, no ano de 1807, em Antigua, onde estava como governador pela segunda vez. Desconhece-se, entretanto, como foi que a grande panorâmica de 2 metros veio a integrar a coleção da câmara municipal do Funchal. Aquela permanecera no Museu Municipal até 1986 e, nesta altura, passou a integrar o acervo do Museu da Cidade – embora somente mais tarde viesse a ser identificada, pela legenda no verso (que apresenta a data de 1772), com a qual deverá ter sido vendida em Londres. Sé do Funchal   Nau-almirante A grande panorâmica da ilha da Madeira e da cidade do Funchal, feita a partir da nau-almirante, ancorada ao largo da cidade, é um dos melhores trabalhos do género – depois designado por “desenho topográfico” – alguma vez executados sobre a Ilha. A cidade foi meticulosamente desenhada, edifício a edifício, naqueles últimos meses de 1771, e deu origem a um registo único, com o qual nada criado até então pode ser comparado, embora nas décadas seguintes alguns engenheiros militares, para acompanharem as suas plantas da Madeira, tenham ensaiado trabalhos semelhantes; é o caso da “Geo Hydrographic Survey of the Isle of Madeira, with Dezertas and Porto Santo Islands. Taken in the Year 1788”, de William Johnston, uma representação editada em Londres, no ando de 1791 (Cartografia), e da “Geo-Hydrographic Survey”, editada em 1841 e para a qual trabalhou António Pedro de Azevedo (1812-1889), que quase parece copiar a vista de Thomas Hearne, mas sem a qualidade deste. Entre outros pormenores, por exemplo, aquele trabalho de Thomas Hearne apresenta a única representação conhecida da igreja matriz de N.ª S.ra do Calhau, perdida na aluvião de 9 de outubro de 1803. Trata-se assim de um documento imprescindível para o estudo da arquitetura e do urbanismo do Funchal até ao séc. XIX. Forte de São Filipe e Nossa Senhora do Calhau Thomas Herne haveria de se distinguir entre os melhores artistas topográficos do seu tempo, dedicando-se ao desenho da arquitetura, nomeadamente de ruínas e de edifícios antigos, na abertura do romantismo, e do culto dos revivalismos, e também seria um dos pioneiros da escola de aguarelistas britânicos que floresceria no século seguinte. A pedido de nobres e proprietários, elaboraria inúmeros desenhos de antigas mansões, de castelos e de outros edifícios, tendo alguns sido aproveitados para reconstruções revivalistas, ao gosto dessa época. Viria a falecer na sua residência em Macclesfield Street, Soho, Londres, a 13 de abril de 1817, e foi enterrado em Bushey, Hertfordshire.   Rui Carita (atualizado a 30.12.2017)

Artes e Design

fortes

A defesa e a fortificação da Madeira foram várias vezes revistas ao longo da sua história, tendo ficado, das inúmeras edificações levantadas, grande parte do sistema construído na área do Funchal, com várias fortalezas e com pequenos apontamentos das muralhas e fortes de apoio, tanto para nascente como para poente. Do vasto conjunto de fortes, fortins ou redutos levantados ao longo das costas, dependentes das estruturas militares ali levantadas, como eram as companhias de ordenanças, também subsistem muitas construções. Palavras-chave: arquitetura militar; defesa; ordenanças; património edificado.   Fortaleza do Ilhéu A defesa e a fortificação da Madeira foram várias vezes revistas ao longo da história (Defesa), tendo ficado, das inúmeras edificações levantadas, grande parte do sistema construído na área do Funchal, com várias fortalezas – i.e., sistemas defensivos quase autónomos –, tal como pequenos apontamentos das muralhas e fortes de apoio às mesmas e à defesa geral da cidade, tanto para nascente como para poente, nem todos guarnecidos em permanência. Do vasto conjunto de fortes, fortins ou redutos levantados ao longo da costa, dependentes das estruturas militares ali levantadas (Guarnição Militar) (Ordenanças), subsistem muitas construções. De uma forma geral, o sistema defensivo fixo ao longo da costa da Madeira, representado pela rede de fortes e fortins, nasceu do “Regimento de vigias”, emitido a 22 de abril de 1567 e enviado na sequência do ataque corsário francês de 1566. Este regimento mandava montar vigias em todos os portos, “calhetas, praias ou pedras, em que parecesse que os inimigos poderiam desembarcar” (ABM, Câmara Municipal do Funchal, Registo Geral, t. 3, f. 142v.), avançando ainda com outras diretivas que diziam respeito à montagem de artilharia nesses locais em caso de perigo, tendo assim sido a base de muitos, senão de quase todos os pequenos fortes ou fortins levantados pela Ilha (Arquitetura Militar).   A defesa do Funchal envolvia, para além das fortalezas, que tinham autonomia própria, alguns fortes de apoio ao conjunto das muralhas do Funchal, como os pequenos fortes de S.ta Catarina ou de S. Lázaro, que deram depois lugar à bateria das Fontes (Muralhas do Funchal), articulando-se ainda com a defesa das praias e desembarcadouros para poente e para nascente. Com o prolongamento da muralha para nascente, surgiram ainda fortificações no remate da mesma e depois um pequeno forte na foz da ribeira de Gonçalo Aires, o forte dos Louros, tal como, mais tarde, ao meio da praia do calhau de Santa Maria Maior, o forte Novo de S. Pedro. Desde os primeiros anos do povoamento, quando Zarco se abrigou nos dois ilhéus da baía, ao executar o primeiro grande reconhecimento à volta da Ilha, que se reconheceu o interesse desses ilhéus para a defesa do porto do Funchal (Fortaleza do Ilhéu). Com o desenvolvimento do porto e, principalmente, depois da passagem do Funchal a cidade (20 de agosto de 1508), esse interesse terá sido ainda mais notório, estendendo-se aos arrifes fronteiros. A primeira fortificação a surgir fora do perímetro da cidade, quase contemporânea da nova fortaleza de S. Lourenço, senão mesmo anterior a ela, terá sido levantada nestes arrifes, sendo depois devotada a N.ª Sr.ª da Penha de França, e articulando-se depois com outra levantada no chamado ilhéu Pequeno, quando nos meados do séc. XVIII se fez o molhe da Pontinha, o forte de S. José. As praias e desembarcadouros da área do Funchal também vieram a ser dotados de pequenos fortes, muitas vezes de iniciativa particular, como o referido forte dos Louros, na foz da ribeira de Gonçalo Aires, mas já antes tinha sido levantado o forte do Gorgulho e fortificada a praia Formosa, que chegou a ter uma rede de 5 fortes (Fortes da Praia Formosa), o mesmo vindo a acontecer com a foz da ribeira dos Socorridos (Fortes da Ribeira dos Socorridos). Com o desenvolvimento das vilas da capitania do Funchal, também as mesmas vieram a construir pequenos fortes, como Câmara de Lobos (Fortes de Câmara de Lobos), Ribeira Brava (Fortes da Ribeira Brava), Ponta do Sol (Fortes da Ponta do Sol) e Calheta (Fortes da Calheta). Escavações da Fortaleza de São Filipe do Pelourinho Idêntica situação se passou na capitania de Machico, cuja vila, tal como o Funchal, chegou a possuir uma muralha ao longo da praia e também a ser dotada de um conjunto de fortes (Fortes de Machico), à semelhança da vila de Santa Cruz (Fortes de Santa Cruz), embora somente um deles tenha chegado até nós. Os portos e ancoradouros entre Santa Cruz e o Funchal também tiveram pequenos fortes, como os que subsistem nas praias e arribas dos Reis Magos, no Caniço, e na foz da ribeira do Porto Novo (Fortes do Porto Novo e Caniço), o mesmo acontecendo pontualmente na costa norte da Madeira, como na baía do Porto da Cruz, no calhau de S. Jorge e na praia do Porto Moniz. Como mirante romântico, ainda será de referir o forte do Faial (Fortes do Norte da Ilha), que, embora não tenha sido uma construção militar, veio a ser dotado de um largo conjunto de bocas-de-fogo de ferro inglesas, entretanto abandonadas nas praias do Funchal (Artilharia), que tradicionalmente salvam nas festas religiosas locais. A situação do Porto Santo foi mais complexa, dado o abandono a que a ilha foi votada pelos seus capitães-donatários e o isolamento a que sempre esteve sujeita, chegando a sofrer vários assédios corsários, alguns de graves consequências. Esta ilha não deixou, no entanto, de ter os seus fortes (Fortes do Porto Santo), mas estes não obstaram aos assédios sofridos. A definição da superintendência sobre a capitania arrastou-se ao longo do séc. XVIII, pelo que somente com a vigência do gabinete pombalino a situação foi ultrapassada e se pôde organizar a defesa e construir uma fortificação moderna. Se, ao longo do séc. XVIII, se assistiu ao aumento quase exponencial destas pequenas construções defensivas, o interesse militar da maior parte dessas construções, algumas muito precárias, decaiu francamente ao longo de todo o séc. XIX. Acresce que a importância do antigo património militar foi logo reconhecida por parte das câmaras municipais no início do liberalismo, como forma de ampliação das suas áreas de interesse, de expansão do tecido edificado e de reformulação das acessibilidades, sendo então muito do mesmo património militar edificado demolido na Ilha, o que igualmente aconteceu nos grandes centros urbanos continentais. Situação diferente voltou a ocorrer na Madeira com o advento da autonomia, mas já num quadro mais informado, sendo a arquitetura militar objeto de várias exposições, como a de 10 de junho de 1981 – ano em que o Dia de Portugal foi comemorado no Funchal –, exposição remontada em Lisboa, na Fundação Calouste Gulbenkian, em 1982, bem como no Porto e em Vila Viçosa. Foi depois solicitada a sua passagem à tutela da Região Autónoma da Madeira, com vista à instalação de instituições culturais e de apoio às atividades do turismo, nomeadamente os fortes do Ilhéu, de S. Tiago e do Pico, no Funchal, e o Amparo de S. João, no Machico (Arquitetura militar).   Rui Carita (atualizado a 07.12.2017)

Arquitetura História Militar Património