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juiz de fora

O juiz de fora esteve presente na orgânica administrativa insular entre 1645 e 1834, na qualidade de presidente da Câmara Municipal do Funchal. Era um funcionário integrado na administração periférica da Coroa; a sua ida para a Ilha ter-se-ia justificado com a necessidade de implementar uma melhor administração da justiça e de presidir ao município sediado no mais importante centro urbano do arquipélago da Madeira. O juiz de fora teria de ser, necessariamente, um indivíduo letrado, com título de bacharel em Direito romano pela Universidade de Coimbra, e era designado pelo Rei para exercer um mandato com a duração de três anos, o qual poderia ser prorrogado por vontade régia. Por norma, essa nomeação ocorria na sequência da aprovação num exame promovido pelo Desembargo do Paço, destinado a aferir as capacidades dos candidatos para o exercício de uma determinada função no âmbito da magistratura régia. Chegado ao Funchal, o juiz de fora deveria apresentar, junto da Câmara Municipal, o documento de que constava a sua nomeação, para que deste ficasse registo no tombo adequado. De seguida, comparecia perante a vereação funchalense e demais autoridades, para o protocolar ato de juramento e posse que se realizava nas instalações camarárias. O juiz de fora auferia de um ordenado, com os respetivos próis e percalços, e de uma aposentadoria, no valor de 20$000 réis, paga pelos rendimentos do município do Funchal. Tinha, de igual modo, a faculdade de cobrar 4$000 réis pela realização das eleições municipais. A jurisdição do juiz de fora compreendia, de acordo com o “Título LXV” do “Livro I” das Ordenações Filipinas: o despacho, em audiência, de casos de injúrias verbais ou de agressões entre moradores; o despacho, em audiência, de contendas relativas a bens móveis ou de raiz; a aplicação de penas aos réus; a realização de devassas sobre os crimes cometidos; a defesa da jurisdição do Rei contra eventuais abusos perpetrados por eclesiásticos ou leigos; a fiscalização da atuação dos oficiais municipais. O juiz de fora não estava sujeito à inquirição do corregedor da comarca, contrariamente ao que sucedia com os demais membros do município. Como juiz de primeira instância nas causas cíveis e crimes, cabia-lhe zelar pela aplicação do direito oficial e régio. Servia o cargo de provedor da Fazenda dos defuntos e ausentes e tinha poder para agir no âmbito do juízo dos órfãos, em caso de suspeita de atuação irregular por parte dos seus titulares. Para além deste vasto conjunto de atribuições, desempenhava o cargo de juiz conservador da Companhia Geral do Comércio do Brasil, em virtude de muitas embarcações fazerem escala no Funchal para se abastecerem de vinho, e o de auditor da gente da guerra. Na sequência da expulsão da Companhia de Jesus, em 1760, o juiz de fora ficou encarregue da administração de todos os bens e rendas, confiscados em nome do Rei pelas autoridades insulares, que aquela ordem possuía na Madeira. A atuação do juiz de fora foi visível sobretudo no contexto da presidência da Câmara do Funchal. Foi uma presença regular nas reuniões da vereação e destacou-se por ser o responsável pela realização das eleições municipais, pela elaboração da pauta eleitoral e pelo respetivo envio para o Desembargo do Paço. De igual modo, foi a entidade portadora do conhecimento sobre o direito oficial e letrado e a responsável pela sua divulgação junto da vereação funchalense. A necessidade da presença deste magistrado era sentida pelos próprios membros da Câmara do Funchal, conscientes das suas limitações no exercício adequado da justiça, em virtude das relações de parentesco e amizade existentes entre os habitantes, uma realidade suscitadora de inúmeras queixas das partes litigantes. Em 1762, nomeadamente, estando o lugar de juiz de fora sem provimento, a vereação apelou ao Monarca para que mandasse para o Funchal um magistrado versado e douto na prática forense, em razão dos muitos e intrincados pleitos que existiam naquela cidade. Auxiliar jurídico de importância reconhecida pela vereação funchalense, o juiz de fora só saiu da orgânica administrativa municipal em 1834. Com efeito, a cerimónia de juramento da Rainha D. Maria I e da Carta Constitucional, numa reunião extraordinária do município funchalense em 6 de junho de 1834, representou o último ato institucional do juiz de fora. Com a implantação definitiva do Liberalismo, o município deixou de ter qualquer competência no âmbito da administração da justiça em primeira instância, conforme tivera até então. O estabelecimento de uma nova organização judicial, programado pelo poder central logo em 1834, seria uma das importantes consequências da nova divisão territorial implementada em 1835. [table id=100 /]   Ana Madalena Trigo de Sousa (atualizado a 26.12.2015)

Direito e Política História Política e Institucional

impostos e direitos

É a principal fonte de receita do Estado. É uma das formas de o Estado fazer face à despesa pública. Incidem sobre o património, a renda e o consumo, de que resulta a designação de diretos, para os dois primeiros, e de indiretos para o último. De acordo com a distribuição da taxa ou quota, podemos, também, defini-los como de capitação, soma fixa, contingente ou repartição. Atente-se às designações: por um lado, temos a indicação de direitos, que aparece com frequência no período senhorial, que vai até 1497, e que define os privilégios que o senhorio tem sobre os colonos pelo facto de possuir determinada jurisdição. Já o imposto nos remete para a ideia de algo que é posto por força da autoridade. A lista de tributações que onerava o arquipélago é extensa e estas aparecem sob múltiplas designações ao longo do tempo. Assim, temos: contribuições − contribuição sumptuária, contribuição sobre as rendas de casa, contribuição predial, contribuição para a segurança social, contribuição pessoal, contribuição pessoal e única, contribuição industrial de seguros, contribuição para o fundo de desemprego, contribuição extraordinária para as estradas, contribuição industrial, contribuição de registo sobre transmissões a título gratuito, contribuição especial, contribuição autárquica, contribuição de juros, contribuição de registo ou de registo sobre transmissões a título oneroso, contribuição de registo sobre transmissões a título gratuito; impostos − imposto adicional (1882-1911), imposto automóvel, imposto complementar (1890-1911, 1928-1988), imposto de camionagem em transporte público de passageiros (1940-1986), imposto de capitais (1923-1988), impostos de chancelaria (1797-), imposto de circulação (-2007), imposto de compensação (1955-1990), imposto de consumo sobre bebidas alcoólicas (1985-), imposto de consumo sobre cerveja (1985-), imposto de consumo sobre o café (1986-1992), imposto de consumo sobre o tabaco (1986-), imposto de criados e cavalgaduras (1801-1860), imposto de estradas (1850-1860), imposto de jogo (1989-), imposto de justiça, imposto de mais-valias (1965-1988), imposto de pescado (-1970), imposto de produção relativo à industria extrativa de petróleos e minérios radioativos e afins (1970-), imposto de registo (1929-), imposto de rendimento (1880-1882), imposto de rendimento global (1922-), imposto de rendimento sobre juros (-1922), imposto de salvação nacional (1928-1941), imposto de 6 % sobre o pescado fresco (1843-), imposto de sisa, imposto de selo (1797-1988), imposto de selo sobre o património, imposto de selo sobre as especialidades farmacêuticas (-1984), imposto do selo sobre os produtos de perfumaria e de toucador (-1966), imposto do selo sobre aguardente ou álcool provenientes da destilação de vinho, borras de vinho, bagaço de uvas e água-pé, de produção alheia (-1966), imposto do selo sobre as cartas de jogar (-1966), imposto de trabalho, imposto de transações (1966-1984), imposto de transações sobre as prestações de serviços (1966-1984), imposto de transmissão de propriedade (1838-1860), imposto de turismo (-1984), imposto de uso, porte e detenção de arma (1949-), IVA (1984-), imposto de valorização (1935-), imposto de viação (1860-1880), imposto do cadastro (1945-), imposto especial sobre motociclos, barcos de recreio e aeronaves (1983-1991), imposto especial sobre o consumo (1999-), imposto especial sobre o jogo (1994-), imposto especial sobre veículos ligeiros de passageiros e mistos (-1990), imposto extraordinário (1898-1911), imposto ferroviário (1951-1984), imposto geral sobre as transações (1922-1929), imposto interno de consumo (-1991), imposto mineiro e de águas minerais (1967-1998), imposto municipal de prestação de trabalho (-1979), IMI – imposto municipal sobre imóveis (2003-), IMT – imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (2003-), imposto para a amortização das notas do banco de Lisboa (1848-1860), imposto para a defesa e valorização do ultramar (1961-), imposto para o serviço nacional de bombeiros (1979-), imposto para o serviço de incêndios (1949-1988), imposto pessoal sobre o rendimento (1922-1928), imposto profissional (1929-1988), imposto sobre a indústria agrícola (1963-1988), imposto sobre a aplicação de capitais (1922-1988), impostos sobre a despesa, imposto sobre a industria agrícola (1963-1988), imposto sobre a produção de petróleo (1971-), imposto sobre a venda de veículos automóveis (1973-2007), imposto sobre as rendas de casa, imposto sobre sucessões e doações (1838-2003), imposto sobre as transmissões de propriedade (1838-1860), imposto sobre as transmissões a título puramente benéfico, imposto sobre boîtes, night clubs, discotecas, cabarets, dancings e locais noturnos congéneres (1983-1992), imposto sobre derivados do petróleo (1928-), imposto sobre minas (1927-1964), imposto sobre o açúcar, imposto sobre o álcool (1992-), imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas (1999-), imposto sobre o consumo (1867-), imposto sobre o consumo das bebidas alcoólicas (1993-), imposto sobre o consumo de bebidas engarrafadas e de gelados (-1966), imposto sobre o valor das transações (1922-1984), imposto sobre os lucros e fortunas (1920-), ISP – imposto sobre os produtos petrolíferos (1986-), imposto sobre veículos (1972-), imposto suplementar sobre os vencimentos (1941-), imposto sobre consumos supérfluo ou de luxo (1961-), impostos sobre o património, IRC – imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas (1988-), IRS – imposto sobre o rendimento de pessoas singulares (1988-), imposto sobre o rendimento global dos funcionários públicos (-1922), imposto sobre o rendimento pessoal global (1933-), imposto sobre o rendimento de capitais (1962-1988), imposto sobre os lucros excecionais ocasionados pelo estado de guerra (1942-), imposto sobre os prédios (1801-), imposto sobre o rendimento do petróleo (1971-1988), ISV – imposto sobre veículos (2007-), imposto sucessório (1870-2003), imposto suplementar (1940-1950), imposto suplementar sobre mercadorias importadas (1922-),; e taxas ou prestação pecuniária resultante de uma relação do contribuinte com o bem ou serviço público − custas judiciais, taxa burocrática, TCE – taxa de conservação dos esgotos, taxa de propriedade industrial, taxa de radiodifusão, taxa de salvação nacional, taxa municipal de transporte, taxa militar, taxa de regularização da situação militar, taxa social única. Também há impostos diretos e indiretos de acordo com a incidência. No grupo dos indiretos, a quota do imposto corresponde à razão direta dos produtos ou dos valores que o produto apresenta no mercado, incidindo sobre os valores permutados, pelo que as situações que estabelecem são passageiras e os valores incertos e invariáveis. São impostos indiretos: imposto de selo (1797-), contribuição pessoal (1860-1872), contribuição de rendas de casa (1872-1911), contribuição sumptuária (1872-1922), imposto de transações (1922-1929 e 1966-1987), taxa de salvação nacional (1928-1966) e imposto sobre o valor acrescentado (1987-). As leis n.º 64/77, de 26 de agosto e n.º 6791, de 20 de fevereiro, definem estes impostos como os que recaem sobre o consumo, onerando a utilização da riqueza ou do rendimento, estando neste grupo: IVA (imposto sobre o valor acrescentado), imposto sobre os produtos petrolíferos, imposto sobre os veículos, imposto sobre o tabaco, IUC (imposto único de circulação), IMT (imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis), imposto aduaneiro, imposto de selo, imposto automóvel, imposto sobre o consumo do tabaco, imposto sobre o consumo das bebidas alcoólicas, imposto sobre o álcool, imposto para o Serviço Nacional de Bombeiros. Deveremos considerar, ainda, os chamados direitos banais, resultantes do uso obrigatório de fornos, moinhos e lagares dos senhores mediante pagamento dos respetivos direitos de utilização. Com a Revolução Liberal, determinou-se a sua abolição, o que já havia acontecido em relação a alguns, por decreto de 20 de março de 1821, com expressão na Constituinte de 7 de abril de 1821. Outro decreto de 26 de abril de 1821 aboliu os serviços pessoais, os direitos banais e as prestações pagas pelos moradores de um lugar apenas em reconhecimento do senhorio, mas a abolição de todos estes só foi conseguida por lei de 22 de fevereiro de 1846. Com efeito, no início da ocupação da Madeira, o senhorio usufruía de direitos banais que passou para os capitães, por carta de doação. Na Carta de Doação da Capitania de Machico (1440), encontramos privilégios de fruição própria, como o domínio exclusivo dos moinhos exceto nos braçais, e a posse dos fornos de poia, exceto de fornalha para uso próprio e o exclusivo, sob condições da venda de sal. Já na Doação do Porto Santo (1446), são acrescentados direitos sobre serras de água e outros engenhos. Resquício disso é o Lg. dos Moinhos, no Funchal, onde o capitão detinha um conjunto de azenhas que se serviam da água da ribeira de Santa Luzia. O último moinho foi destruído em 1910. De acordo com as cartas de doação, os moinhos ficavam em poder dos capitães que cobravam a maquia, i.e., um alqueire em 12, sobre todos os que aí moessem cereais. Para além destes impostos de âmbito nacional, houve outros cuja incidência aconteceu apenas na Ilha, como foi o quarto/quinto/oitavo do açúcar, o imposto das estufas e da aguardente, a que se juntam alguns adicionais a diversos impostos, como forma de encontrar receitas para cobrir as despesas de instituições locais como a Junta Geral, a Junta Agrícola da Madeira e a Junta Autónoma das Obras do Porto do Funchal. Formas de arrecadação A forma da coleta dos direitos da Fazenda Real variava entre a perceção direta, a cargo de funcionários da Fazenda, e o arrendamento feito por particulares. No primeiro caso, procedia-se ao lançamento e à arrecadação, efetuados diretamente pelos serviços respetivos da Fazenda Real, enquanto no segundo se entregava esta coleta aos chamados arrendatários ou rendeiros que haviam feito os lanços e que se obrigavam ao pagamento do valor arrematado em quartéis. A arrematação era o ato que determinava e conferia ao arrematante o poder de arrecadação das rendas, em troca do pagamento de um valor fixo em prestações, conforme estabelece o contrato de arrendamento. Desta forma, a Fazenda Real assegurava, anualmente, os réditos necessários para a sua despesa, deixando de estar dependente das boas ou más cobranças dos direitos. Para além disso, não necessitava de sustentar uma logística para a cobrança, a arrecadação e o armazenamento dos produtos tributados. Na primeira metade do séc. XVI, os direitos sobre o açúcar e os direitos da Alfândega despertaram o interesse de diversos comerciantes, que intervieram no seu arrendamento. Para o efeito, foram constituídas várias sociedades, sendo de referir que para o período de 1506-1508, os quartos foram arrendados a Martim de Almeida, Fernão Alvares, Benoco Amador, Quirino Catanho, Álvaro Dias, Feducho Lamoroto, João Lombarda e Henrique Vamdura. No mesmo período, os direitos da Alfândega ficaram nas mãos de Martim de Almeida, Benoco Amador, Onésimo Castanho, Álvaro Dias, João Lombardo, Francisco Viola Maroto. Finalmente. Para o período de 1516-18, quer os direitos do açúcar, quer os da Alfândega, foram arrematados por uma sociedade composta por Simão Acciaioli, Lopo de Azevedo, Luís Dória, Benedito Morelli, António Spínola, Duarte Fernandes, Gonçalo Pires e Gregório Álvares. Este processo era realizado de forma anual, mas, em 1581, a Provedoria estabeleceu um contrato de seis anos com Manuel Duarte e Heitor Mendes para os referidos tributos, no que mereceu a reprovação das Câmaras. O rendeiro deveria proceder à entrega do valor estabelecido e satisfazer o valor correspondente à redízima das capitanias. Estes rendeiros deveriam entregar ao almoxarife os produtos e o dinheiro necessários para o pagamento das despesas dos ordenados, das tenças, das ordinárias e dos padrões de juro, conforme lista prévia de autorização estabelecida pelo provedor da Fazenda. Depois disto, os mesmos rendeiros deveriam proceder a duas entregas da quantia estabelecida em Lisboa, na segunda metade do séc. XVI à Casa da Mina, em datas fixas: no dia de S. João Baptista e no fim de dezembro. Quando os rendeiros não satisfaziam o valor estabelecido para o arrendamento, o provador intimava os cinco recebedores eleitos pela Câmara a executar os bens do arrendatário. O contrato estabelecia a obrigatoriedade de apresentação de fiança, que funcionava como garantia do seu pagamento. Quanto às miunças, o arrendamento era feito na Câmara, na presença do provedor da Fazenda, sendo a atividade controlada pelos recebedores da Câmara, com poderes para aceitar ou rejeitar os lanços. O anúncio do lançamento destas rendas fazia-se em praça pública, pelo pregoeiro. A partir do aparecimento da imprensa diária, passou a ter divulgação nos jornais. Em 10 de junho de 1854, um anúncio do delegado do Tesouro no Funchal, publicado no Seminário Oficial n.º 6, informava que estavam em praça, para arrematação, os dízimos do vinho, dos cereais, dos legumes e da fruta de espinho. Esta primeva forma de perceção dos direitos, que assentava no arrendamento foi definida nas Ordenações Afonsinas (liv. 1, tit. 3). Apenas os direitos das alfândegas eram cobrados por funcionários (liv. 2, tit. 50). Por alvará de 9 de maio de 1654, foi determinado que a cobrança da décima passasse a ser feita por comissões populares, ficando proibido o seu arrendamento, para, segundo se diz, “não se acrescentar moléstia aos povos”. A partir do séc. XVIII, com Montesquieu, ganhou expressão a forma de perceção direta, considerada como mais justa e feita sem opressão. Entre nós, estas ideias fazem-se sentir a partir da lei de 22 de dezembro de 1761: “proíbo que em tempo algum sejam contratados, ou arrendados d’aqui em diante os direitos [...] e que estes passem ao tesoureiro geral dos seus recebimentos.” De acordo com a mesma lei, o regime de contratos abrange o da Alfândega da ilha da Madeira. A lei não anula as situações anteriores e continuaram a coexistir situações de contratos, sendo de referir, para a Madeira, os contratos da Alfândega, dos 2 %, dos dízimos e miunças da ilha da Madeira. O decreto n.º 22 de 16 de maio, que estabeleceu a nova forma de administração da Fazenda, não interfere no sistema de arrecadação tributária, embora refira a necessidade de criação de recebedores gerais de província e concelhios. Todavia, a partir de então, é quase nula a representação da forma de arrendamento, que se resume ao subsídio literário, do tabaco, do sabão, real de água e dízimos. A cobrança dos impostos passa a estar a cargo dos recebedores de comarca. Reformas fiscais A lei de 22 de dezembro de 1762, que criou o Erário Régio, marca um dos momentos mais significativos da reforma fiscal do Antigo Regime, em que se estabeleceu, de forma clara, a centralização da contabilidade pública. A partir da Revolução de 1820, esboçaram-se mudanças no sistema tributário que a instabilidade política e a guerra civil não permitiram concretizar em plenitude. A Revolução Liberal de 1820 veio determinar uma nova atitude da administração fiscal e tributária: as contas passaram a ser publicadas e o governo foi obrigado a submeter às Cortes, para aprovação, o Orçamento e as contas. A Constituição de 1822 abriu caminho a uma mudança total da administração financeira. A reforma estabelecida passou por uma uniformização dos diversos tributos e uma adequada racionalização das receitas. A faculdade de lançar imposto passou do rei para as Cortes (art.124.º, II), que passaram a fixar os impostos e a despesa pública e a determinar todos os aspetos relacionados com as alterações do sistema (art. 103.º), ficando ao rei atribuída apenas a função de decretar a sua aplicação (art. 123.º). A mesma estabelecia as regras financeiras pelas quais se regia, de acordo com o novo sistema (arts. 224.º a 236.º). Consagraram-se os princípios da generalidade e igualdade tributária (art. 225.º), sendo os impostos lançados de forma proporcional aos rendimentos (arts. 216.º, 223.º, 228.º). O secretário de Estado dos Negócios da Fazenda (arts. 152.º, 227.º) ficava com o encargo de preparar o orçamento, que deveria ser submetido às Cortes. A nova Constituição, outorgada por D. Pedro IV a 19 de abril de 1826, reafirmava e reforçava as normas da administração fiscal e da fazenda, consagrando o princípio de que ninguém estava isento do pagamento de contribuições. A principal alteração aconteceu no Regime Constitucional, com a reforma de José Xavier Mouzinho da Silveira (1780-1849), ministro da Fazenda, de maio a junho de 1823 e de março de 1832 a janeiro de 1833. Os primeiros passos foram dados nos Açores, em 1832, com a publicação dos primeiros decretos, seguiu-se o resto do país, a partir de 1834. A sisa foi reduzida à transmissão onerosa de imóveis (dec. n.º 13, de 19 de abril), os direitos aduaneiros foram reformados (dec. n.º 14, de 20 de abril), os dízimos abolidos (dec. n.º 40, de 30 de julho), bem como os foros (dec. n.º 42, de 13 de agosto). Esta reforma provocou uma profunda alteração, com o fim do sistema fiscal senhorial e dos privilégios e exclusivos da Igreja. Ao Estado foi dada, a partir de então, a faculdade de estabelecer e arrecadar impostos. Entretanto, estabeleceram-se algumas alterações em alguns impostos, mas a política, até à instauração da república, foi quase sempre marcada pelo aumento da tributação, através de diversos adicionais aos impostos diretos e indiretos. A Constituição de 1838 voltou a afirmar a generalidade dos tributos (art. 24.º). Por outro lado, era a Câmara dos Deputados quem tinha poderes sobre os impostos (art. 54.º), enquanto as Cortes ficaram com a missão de os votar e de estabelecer o valor da receita e da despesa (art. 37.º), bem como da forma de pagamento da dívida pública e da venda dos bens nacionais. Previa-se, já, a criação de um Tribunal de Contas para verificar e liquidar as contas do Estado (art. 135.º). O ministro e secretário de Estado dos Negócios da Fazenda ficava obrigado a apresentar, anualmente, as contas e o Orçamento, nos primeiros 15 dias da legislatura (art. 136.º). A partir de 1851, com a estabilização do regime político, apostou-se em reformas globais do sistema fiscal, que foram, porém, acontecendo de forma espaçada, ao longo do tempo. No Ato Adicional de 1852, estabeleceu-se que os impostos eram votados apenas por um ano. Já a Constituição de 1911 era clara ao afirmar que ninguém era obrigado a pagar um imposto que não tivesse sido aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado. Até as taxas e os impostos locais deveriam passar pelo Congresso da República. A prática dos governos foi distinta e, por diversas vezes, tivemos a criação de imposto sem o beneplácito do Congresso. Sucedeu assim em 1832 e, posteriormente, na situação de instabilidade vivida entre 1917 e 1926. Até à instauração da república, a principal novidade fora o imposto de rendimento, criado em 1880, mas que teve vida efémera por força das convulsões populares que gerou. Em 1911, a República debateu-se com várias dificuldades de carácter financeiro que não permitiram encarar soluções – que só viriam a acontecer em 1922. A lei n.º 1368, de 21 de setembro de 1922, reformou o sistema fiscal, apostando na sua modernização, no sentido da tributação do rendimento real e da criação de um imposto geral de rendimento. Ao mesmo tempo, a necessidade de equilibrar as contas do Estado obrigou à criação de um adicional de 25 % e depois, em 1924, de 40 % sobre a contribuição predial rústica, a contribuição industrial e o imposto sobre a aplicação de capitais. Com o Governo da Ditadura Militar e do Estado Novo, tivemos a mais importante reforma fiscal, resultado dos trabalhos de uma comissão presidida por Oliveira Salazar. Essas reformas surtiram efeito a partir de 1928, com especial destaque para o período em que Salazar foi ministro das Finanças; no essencial, repuseram a situação de 1922, ajustando-se, obviamente, à conjuntura da guerra e do processo de desenvolvimento económico, o que conduziu ao aparecimento de novos impostos. Esta reforma foi posta em prática em função de três decretos – n.º 15.290, de 30 de março de 1928, n.º 15.466. de 14 de maio de 1928 e n.º 16.731, de 13 de abril de 1929 – e perdurou no tempo, chegando até 1963. Desta forma, a Constituição de 1933 não alterou significativamente a Constituição Liberal, acentuando o princípio de que nenhum cidadão está obrigado a pagar impostos que não tenham sido criados de acordo com a Constituição e aprovados pela Assembleia Nacional (art. 8º, n.º 16). A medida mais diferenciadora desta reforma diz respeito ao orçamento que assenta na Lei de Meios, autorizando a receita e despesa aprovada pela Assembleia Nacional e o Orçamento em si. No período de 1958 a 1965, houve nova reforma fiscal, ditando que a tributação passasse a ser feita sobre os rendimentos reais, da qual resultaram vários códigos publicados nos anos imediatos. Com o regime democrático, estabelecido em abril de 1974, a reforma fiscal só veio a acontecer na déc. de 80 do séc. XX, por força da entrada de Portugal na Comunidade Europeia, o que obrigou a uma harmonização fiscal comunitária. Em 1984, surgiu o IVA e, em 1988, o IRS e o IRC. A Constituição de 1976 determina que é a Assembleia da República que tem o poder de fazer as leis sobre o orçamento; ao governo era dada a faculdade de legislar nesta matéria apenas quanto à sua regulamentação. Por outro lado, todos os textos constitucionais consagram o princípio da igualdade de todos os cidadãos perante a lei fiscal. Um dos aspetos que se evidencia aqui é o da integração da Segurança Social no orçamento e da integração do plano e do orçamento. Com a revisão constitucional de 1982, deixou de existir a Lei do Orçamento e o Orçamento Geral do Estado, passando a existir unicamente o Orçamento de Estado. Entretanto, a Segurança Social, que tinha orçamento autónomo desde 1977, passa a estar integrada no Orçamento de Estado. Quanto ao sistema tributário, a Constituição de 1976 é clara relativamente à criação de imposto, que só pode acontecer por lei da mesma. Também a legalidade da sua cobrança depende de autorização anual, estabelecida na Lei do Orçamento. Quanto à forma da sua aplicação, releva-se os princípios da generalidade e igualdade. O imposto é entendido, ao mesmo tempo, como uma forma de suprir as necessidades de financiamento das despesas públicas e de repartir com justiça a riqueza e os rendimentos. O principal enfoque tributário incide sobre a proposta de criação de um imposto sobre o rendimento, a necessidade de proceder a uma unificação dos impostos que incidem sobre as empresas, e normativas acerca do imposto sobre as sucessões e doações e dos impostos que incidem sobre o consumo. Instituições Para assegurar este quadro de arrecadação e administração das receitas dos impostos, foram surgindo, ao longo do tempo, estruturas adequadas, algumas assumindo carácter particular nas ilhas, ajustando-se às condições locais e aos tributos cobrados, que em algumas situações, no caso dos que incidiam sobre as culturas e aproveitamento dos recursos, eram distintos dos do continente do reino. A criação dos almoxarifados acontece, na Madeira, com a criação das capitanias, existindo um para cada uma. A esta repartição competia a arrecadação dos direitos devidos ao duque e senhor da Ilha. A partir do séc. XVI, estão integrados na Provedoria da Fazenda Real. Entretanto, na déc. de 80, do séc. XV, o almoxarifado do Funchal foi desdobrado em almoxarifados da Alfândega e dos Quartos, para superintender os serviços da Alfândega e da arrecadação dos direitos sobre a produção de açúcar. O da Alfândega funcionava na dependência da Contadoria, com o intuito de coordenar o trânsito de entrada e saída de mercadorias, existindo um no Funchal e outro em Machico. Na déc. de 50 do séc. XVI, estes foram, de novo, unidos, passando a chamar-se almoxarifado da Alfândega e dos Quartos. Nos começos da centúria seguinte, o almoxarife foi extinto, sendo substituído pelo feitor. Na Madeira, foi criado, em 1467, para proceder ao processo de lançamento e arrecadação do tributo, o quarto (1467) e, depois, quinto (1516) que recaía sobre o açúcar. A partir de 1508, surgem as comarcas para a administração do lançamento e da arrecadação do quinto sobre o açúcar. Foram criadas cinco comarcas, sendo uma em Machico (Santa Cruz) e quatro no Funchal (Funchal, Ribeira Brava, Câmara de Lobos e Ponta de Sol). A Contadoria encarregava-se de arrecadar as rendas e de proceder aos pagamentos. A primeira referência de que dispomos ao cargo de contador data de 1470, pelo que este organismo terá sido criado pelo senhor da Ilha, o infante D. Fernando, na déc. de 60. Tinha a superintendência dos almoxarifados, um para cada capitania. As Alfândegas, criadas posteriormente, estarão também sob a sua supervisão. Aliás, o contador do duque será também o juiz das Alfândegas. Com a reforma pombalina de 1761, foram criadas quatro contadorias com funções distintas. As Alfândegas foram criadas, na Madeira, por ordem de D. Beatriz, em 1477, como forma de combater a fuga aos direitos por parte dos madeirenses. Para o efeito, criou-se uma em cada capitania, mas foi a do Funchal que assumiu a função de primaz, a partir de 1509, passando a controlar todo o movimento de entradas e saídas. Entretanto, a partir de 1507, dá-se a criação de postos alfandegários em Ribeira Brava, Ponta de Sol, Calheta, Machico e Santa Cruz, como forma de facilitar a saída do açúcar produzido nestas localidades. Esta medida fora já autorizada por carta da infanta D. Beatriz, de 1483. Os dois últimos, Machico e Santa Cruz, foram extintos em 1515, para dar lugar à Alfândega de Santa Cruz. A partir de 1509, desaparecem todas as alfândegas e postos alfandegários fora do Funchal, passando a existir uma única Alfândega, com sede no Funchal, que centraliza todo o movimento de entrada e saída de mercadorias. Apenas Santa Cruz poderá, ainda, manter o despacho de mercadorias de exportação para Lisboa. Com D. Manuel, acontece uma profunda alteração na estrutura da Fazenda Régia, com o aparecimento da Provedoria da Real Fazenda do Funchal (1508-1755). A Provedoria era o órgão de cúpula de administração da Fazenda Régia na Ilha, com alçada sobre as capitanias do Funchal, de Machico e do Porto Santo; Francisco Álvares, que à data exercia o cargo de contador e juiz da Alfândega, foi nomeado provedor. A Provedoria da Fazenda superintendia a Alfândega, a Contadoria e exercia competência sobre os resíduos, os órfãos, as capelas e os concelhos. A Provedoria dependia do vedor da Fazenda e, a partir de 1591, do Conselho da Fazenda. Por resolução régia de 6 de abril de 1775, ordenou-se a substituição da Provedoria pela Junta da Real Fazenda. A Junta da Real Fazenda do Funchal (1775-1832) era presidida pelo governador e capitão-general, sendo composta pelos seguintes deputados: corregedor da comarca, juiz de fora, como procurador da Fazenda, um tesoureiro geral, eleito pela Junta, e um escrivão da Fazenda e da receita e despesa da Tesouraria Geral. Foi criada, também, a Contadoria Geral para uma adequada escrituração de todas as contas, de acordo com novas normas contabilísticas, a cargo de um contador geral, sob a supervisão de um deputado escrivão da Fazenda. A Junta da Real Fazenda do Funchal detinha a administração e arrecadação dos dinheiros e das rendas reais. Assim, a Contadoria Geral encarregava-se da arrecadação dessas rendas, nomeadamente a imposição do vinho e das estufas, enquanto ação do subsídio literário, e procedia à cobrança e administração dos dinheiros do subsídio literário; a repartição do Erário Régio superintendia todos os dinheiros das rendas reais da Ilha. A esta competia, através do Almoxarifado da Alfândega do Funchal, a arrecadação dos dinheiros e das dívidas que, ulteriormente, eram usados no pagamento dos ordenados aos militares, religiosos e demais oficiais régios, nas obras de fortificação e das igrejas, assim como nas suas alfaias e nos seus ornamentos. A Junta foi extinta com as demais existentes, no reino e nas províncias ultramarinas, pelos decs. n.os 22, de 16 de maio de 1832, e 65, de 28 de junho de 1833, mas, na Madeira, esta situação só aconteceu por decreto de 23 de junho de 1834, que a substituiu, interinamente, por uma Comissão. Durante o período de 1834 a 1843, a administração da Fazenda esteve a cargo desta Comissão Interina da Fazenda Pública da Província da Madeira e da Casa da Comissão Liquidatária das Dívidas de Estado no Distrito do Funchal. Estes serviços continuaram na superintendência do governador, adequando-se a nova estrutura administrativa a 7 de fevereiro de 1843, altura em que passaram para a Repartição de Fazenda do governo civil, em conformidade com as alterações estabelecidas pelo decreto de 12 de dezembro de 1842. Entretanto, foi criado, pelo dec. n.º 22, de 16 de maio de 1832, o cargo de recebedor geral, para superintender os negócios da Fazenda no distrito, o que se estendeu à Madeira em 1 de julho de 1835. Este passou a designar-se recebedor do distrito por decreto de 28 de julho de 1835. Por decreto de 12 de setembro de 1846, deu lugar ao de contador da Fazenda e, a 13 de dezembro de 1849, ao delegado do Tesouro. A Administração da Fazenda dos Distritos Administrativos foi criada por decreto de 10 de novembro de 1849, que estabeleceu a reforma da Fazenda Pública. Pelo regulamento de 28 de janeiro de 1850, estas repartições são separadas dos governos civis e ficam subordinadas ao delegado do Tesouro, que estava na dependência direta do Ministério da Fazenda.   Funcionários Às instituições supracitadas corresponde um quadro de funcionários que assumem diversos papéis na administração tributária. O almoxarife é o oficial do fisco, a quem estavam acometidas as tarefas de cobrar as rendas e proceder aos pagamentos. Com a doação das ilhas à Ordem de Cristo e a fundação das capitanias, o infante D. Henrique estabeleceu para cada uma delas um almoxarife, que tinha a seu cargo a administração dos direitos que eram devidos ao senhorio. Este era apoiado pelos chamados homens do almoxarifado, dois para cada almoxarifado. No período de arrendamento a particulares, deveremos apenas considerar o rendeiro, i.e., aquele que arremata as rendas. As rendas ou direitos eram arrecadados por rendeiros que as haviam arrematado através de lanços. Depois de lançada a renda, deveria conferir-se a seriedade dos credores e fiadores através de pregões, por nove dias, de forma a decidir-se pela arrematação. Concluído o processo da arrematação da renda, quer o rendeiro, quer os credores, ficavam com os seus bens cativos até ao momento em que saldassem o contrato. Terminado o contrato, e entregues todos os quartéis estabelecidos no ato do arrendamento, o almoxarife passava uma carta de quitação. Caso não tivesse acontecido a boa cobrança, a Fazenda Real mandava executar os bens do rendeiro, ou do seu fiador, até à sua total liquidação. De acordo com os Regimentos de 1516 e as Ordenações de 1521, quando arrematavam rendas superiores a 20$000, eram considerados rendeiros do rei e detinham privilégios especiais, sendo dispensados de servir na guerra e nas armadas, e não podendo ser presos, salvo em casos de homicídio ou de flagrante delito, durante o período de duração do contrato de renda. Devido aos problemas com a arrecadação das rendas, nomeadamente das sisas, eram autorizados a andar armados. Os estimadores estavam sob a alçada dos rendeiros do ramo dos direitos do açúcar. De acordo com a renda arrematada, temos o chamado rendeiro do verde, a quem competia arrecadar a renda do brabo ou do verde, proveniente do lançamento das coimas por incumprimento das posturas municipais e das ervagens, do corte de árvores e suas ramas. Para além disso, tinha a missão de salvaguarda das terras em face dos danos dos gados soltos. Nas suas obrigações incluía-se varrer a praça, em especial nos dias festivos, dar os ramos para o dia de Ramos e, no dia de Páscoa, apresentar uma dança das espadas. Após a sua eleição, o rendeiro devia prestar juramento e apresentar um fiador que se comprometesse, em caso de falha, a assegurar a renda arrematada; o fiador podia proceder à arrecadação da renda em caso de falta do rendeiro. Ao porteiro cabia proceder à cobrança das rendas dos foreiros; no entanto, quando surgiam pagadores mais renitentes, a decisão cabia à vereação, que mandava proceder contra os devedores. Foi, e.g., o que sucedeu com D. João de Herédia que, em 1681, devia ao concelho da Ponta de Sol 32$700, tendo sido intimado a pagar pelos oficiais camarários. O porteiro da Alfândega tinha à sua guarda o selo da Alfândega e as mercadorias que estavam depositadas nos armazéns da mesma. Na Capitania do Funchal, o cargo era acumulado com o de porteiro dos contos e do almoxarifado. O porteiro dos contos era o funcionário da Casa dos Contos, que tinha à sua guarda os livros dos contos, e que provia as diversas repartições do material necessário ao seu funcionamento. Acumulava as funções de porteiro da Alfândega, selador dos panos e porteiro do Almoxarifado. O porteiro das sisas, como o nome indica, era o funcionário que tinha por função executar as sisas. Alealdadores eram aqueles que procediam ao alealdamento do açúcar nos engenhos, uma operação de fiscalização destinada a atestar a qualidade de fabrico do produto. Eram eleitos, anualmente, pelo Senado da Câmara. Ainda, em 1505, D. Manuel estabeleceu que os canaviais dos estimadores deveriam ser avaliados pelos antecessores no cargo. O contador era o funcionário que presidia à contadoria, competindo-lhe defender os interesses reais. Era o oficial do topo da Fazenda senhorial na Ilha e tinha sob a sua alçada o almoxarife e o escrivão. Tal como o almoxarife, era nomeado pelo duque. De acordo com estas obrigações, os contadores procediam, em janeiro, às arrematações das rendas, providenciando o envio do caderno dos registos aos vedores da Fazenda até finais do mês. Deviam deslocar-se ao reino para prestar contas, sendo substituídos por pessoas da sua confiança. Na ilha da Madeira, a primeira indicação da presença deste cargo é de 1470, estando provido Diogo Afonso, que passou a acumular com o de juiz da Alfândega a partir de 1477. Em 1498, exercia o cargo Francisco Álvares que, na sua ausência em Lisboa, foi substituído por João Roiz Parada. Em 1508, com a criação da Provedoria da Fazenda, o contador passa a acumular o cargo de provedor, passando a designar-se provedor da Fazenda. Com a reforma pombalina da Fazenda, em 1761, foram criadas quatro contadorias no Erário Régio, cada uma presidida por um contador geral. Este estava obrigado a entregar ao tesoureiro-mor dois balanços anuais das contas, de acordo com o sistema das partidas dobradas, um a 10 de janeiro e outro a 10 de julho. Com a reforma liberal, aparece a figura do contador de Fazenda, nomeado pelo Rei, sob proposta do Conselho de Estado, que tinha como missão superintender a Contadoria Geral. Para a Madeira, pela resolução régia de 6 de abril de 1775, foi estabelecida uma Contadoria Geral sob a inspeção do deputado escrivão da Fazenda, a cargo de um contador geral, para escrituração das contas. Este cargo foi mudando de designação em consonância com as reformas tributárias. A Constituição de 1822 estabelecia, para cada distrito, um contador de Fazenda, de nomeação régia, para superintender, nos distritos, os serviços da Contadoria da Fazenda. O cargo foi criado por decreto de 12 de setembro de 1836. O provedor da Fazenda tinha atribuições e posição semelhantes ao ouvidor-mor, que perdeu essa qualidade a partir de 1478. Em 1508, com a criação da Provedoria da Fazenda no Funchal, o então contador Francisco Álvares passa a acumular com o cargo de juiz da Alfândega e provedor, passando a designar-se provedor da Fazenda. Competia-lhe, também, a supervisão do arrendamento dos direitos reais e da sua cobrança e os pagamentos feitos pelo almoxarife, tendo como subalternos um escrivão e um porteiro. Encontrava-se, igualmente, na sua alçada a resolução de alguns pleitos relacionados com o processo de arrendamento das rendas da Alfândega até ao valor de 2$000. De acordo com o Regimento de 1550, deveria superintender o processo de arrecadação dos direitos do açúcar, proceder ao arrendamento das miunças, elaborar a folha de pagamento de ordenados, côngruas, tenças e padrões, por onde o almoxarife deveria proceder aos pagamentos, e examinar os livros de contas de receita e despesa dos almoxarifes e recebedores. Feita esta conferência, o provedor passava aos almoxarifes e recebedores a quitação do seu recebimento pelo vedor da Fazenda, em Lisboa. Também a partir de então, o cargo perde o carácter patrimonial e passa a ser ocupado em regime de comissão de serviço. Esta situação resultou dos abusos cometidos por Simão Esmeraldo, que conduziram a uma reclamação da Câmara do Funchal, em 1542. Desta forma, em 1554, a Coroa enviou à Ilha o doutor Pedro Fernandes, na qualidade de juiz de fora e provedor e juiz da Alfândega. Mas esta situação excecional deixou de ser possível passados oito anos, uma vez que a Coroa, em 1562, proibiu a acumulação, pelo juiz de fora, dos cargos de provedor e juiz da Alfândega, sendo o licenciado Lourenço Correia o último a acumular estas funções, por provimento de 1559. Em 1582, com a nomeação do licenciado João Leitão para o cargo, a Coroa filipina associou-o ao de corregedor. Mas em 1606, com a nomeação do novo provedor da Fazenda, Manuel de Araújo de Carvalho, volta-se à separação dos cargos. O provedor é o interlocutor direto na Ilha, dos vedores da Fazenda e, depois de 1581, no Conselho da Fazenda. De acordo com informação de 1768, sabemos que este continuava a servir de vedor da Fazenda na ausência do seu proprietário ou seu ouvidor. Por feitor da Alfândega, entende-se aquele que a administrava e que veio substituir o almoxarife, tendo a seu cargo a coordenação do serviço de vigilância das atividades da Alfândega, como sejam o despacho das mercadorias e a cobrança da dízima de entrada e saída. Ainda, a partir de 1550, o feitor da Alfândega do Funchal tinha a função de mandar confecionar as conservas para guarda-reposte do Rei e o despacho do açúcar dos direitos reais na Ilha. Por alvará de 2 de julho de 1550, o Rei enviou João Simão de Sousa ao Funchal, com a função de feitor da Alfândega do Funchal, para tratar de assuntos deste serviço, com poderes de despacho com o juiz dos feitos da Fazenda. Era coadjuvado por um escrivão. Na segunda metade do séc. XVI, a Alfândega do Funchal apresentava dois feitores, enquanto a de Santa Cruz tinha apenas um. A primeira referência documental a este cargo surge apenas em 1532, relativamente à Alfândega do Funchal. Papel fundamental tinha o escrivão, pois dele dependia a escrituração das contas. Também aqui vamos encontrar uma variedade de designações, de acordo com a instituição ou atividade. Assim tivemos o escrivão da Alfândega, que escriturava todos os registos. No séc. XVI, a Alfândega do Funchal dispunha de dois, sendo um encarregado do registo dos despachos de entrada e o outro de saída. Acumulavam funções na Alfândega de Santa Cruz. O escrivão do almoxarife era o oficial subalterno do almoxarife que procedia ao lançamento em livro das rendas. O escrivão do contador era o oficial subalterno do contador que tinha por função lançar as contas; quando o contador acumulava as funções de juiz de Alfândega, este era também escrivão do juiz da Alfândega. O escrivão da Fazenda e contos era o funcionário da Provedoria da Fazenda, subalterno do provedor, que assistia aos despachos, emitia os mandados de pagamento despachados pelo provedor, e registava as provisões régias sobre os pagamentos e outros assuntos da Fazenda no livro do registo dos contos; este oficial acumulava, desde 1521, as funções do escrivão das execuções. O soldo era de 6$407 reais em dinheiro e emolumentos, devidos pelos mandatos de pagamento. O escrivão da renda da imposição tinha por função escriturar as rendas da imposição, i.e., os direitos pagos pela venda do vinho em público nas tabernas. O escrivão da ribeira tinha por função, a partir de 1513, fazer o registo de todos os bens que não passavam pela Casa da Alfândega; tinha despacho na ribeira ou calhau. O escrivão das execuções tinha funções acumuladas pelo escrivão da Fazenda e contos. O escrivão das sisas realizava o registo de todos os atos relacionados com o tributo, como da repartição do cabeção e, no caso de não estar encabeçado, todas as transações sujeitas a sisa. O escrivão do almoxarifado da Alfândega e quintos era o funcionário subalterno do almoxarifado que auxiliava o almoxarife em todas as operações do expediente; era ele quem fazia o registo de todo o movimento financeiro, das provisões régias que determinavam os pagamentos, nos livros de receita e despesa, e passava os conhecimentos de quitação dos pagamentos realizados. No Almoxarifado de Machico, acumulava as funções do escrivão dos quintos; estava associado ao quintador, correspondendo, igualmente, um a cada, pelo que houve quatro no Funchal e um em Santa Cruz. Deveria estar presente no processo de arrecadação dos direitos do açúcar para lançar, em livro próprio, as quantidades e qualidades entregues pelo lavrador ao quintador. O escrivão das pipas de vinho para o donativo vem referenciado, em 1647, na lista de funcionários do município do Funchal, tendo a função de lançamento das pipas relacionadas com o donativo de guerra. A execução das dívidas competia ao alcaide, que poderia designar-se de acordo com a sua esfera de ação. Assim o alcaide das sisas era o oficial que tinha por missão executar as dívidas das sisas. O alcaide do mar tinha como missão coordenar o serviço marítimo de carga e descarga das mercadorias, de forma a evitar qualquer extravio. Em Machico, existiram dois com estas funções sendo um para a sede da capitania e outro para a vila de Santa Cruz. Na primeira localidade, o mesmo acumulava as funções de guarda da ribeira. O procurador da Fazenda ou solicitador da Fazenda era o oficial da Fazenda que tinha o encargo de proceder à arrecadação das dívidas à Fazenda Real. Em 26 de novembro de 1561, Fernão Lopes foi nomeado para este cargo. Era apoiado, nas suas funções de execução das dívidas, pelo alcaide do mar e pelo inquiridor dos feitos da Alfândega. Em algumas situações, temos a nomeação de solicitadores para missões específicas de cobrança de dívidas, como sucedeu, em 1558, com Manuel de Figueiró, a quem foi atribuída a missão de proceder à cobrança das dívidas não satisfeitas ao almoxarife Simão Rodrigues. Em 1573, o mesmo foi nomeado executor de todas as dívidas da Madeira. Para proceder à execução das dívidas, o executor deveria notificar os devedores e colocar os seus bens em execução, através de pregão público. Passados os 30 dias, se não houvesse nenhum lanço, o executor atribuía um valor ao produto em causa, e este passava a fazer parte dos próprios da Coroa. Ao procurador dos feitos da Fazenda competia a defesa dos interesses da Fazenda Real em todas as situações de contencioso sobre os direitos reais. Desta forma, estava informado sobre os feitos que corriam com o provedor da Fazenda, o vedor e o juiz da Alfândega. Deveria ser licenciado. Com a mesma alçada, temos ainda outros funcionários, como o juiz da Alfândega, que superintendia a administração da Alfândega. Encontramos o Regimento para estes cargos em Lisboa (1520) e no Porto (1535). Na Madeira, este cargo aparece em 1477, com a criação das Alfândegas, sendo exercido pelo contador do duque, pelo que era acumulado pelo mesmo. A ele competia, não só o julgamento dos casos sobre a administração da Fazenda, como a coordenação da ação dos oficiais da repartição, estabelecendo o horário de serviço e os produtos que podiam ser despachados, no calhau, sob a sua supervisão. A partir do séc. XVI, esta função de despacho passa para o feitor, que assume a função de coordenação e supervisão das questões ou pleitos que envolvam a Alfândega. Existiram dois: um para cada Alfândega da Ilha, apenas a partir de 1563, altura em que foi provido o primeiro juiz da de Santa Cruz sendo, até então, o cargo acumulado com o do Funchal. Todavia, em meados do séc. XVI, o do Funchal acumulava as funções com o de Machico, separando-se, a partir de 1563, com a nomeação de Tomé Alvares Usadamar. O juiz da imposição do vinho tinha o encargo de julgar as causas relacionadas com a imposição do vinho, um direito lançado para as despesas de funcionamento das câmaras municipais. O juiz das sisas, encarregado de julgar os feitos relacionados com o rendeiro ou recebedor das sisas e era eleito pela câmara para mandatos trienais. Tinha ao seu serviço um escrivão. Para a Madeira, temos referência a alguns cargos específicos, como o estimador, o quintador e o arrieiro-mor. O estimador do açúcar ou avaliador era aquele que procedia à estimativa ou avaliação da produção dos canaviais para, sobre a mesma, ser lançado o tributo. O ofício foi criado em 1467, sendo quatro o número de postos, em que se incluía o escrivão do Almoxarifado. Com a reforma do sistema de tributação de 1515, este cargo foi extinto pois a cobrança do quinto do açúcar deixou de estar baseada no estimo. Os estimadores eram eleitos pela vereação, de entre a lista de homens bons do concelho, para um período de três anos, devendo ser confirmados pelo senhor da Ilha. Recebida a confirmação, deveriam prestar juramento em Câmara, na presença do contador. No estimo de 1494, refere-se um João Adão, com a indicação de estimador por parte do povo e Martim Gomes, escrivão e estimador por parte do duque. A partir de 1495, a sua indicação passou a ser feita por sorteio, com o método dos pelouros. Os eleitos eram residentes na localidade onde deveriam proceder ao estimo e atuavam em conjunto com o almoxarife e seu escrivão. Em casos em que fossem suspeitos de favorecerem alguns dos agricultores, o almoxarife podia substituí-los. O arrieiro-mor era o funcionário encarregado de conduzir os vinhos às tabernas. Era uma forma de controlo da venda do vinho em público, para se lançar a imposição deste produto. Este ofício ainda se mantinha em 1804, altura em que João Pombo solicitou a propriedade vitalícia do mesmo. O quintador ou recebedor dos quintos era o funcionário que arrecadava o quinto, criado em 1515, para substituir o quarto sobre os açúcares, que recaía sobre a produção dos engenhos. O quintador dispunha de um livro (livro dos quintos) onde lançava todo o movimento de arrecadação do imposto. Competia-lhe, ainda, passar os respetivos comprovativos de pagamento, documentos que permitiam a saída do açúcar do engenho e que deveriam ser apresentado na Alfândega no momento de saída, ficando depois arquivados na Casa dos Contos, com acesso limitado ao provedor da Fazenda, ao almoxarife e ao feitor da Alfândega. No início, estes eram escolhidos pelos oficiais régios de entre os moradores e não tinham carta de ofício; depois, passaram a ser providos por carta régia. Pedro Fernandes teve nomeação régia para o cargo em 1545, funções que já exercia há 12 anos. O seu número era equivalente em Machico. No séc. XVI, na Calheta, existiu um regime especial em que um oficial régio e um morador se substituíam, de forma trienal, no exercício do cargo. Para cada uma das antigas comarcas – Funchal, Calheta, Ribeira Brava, Ponta de Sol e Santa Cruz – era provido um quintador. Nas primeiras localidades, era apoiado por um escrivão. Ambos tinham de soldo um moio de trigo por ano. O seu provimento manteve-se no séc. XVII, mesmo com a produção reduzida ou sem qualquer significado comercial. Nos sécs. XVII e XVIII, manteve-se a mesma estrutura de arrecadação dos direitos da Coroa, mas adaptada à dimensão da cultura. Por mandado de 20 de dezembro de 1686, foi ordenada a extinção, a partir de 30 de julho, dos quintadores do açúcar de Santa Cruz, Ribeira Brava, Ponta de Sol e Calheta, pelo facto de a Ilha já não produzir açúcar. Mas cedo se reconheceu o erro de tal medida, uma vez que o açúcar continuou a produzir-se, ainda que em quantidades inferiores. O recebedor ou rendeiro é o funcionário que recebe as rendas. Há outros recebedores, relacionados com as instituições: o recebedor do almoxarife, oficial subalterno encarregado do recebimento das rendas e o recebedor da Fazenda dos distritos, criados por decreto de 24 de abril de 1836, com o objetivo de procederem à cobrança das receitas da Fazenda e enquadrados numa política que facilitasse a sua cobrança; o recebedor das alfândegas, que tinha o encargo de receber e arrecadar os direitos alfandegários; o recebedor dos direitos e das rendas do rei, que tinha o encargo de receber todos os direitos do rei; o recebedor dos contratadores das rendas, que era o funcionário encarregado pelos contratadores das rendas de proceder à sua arrecadação; beneficiavam da mesma jurisdição que estava acometida aos almoxarifes, podendo o cargo referir-se a uma renda específica – daí o recebedor da imposição, que tinha o encargo de receber e arrecadar o dinheiro da imposição do vinho, e o recebedor da miunça, ou carreteiro, que recebia o dízimo ou miunça e o transportava ao local de recolha. Em caso de contrato de arrendamento, era apresentado pelos rendeiros ao provedor da Fazenda, perante o qual prestava juramento; noutras circunstâncias, era nomeado pelo próprio provedor. Para além disso, deveria dar conta ao escrivão dos quintos da recebedoria da sua área, em relação aos produtos arrecadados e seus proprietários. A Fazenda Real tinha celeiros e adegas para a recolha dos cereais e do vinho, de onde procedia à sua distribuição, de acordo com as ordinárias estabelecidas por alvará régio, em género. Muitas vezes, os clérigos recebiam as suas ordinárias na terra. No caso em que a sua arrecadação era feita por rendeiros, esta função de redistribuição das ordinárias da lista era desempenhada pelo próprio rendeiro. Por fim, o recebedor da sisa tinha o encargo de receber e arrecadar as sisas.   Documentação e Impostos A 14 de julho de 1836, o Palácio da Inquisição ao Rossio, edifício onde estava instalada a Junta de Juros e a Contadoria do Tribunal do Tesouro, foi alvo de um incêndio que destruiu toda a documentação, tendo sido esta, depois, transferida para o Palácio dos Almadas, também no Rossio. O dec.-lei n.º 28.187, de 17 de novembro de 1937, criou o Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, que teve como fundo principal toda a documentação existente na Direcção-Geral da Fazenda Pública, proveniente de diversos serviços, extintos em 1934, da secretaria geral do Ministério dos Negócios da Fazenda, dos Cartórios da extinta Casa Real e das Companhias Geral, de Comércio e Navegação para o Brasil, a Índia e Macau. Com a sua extinção, pelo dec.-lei n.º 106-G/92, de 1 de junho, o acervo foi integrado nos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo. A cultura contabilística em Portugal foi muito precária, atingindo, de forma particular, as políticas arquivísticas de preservação de fundos documentais a ela ligados. Olhando aos espólios disponibilizados pelos arquivos públicos, nota-se esta pouca atenção e uma insuficiente preservação do património documental relacionado com a atividade financeira e contabilística do Estado e das instituições públicas. A documentação da Provedoria da Fazenda do Funchal (1508-1775) e da Junta da Real Fazenda do Funchal (1775-1832), um dos principais suportes para este tipo de informação, é muito incompleta. A documentação deste núcleo é posterior a 1640, com particular incidência para o período que vai de meados do séc. XVIII ao fim desta instituição, em 1834. Mesmo assim, as disponibilidades documentais são limitadas. Assim, para os rendimentos globais, a informação é mais completa a partir das últimas décadas do séc. XVIII. Quanto aos diferentes impostos cobrados e sob a sua administração, o panorama é idêntico. Há informação sobre os direitos do açúcar (1600, 1689-1766), para um período em que o mesmo tem uma importância relativa. Dos demais tributos, temos a assinalar apenas: bula da santa cruzada (1611), dízimos (1766-1768, 1775-1833), dízima (1768-1773, 1775-1838), décimas (1809-1833), novos direitos (1649-1833), papel selado (1803-1825), selo (1810-1834), sisa (1810-1842), subsídio literário (1776-1834) e 4,5 % da imposição da carne (1775-1842). Das alfândegas da Ilha, aquilo que resta da documentação prende-se com a do Funchal e é ainda mais incompleto. Na Torre do Tombo, estão os documentos recolhidos no séc. XIX, que vão até ao ano de 1834; no Arquivo Regional da Madeira, está disponível a documentação posterior a esta data e até 1970, recolhida entre 1951 e 1975. A Alfândega do Funchal apresentava, por força da atividade de exportação do açúcar e do vinho, uma receita significativa no quadro das alfândegas nacionais. Mas a informação sobre os direitos de entrada e saída da mesma, a principal receita da instituição e da Ilha, aparece de forma lacunar desde 1650. Para o período anterior, e que medeia entre a sua criação em 1477 e esta centúria, faltam dados. Temos dados avulsos para os anos de 1505, 1506, 1523-1524. Atente-se ao facto de que, para o período áureo do açúcar, não dispomos de documentação que permita com exatidão asseverar o rendimento do senhorio e da Coroa; para além desta ausência dos registos da receita de entrada e saída, não dispomos de informação capaz para saber da importância do rendimento com outras cobranças de direitos, nomeadamente o quarto (1467), o quinto (1515) e o oitavo (1675). Faltam, ainda, registos e documentos importantes das instituições mais recentes, como a Junta Geral do Funchal (1832-1895, 1901-1976), não dispondo os arquivos da Região de todos os orçamentos e contas, e.g.. É evidente uma indisciplina financeira, uma confusão e falta de eficácia tributária, com inúmeros tributos, taxas e impostos, muitos dos quais nunca foram cobrados, a que se soma a incúria na preservação da documentação. O panorama é deveras desolador e torna quase impossível um trabalho, no âmbito da história financeira para os sécs. XV a XVIII, um dos períodos mais pujantes da economia madeirense. Para além disso, é notória uma disparidade dos dados financeiros apresentados nas publicações e nos documentos das várias entidades. A primeira questão prende-se com a deficiente cultura contabilística que sempre existiu. Por outro lado, as informações estatísticas só permitem seriações a partir do séc. XIX e, mesmo nesta centúria, os dados são, muitas vezes, escassos. No que diz respeito ao período até ao séc. XIX, as lacunas são imensas. No que diz respeito aos séculos anteriores a XIX, como referimos, os dados são avulsos e não permitem as necessárias seriações. Até à altura em que foi criado o Erário Régio, em 1761, carecemos de uma contabilidade centralizada, para além de não dispormos de orçamentos ou cômputos, quer da receita, da despesa ou da dívida pública. Faltam os livros dos contadores da Provedoria da Fazenda, os registos completos da Alfândega. No caso da despesa, são de significativa importância os orçamentos do Estado a partir de 1834, que, embora estivessem já estabelecidos na Constituição Liberal de 1822, só tiveram execução a partir desta data. Entretanto, os dados estatísticos são posteriores, uma vez que, só a partir de 1875, temos a informação oficial através do Anuário Estatístico. Recorde-se que o Instituto Nacional de Estatística só foi fundado em 1935, embora seja evidente, a partir de 1836, uma preocupação das estruturas de poder central no sentido da recolha de informação estatística. Deste modo, em 1836, surgiu, no Ministério do Reino, o primeiro serviço oficial de estatística, que ficou conhecido como Comissão Permanente de Estatística e Cadastro do Reino. Também o Código Administrativo de Passos Manuel, publicado no mesmo ano, impunha a todas as autoridades dos distritos a recolha deste tipo de informação. O Código de Costa Cabral (1842) segue as mesmas orientações, atribuindo aos governadores civis responsabilidade quanto ao cadastro e à estatística dos distritos. Em 1857, foi criada a Comissão Central de Estatística, que tinha como objetivo dirigir os vários níveis institucionais e centralizar a publicação de dados. Poucos anos depois, em 1859, foi criada a Repartição de Estatística do Ministério das Obras Públicas. Relativamente aos períodos anteriores, a informação disponível é, deste modo, avulsa.   Alberto Vieira (atualizado a 18.12.2017)

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orçamento

Análise da forma e da evolução dos orçamentos, tendo em consideração os nacionais e os locais, através da Junta Geral e do Governo Regional. Palavras-chave: Orçamento; Junta Geral; Governo Regional. O orçamento é a previsão da receita e despesa para o ano económico. É a partir da Lei do Orçamento, aprovada pelo Parlamento, que o Estado está autorizado a cobrar receitas e a efetuar as despesas. Os orçamentos são uma realidade recente, em termos de contabilidade, pois iniciam-se, formalmente, em Portugal, em 1533. No entanto, há quem aponte a sua existência a partir de 1473. Até então, não passavam de meros relatórios de contas realizados por um contador, sob a supervisão do vedor da Fazenda. Nos sécs. XVI e XVII, eram apenas registos de previsão da despesa realizados pelo vedor da Fazenda; tratava-se de documentos de carácter irregular, que só eram feitos mediante solicitação superior. No que diz respeito ao Reino, temos referências a documentos orçamentais dos anos de 1526, 1534, 1557, 1607 e 1619. Destes, podemos referir para o Estado da Índia os de 1574, 1581, 1588, 1588-90, 1607, 1609-12, 1620, 1635, 1680 e 1687. O orçamento e modelo de gestão orçamental que vigora no começo do séc. XXI, como ato jurídico, foi estabelecido na Constituição de 1822, mas só teve execução a partir de 1834. De acordo com a Constituição de 1822 (arts. 103 e 227), a Carta constitucional de 1826 (arts. 15, 136 e 138) e a Constituição de 1838 (art. 37, 54, 132 e 136), competia às Cortes determinar a despesa pública e os impostos a arrecadar, assim como fiscalizar a sua execução anual. O orçamento foi reformado pela Constituição de 1911 (art. 23, 26 e 54) estabelecendo-se, no art. 54, que deveria ser entregue ao Congresso, para discussão e apresentação, até ao dia 15 de janeiro. Mas nem sempre esta situação aconteceu, por força da instabilidade política que se viveu durante a Primeira República. Assim, entre 1918 e 1926, apenas dois foram aprovados e, ainda assim, com algum atraso. Nestas circunstâncias, recorria-se às Leis de Meios e aos duodécimos. Com a Constituição de 1933 – que surge como resultado do golpe militar de 1926 e da reforma fiscal apresentada por Salazar –, retira-se à Assembleia Nacional a capacidade de aprovar e fiscalizar o orçamento, que passa a ser elaborado e posto em execução pelo Governo. Desta forma, a Assembleia aprova uma Lei de Meios genérica e, ao Governo, fica a liberdade de estabelecer o Orçamento Geral do Estado, que será publicado sob a forma de decreto orçamental. Em algumas circunstâncias, a situação passa por uma norma legal que estabelece o orçamento do ano anterior, como aconteceu entre 1896 e 1910. São aqui referidos os anos económicos sem orçamento definitivo: o período de 1821-1836, 1838-39, 1840-41, 1842-43, 1843-44, 1844-45, 1847-48, 1851-52, 1856-57, 1858-59, 1859-60, 1861-62, 1862-63, 1865-66, 1868-69, 1869-70, 1870-71, 1871-72, 1879-80, 1905-06, 1906-07, 1910-11, 1919-20, 1920-21, 1921-22, 1924-25 e 1925-26. Nesta enumeração, deveremos diferenciar o orçamento das propostas governamentais e dos diplomas de aprovação do mesmo: as propostas governamentais de orçamento reportam-se a 1913-14, 1917-18, 1919-20, 1925-26, 1926-27 e 1936-347. De acordo com os preceitos constitucionais do Estado Novo, a aprovação do orçamento pelo Parlamento fazia-se através de uma lei, chamada Lei da Receita e da Despesa. Assim, o Parlamento deveria aprovar, antes do início do ano económico, o respetivo Orçamento, apresentado pelo Governo. Antes de o submeter à apreciação da Assembleia, o Governo deveria aprová-lo por decreto-lei. Com a Constituição de 1976, foi criada uma Lei do Orçamento de Estado, e o Governo tem de aprovar o Orçamento através de um decreto orçamental. Junta Geral da Madeira (1903-1976) Com a definição da autonomia distrital a partir de 1901 surgiu a figura institucional da Junta Geral, que gere o Governo do distrito do Funchal. Era esta junta que exercia a administração do espaço do arquipélago, mediante competências delegadas. Os orçamentos desta Junta Geral eram elaborados e propostos pela Comissão Distrital do Funchal para aprovação à Junta Geral na última sessão ordinária do ano civil, devendo entrar em execução a partir do dia 2 de janeiro do ano a que se reportavam. A não existência do mesmo na data era considerada motivo para a demissão da comissão que presidia à Junta. Os orçamentos das Juntas Gerais eram equiparados, em termos de contabilidade, aos orçamentos a que estavam obrigados os concelhos de primeira ordem (art. 33), isto é, os mais importantes no quadro da administração municipal. Esta ideia, determinada no Estatuto, implicava uma exigência em termos procedimentos contabilísticos. A lei n.º 88 de 1913 dedica o capítulo II aos orçamentos, onde estão definidas as regras da sua estrutura e elaboração, bem como dos tipos de orçamentos que a Junta pode elaborar: ordinários e suplementares. Os últimos acontecem apenas como resultado de alterações que sucedam no decurso da execução dos primeiros, não havendo qualquer limite quanto ao número dessas alterações. Esta situação e a transferência de verbas orçamentais eram autorizadas pelo governador civil, depois de ouvida a Comissão Distrital. Em termos de política orçamental, a comissão executiva da Junta apenas estava autorizada a proceder a transferências de verbas entre as diversas rubricas. O valor anual do orçamento era imutável, i.e., os orçamentos suplementares não aumentavam nem diminuíam o valor inicial atribuído à receita e à despesa, a não ser que ocorresse uma receita extraordinária e existisse a necessidade de aplicá-la. As principais fontes de receita da Junta Geral eram os impostos (impostos distritais, contribuições diretas e adicionais, imposto do vinho de estufa, imposto para hospitalização de alienados e socorros a náufragos, impostos sobre o açúcar, o álcool e a aguardente, imposto sobre os combustíveis, fundo de viação e turismo, contribuição predial, contribuição industrial, imposto sobre capitais, imposto sobre transações, imposto de camionagem, imposto profissional, imposto de trânsito, imposto de compensação, imposto do tabaco, imposto do selo, imposto de circulação, as cobranças estabelecidas no art. 1.º do dec.-lei n.º 34051 e no art. 2.º do dec--lei n.º 34051, bem como os emolumentos, as multas e taxas, as receitas de diversos serviços, o rendimento das levadas do Estado, os recebimentos para outras entidades, os subsídios, os empréstimos, as dívidas, os subsídios do fundo de desemprego e outras receitas. Devemos ainda assinalar, desde 1956, o adicional de 10 % sobre o imposto profissional, assim como diversos adicionais consignados a certas despesas. Assim, por despacho ministerial de 30 de dezembro de 1953, foi estabelecida uma taxa sobre a entrada e saída de mercadorias para a assistência distrital. A isto acrescentara-se, em 1933, as comparticipações de 50 % do fundo de Desemprego para as obras de utilidade pública. As principais despesas obrigatórias eram: os vencimentos do pessoal; as pensões de aposentação; os encargos de empréstimos; o pagamento de dívidas exigíveis; as despesas com os litígios; as despesas de dotação dos serviços distritais; a hospitalização de alienados. Ainda temos as despesas relacionadas com o funcionamento do Governo Civil, com as escolas do ensino liceal e técnico; com a delegação do Tribunal do Trabalho e Previdência; com o Tribunal do Trabalho; com a direção do distrito escolar; com o Arquivo Distrital; e as despesas de representação do presidente da Comissão e do Governo do distrito. Governo Regional da Madeira A Constituição de 1976 estabelece um regime híbrido entre a Constituição de 1933 e os anteriores textos constitucionais. Deste modo, ao Governo compete elaborar o orçamento, publicado por decreto-lei orçamental, enquanto à Assembleia compete aprovar a Lei do Orçamento. O plano de atividades, que fundamenta a despesa e que até então era apresentado de forma separada, passou a estar integrado no orçamento. Com a revisão constitucional de 1982, a Assembleia aprova o orçamento, e ao Governo compete executá-lo. Na revisão de 1989, a mudança mais significativa prende-se com o regime do plano de atividades. A integração de Portugal na União Europeia implicou alterações da política orçamental, nomeadamente a partir da assinatura do Tratado de Roma, a 7 de Fevereiro de 1992, que determinou a necessidade de convergência económica e financeira. Nesse quadro, releva-se a fiscalização, pela Comissão Distrital, da evolução da situação orçamental, designadamente no que concerne à dívida pública, que, suplantando os limites estabelecidos, implicava pesadas penalizações de carácter financeiro. O orçamento regional é elaborado, desde 1976, pelas regiões autónomas da Madeira e dos Açores. A elaboração e execução destes orçamentos baliza-se pelo Estatuto Administrativo da Região, a legislação de enquadramento do orçamento e das finanças regionais, o programa do Governo regional, o Quadro Comunitário de Apoio e o Orçamento Geral do Estado. De acordo com o primeiro Estatuto, dito provisório enquanto o definitivo não é elaborado pela Assembleia Regional da Madeira, a Região deve elaborar um orçamento e plano económico regional, a enquadrar no Orçamento do Estado, que deve ser submetido à aprovação da Assembleia Regional. Recorde-se que o orçamento regional começou por ser integrado no Orçamento do Estado, o que implicava que a sua plena execução estava sempre pendente do orçamento nacional. A proposta de orçamento é elaborada pela Secretaria Regional das Finanças, aprovada em plenário do Governo por resolução, assinada pelo presidente e pelo secretário das Finanças, e depois submetida à aprovação da Assembleia Regional, quer sob a forma de decreto regional (apenas nos anos de 1977-1978), quer passando depois a resolução desta Assembleia (a partir de 1979), dando lugar a decreto legislativo regional (desde 1988). A execução deste documento é definida por decreto regulamentar regional, sendo as alterações ao mesmo orçamento feitas através de decreto legislativo regional. A situação de dependência do orçamento regional em relação à aprovação do Orçamento Geral do Estado, por forças das verbas, consideradas de acordo com o princípio de solidariedade do Estatuto de 1976 (art. 56), conduzirá a que seja aprovado muitas vezes de forma tardia, como sucedeu entre 1977 e 1986. Até 1988, o orçamento, depois de aprovado pela Assembleia Regional e assinado pelo ministro da República, era remetido ao Governo da República para ser integrado no Orçamento do Estado. A partir desta data, com base no artigo n.º 22 da Constituição, o Governo Regional passou a submeter o orçamento à Assembleia Regional sob a forma de proposta de decreto legislativo regional, que, depois de aprovado pela Assembleia, era assinado pelo presidente da mesma e pelo ministro da República, sendo depois publicado em Diário da República. Esta fórmula era também seguida quanto aos programas e projetos plurianuais do Plano de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração da RAM. As alterações orçamentais, que até 1990 estavam sujeitas à apresentação e aprovação, pela Assembleia Regional, de um orçamento suplementar, deixam de existir (de acordo com o art. 20 do dec.-lei 40/83, de 13 de dezembro), estando o Governo autorizado a realizá-las, desde que não impliquem alteração na despesa, procedendo à sua publicação no Jornal Oficial da RAM. Em termos de execução orçamental, surgiram alguns instrumentos legislativos. A lei n.º 28/92 DR 201/92 Série I-A, de 1 de setembro, estabeleceu as regras referentes ao Orçamento da Região Autónoma da Madeira, os procedimentos para a sua elaboração, discussão, aprovação, execução, alteração e fiscalização, e a responsabilidade orçamental. Foi alterada pela lei n.º 53/93 DR 177/93 Série I-A, de 30 de julho. A lei n.º 91/2001, de enquadramento do Orçamento do Estado, estabelece “as disposições gerais e comuns de enquadramento dos orçamentos e contas de todo o setor público administrativo”. Assim, define “as regras e os procedimentos relativos à organização, elaboração, apresentação, discussão, votação, alteração e execução do Orçamento do Estado, incluindo o da segurança social, e a correspondente fiscalização e responsabilidade orçamental, e à organização, elaboração, apresentação, discussão e votação das contas do Estado, incluindo a da segurança social”. A orgânica da Direcção Regional de Orçamento e Contabilidade foi aprovada pelo dec. reg. n.º 21/93/M DR 157/93 Série I-B, de 7 de julho. A falta de controlo sobre o sistema tributário e a sua arrecadação, associada à insuficiência de recursos financeiros, por parte do Estado, para satisfazer as necessidades de funcionamento das instituições, nomeadamente dos setores da saúde e da educação, criou insistentes problemas de tesouraria às finanças regionais, obrigando a constantes recursos a empréstimos. Assim, as políticas orçamentais geraram conflitos entre os Governos regional e central. A isto associa-se, muitas vezes, a aprovação tardia do Orçamento Geral do Estado, mecanismo que estipula o valor anual das verbas correspondentes às transferências do Estado, que conduz a atrasos na aprovação do Orçamento regional, bem como na definição de políticas orçamentais. Os anos de 1985 e 1986 foram de particular significado para esta conjuntura de difícil execução orçamental, tendo levado à negociação de um programa de reequilíbrio financeiro com o Governo da República. Desta forma, pela resolução 9/86, de 16 de janeiro, o Governo mandatou o ministro da República e o ministro das Finanças para estabelecerem com o Governo Regional um programa de reequilíbrio financeiro da RAM, assinado a 26 de fevereiro de 1986. A 22 de setembro de 1989, houve novo programa de recuperação financeira, que vigorou até 31 de dezembro de 1997.   Alberto Vieira Eduardo Jesus (atualizado a 15.12.2017)

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pautas aduaneiras

As pautas aduaneiras podiam ser únicas ou múltiplas (ou seja, o objeto era alvo de uma tributação única ou variável, de acordo com a sua origem ou condições de importação), ou mistas. A partir da década de 30 do séc. XIX, ocorreram diversas alterações nas pautas, as quais foram apontadas por vários madeirenses como responsáveis pelas dificuldades comerciais do arquipélago. Palavras-chave: Alfândegas; Pautas.   As pautas aduaneiras eram tabelas de mercadorias, com as respetivas taxas de importação e exportação. Estas pautas podiam ser únicas ou múltiplas, ou seja, o objeto era alvo de uma tributação única ou variável, de acordo com a sua origem e as suas condições de importação. Havia, ainda, as chamadas pautas mistas, que contemplavam as duas situações. A necessidade da sua quase permanente adaptação às novas circunstâncias do mercado obrigou as autoridades a criarem comissões para a sua revisão. As alfândegas foram criadas na Madeira em 1477 e o seu funcionamento em termos de regulamentação das taxas foi estabelecido por regimentos (1499). Na documentação da antiga Alfândega do Funchal, existem: as avaliações de artigos de produção e indústria inglesa (1811); a Pauta Geral da Alfândega grande de Lisboa – impresso, cópia e emolumentos (1782-1836); e a Pauta Geral e inglesa para a avaliação das mercadorias (1834). A Pauta Geral da Alfândega era um documento onde se estabeleciam as normas precisas para avaliação dos géneros, sob o ponto de vista fiscal. Foi estabelecida em 1782, por D. Maria I, para a Alfândega de Lisboa, e tornou-se aplicável a todas as do reino, tendo-se mantido até 1832. Entretanto, em 1818, D. João VI, no Brasil, determinou, por alvará régio de 25 de abril, alterações aos direitos pagos nas Alfândegas de Portugal e do Brasil. O facto de as pautas terem sido estabelecidas, de forma geral, para o país, ignorando as especificidades, nomeadamente dos arquipélagos insulares, criou várias situações penalizadoras que fizeram levantar a voz dos insulares. O debate político local, nomeadamente após a revolução liberal, será muitas vezes alimentado em torno destas pautas e dos seus efeitos positivos ou negativos para a vida económica local, insistindo-se na necessidade de adaptações ou de uma pauta específica. Pelo dec. n.º 14, de 20 de abril de 1832, fez-se a reforma da Pauta Aduaneira, a que se seguiu outra, pelo dec. de 10 de Janeiro de 1837. A partir desta data, a Pauta passou a ser geral para todo o país, deixando de existir pautas específicas para cada Alfândega. É nítida uma intenção livre-cambista, mas a necessidade de receita impediu um maior progresso. A 4 de julho de 1835, foi criada uma comissão para proceder à revisão da Pauta. A nova Pauta entrou em vigor pelo decreto de 10 de janeiro de 1837. A Madeira não foi ouvida e apenas foram considerados os interesses da burguesia comercial do Porto e Lisboa. Por essa razão, a referida Pauta revelou-se danosa para as demais regiões, nomeadamente para a Madeira, tendo por isso merecido a contestação dos madeirenses, por permitir a entrada livre de vinhos e aguardentes do continente. Mesmo assim, alguns artigos considerados ruinosos para a Madeira foram suspensos pelas Cortes, por influência do deputado Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque, que fora governador e era então deputado eleito pela Madeira. No séc. XIX, a cobrança dos direitos de exportação no Funchal estava regulamentada por duas Pautas: a geral e a inglesa. A última, feita de acordo com o tratado de comércio com Inglaterra (1810), determinava privilégios especiais aos Ingleses. Diogo Teles de Menezes (1788-1872), diretor da Alfândega, decidiu, por sua iniciativa, fundir ambas e criar uma nova Pauta Alfandegária, que motivou um aceso protesto da Associação Comercial do Funchal, que fora criada em 1836. Em 1839, a Associação Comercial submeteu à Câmara do Funchal uma proposta de alteração da Pauta, que não foi contemplada. Todavia, na revisão da Pauta de março de 1841, a Madeira continuaria a manter o regime de exceção para os vinhos aguardentes e os cereais. Neste mesmo ano, surgiu, no Funchal, uma comissão auxiliar da comissão permanente da Pauta Geral das Alfândegas. As diversas alterações e reformas da Pauta Aduaneira que tiveram lugar ao longo do séc. XIX (em 1837, 1841, 1850, 1852, 1856, 1860, 1870, 1882, 1885, 1887, 1892, 1924 e 1926) sempre mereceram reparos dos madeirenses, que a apontaram como responsável pelas dificuldades comerciais do arquipélago, nomeadamente devido à falta de competitividade com os portos vizinhos das Canárias. Com efeito, a Pauta será motivo de permanente reclamação, porque a Madeira está numa situação distinta dos demais portos do reino e as medidas protecionistas apenas ponderam as condições de Portugal continental. A este propósito, diz-nos Paulo Perestrelo da Câmara: “Finalmente deve-se contemplar, na massa dos males, que, ultimamente mais tem pesado sobre a Madeira, a lei das Pautas, que com os seus efeitos proibitivos, nada mais tem feito, senão aperfeiçoar a ciência do contrabando, dando cabo de um comércio já tão enfraquecido. A mania de tudo mudar, levou esses novos legisladores á demencia de por a Madeira na mesma escala de produções e interesses que Portugal, com quem esta ilha não pode comerciar, pois abundando em vinhos excelentes, não os consome aquela, a quem também não pode fornecer os artefactos, de que carece. A Madeira só pode negociar com países não vinhateiros, e deles receber os artigos de que carece, mas com direitos suaves” (CÂMARA, 1841, 95-96). Assentando a economia da Ilha apenas no comércio do vinho e, sendo este o principal alvo das tributações, era difícil conseguir algum lucro e competitividade no mercado externo. Por outro lado, a Madeira necessitava de importar tudo aquilo de que precisava para a sua manutenção, desde manufaturas a cereais. Na mesma linha, a possibilidade de trazer para a Madeira parte da navegação oceânica, como forma de animar o movimento do porto comercial, passaria por medidas que favorecessem essa situação, face às melhores condições oferecidas por outros portos como os das Canárias. Neste caso, existiria a necessidade de estabelecer condições mais favoráveis à entrada e saída no porto do Funchal, através da criação de infraestruturas e de medidas fiscais que não fossem penalizadoras, nomeadamente quanto à entrada e saída do carvão, o principal meio de combustível a partir desta centúria. O grande objetivo era fazer do Funchal a principal estalagem do oceano. Uma pauta penalizadora destas importações era, portanto, prejudicial para a Madeira, fazendo aumentar o clamor por soluções aduaneiras que tivessem em conta esta situação específica, que raras vezes merecia a aprovação e o entendimento dos pares e das autoridades da metrópole. As Pautas necessitavam de permanente atualização, criando-se para o efeito comissões específicas. A Comissão Revisora foi criada para aceitar as reclamações sobre as mesmas e propor a sua reforma, de acordo com a situação da indústria nacional e com as alterações das pautas estrangeiras. Reorganizada por decreto de 31 de março de 1845, foi extinta em 28 de dezembro de 1852, para dar lugar à Comissão para as Pautas Aduaneiras que, por sua vez, deu lugar, por decreto de 25 de outubro de 1859, à Comissão Revisora da Pauta Geral da Alfândega, que estava incumbida da missão de proceder à realização da estatística das fábricas e oficinas do país, à recolha de informações sobre a produção, o consumo e a exportação dos seus produtos e, ainda, ao estudo sobre a importação de produtos das indústrias estrangeiras. Foi substituída, a 3 de novembro de 1861, pelo Conselho Geral das Alfândegas. As reformas das Alfândegas foram estabelecidas pela portaria de 14 de outubro de 1864 e pelos decretos de 7 de dezembro de 1864, bem como de 28 de agosto e de 23 de dezembro de 1869, tendo o corpo auxiliar das Alfândegas sido transformado num serviço de rondas volantes. O decreto de 7 de dezembro de 1864 estabelece a reorganização das Alfândegas, com a extinção da Administração Geral do Pescado, e constitui duas circunscrições: a marítima e a da raia. Na Alfândega do Funchal, a regulamentação de toda a atividade da repartição, bem como o cômputo e a arrecadação dos direitos de entrada e saída regulavam-se através das Pautas de 1843, 1850, 1856, 1860, 1885 e 1887, e por meio das cartas de lei de 1844-1845. Os serviços da Alfândega diferenciavam-se dos do Almoxarifado por estes apenas poderem proceder à cobrança, funcionando, assim, como recebedoria. Com a Pauta de 1892 foram consideradas algumas especificidades locais das ilhas, com salvaguarda o comércio do açúcar na Madeira, nos Açores e no continente, com uma taxa reduzida de 1/4 do seu valor monetário. Com a implantação da República, introduziram-se alterações na cobrança dos direitos, sendo de destacar que apenas em 9 de fevereiro de 1915 se suspendeu a cobrança do imposto de farolagem no porto do Funchal, uma medida reclamada havia muito tempo, que ganhou força de lei pela intervenção do visconde da Ribeira Brava. Por força da desvalorização da moeda e da Primeira Guerra Mundial, ficou determinado, pelo dec. n.º 41.333, de 18 de abril de 1918, que os direitos de importação seriam pagos em ouro. Criaram-se, assim, dificuldades à exportação, assim como à entrada de mercadorias. Por outro lado, o dec. n.º 4682, de 27 de abril de 1918, estabeleceu sobretaxas relativas à importação de diversas mercadorias. A oneração fiscal das importações continuou, pois, pelo dec. n.º 6263, de 2 de dezembro de 1919, e foram duplicados todos os direitos e sobretaxas de importação estabelecidos em 1918, permanecendo a exigência do pagamento em ouro, mas aplicada apenas de metade do valor. Posteriormente, o dec. n.º 1193, de 31 de agosto de 1920, determinou que o quantitativo integral dos direitos e sobretaxas fosse exigido em ouro. A Pauta única nacional vigorou, por todo o séc. XIX, dando lugar, com a reforma de 1921, ao regime de pauta múltipla. Em 1922, insiste-se na falta de funcionários, mas a principal reclamação recaía sobre o quase permanente aumento das pautas, numa altura de grave crise económica, marcada por descidas, quase contínuas, da moeda portuguesa. Pelo dec. n.º 8747, de 31 de março de 1923, foi aprovada nova Pauta Aduaneira em que foram abolidas algumas sobretaxas. Ao mesmo tempo, em 17 de março, criou-se um adicional de 2 % sobre todos os direitos de importação para acudir às despesas com a Misericórdia do Funchal. Depois, a 10 de março do ano seguinte, surgiu mais um adicional de 5 % para o serviço de incêndios. A Pauta foi revista pela lei n.º 1668, de 9 de setembro de 1924, e não gerou consensos; era uma forma de regularizar o comércio externo no pós-Primeira Guerra Mundial. A 12 de outubro de 1926, os combustíveis sólidos ou líquidos passam a ser taxados a 0,5 % sobre o seu valor. No quadro da lista de produtos das pautas alfandegárias, os valores cobrados pelas farinhas e os cereais mereceram, por parte dos madeirenses, uma atitude de permanente repulsa, tendo em conta a dificuldade que tinham em se prover dos mesmos. Com o regime da Ditadura Militar, ocorreu uma reforma da Pauta, consoante o dec. n.º 17.823, de 31 de dezembro de 1929, que era já a expressão plena da mudança das conjunturas mundiais, política e económica. Todavia, as medidas protecionistas continuaram a marcar presença, como se poderá verificar pelos decs. n.º 20.935, de 26 de fevereiro de 1932, que impunha um adicional de 20 % aos direitos de importação, e n.º 24.115, de 29 de junho de 1934, por meio do qual foi estabelecido o regime de proteção de bandeira, ao serem taxadas, através de um adicional de 13,5 %, as mercadorias exportadas em navios estrangeiros. Já o dec.-lei n.º 30.252, de 30 de dezembro de 1939, duplicou o valor dos direitos de exportação específicos e fez incidir 2,5 % sobre a taxa dos direitos de exportação ad valorem. Esta situação perdurou até 1947. No período da guerra, a principal atenção foi para a exportação de volfrâmio.A partir de 1948, com a entrada de Portugal na Organização Europeia de Cooperação Económica, e depois em 1959, com a adesão à Associação Europeia do Comércio Livre, foram operadas outras mudanças nas pautas, pelo dec.-lei n.º 42.656, de 18 de novembro de 1959. Este processo culmina, em 1962, com a adesão de Portugal ao Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio. Entretanto, em 1961, havia sido criada uma zona de comércio livre entre Portugal e as colónias que, por ter sido um fracasso, foi abolida em 1971. Em 1972, Portugal assinou um tratado de associação à Comunidade Económica Europeia que seria o início de uma caminhada para a sua integração nesta comunidade em 1986, com reflexos evidentes, também, nas pautas aduaneiras, como expressado no dec.-lei n.º 19/92, de 5 de fevereiro, que aprovou a Pauta dos Direitos de Importação que conduziu à aplicação da Pauta Aduaneira comum, a partir de 1 de janeiro de 1993. Com a entrada de Portugal na CEE, houve uma alteração das pautas alfandegárias. Assim, a Pauta Aduaneira comum, um dos elementos constitutivos da união aduaneira, é publicada anualmente por regulamento comunitário, que altera o regulamento de base (regulamento CEE n.º 2658/87 do Conselho, de 23 de julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à Pauta Aduaneira comum). A Pauta Aduaneira compreende, entre outros elementos, os direitos de importação e a nomenclatura combinada das mercadorias. Além desta, existe a Pauta de Serviço, que é o documento onde se estabelecem as informações sobre a tributação das mercadorias importadas de países terceiros. Constam ainda da mesma as medidas de política comercial comum, nomeadamente restrições quantitativas, direitos aduaneiros, direitos anti-dumping, suspensões e contingentes pautais, bem como as medidas de âmbito nacional, tais como o imposto sobre o valor acrescentado, os impostos especiais de consumo e as informações complementares sobre as condições de desalfandegamento das mercadorias. A Pauta de Serviço é elaborada com base nos elementos integrados da Pauta Integrada das Comunidades Europeias (TARIC) que são recebidos, diretamente, de Bruxelas. Contém, igualmente, informações de carácter nacional (taxas do IVA e informações sobre as condições a respeitar na importação e exportação de mercadorias). Por fim, existe a Pauta Integrada da Comunidade Europeia, que é a Pauta Aduaneira comum, em sentido lato, atendendo a que o regulamento anual não contém diversos elementos essenciais para o desalfandegamento das mercadorias, nomeadamente taxas dos direitos aduaneiros a aplicar no âmbito de regimes pautais preferenciais, suspensões de direitos de importação, direitos anti-dumping, licenças de importação, medidas de vigilância, proibições, etc.   Alberto Vieira (atualizado a 19.12.2017)

Direito e Política Economia e Finanças História Económica e Social

ribeiro real, visconde do

Visconde do Ribeiro Real. 1885. Arquivo Rui Carita João Bettencourt Araújo Carvalhal Esmeraldo nasceu no Funchal, a 21 de dezembro de 1841, filho do morgado Francisco António de Bettencourt Araújo de Carvalhal Esmeraldo e de Júlia Henriqueta de Freitas Esmeraldo. Casando-se, a 24 de junho de 1882, já com mais de 40 anos, com Teresa da Câmara Carvalhal, filha do 2.º conde de Carvalhal, recebeu o título de visconde do Ribeiro Real. Passara, entretanto, pela Junta Geral e depois pela presidência da Câmara do Funchal, onde defendeu o caminho de ferro do Monte e acabou a construção do Teatro Municipal D. Maria Pia. Na sua vereação camarária ainda se fundou o corpo de bombeiros voluntários e procedeu-se a reformas urbanas na área do cemitério britânico, tendo hoje o seu nome o largo que fica mais a sul. Foi ainda cônsul de França e elevado a conde do Ribeiro Real, título que parece não ter usado. Faleceu em 1902. Palavras-chave: bombeiros voluntários; Câmara Municipal do Funchal; cemitério britânico; caminho de ferro do Monte; Teatro Municipal.     João Bettencourt Araújo Carvalhal Esmeraldo nasceu no Funchal, a 21 de dezembro de 1841, filho do morgado Francisco António de Bettencourt Araújo de Carvalhal Esmeraldo, de São Pedro, no Funchal, e de Júlia Henriqueta de Freitas Esmeraldo, de Ponta Delgada. Casando-se, a 24 de junho de 1882, com Teresa da Câmara Carvalhal (1857-c. 1925), filha do 2.º conde de Carvalhal (1831-1888), recebeu o título de visconde do Ribeiro Real por decreto de 23 de março desse ano, sendo depois elevado a 1.º conde, por decreto de 16 de fevereiro de 1899, após a sua passagem pelo governo civil do Funchal, em 1897, como interino. Para além do cargo que ocupou na Junta Geral e da presidência da Câmara do Funchal, onde defendeu o caminho de ferro do Monte e acabou a construção do Teatro Municipal D. Maria Pia (Teatro Municipal), ocupou também o lugar de cônsul de França. O futuro visconde do Ribeiro Real deveria ser uma figura muito discreta e reservada, não sendo fácil recuperar o seu percurso político e social. Casou-se bastante tarde para a época, já passando dos 40 anos, não havendo descendência do seu casamento. A primeira referência política a seu respeito é como procurador da Junta Geral, quando se pronuncia sobre a lei de 13 de maio de 1872, que criara as bases da nova regulamentação. Como vogal, João Bettencourt Araújo de Carvalhal Esmeraldo esteve na reunião de 11 de março de 1874 e na de 11 de abril seguinte, aprovando as alterações que o vogal do conselho de distrito, visconde de S. João, Diogo Berenguer de França Neto (1812-1875) mandou imprimir a 14 de abril desse ano. A sua ação mais relevante foi à frente da Câmara Municipal do Funchal, onde sucedeu ao sogro, 2.º conde de Carvalhal, que somente ocupara o lugar no quadriénio de 1882-1885 por ser, ainda, o maior proprietário latifundiário do Funchal, mas cujas funções tinham sido desempenhadas pelo vice-presidente, morgado João Sauvaire da Câmara e Vasconcelos (1828-1890). A partir de 1886, a Câmara do Funchal teve uma interessante atividade, entre outras coisas, acabando as obras do Teatro Municipal, apresentado aos funchalenses a 29 de julho de 1887, e inaugurado oficialmente a 11 de março de 1888. Nessa altura, teve o visconde de se defrontar com o primo, João da Câmara Leme Homem de Vasconcelos (1829-1902), conde de Canavial e então governador civil, que queria ocupar o camarote da presidência, o que veio a acontecer, mas como convidado, pois o Teatro era propriedade da Câmara. A questão do camarote do Teatro ocupou então as primeiras páginas da imprensa da cidade. Foi durante a presidência do visconde do Ribeiro Real, quando tinha o pelouro dos incêndios o Dr. José Joaquim de Freitas (1847-1936), então também médico do hospital da Santa Casa da Misericórdia do Funchal, que se fundaram os bombeiros voluntários do Funchal, serviço inaugurado oficialmente a 24 de setembro de 1888. A apresentação pública do inúmero material adquirido para esse serviço, de que existe abundante documentação fotográfica, foi feita junto à fachada do referido hospital, a 7 de abril de 1889. O primeiro quartel foi construído na antiga R. do Príncipe (assim designada em homenagem ao príncipe, depois D. João VI (1767-1826)), posteriormente R. 31 de Janeiro, passando, duas décadas depois, para a R. da Princesa (em referência a D. Carlota Joaquina (1775- 1830)), posteriormente R. 5 de Outubro. José Joaquim de Freitas era um republicano de arreigadas convicções (República), mas tal não obstou ao apoio que sempre lhe foi dado pelo visconde do Ribeiro Real, tendo-se registado, inclusivamente, um forte apoio das mais destacadas famílias funchalenses à criação dos bombeiros voluntários, existindo fotografias destes anos de inúmeros dos seus elementos fardados de bombeiros, independentemente da sua filiação partidária e, inclusivamente, nacionalidade; há mesmo fotografias de comerciantes britânicos, o que só se explica pelo apoio dado à iniciativa pelo visconde. João Bettencourt Araújo Carvalhal Esmeraldo foi igualmente um dos principais impulsionadores do projeto do caminho de ferro do Monte, numa altura em que o projeto poderia ter sucumbido ao conflito de interesses entre os comerciantes britânicos radicados na Ilha e os financeiros alemães, que o apoiavam. Ao nível do Governo central, o apoio ao projeto não foi muito evidente, exceto na isenção de impostos que concedeu à Companhia do Caminho-de-Ferro do Monte, aquando da entrada na Alfândega do Funchal do material fixo e circulante para a via-férrea. O grande apoio partiu da Junta Geral, que adquiriu algumas ações, e, especialmente, da Câmara do Funchal, através do vereador João Luís Henriques e do presidente, o visconde do Ribeiro Real, tendo a Câmara adquirido 250 obrigações. As transformações ocorridas na malha urbana da cidade permaneceram e decorrem da urbanização envolvente do traçado da via-férrea e da montagem de uma série de instalações turísticas de apoio, como o Hotel do Bello Monte, e depois das instalações do Terreiro da Luta, consolidando a estruturação da freguesia de Santa Luzia e a ligação da cidade à freguesia do Monte, e contribuindo para a visão geral de anfiteatro que da encosta do Funchal. Foi também a vereação do visconde de Ribeiro Real que permitiu e apoiou a ampliação do cemitério britânico (Cemitério britânico), como contrapartida pela expropriação de uma faixa do terreno do mesmo. Foram então demolidas duas das vielas anexas entre aquele espaço e a R. dos Aranhas, do que resultou a R. 5 de Junho, depois R. Major Reis Gomes, onde viria a ser construído o largo com o seu nome. Os viscondes do Ribeiro Real habitaram o palácio de S. Pedro que, desde 1883, era partilhado com o Colégio de S. Jorge, dirigido pela futura M.e Mary Jane Wilson (1840-1916). Também ali faleceu, a 4 de fevereiro de 1888, o 2.º conde de Carvalhal, António Leandro Carvalhal Esmeraldo e, em 1897, ainda se instalou em parte do palácio o Clube Internacional. O visconde do Ribeiro Real seria elevado a conde do Ribeiro Real, a 16 de fevereiro de 1899, mas parece nunca ter usado o título, falecendo a 22 de março de 1902, altura em que se encontrava já retirado da vida pública, não havendo, por exemplo, qualquer referência a seu respeito na visita régia de junho de 1901. A condessa do Ribeiro Real, em 1921, deu início ao processo de venda do palácio, mas a mesma foi contestada pelos coproprietários, conde de Resende e família de Eça de Queiroz, descendentes de sua irmã, Maria das Dores Carvalhal (1855-1910). A a 20 de janeiro de 1923, a condessa mandou vender em leilão o recheio do palácio, momento em que se dispersou aquele importante espólio. Deverá ter falecido pouco depois dessa data. O espadim de honra do visconde do Ribeiro Real, como fidalgo da Casa Real, deve ter sido logo entregue à Câmara Municipal do Funchal, por legado do mesmo. A sua liteira, no entanto, com as armas de visconde envolvidas pelos atributos utilizados pela Câmara, um ramo de videira e outro de cana-de-açúcar, tal como o seu monograma, encimado por coroa de visconde, deve ter ido então a leilão, tendo passado a mãos particulares e depois ao Museu Quinta das Cruzes, sendo dos poucos exemplares deste tipo de transporte que sobreviveu. É provável que do leilão de 1923 tenha sobrevivido uma fotografia, onde aparece um dos dois óleos de Tomás da Anunciação (1818-1879), encomendados pelo 2.º conde de Carvalhal em 1865, e que fazem igualmente parte do acervo do Museu Quinta das Cruzes. No mesmo leilão deve ter sido vendido o retrato das duas filhas do 2.º conde de Carvalhal, depois depositado na Fundação Eugênia de Canavial.   Rui Carita (atualizado a 17.12.2017)

Direito e Política História Militar História Política e Institucional

república

A aclamação da República, decorrida em Lisboa, na manhã de 5 de outubro de 1910, foi comunicada ao Funchal às 18.00 h do mesmo dia. Ao contrário do que se poderia esperar, a tomada de posse dos republicanos não ofereceu especiais dificuldades na Ilha, embora a imprensa republicana mais agressiva tenha alardeado inúmeros casos conflituosos, especialmente com elementos do clero. Os principais desentendimentos ocorreram no seio dos republicanos, com a crispação dos mais novos contra os mais velhos e experientes, criando problemas nas eleições de 1911 e nas suplementares de 1913, altura em que já se dividiam em três tendências, todas apoiadas em periódicos: os democráticos, os unionistas e os evolucionistas. Palavras-chave: regime político; imprensa; partidos políticos; anticlericalismo; eleições.   No dia 5 de outubro de 1910, a cidade do Funchal acordou, como habitualmente, sem saber o que se estava a passar em Lisboa. Havia, desde as décadas anteriores, contactos entre as várias estruturas republicanas; aliás, poucos meses antes, os marinheiros do cruzador Adamastor tinham realizado um jogo de futebol com os marítimos de Santa Maria Maior, que já utilizavam as cores republicanas e que, pouco tempo depois, se constituíram como clube de futebol (Clube de Futebol Marítimo). Desconhecia-se, no entanto, que, nessa manhã de outubro, o cruzador bombardeava com as suas peças de artilharia o palácio das Necessidades, levando a família real a fugir para a Ericeira e a embarcar para fora do país; essas peças, mais tarde, foram guardadas no Funchal, na entrada do antigo aquartelamento do grupo de artilharia de São Martinho. Os jornais desse 5 de outubro só haviam recebido algumas notícias dos dias anteriores, como a do assassinato de Miguel Bombarda, no hospital de Rilhafoles, por um dos seus doentes, a 3 de outubro, publicando-se, no Diário de Notícias, alguns dados biográficos sobre o assassino, nomeadamente que aderira ao Partido Republicano Português (PRP) (Partido Republicano) e que era um dos seus mais valiosos combatentes. O vespertino O Jornal, dado como afeto ao Governo e à Igreja, informava estarem interrompidas as ligações com a capital, devido a uma avaria no cabo submarino. A notícia terá despertado desconfiança e, mantendo-se por toda a manhã a falta de informações, logo circularam boatos, que levaram à reunião da comissão municipal republicana no Centro Republicano Manuel de Arriaga, à R. da Carreira, n.º 13, e à ordem de prevenção às unidades militares. A notícia chegou às 18.00 h, através da agência noticiosa Havas: “Foi proclamada a República em Portugal depois de um combate em que a Artilharia 1, a Infantaria 16 e a Marinha saíram vitoriosas” (“Proclamação da República”, DN, Funchal, 6 out. 1910, 1). O telegrama confirmava o boato e a comissão municipal enviou felicitações e cumprimentos, em nome do “povo democrático da Ilha”, ao novo Governo e aos jornais republicanos de Lisboa (“A República na Madeira”, O Povo, sup. n.º 191, 9 out. 1910, 1). Foi de imediato distribuído um pequeno texto noticioso que gerou um enorme entusiasmo, acorrendo muitas pessoas ao Centro Republicano, onde se juntaram também militares. Todavia, a palavra de ordem que circulava era de contenção, dado faltar a confirmação oficial da notícia e ainda a aclamação da República na Madeira. Esta chegou na madrugada do dia 6 de outubro, através de um telegrama do ministério do Interior para Manuel Augusto Martins (1837-1936), a nomeá-lo governador civil do Funchal. A comissão municipal republicana distribuiu de imediato um manifesto, sob o título “Ao povo Madeirense”, anunciando a proclamação da República e recomendando aos seus apoiantes “ordem e correção”, palavras que se tornavam nestes primeiros dias a principal preocupação dos republicanos (“Ao Povo Madeirense”, Diário Popular, Funchal, 7 out. 1910, 1). Entendiam e difundiam os novos dirigentes que era indispensável “desfazer pela última vez, a lenda [de] que os republicanos” eram “desordeiros e vingativos”, divulgando comunicados neste sentido pelos jornais locais. Apesar destas informações, a bandeira da monarquia, às 08.00h de 6 de outubro, voltou a ser hasteada em S. Lourenço. O Gov. civil José Ribeiro da Cunha (1859-1915) e o Gov. militar Cor. Valeriano José da Silva, inclusivamente, reforçaram a guarda ao palácio, entregue ao Ten. João Carlos de Vasconcelos (1878-1933). Face aos contactos estabelecidos pelos elementos da comissão republicana para a transferência de poderes, informaram que aguardavam ordens superiores e que, sem as mesmas, se recusavam a proceder a qualquer alteração, na secreta esperança de um retrocesso da situação em Lisboa. O governador civil indigitado, Manuel Augusto Martins, solicitou a Lisboa a comunicação oficial para os dirigentes depostos e, dentro da contenção que haviam assumido, os republicanos aguardaram, na R. da Carreira, o desenrolar da situação. Mantinham-se em reunião com o novo governador civil os membros do PRP, em grande expectativa, levando a cabo uma autêntica maratona de contactos, com a preocupação de não perder o controlo da situação. Entre eles: Nicázio de Azevedo Ramos (1862-1927), Manuel Jorge Pinto Correia (1882-c. 1940), Manuel Gregório Pestana Júnior (1886-1969), Pedro Luís Rodrigues, José Quirino de Castro, Francisco Mendes Gonçalves Preto. O telegrama para as autoridades de S. Lourenço chegou às 11.00 h, assinado pelo novo ministro da Guerra, António Xavier Correia Barreto (1853-1939), mas o seu teor não satisfez os elementos monárquicos, nem, no dia seguinte, os sargentos e praças republicanos: “Foi proclamada a República e assumi o cargo de ministro da Guerra do Governo Provisório. Reina absoluta tranquilidade em Lisboa e províncias, estando a ordem convenientemente assegurada e tendo já recebido a adesão de importantes núcleos militares. Aguardo a adesão de V. Ex.ª e oficiais sob o seu comando” (MARTINS, 2004, 65). Na mesma manhã, ainda se reuniram no palácio de S. Lourenço os membros da comissão republicana para acordar a transferência de poderes, mas as autoridades monárquicas demarcaram-se da situação, alegando não ter havido uma ordem taxativa para aderir à República, como entendia o Cor. Valeriano José da Silva, mas sim um “pedido” ou “convite” por parte do novo ministro da Guerra, pelo que ele, pessoalmente, não se associava à mudança (Id., Ibid.). Autorizou-se, no entanto, o hastear da bandeira republicana em S. Lourenço, que foi saudada pela força militar. A comissão republicana deslocou-se para o edifício do Governo Civil, na R. João de Tavira, aguardando a chegada do secretário conselheiro António Jardim de Oliveira (1858-1926), que se encontrava no Monte e foi avisado por telégrafo terrestre. Naturalmente, a sua chegada não foi imediata, juntando-se nas imediações do Governo Civil uma multidão, à qual era preciso dar, de alguma forma, resposta. Face à aglomeração, Manuel Augusto Martins, pelas “4 horas da tarde”, mandou lavrar um termo de posse provisório, que foi por si assinado, assim como pelos vários membros do PRP, após o que foi hasteada a bandeira republicana, “que foi saudada pela enorme multidão que enchia a rua João de Tavira, e que pouco depois se dirigia para a praça da República”, como por esses anos se passou a designar a Pç. da Constituição, depois Av. Arriaga, “levando à frente uma banda que executava A Portuguesa” (“A República na Madeira”, O Povo, sup. n.º 191, 9 out. 1910, 1). Os republicanos entraram em S. Lourenço e o novo governador civil entregou a José Joaquim de Freitas (1847-1936) uma segunda bandeira republicana que o mesmo içou, na qualidade de “um dos mais velhos democratas do Funchal”. A guarda de honra militar apresentou armas e fez a “continência da ordenança” perante o delírio de “muitos milhares de cidadãos” que aplaudiam a nova era de ressurgimento de uma pátria “faminta de moralidade e justiça”, como foi referido na imprensa de então (Id., Ibid.). Da varanda do Clube Restauração, instalado no edifício do Golden Gate, discursaram o novo governador civil, Pestana Júnior, Gonçalves Preto e Azevedo Ramos, “tendo todos palavras de vibrante saudação às instituições nascentes e aconselhando o povo a conservar a serenidade e cordura que já hoje, honra ao povo, nos elevou aos olhos de nacionais e estrangeiros” (“A Proclamação da República em Portugal”, DN, Funchal, 7 out. 1910, 2). Ao meio-dia, o comércio havia encerrado as portas para que todos pudessem assistir aos festejos, mas também, certamente, por precaução. Ao final da tarde, a cidade foi percorrida por uma enorme multidão, que soltava vivas à República e fogos-de-artifício, acompanhada pela antiga Real Filarmónica Artístico Madeirense, que retirara rapidamente as coroas que enfeiravam os bonés do uniforme, juntando-se ainda o conjunto Artistas Funchalenses. À noite, Azevedo Ramos ainda discursava de uma das janelas do Centro Manuel de Arriaga e a redação do jornal Trabalho e União iluminava as suas instalações com balões venezianos. Algumas embarcações, na baía do Funchal, associaram-se às manifestações, tendo o navio de guerra norte-americano Adams embandeirado em arco, o vapor belga Ministre Beernssert dado uma salva e o patacho Navegante içado, à ré, a bandeira da República. No dia 7 de outubro, não se hasteou qualquer bandeira em S. Lourenço, embora no dia anterior tivesse sido transmitido às unidades militares o telegrama do ministro da Guerra Cor. António Xavier Correia Barreto; na fortaleza de Santiago, quartel da artilharia, foi hasteada a bandeira republicana. A bandeira fora alçada às 09.30 h com salvas e não às 08.00 h, conforme a ordenança. Pelas 11.30 h, a força de Infantaria 27 saiu do quartel do colégio (Colégio dos Jesuítas), armada e de baioneta calada, dirigindo-se para a fortaleza de S. Lourenço e estacionando no Lg. da Restauração, em frente à porta da mesma, onde se veio a estabelecer, já mais tarde, o Museu Militar (Museu Militar da Madeira). Logo saiu do colégio outra força, em direção ao mesmo local. Estas unidades não tinham aceitado o comando de qualquer oficial e não responderam aos apelos do Cap. Henrique Luís Monteiro (1862-1928) para regressarem à ordem. Neste contexto, surgiu o jovem Gregório Pestana Júnior, por nós já referido, recém-nomeado administrador do concelho que subiu a um dos bancos do passeio público e apelou à ordem, prometendo resolver a situação. Dirigindo-se à R. João de Tavira, trouxe do Governo Civil uma bandeira, que entregou ao Ten. Vasconcelos e foi de imediato hasteada. Acalmados os ânimos e chegada a banda da Infantaria 27, a bandeira foi arreada para ser então hasteada ao som de “A Portuguesa”, entre vivas à República. Falou então às forças o Maj. de artilharia Manuel Goulart de Medeiros (1861-1947), açoriano, inspetor do material de guerra, que exortou os soldados ao respeito pelos superiores. Explicou que era republicano desde longa data, mas que, como militar, nunca rinha deixado de cumprir os seus deveres de respeito e de disciplina. O Maj. Luís Correia Acciauoli (1858-1942) assumiu o comando das forças de Infantaria 27 e, com a banda, desfilou pelas ruas do Funchal, dando vivas à República, até à fortaleza de Santiago, onde o grupo foi saudar os camaradas de artilharia que se mantinham no quartel, sob o comando do Cap. João Augusto Pereira (1875-1915). Pela tarde, civis e militares, em conjunto com a Filarmónica Artístico Madeirense, voltaram a percorrer as ruas do Funchal desse modo efusivo. A nomeação de Manuel Augusto Martins para o lugar de governador civil do distrito recolheu absoluto consenso na altura. Era um republicano com provas dadas no combate político local, várias vezes candidato a deputado pelo Partido Republicano da Madeira (PRM), diretor do semanário O Povo e presidente da comissão republicana do concelho do Funchal. Como escreveu, mais tarde, Ciríaco de Brito Nóbrega (1856-1928), diretor do Diário de Notícias do Funchal: “nunca mendigou empregos; nunca aspirou a honrarias; nunca curvou a cabeça senão ao dever e nunca obedeceu senão à voz da consciência” (NÓBREGA, DN, Funchal, 22 mar. 1911, 1). Trabalhara em Lisboa, no escritório de Afonso Costa (1871-1937) e no de António José Teixeira de Abreu (1865-1930), durante dois anos, regressando depois ao Funchal, sem se deixar envolver com a “corrupção política e social, conservando sempre íntegra e imaculada a sua reputação de homem de bem”, sendo respeitado a admirado por todos, quer amigos quer adversários (Id., Ibid.). Cabia ao governador civil e às estruturas locais do PRM encontrarem os restantes elementos para preencher os órgãos de poder local. O primeiro lugar a ser preenchido foi o de administrador do concelho, com o referido Manuel Gregório Pestana Júnior, que tomou posse a 7 de outubro desse ano. Foi-lhe também atribuída a direção do principal órgão dos republicanos, o semanário funchalense O Povo, antes mencionado, após a saída de Manuel Augusto Martins. Orador notável, era militante do PRP e, ainda como estudante da Faculdade de Direito de Coimbra, participou ativamente na greve académica de 1907, tendo sido preso e processado. Nos finais de 1908, já discursava no Centro Republicano Manuel de Arriaga, no Funchal e, terminado o curso, nos meados de 1910, regressou à Madeira, com 24 anos de idade, participando ativamente nos trabalhos do partido. A 19 de outubro, efetuou-se a assembleia-geral do PRM, onde foram apresentadas as primeiras diretivas para a reorganização republicana insular: precaver-se contra excessos e adesões oportunistas, e efetuar sindicâncias a todas as corporações administrativas, de modo a impor moralidade na administração pública. A primeira moção, apresentada pelo Maj. Goulart de Medeiros, defendia que o novo Governo republicano devia apostar na união de todos os Portugueses, mas salvaguardando as adesões à nova ordem, não se admitindo aqueles que o faziam para tentar conservar privilégios. Até à consolidação das novas instituições, não se poderiam escolher elementos de alguma forma ligados ao regime anterior, “exceto se tivessem qualidades excecionais de honradez, instrução e inteligência” (“Centro Manuel de Arriaga”, DN, Funchal, 22 out. 1910, 1). A assembleia-geral continuou no dia seguinte, sendo apresentada outra moção, da autoria de Azevedo Ramos, a pedir sindicâncias a todas as repartições públicas do distrito, em especial à Câmara Municipal do Funchal e à Junta Geral. Ao longo de outubro e de novembro, o novo governador procedeu às exonerações e às nomeações dos administradores dos concelhos rurais e da comissão administrativa do município do Funchal, sendo os restantes lugares preenchidos até ao final do ano. Como podemos verificar pelas nomeações feitas, foi grande a dificuldade em encontrar elementos da confiança do PRM para se preencherem todos os lugares, acabando alguns membros por desempenharem várias funções, como acontecera anteriormente, no tempo da monarquia. A comissão administrativa da Câmara Municipal do Funchal ficou a ser presidida por Afonso Vieira de Andrade, tendo os demais pelouros sido distribuídos por Silvestre Quintino de Freitas, José Bernardo de Almeida, Manuel dos Passos Freitas (1872-1952), José Quirino de Castro, Manuel Jorge Pinto Correia e Henrique Augusto Rodrigues. A presidência da Junta Geral foi entregue a Aníbal Sertório dos Santos Pereira, tendo como procuradores José Joaquim de Freitas, o P.e Fernando Augusto da Silva (1863-1949), e os irmãos Augusto e Pedro Luís Rodrigues. Para a presidência da Santa Casa da Misericórdia do Funchal, foi nomeado António Augusto Curson, que foi depois ministro do Comércio, em 1921 e membro do conselho nacional dos escuteiros de Portugal, fazendo parte da equipa da nova mesa da Misericórdia José Ernesto Areias, João Lomelino Ferreira de Sousa, Carlos Firmino Gonçalves, Bernardo do Nascimento Rodrigues, João Rodrigues Braga e Artur Pedro de Quintal. José de Castro (1848-1929), então no Funchal, foi nomeado ajudante do procurador-geral da República e Carlos Olavo Correia de Azevedo (1881-1958), secretário-geral em Lisboa, dada a necessidade de ali haver um procurador. José Alfredo Mendes de Magalhães (1870-1957), enviado à Madeira como comissário da saúde da República, por ocasião da epidemia de cólera que grassava no arquipélago, onde aportou no cruzador Almirante Reis, foi confirmado no cargo de procurador-geral da República, voltando José de Castro para Lisboa e, para a comissão administrativa do Asilo de Mendicidade e Órfãos, foram apresentados José Joaquim de Freitas, Henrique Augusto Rodrigues, Maximiano de Sousa Rodrigues, João Augusto Duarte Vítor, Francisco de Andrade e Manuel dos Passos Freitas. O Partido Progressista (PP) foi o primeiro partido monárquico a aderir ao novo quadro político, até porque muitos dos seus membros já eram republicanos (Partido Progressista). O Diário do Comércio, afeto a essa linha partidária através do seu proprietário e redator principal Francisco António Ferreira (1870-1912), logo na edição de 7 de outubro, deu vivas à República. No dia 23, comunicou que suspendia a sua ação, informando que o PP dava liberdade política aos seus filiados para aderirem ou não à causa republicana. A direção do PP disponibilizava-se, inclusivamente, a facultar ao novo regime a sua organização local (sede, jornal, arquivos, etc.). Também O Direito, de que era diretor e proprietário Artur Leite Monteiro (1871-1937), clarificou a sua linha editorial, apresentando-se como representante de “um partido monárquico liberal”, que eram os antigos regeneradores, mas pedia aos seus “velhos companheiros de outras lutas” que não criassem “o mais leve embaraço às autoridades”, dando a entender que a situação não tinha retrocesso (“A República”, O Direito, 9 out. 1910, 1). A 4 de novembro, foi registada uma circular de 31 de outubro, reenviada pelo comando militar às entidades que tutelava, “a fim de uniformizar a norma a seguir na correspondência militar” (AMMM, circular, 31 out. 1910). A indicação era para que passasse a constar no alto das folhas, ao centro e “por extenso”, a designação “Serviço da República” e se substituísse o antigo remate “Deus guarde V.ª Ex.ª” por “Saúde e Fraternidade” (Id., Ibid.). Também se reformulava a antiga pragmática, sendo o nome da maioria dos destinatários somente antecedido por “Ao Snr.”, eliminando-se assim “Ills.mos” e “Ex.mos” (Id., Ibid.). Por sua vez, nas capas da correspondência, “S. N. R.” dava lugar a “S. R.” (Id., Ibid.). A 23 de outubro, realizou-se uma assembleia-geral do Centro Arriaga, no Ateneu Comercial do Funchal, com o objetivo de reformular os órgãos diretivos do PRM, ampliando-os a uma comissão distrital e a uma comissão municipal. A reorganização estendeu-se igualmente às comissões paroquiais, cujas eleições decorreram nos finais desse mês, às quais cabia indicar os regedores e iniciar o recenseamento eleitoral. Até ao final de outubro, criou-se um centro republicano em Machico e, em novembro, dois centros republicanos em São Gonçalo. No ano seguinte, constituiu-se o Clube Republicano da Madeira e, comemorando o aniversário da implantação da República, a 5 de outubro de 1911, foi inaugurada a Sociedade Republicana Estrela Brilhante. Nas comemorações do primeiro aniversário da República, apareceu a discursar, ao lado dos principais elementos republicanos madeirenses, uma mulher, Hermínia Augusta de Sousa, mostrando que não era apenas aos homens que competia defender os novos ideais. A este propósito, o jornal local A Voz do Povo acrescentou que as mulheres eram “as únicas” que podiam “levantar a geração futura” (“Os Festejos da República”, A Voz do Povo, Funchal, 10 out. 1911). A 15 de outubro, estava constituído o comité fundador da Associação das Mulheres Republicanas Madeirenses e publicitou-se a abertura de inscrições no Centro Republicano Manuel de Arriaga, ao Lg. do Colégio, n.º 8. A instabilidade política que sobreveio afastou as mulheres do debate, não se encontrando mais informações sobre a Associação durante o período em apreço. Nas eleições nacionais de 1911, uma médica viúva, Beatriz Carolina Ângelo (1878-1911), conseguiu votar, alegando que era cidadã portuguesa, chefe de família e instruída, sendo o seu, muito provavelmente, o primeiro voto feminino europeu. A Constituição de 1913 explicitaria já que o voto estava reservado aos chefes de família do sexo masculino. As dificuldades do novo regime começaram a surgir pouco depois da implantação da República. A 13 de novembro de 1910, realizou-se, na nova Pr. da República, realizou-se um comício a pedir o fim dos monopólios dos regimes cerealífero e sacarino, e a abolição dos impostos sobre os produtos de primeira necessidade, criando-se então uma comissão de figuras republicanas de prestígio local para apresentar ao governador do distrito as suas reivindicações. Cientes da necessidade de apoio em Lisboa, os republicanos madeirenses também criaram uma comissão na capital, constituída pelo ex-visconde da Ribeira Brava, os irmãos Carlos e Américo Olavo Correia de Azevedo (1882-1927), António Paulino Mendes, comerciante madeirense radicado em Lisboa e ligado ao ex-visconde, entre outros. Mas a situação em Lisboa não era melhor e, um pouco por todo o país, à euforia do mês de outubro, sucedeu uma dura luta política e um grande defraudar das esperanças iniciais. Durante os primeiros meses do regime republicano na Madeira, as autoridades e a população foram ainda confrontadas com um grave surto de cólera-morbo que surgiu em outubro de 1910 e se prolongou até aos inícios de fevereiro do ano seguinte. A necessidade de impor medidas sanitárias enérgicas fez despoletar inúmeros focos de resistência às autoridades; aliados ao analfabetismo geral, às crendices e superstições, rapidamente fizeram daquelas bandeiras contra a nova situação política. Em vários pontos da Ilha, foram saqueadas residências de médicos e os profissionais de saúde foram acusados de terem espalhado a doença; nessa sequência, também as residências das autoridades sofreram ataques. A situação mais difícil terá ocorrido em Machico, a 11 de dezembro, após a novena a Nossa Senhora do Socorro. A população terá sido convocada e, descendo à vila, obrigou o administrador e o escrivão do concelho a acompanhá-la com a antiga bandeira da monarquia, em busca do subdelegado de saúde. A residência do médico foi saqueada, a farmácia anexa foi destruída e todos os livros encontrados foram queimados no quintal. Quando as forças militares do Funchal chegaram, no dia seguinte, no vapor Açor, comandadas pelo Ten. Alberto Artur Sarmento (1878-1953), a multidão já havia dispersado, deixando a bandeira monárquica hasteada no forte do cais de Machico. No relatório depois efetuado, considerou-se que a utilização da antiga bandeira teria sido motivada pela presença das chagas de Cristo e a convicção de que estas extinguiriam a epidemia. A 14 de dezembro, Santa Cruz passou por uma situação idêntica, sendo os soldados recebidos com paus e pedras, e respondido a tiro. À tentativa de assalto à prisão camarária, no antigo forte de S. Francisco, foram utilizados engenhos explosivos e as forças da ordem prenderam mais de 20 populares. No dia seguinte, ocorreram também tumultos em Câmara de Lobos, tendo sido assaltado o pequeno hospital de isolamento e ameaçado com navalhas o pessoal ali em serviço, que fugiu para o Funchal. Tal como em Machico, a multidão apareceu com a bandeira da monarquia e com alguns elementos das filarmónicas locais. No dia 26 de dezembro, foi a vez de ocorrerem tumultos no Funchal, tendo-se insubordinado algumas praças de Infantaria 27, que saíram do quartel do colégio para tomar de assalto o lazareto Gonçalo Aires. Como alguns desses elementos tinham tentado levar as forças aquarteladas em S. Lourenço a aderir ao movimento, houve tempo de deter a sublevação. Nessa sequência, veio a prender-se um sargento como mentor da sublevação, depois enviado para o continente. Em finais de dezembro, na canhoneira Zaire e, nos inícios de janeiro, no vapor Peninsular, chegaram reforços militares do continente, mas a epidemia extinguia-se pouco depois e, com a mesma, o motivo imediato dos desmandos. Nestes primeiros meses, surgiram também atritos com o clero, especialmente o rural, registando-se a utilização do púlpito para fazer propaganda contra a nova situação, muito especialmente em reação à Lei de Separação do Estado das Igrejas. A ideologia anticlerical dos principais periódicos republicanos criou a imagem de uma sociedade rural antirrepublicana que não corresponde à verdade, pois regista-se somente um caso de efetiva resistência ao novo regime: Estreito de Câmara de Lobos. Acreditamos que muitos outros possam ter existido, mas não de uma resistência convictamente antirrepublicana e sim, tão-somente, de resistência à mudança, própria do mundo fechado que era o rural. O caso do Estreito de Câmara de Lobos tornou-se conhecido e chegou aos vários periódicos da cidade. O pároco local, Miguel Pestana dos Reis, maldizia os jornais liberais, mandava cantar o hino à Carta Constitucional na saída das insígnias do Espírito Santo e ameaçava com a excomunhão e as penas do inferno os que ousassem assinar os periódicos republicanos. Mas estas informações foram vinculadas pelos jornais do Funchal e são difíceis de confirmar. Em maio de 1911, terá corrido a informação de que o pároco estava para ser chamado ao administrador do concelho e o povo amotinou-se, não o deixando sair. Em sequência, foram assaltadas as residências das autoridades locais, fugindo estas para o Funchal. No dia 5 de maio, a cidade, “boquiaberta”, assistiu à chegada de “400 vilões do Estreito de Câmara de Lobos, em pé de guerra e com ar de poucos amigos” (“O Povo do Estreito de Câmara de Lobos”, O Radical, Funchal, 6 mai. 1911, 1). Uma delegação dos mesmos foi recebida pelo governador civil, apresentando-lhe as seguintes reivindicações: manutenção do pároco Miguel Pestana dos Reis; fim das operações relativas ao registo civil na freguesia, devendo ser tudo “conforme a lei antiga” (Id., Ibid.); dispensa de licença da autoridade administrativa para as manifestações exteriores de culto religioso. A manifestação teve algum êxito porque, embora tivessem sido efetuadas prisões, o padre regressou à paróquia no dia 8, não se provando que tivesse tido qualquer envolvimento nos motins, nem no que os jornais do Funchal haviam noticiado. Os periódicos continuaram a divulgar várias reações às determinações da República, mas estas foram abaixo do que seria de esperar e do que se passou no continente. Na sequência da Lei do Divórcio e da publicação da pastoral coletiva dos bispos contra a Lei de Separação do Estado das Igrejas, foram detidos dois párocos, o de S. Gonçalo e o de S.ta Luzia, acusados de haverem distribuído a pastoral, espantando-nos não terem sido presos mais. Referem os periódicos do Funchal que, nas festas desse mês, foram arvoradas “bandeiras velhas” no Arco da Calheta (“Graves Acontecimentos”, Trabalho e União, 8 jul. 1911, 1); mas, na verdade, conhecendo-se este tipo de festas e a distância até ao Funchal, compreende-se que dificilmente poderiam ter sido arvoradas outras bandeiras, pois a nova, certamente, não existia ainda por ali. No ano seguinte, e já noutras circunstâncias, com um novo governador civil, ainda se registou um incidente, tendo sido proferida na igreja do colégio uma homilia, em finais de maio de 1912, com “alusões ofensivas do prestígio do Governo e da República”, sendo ordenada uma averiguação ao comissário de polícia, com vista à redação de um auto, para ser entregue ao poder judicial (ARM, Governo Civil, liv. 121, fl. 64). No entanto, não temos mais informações a esse respeito. O assunto era nacional, pelo que, já no ano anterior, o ministro da Justiça Bernardino Machado (1851-1944) oficiara a todos os prelados e governadores de dioceses do continente e ilhas adjacentes a apelar para o respeito aos poderes instituídos e a solicitar possíveis alterações ou modificações para aperfeiçoamento das leis já publicadas. O assunto deveria ser encaminhado para a sua sede própria, o Ministério da Justiça ou as Cortes Constituintes, pelo que não deveria ser discutido, de forma alguma, a partir dos púlpitos das igrejas. A necessidade de impor à força o novo enquadramento político, institucional e jurídico, com atitudes porventura escusadas, criara logo um certo mal-estar. O periódico O Povo, a 8 de outubro de 1910, refere que “um grupo de sargentos do regimento de Infantaria 27” tinha manifestado ao comandante o “desejo de que a coroa que encimava a porta principal do regimento”, virada à R. do Castanheiro, fosse retirada e, “à 1 hora da tarde, foi destruída pela picareta esse troféu da monarquia morta” (O Povo, Funchal, 8 out. 1910). No mesmo dia, o Diário de Notícias do Funchal informava que também tinham sido destruídas à picareta as coroas que encimavam as portas do palácio de S. Lourenço, da fortaleza de Santiago e da Alfândega do Funchal. No dia 12, noticiou que se pensava ainda “eliminar pela picareta demolidora a coroa e as esferas armilares do torreão do palácio de São Lourenço”(DN, Funchal, 12 out. 1910, 1). Pedia, assim, que, “em nome da estatística arqueológica e histórica [...] se suspenda a sua ação destruidora”, pois a conservação de tais emblemas em nada contrariava a instalação das novas instituições (Id., Ibid.). Com a retirada das armas reais da porta de S. Lourenço, também a imagem do santo que encimava o portal foi tirada e partida, embora retornasse ao seu lugar, depois de reconstruída e de se fazer uma cabeça nova, dado a original nunca ter sido encontrada. É voz corrente que os retratos dos antigos governadores que estavam no interior do palácio de S. Lourenço tinham sido rasgados à baioneta pelos marinheiros do cruzador Almirante Reis, e que teriam sido feitos outros desacatos, difíceis de comprovar, mais tarde. Grande parte do recheio que ali se encontra veio de Lisboa por volta de 1939 (Palácio e fortaleza de S. Lourenço), tendo outro tanto sido adquirido e doado por famílias madeirenses, pelo que não é fácil saber como era o seu interior na altura dos acontecimentos expostos. A força e irreverência de alguns dos elementos mais novos, sobressaindo em muitos um forte anticlericalismo, levaram a clivagens no seio dos republicanos, num curto espaço de tempo. O primeiro conflito foi desencadeado nos finais de dezembro com uma notícia no periódico local O Povo a criticar o presidente da comissão administrativa da Câmara do Funchal Afonso Vieira de Andrade, acusando-o de ceder às pressões da Igreja para não demolir imediatamente a capela e o portão dos Varadouros, informação que partira de Pestana Júnior, administrador do concelho e diretor daquele periódico. O arco dos Varadouros e a capela eram dados como estando algo em ruínas e considerados sem qualquer valor como “monumento”, entendendo-se ser imprescindível a demolição do conjunto para as obras de continuação da R. João Esmeraldo e para a higiene da cidade (Portão dos Varadouros). A comissão administrativa da Câmara apresentou a demissão em bloco e o governador do distrito colocou-se do seu lado, pedindo-lhes que se mantivessem em funções até à resolução do problema. O portão dos Varadouros e a capela anexa só foram demolidos em abril de 1911, transferindo-se o altar desse templo para a sacristia velha da Sé do Funchal. Tendo a epidemia sido debelada em janeiro, não se vê outra razão para a demolição em abril senão a aproximação das eleições e o aceso debate político então em curso (Eleições na Primeira República). Com a clivagem progressiva das hostes republicanas, foi convocada uma reunião para S. Lourenço, realizada a 5 de janeiro de 1911, tendo a maioria dos velhos membros do PRM ficado lado do governador e da comissão da Câmara. Alfredo de Magalhães, responsável pelas medidas de controlo e combate do surto epidémico, pediu alguma contenção. Compreendia a energia e a insubordinação da mocidade, mas entendia também que, num meio como o da Madeira, “retardado e com pouca cultura democrática”, se impunha aos “mais fogosos e irreverentes o dever […] de não pulverizar ou até desunir” o PRM (“Reunião das Comissões Republicanas do Funchal”, O Povo, Funchal, 7 jan. 1911, 1). Era um recado quase explícito para o jovem e arrebatado Pestana Júnior, chamando-o à disciplina partidária, tendo o mesmo respondido que não aceitava esse tipo de recomendações e que o que estava em causa era a liberdade de imprensa. Estavam abertas as hostilidades dentro do PRM e, em nome da articulação das administrações do concelho e da Câmara, enquanto decorria o combate à epidemia de cólera, por ordem do governador, Pestana Júnior ficava suspenso, por um prazo de 30 dias. A 16 de janeiro, Pestana Júnior informou oficialmente que, nessas condições, apresentava a sua demissão, “pura e simples”, mas não abdicava da sua inteira liberdade para proceder como entendesse (ARM, Governo Civil, liv. 299, fl. 36v.). A 21 de janeiro, a direção do jornal O Povo voltou a ser entregue a Azevedo Ramos. A saída de Manuel Gregório Pestana Júnior da administração do concelho marcou o aparecimento da primeira cisão nos quadros republicanos, aglutinando-se à sua volta um certo número de apoiantes, em especial, alguns médicos da Escola Médico-Cirúrgica do Funchal que trabalhavam no controlo da epidemia. Assim, nasceu o grupo dos novos, naturalmente, em oposição ao governador e aos antigos republicanos. A 9 de fevereiro de 1911, surgiu O Radical, dirigido por Pestana Júnior e propriedade de Gonçalves Preto, em cujo escritório decorreram as primeiras reuniões. No mesmo mês, constituiu-se o Grupo Democrático, com 15 elementos, entre os quais alguns ex-regeneradores e, em maio, estavam lançadas as bases para a constituição do Centro Republicano Democrático. O título académico dos elementos do Centro Republicano Democrático, designados por “os novos”, valeu-lhes o nome jocoso de “Centro dos Doutores” ou “doitores”, por corruptela de “doutores”, dado serem na maior parte licenciados pela Escola Médico-Cirúrgica do Funchal. Do grupo inicial faziam parte José Varela (1874-1937), João Augusto de Freitas (1872-1942), António Rodrigues Capelo (1875-1940), Alfredo Justino Rodrigues (1872-1940), João Miguel Rodrigues da Silva (1882-1931), Paulo Perestrello Aragão (1872-1916), Abel Sabino de Freitas, António Augusto, e os líderes Pestana Júnior e Vasco Gonçalves Marques, antigo regenerador. Nas reuniões, realizadas no escritório de Gonçalves Preto, chegaram a participar o advogado Joaquim Carlos de Sousa (1867-1950), o jornalista Francisco António Ferreira (1870-1912), João Frederico Rego, Pedro Ferreira e Egídio Torcato Rodrigues (1877-1955), estes dois últimos, ex-regeneradores. O primeiro alvo dos novos foi o presidente da comissão camarária, Afonso Vieira de Andrade, seguido pelo governador civil, acusado de não ouvir as diversas estruturas do PRM e de tomar decisões arbitrárias. Nas páginas de O Radical, colocava-se igualmente em causa o papel da Igreja, apoiando-se a proibição das festas religiosas, nomeadamente os grandes arraiais de Senhor dos Milagres de Machico ou de N.ª Sr.ª do Monte no Funchal, assunto que levantou larga polémica entre os republicanos. Os apoiantes de Manuel Augusto Martins não pouparam críticas aos dissidentes do Radical e do Centro Republicano Democrático, acusando-os de pseudorrepublicanismo e de contarem com antigos monárquicos nas suas fileiras, nomeadamente os médicos e advogados que tinham sido regeneradores. Deste modo, não apresentavam questões verdadeiramente novas, apenas deram novas roupagens a polémicas antigas. Com a aproximação do ato eleitoral de 28 de maio, os dois grupos republicanos – de um lado, o Clube Republicano e o governador, apoiados pelo jornal O Povo, do outro, o Centro Republicano Democrático, apoiado pel’O Radical – mostraram claramente as suas divergências, vindo os monárquicos a optar por se abster de concorrer. Os republicanos mais antigos vieram a escolher como cabeça de lista Manuel de Arriaga (1840-1917), que levou algum tempo a aceitar voltar às lides parlamentares, só o fazendo por cortesia e gratidão para com a Ilha, enquanto o Centro Republicano Democrático escolheu Pestana Júnior e Francisco Correia Herédia Ribeira Brava, aparecendo o nome de Carlos Olavo Correia de Azevedo nas duas listas. O saldo das eleições foi muito negativo, em termos de repercussão local e mesmo nacional, tendo o ato eleitoral sido submetido à apreciação da Assembleia Constituinte e todos os dados sido revistos e escrutinados (Eleições na República). As dissidências republicanas na Madeira, apoiadas pela ação combativa dos diferentes periódicos que foram surgindo, consolidaram-se e refletiram-se no fracionamento das estruturas organizativas. A eleição de Manuel de Arriaga como Presidente da República, a 25 de agosto, recebida com entusiasmo pela grande maioria dos republicanos insulares, foi uma exceção. A sua vitória foi consensual, atendendo ao passado político de primeiro deputado republicano eleito pela Madeira e de conhecedor das realidades insulares, pelo que a notícia foi recebida com alegria, elevando, de alguma forma, a autoestima republicana, então bastante abalada. Organizaram-se vários festejos, entre os quais, uma parada militar no antigo campo de D. Carlos, rebatizado com campo Almirante Reis. Após as eleições, a 16 de junho, realizou-se uma assembleia-geral no Clube Republicano da Madeira, que elegeu novos corpos gerentes, vindo a presidência da assembleia a ser assumida por José Joaquim de Freitas, a direção por Romano de Santa Clara Gomes (1869-1949) e o conselho fiscal por Nicázio Azevedo Ramos. Este último afastou-se progressivamente da política ativa, passando a dedicar-se à investigação médica e à sua empresa. Mantiveram-se, nas várias estruturas, Manuel Jorge Pinto Correia, José Quirino de Castro, Manuel dos Passos Freitas, Henrique Augusto Rodrigues, Francisco da Conceição Rodrigues, Eduardo Olim Perestrello (1884-1947), João Tiago de Castro e outros. No final do ano, foram feitas eleições idênticas eleições no Centro Republicano Democrático, passando a presidência e a vice-presidência da assembleia-geral, respetivamente, a António Filipe Noronha (c.1880-1963) e a Eduardo Nicolau de Ascensão (1883-c.1930), integrando a comissão política Francisco Correia Herédia Ribeira Brava, Pestana Júnior, Gonçalves Preto, José Varela, António Augusto da Silva Pereira e Vasco Gonçalves Marques. Nas várias comissões, ainda apareceram Alfredo Guilherme Rodrigues, Fernando Tolentino da Costa e outros. A abertura do Centro tinha contado com uma intervenção do antigo visconde da Ribeira Brava, que foi depois portador de uma moção para Afonso Costa onde era afirmada a simpatia pelo grupo parlamentar republicano democrático, gesto que o mesmo agradeceu, prontificando-se a prestar toda a solidariedade e proteção ao Centro. Nos finais de 1911, as divergências relativamente à orientação política do distrito agudizaram-se, envolvendo mesmo os republicanos mais moderados. O Centro Manuel de Arriaga e o Clube Republicano da Madeira, bem como a maioria das comissões políticas, retiraram o apoio a Manuel Augusto Martins, em setembro. A Voz do Povo, órgão do Centro Manuel de Arriaga que já citámos e que começou a ser publicado a 1 de outubro, sob a direção de Frederico Pinto Coelho (1851-1916), liderava, com O Radical, as críticas ao governador. Acusavam-no de perseguições aos republicanos, de não ouvir as recomendações do PRM e de confiar cargos importantes a antigos monárquicos que não se haviam filiado neste partido. Nos finais de novembro, o Centro Republicano Manuel de Arriaga implorou ao presidente do Conselho de Ministros, por carta, que pusesse termo à situação. As desilusões sentidas em relação à República, que apontavam que a Ilha estava “mais desprezada, mais abandonada ainda, do que no tempo da monarquia”, como se escreveu em A Voz do Povo (A Voz do Povo, Funchal, 28 nov. 1911), eram secundadas pelos demais periódicos. A 16 de setembro de 1911, através do semanário Trabalho e União, um grupo de socialistas lançou a ideia de constituir um centro socialista funchalense. Passara quase um ano sobre a implantação da República e continuava a situação dos monopólios, da carestia de vida, dos impostos e da falta de infraestruturas. A 23 de setembro, o mesmo periódico anunciou a abertura de inscrições, na sua redação, para o novo centro socialista. O ano terminou com uma nova proposta política, anunciada pelo semanário O Povo, na sua edição de 31 de dezembro: a união republicana. As reuniões tinham começado nos meados do ano e, a 5 de outubro de 1912, foi lançado um “bissemanário da tarde”, O Tempo, com redação e administração na R. João Esmeraldo n.º 18, dirigido pelo Cap. de administração militar Manuel de Sousa Brasão (1884-1923), que passou a defender a orientação do novo partido União Republicana. Mas a exemplo do que sucedeu no continente, este periódico teve uma vida efémera na Madeira, embora ainda no final desse ano recebesse um nome de peso: em novembro, Manuel Augusto Martins assumiu a presidência da comissão executiva do jornal; vale a pena referir que, mais tarde, nas eleições de 1921, Sousa Brasão foi eleito deputado (Eleições na República). A 30 de abril de 1912, foi constituída uma comissão para organizar o Partido Evolucionista, que se tentou implantar na Ilha ao longo do ano. O Gov. Manuel Augusto Martins foi substituído, em fevereiro de 1912, pelo jovem Gov. João Maria de Santiago Prezado (1853-1927), que tomou posse a 4 de abril, regressando à direção de O Povo. O novo governador procedeu a uma série de exonerações e nomeações, sendo a comissão administrativa do Funchal entregue a um grupo do qual fazia parte Pestana Júnior e demais elementos do Centro Republicano Democrático, como Henrique Augusto Rodrigues (1856-1934) e Fernando Tolentino da Costa (1874-1957). A escolha não foi pacífica e o novo governador transformou-se num alvo do periódico O Povo, que o acusou de reintegrar pessoal demitido depois da República, afastando os antigos republicanos. As críticas mantiveram-se nas nomeações seguintes, pois em agosto foram escolhidos os membros da Junta Agrícola da Madeira, responsável pelas Obras Públicas da Ilha: Pestana Júnior, Francisco Correia Herédia Ribeira Brava, João Augusto Freitas, Manuel José Varela, Eduardo Fernandes Alves, Manuel Jorge Pinto Correia, José Luciano Henriques, Francisco Andrade e Pedro José Lomelino. A escolha de Vasco Gonçalves Marques para a administração do concelho também não podia agradar aos velhos republicanos e ao periódico O Povo, até porque era um antigo regenerador e dado como delegado, na Madeira, dos deputados Ribeira Brava e Pestana Júnior. Em setembro, ocorreu a cisão no Centro Republicano Democrático, criando-se dois grupos, um liderado por António do Monte Varela (1865-1957) e pelo Cap. José Maria da Conceição Macedo (1865-1931), tendo sede na Ponta do Sol; outro liderado por Pestana Júnior, essencialmente, apoiando Afonso Costa, em cujo gabinete de advocacia aquele estagiara. A 5 de outubro, surgiu um novo semanário republicano, A Vida, em defesa do Partido Democrático Madeirense, fundado por Pestana Júnior. O grupo de António Varela respondeu com um outro periódico, A Democracia, que surgiu a 15 de abril e passou a ser o órgão de imprensa do Centro Republicano Democrático. Curiosamente, ambos os jornais chegaram a ocupar as mesmas instalações no Funchal, na R. Câmara Pestana n.º 25 (Partidos Políticos). O Gov. Santiago Prezado acabou por se ver envolvido em toda esta turbulência, sendo acusado de falta de neutralidade por vários quadrantes e, alegando motivos de saúde, embora tivesse somente 27 anos de idade, pediu a demissão em março, sendo substituído pelo Maj. Alfredo Ernesto de Sá Cardoso (1864-1950). A situação política madeirense não melhorou com a mudança do governador, e a fragmentação dos republicanos prosseguiu. A 1 de maio de 1913, apareceu ainda o bissemanário O Liberal, com instalações na R. dos Ferreiros n.º 87, tendo como diretor o advogado Remígio Gil Spínola Barreto (1869-1963) e como editor e administrador o jovem médico José Maria Ferreira (1880-1966). Apresentava-se como um órgão do PRP e subscreveu, logicamente, as posições do novo governador. Poucos dias depois, Sá Cardoso nomeou Spínola Barreto como governador substituto. A família republicana madeirense apareceu, assim, dividida em três tendências, nas vésperas das eleições suplementares de 16 de novembro de 1913: os democráticos, apoiantes de Afonso Costa; os unionistas; os evolucionistas. Os novos quadros republicanos, especialmente Ribeira Brava e Pestana Júnior, entre o Funchal e Lisboa, mas assessorados, no Funchal, por Vasco Gonçalves Marques e outros, desenvolveram um interessante trabalho de reformulação desta cidade, chamando à Madeira o Arqt. Miguel Ventura Terra (1866-1919). O projeto de melhoramentos que entregou logo em 1915 ainda deu uns tímidos primeiros passos, com a amputação do cunhal do baluarte do Castanheiro (fortaleza de S. Lourenço) para a ampliação da futura Av. Arriaga e com a demolição da cadeia camarária para a abertura do Lg. da Sé, mas a aproximação da Primeira Guerra Mundial, essencialmente, envolvendo uma grande potência marítima, que era a Inglaterra e outra continental, que era a Alemanha, levou a adiar os trabalhos. A entrada precipitada de Portugal nesse vasto conflito internacional também não resolveu as divergências internas republicanas, sendo necessárias algumas décadas para encontrar um caminho de estabilidade.   Rui Carita (atualizado a 17.12.2017)

História Política e Institucional