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biologia marinha

Biologia marinha é a parte da biologia que estuda os organismos que vivem nos ecossistemas de água salgada, a relação entre eles e a sua relação com o ambiente. Quase 71 % da Terra está coberta por oceanos. Estes funcionam como reguladores da temperatura no planeta e as suas características e alterações físicas afetam, direta ou indiretamente, as populações (Oceanografia). O fenómeno do El Niño, e.g., que provoca alterações no clima de muitas regiões do mundo, tem origem no oceano Pacífico. Da mesma forma, os níveis das ondas e marés afetam diretamente os contornos dos continentes e as populações costeiras. Além disto, os organismos marinhos são uma importante fonte de alimentação e produtos naturais para o mundo. Por isso, entender a relação e a interdependência entre os organismos marinhos entre si e com o ambiente é muito importante. História da biologia marinha Os primeiros estudos sobre organismos marinhos remontam à Grécia e Roma antigas. Aristóteles, e.g., descreveu cerca de 500 espécies, 1/3 das quais são marinhas, e interessou-se especialmente por entender o funcionamento das brânquias. Plínio, o Velho, um naturalista romano, incluiu diversas espécies de peixes, moluscos e mexilhões na sua História Natural. Foi, porém, nos sécs. XVIII e XIX que o estudo dos organismos marinhos cresceu exponencialmente com os avanços da tecnologia, nomeadamente com a construção de melhores barcos e instrumentos de navegação. A investigação das costas portuguesas foi alvo de numerosos estudos a partir do séc. XIX, sendo tal região nordeste do Atlântico denominada Província Lusitana. Nesta altura, colecionaram-se inúmeros exemplares de organismos marinhos, escreveram-se inventários de espécies e descreveram-se muitas espécies novas para a ciência. Neste período, a maior parte das amostras eram disponibilizadas por pescadores locais ou encontradas nos mercados. Algumas expedições oceanográficas, e.g. as organizadas por D. Carlos I (1863-1908), contribuíram significativamente para o avanço da biologia marinha em Portugal. Foi também o penúltimo rei de Portugal quem concebeu e impulsionou a fundação do Aquário Vasco da Gama, inaugurado em maio de 1898. Em meados do séc. XX, a publicação de Peixes do Portugal e Ilhas Adjacentes em 1956, por R. Albuquerque, foi um marco na biologia marinha em Portugal, constituindo-se na principal referência desta área durante mais de 30 anos. Esta obra incluía uma lista completa da ictiofauna (espécies de peixes) conhecida na época, assim como uma chave para a sua identificação. Durante a segunda metade do séc. XX, um dos grandes impulsionadores da biologia marinha em Portugal foi Luiz Saldanha (1937-1997), professor catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que publicou inúmeros estudos nesta disciplina, desde invertebrados e algas até à fauna das profundezas oceânicas, e impulsionou a proteção de áreas naturais marinhas. O desenvolvimento e melhoramento das técnicas de mergulho, no princípio do séc. XXI, assim como outros avanços tecnológicos, deram um novo impulso ao conhecimento da ictiofauna e dos habitats marinhos. É possível, e.g., aos cientistas irem até ao chão marinho com submergíveis de águas profundas ou enviarem robots com câmaras para estudarem os habitats mais profundos e os organismos que neles habitam. Zonas ou regiões oceânicas O lugar específico onde os organismos vivem é chamado habitat. Alguns exemplos de habitats marinhos são: costas rochosas, praias de areia, recifes de coral, mar profundo, entre outros. Os habitats e as suas condições dependem muito da zona ou região oceânica onde se encontram. Domínio bentónico: É a área mais próxima do fundo oceânico e pode ser subdividida em várias zonas. A zona litoral é o conjunto de habitats que estão sob a influência das marés, e a parte que fica exposta durante a maré baixa é denominada de zona entremarés. Estes habitats estão sujeitos à força mecânica das ondas, à alternância entre submersão e exposição ao ar, à água salgada (ondas), à água doce (chuvas), e a uma grande variação de temperatura, luz solar, salinidade, etc. Em virtude de tudo isto, os organismos que habitam nestas zonas têm de ter uma grande capacidade de adaptação. As zonas mais profundas do domínio bentónico são similares às zonas do domínio pelágico: a zona batial, situada no declive ou talude continental até aproximadamente aos 4000 m de profundidade; a zona abissal, com profundidades até aos 6000 m; e a zona hadal, que compreende o fundo das fossas oceânicas. Os organismos que habitam no domínio bentónico são denominados de bentos e vivem no substrato, sobre o sedimento ou enterrados nele, fixos ou não. Domínio pelágico: É a zona de mar aberto que começa a seguir à zona litoral e continua até ao alto mar. A sua profundidade vai desde os 10 m até quase aos 6000 m. A camada de água que cobre a plataforma continental é conhecida como província nerítica e é adjacente à zona litoral. A área por cima do oceano mais profundo é denominada de província oceânica. O domínio pelágico pode ser dividido em presença de luz solar em zona eufótica, até aproximadamente aos 200 m de profundidade, e em zona afótica, a parte do oceano que se mantém na escuridão. Este domínio também pode ser dividido segundo as diferentes profundidades: zona epipelágica, até aos 200 m de profundidade; zona mesopelágica, entre os 200 e os 1000 m; zona batipelágica, entre os 1000 e aos 4000 m; zona abisopelágica, dos 4000 aos 6000 m, incluindo as planícies abissais; zona hadopelágica, abaixo dos 6000 m, incluindo as fossas abissais (a fossa mais profunda conhecida é a fossa das Marianas que se encontra no oceano Pacífico e atinge 11.034 m de profundidade). Os organismos que vivem no domínio pelágico são de dois tipos: plâncton, organismos que ficam à deriva dos movimentos da água, e nécton, organismos capazes de nadar. Fig. 1 – Desenho com os diferentes domínios e as zonas oceânicas. Por P. Puppo.     Fatores ambientais Cada um dos habitats marinhos possui um conjunto de características físicas que, juntamente com a capacidade dos organismos para se adaptarem a elas, determina a distribuição de espécies. Cada espécie tem requisitos diferentes para cada um destes fatores e a sua capacidade de adaptação às mudanças pode alterar a sua distribuição ou mesmo levar a que uma espécie não se reproduza ou morra. É este conjunto de fatores, e.g. luz solar, temperatura, salinidade, pressão, nutrientes, que determina a distribuição das espécies. Luz solar: Este é um dos fatores mais importantes nos habitats marinhos. A luz solar penetra até diferentes profundidades, dependendo da qualidade da água. Em zonas onde a água é mais turva, a luz solar pode chegar a um metro de profundidade, enquanto, em zonas onde a água é mais transparente, a luz solar pode chegar aos dois metros de profundidade. A luz solar é essencial para os processos de fotossíntese de muitos organismos, e.g. plantas marinhas, algas e fitoplâncton. Também é necessária para a visão, já que muitos animais dependem deste sentido para caçar, fugir aos predadores ou para comunicar entre si. Os animais das profundezas, onde a luz solar é escassa ou não chega, dependem de outros sentidos, como o cheiro e o gosto, ou desenvolvem formas de produzir luz (bioluminescência). Temperatura: Da mesma forma que a luz solar, a temperatura também varia consoante a profundidade. A maior parte dos animais marinhos são ectotérmicos, ou seja, a sua temperatura corporal depende da temperatura do exterior e, por isso, são mais ativos quando a água fica mais quente. Os mamíferos e aves, por outro lado, são endotérmicos, produzem o seu próprio calor, e possuem uma temperatura interior normalmente maior que a temperatura da água. Os animais endotérmicos precisam de adaptações especiais que lhes permitam isolar a temperatura do seu corpo da temperatura exterior. Salinidade: Salinidade é a concentração de sais orgânicos dissolvidos na água. Os organismos possuem membranas semipermeáveis que deixam passar a água, mas não os sais (osmose) e, por isso, é muito importante conseguirem manter o equilibro dos níveis de água nos seus corpos. Se os organismos deixarem sair água a mais, podem-se desidratar ou mesmo morrer. Pressão: A pressão do mar mede-se em atmosferas (atm), sendo 1 atm equivalente a 101.325 Pa (pascais, a medida padrão de pressão). A pressão que a atmosfera exerce sobre o nível do mar é de 1 atm e vai aumentando consoante a profundidade, à razão de 1 atm por cada 10 metros de profundidade. Assim, e.g., a uma profundidade de 4000 m, a pressão é de 400 atm. Com esta diferença em pressão, os animais que normalmente habitam na superfície do mar não conseguem sobreviver às profundezas oceânicas. Organismos como as baleias, que conseguem nadar tanto na superfície do mar como nas profundezas, possuem adaptações especiais que lhes permitem tolerar estas diferenças em pressão. Nutrientes: Os organismos também precisam de uma série de compostos orgânicos e inorgânicos para crescerem e se reproduzirem. O cálcio, que é abundante no mar, é necessário para que organismos como os crustáceos, caracóis, ostras, corais, etc., se possam desenvolver. Da mesma maneira, compostos como o nitrogénio e o fósforo são essenciais para os organismos que produzem fotossíntese, e.g. o fitoplâncton, as algas e as plantas marinhas. O oxigénio, por seu turno, é indispensável a muitos organismos, como as plantas, os animais e muitos micróbios. O excesso de nutrientes, por outro lado, também pode levar a problemas sérios, como a sobrepopulação de fitoplâncton, conhecida vulgarmente como explosão de algas – que, ao morrerem, se decompõem, consumindo todo o oxigénio e matando outros organismos. Normalmente, as zonas de águas rasas e as zonas intermareais apresentam uma maior variação em luz solar, temperatura, salinidade e nutrientes, e os organismos que nelas habitam necessitam de se adaptar a estas variações. Pelo contrário, as zonas de águas mais profundas apresentam níveis de temperatura, sal, pressão e nutrientes mais constantes, pelo que os organismos destas áreas são muito mais intolerantes a alterações abruptas nestes fatores. Ecossistemas e cadeias alimentares A interação entre as comunidades de organismos e o efeito que o meio (os fatores ambientais) tem sobre elas é designada por ecossistema. Uma das principais interações entre as comunidades bióticas é a cadeia alimentar, em que umas comunidades se alimentam de outras e, por isso, dependem delas para sobreviver. Estas cadeias alimentares são um ciclo que começa com os produtores, organismos capazes de produzir o seu próprio alimento e que servem de alimento a outros organismos, os consumidores, e que acaba com os decompositores, organismos que transformam cadáveres e excrementos em nutrientes, que podem ser reutilizados pelos produtores. Frequentemente, os consumidores alimentam-se de diferentes organismos, o que torna estas interações muito mais complexas. Produtores: Os produtores são organismos autótrofos, ou seja, são capazes de produzir o seu próprio alimento. A maior parte dos produtores faz isto através de um processo conhecido como fotossíntese, em que os organismos usam luz solar, dióxido de carbono e água para produzir glucose, libertando oxigénio. Consumidores: Os consumidores são todos os organismos incapazes de produzir o seu próprio alimento e que, por isso, se alimentam de outros organismos. Os consumidores podem ser herbívoros, que se alimentam dos produtores; carnívoros, que se alimentam de outros consumidores; ou omnívoros, que se alimentam tanto de produtores como de outros consumidores. Decompositores: São organismos que se alimentam de cadáveres ou de qualquer outro resto orgânico, transformando-os em compostos ou moléculas mais simples, que podem ser reaproveitadas pelos produtores. Microrganismos marinhos Os microrganismos são os organismos mais abundantes no oceano e, embora não sejam visíveis a olho nu, cumprem funções importantíssimas nos ecossistemas marinhos: são a base das cadeias alimentares, decompõem organismos mortos e reciclam nutrientes. Existem vários tipos de microrganismos marinhos: vírus, bactérias, fungos, diatomáceas, etc. Os mais significativos são mencionados com mais detalhe a seguir. Vírus marinhos: Os vírus não são considerados organismos, mas parasitas, já que só se podem reproduzir usando uma célula hóspede. Fora de um hóspede, os vírus são inertes e são chamados vírions. Uma vez dentro de uma célula, podem-se reproduzir rapidamente, produzindo milhares de novos vírus. As células infetadas morrem e, por isso, os vírus podem reduzir significativamente populações de bactérias e outros microrganismos, libertando nutrientes no mar. Bactérias marinhas: As bactérias são organismos unicelulares procariontes (que carecem de membrana no núcleo e organelos). As cianobactérias, também conhecidas como algas azuis ou algas verde-azuladas, são organismos capazes de produzir o seu próprio alimento através da fotossíntese. Grandes quantidades de cianobactérias podem formar tapetes que dão uma cor característica à água, e.g. o caso do mar Vermelho. As bactérias incapazes de produzir o seu próprio alimento alimentam-se de outros organismos e decompõem matéria orgânica, libertando compostos inorgânicos no mar. Algumas bactérias associam-se a outros organismos (simbiose), tal como acontece com alguns peixes dos abismos oceânicos que produzem luz (bioluminescência) por meio de uma simbiose com bactérias produtoras de luz. Arqueias: Estes organismos são procariontes e muito parecidos com as bactérias, mas as suas membranas celulares são muito resistentes e, por isso, conseguem habitar áreas extremas com temperaturas muito baixas ou muito elevadas (acima dos 100 ºC) ou com uma alta concentração de sais, alta pressão, ambientes muito ácidos, etc. Algumas arqueias não precisam de oxigénio para viver e libertam metano. Fungos marinhos: Os fungos são organismos eucariotas (as suas células têm um núcleo delimitado por uma membrana e por organelos) cuja membrana celular é composta de quitina, o mesmo composto que se encontra nas carapaças de animais como os crustáceos. Os fungos são organismos que precisam de oxigénio para viver e são incapazes de produzir o seu próprio alimento. Não são muito abundantes no mar e, de facto, menos de 1 % dos fungos são marinhos. Liquens: Estes organismos são uma simbiose entre um fungo e uma bactéria, o que lhes permite viver em zonas inóspitas para outros organismos como, e.g., zonas intermareais altas. Diatomáceas: As diatomáceas pertencem ao grupo das Straminopiles, um grupo variado de algas que inclui as algas castanhas. As diatomáceas são organismos protistas (grupo de organismos eucariotas), unicelulares e fotossintéticos caracterizados por possuir a membrana exterior à maneira de carapaça (conhecida por frústula), rica em dióxido de silício. Como a sílica é indissolúvel, quando estes organismos morrem, as suas frústulas depositam-se no fundo marinho, formando sedimentos de sílica que podem ser depois colhidos e usados como filtros ou abrasivos para usos comerciais. São um grupo numeroso de organismos, estimando-se que existem mais de 100.000 espécies de diatomáceas, e são o principal componente do fitoplâncton. Cocolitóforos: Parecidos com as diatomáceas, estes microrganismos fotossintéticos possuem, em vez de uma carapaça de sílica, escamas de carbonato de cálcio (conhecidas como cocólitos). Após a morte do organismo, estes cocólitos formam importantes depósitos de cálcio no chão marinho. Na Madeira, Kaufmann registou, em 2004, cerca de 37 espécies de cocolitóforos. Dinoflagelados: São organismos protistas, unicelulares cobertos por placas de celulose. Muitas espécies são autótrofas, outras são heterótrofas (alimentam-se de outros organismos), algumas são parasitas e outras vivem em simbiose com outros organismos. Algumas espécies produzem luz (são bioluminescentes) e outras produzem toxinas que podem matar outros animais. Estas toxinas podem-se acumular em alguns organismos (e.g. peixes) que se alimentam de dinoflagelados, e também afetar a saúde dos seres humanos. Em todos os verões, desde 2007, se têm registado casos, na Madeira e nas Selvagens, de pessoas intoxicadas por dinoflagelados. Um outro fenómeno originado por estes organismos são as marés vermelhas, uma concentração de dinoflagelados que aparece quando as condições são favoráveis e estes organismos se reproduzem rapidamente. As espécies autótrofas de dinoflagelados são o segundo componente mais importante do fitoplâncton, após as diatomáceas. Fig. 2 – Desenhos de dois microrganismos marinhos: cocolitóforo (esquerda) e dinoflagelado (direita). Por P. Puppo.   Protozoários ameboides: São organismos protistas e heterótrofos que se alimentam de bactérias e outros microrganismos. Possuem extensões no citoplasma, denominadas de pseudópodos, que usam para locomoção ou para apanhar presas. Pertencem a dois grupos: os foraminíferos, que possuem uma concha calcária, que, muitas vezes, é responsável pela tonalidade cor-de-rosa da areia em algumas praias, e os radiolários, que possuem uma cápsula porosa que deixa passar os pseudópodos e formam uma carapaça interna de sílica. Após a morte destes organismos, as conchas e carapaças formam depósitos importantes no fundo marinho. Fitoplâncton: é o conjunto de microrganismos marinhos capazes de realizar fotossíntese, e.g. as cianobactérias, diatomáceas, cocolitóforos, algumas espécies de dinoflagelados e algumas espécies de algas castanhas. Pertencem ao grupo dos produtores e são os principais responsáveis pela transformação de dióxido de carbono (CO2) em oxigénio, não só nos oceanos, mas também na atmosfera. Um estudo realizado em 2015 por Kaufmann, no oceano Atlântico ao redor da Madeira, concluiu que o fitoplâncton é composto de mais de 470 espécies, das quais 55 % são diatomáceas e 33 % são dinoflagelados.   Algas e plantas marinhas Embora os principais produtores marinhos sejam os microrganismos conhecidos como fitoplâncton, as algas e plantas marinhas também estão incluídas no grupo dos produtores. Na sua maioria, estes organismos não flutuam com as correntes marinhas, mas estão fixos no substrato. A exceção a esta regra é um grupo de algas castanhas conhecidas como sargaço, que formam tapetes flutuantes no oceano. Além da sua função como produtores, as algas e plantas marinhas proporcionam habitats para outros organismos e, por outro lado, as raízes das plantas são importantes para fixar o substrato marinho. Algas marinhas: Existem três grupos de algas: as verdes, as vermelhas e as castanhas. As algas verdes e as algas vermelhas são parecidas com as plantas, enquanto as algas castanhas estão mais relacionadas com as diatomáceas. O seu nome deriva dos diferentes pigmentos que cada um destes grupos de algas possui. Estes pigmentos ajudam estes organismos a absorver diferentes comprimentos de onda da luz e, assim, a adaptar-se às diferentes zonas do oceano. Também protegem as algas em caso de excesso de exposição à luz solar. As algas verdes, e.g., absorvem ondas de luz vermelha e, por isso, estas algas encontram-se mais perto da superfície. As algas vermelhas, por seu lado, absorvem ondas de luz azul (que penetram mais no oceano) e, por isso, encontram-se a maiores profundidades, enquanto as algas castanhas se distribuem tipicamente por profundidades intermédias. A temperatura também afeta a distribuição e abundância das algas, sendo que estes organismos são geralmente mais abundantes perto dos trópicos. As algas não têm folhas, caules, nem raízes como as plantas. O seu corpo é denominado talo, a parte plana é a lâmina, o estipe é a parte parecida com o caule das plantas, mas sem tecidos vasculares, e a zona parecida com uma raiz, que fixa o organismo ao substrato, chama-se rizoide. Algumas algas formam vesículas cheias de ar nas lâminas que ajudam os organismos a flutuar e, assim, a ficar mais perto da superfície e a captar mais luz solar. Muitas espécies de algas são exploradas pelo homem para consumo direto, e outras são usadas como fonte de alguns compostos usados na indústria farmacêutica e alimentícia, e.g. substitutos da gelatina (ágar) para produzir cápsulas, supositórios, anticoagulantes, cremes, geleias, etc. Plantas marinhas: As plantas que vivem em águas salgadas são plantas com flores que se adaptaram a estes ecossistemas. Diferentemente das algas, as plantas marinhas possuem folhas, caules e raízes pelas quais absorvem nutrientes do substrato. Vivem em zonas de pouca profundidade, formando prados marinhos, oferecem refúgio a muitos animais bentónicos e servem de alimento a algumas espécies de peixe-papagaio, ouriço-do-mar e tartarugas marinhas. Estas plantas, conhecidas também como ervas marinhas, fixam o sedimento marinho com as suas raízes, diminuindo a turbidez da água, e diminuem a velocidade da água com as suas folhas. A lista mais recente de algas e plantas marinhas do arquipélago da Madeira, publicada em 2001 por Neto e colaboradores, inclui uma espécie de planta marinha e 359 espécies de algas marinhas, das quais 231 são algas vermelhas, 64 são algas verdes e 64 são algas castanhas.   Fig. 3 – Desenho das partes de uma alga castanha. Por P. Puppo.      Invertebrados marinhos Os invertebrados são aqueles animais que carecem de coluna vertebral, ao contrário dos vertebrados (peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos), que possuem esta estrutura. Os invertebrados são muito mais numerosos que os vertebrados e, entre os invertebrados marinhos, encontram-se as esponjas, cnidários, ctenóforos, vermes marinhos, moluscos, crustáceos, etc. Esponjas: As esponjas são os animais mais simples, pois não têm tecidos, órgãos ou sistema nervoso. O seu corpo apresenta uma forma de tubo, um dos seus extremos é fechado, por estar preso ao substrato, e o outro extremo, denominado ósculo, por onde sai a água, é aberto. O interior do corpo é chamado espongiocele. Alimentam-se de pequenas partículas (bactérias, plâncton, detritos) que apanham, filtrando a água que entra por vários pequenos orifícios – os óstios – no corpo. As esponjas são um componente importante de águas pouco profundas e ajudam na reciclagem de cálcio no oceano. Até 2012, foram registadas por Xavier e Van Soest 95 espécies de esponjas de águas rasas na região oceânica em redor das ilhas Canárias e da Madeira. Cnidários: Os cnidários são animais cujo corpo está organizado em redor de um único buraco (ou boca) rodeado de tentáculos urticantes que injetam uma toxina. A toxina de algumas espécies pode ser mortal, embora alguns animais, e.g. o peixe-palhaço, lhe sejam imunes. Os cnidários apresentam duas formas de vida, pólipo ou medusa, e estão subdivididos em quatro classes principais. Os Hydrozoa apresentam duas fases no seu ciclo de vida (pólipo ou medusa) e incluem as hidras e a caravela-portuguesa ou garrafa azul. Os Scyphozoa são sobretudo medusas, mexem-se, mas são incapazes de ir contra a corrente e são as comummente chamadas medusas, águas-vivas ou alforrecas. Os Cubozoa são medusas em forma de cubo, também conhecidas como cubozoários, e são predadores ativos que matam a sua presa, injetando-a com toxinas; alimentam-se sobretudo de peixe. Os Anthozoa são pólipos, vivem fixos no substrato marinho e incluem as anémonas, que apanham as suas presas com os seus tentáculos, e os corais, que segregam um esqueleto externo de cálcio e formam colónias de inumeráveis indivíduos (recifes). Os cnidários alimentam-se por filtração (Hydrozoa e corais) ou apanhando pequenos peixes e invertebrados com os seus tentáculos (Scyphozoa, Cubozoa e anémonas). A comida é digerida no interior oco dos organismos, na cavidade central ou gastrovascular, e os restos são expulsos para o exterior pelo único buraco que estes organismos possuem. Muitos cnidários também servem de alimento a outros animais, e.g. tartarugas marinhas e várias espécies de peixe, que comem medusas, e uma espécie de estrela-do-mar, que come corais. Os recifes de corais são as colónias de organismos maiores do mundo e são importantes em muitos aspetos: constituem o habitat de muitos outros seres vivos, servem de substrato para várias espécies do domínio bentónico e atenuam o impacto das ondas marinhas. Os cnidários são muito abundantes na Madeira e no Porto Santo; e.g., só para os Hydrozoa, Wirtz registou em 2007 a ocorrência de 53 espécies. Ctenóforos: conhecidos vulgarmente como carambolas-do-mar ou águas-vivas-de-pentes, estes organismos caracterizam-se pela presença de filas de cílios (à maneira de pentes), que utilizam para nadar, e por produzirem luz (são bioluminescentes). São parecidos com as medusas, mas normalmente não têm tentáculos ao redor da boca; poucas espécies possuem só dois tentáculos, que não produzem toxinas e que usam para apanharem as suas presas. Os ctenóforos são predadores e alimentam-se principalmente de plâncton, embora algumas espécies comam medusas. Vermes marinhos: Os vermes marinhos são muito numerosos e estão subdivididos em muitos grupos. Só alguns serão mencionados seguidamente com mais pormenor. Os platelmintos são vermes-planos, têm olhos rudimentares, que lhes permitem distinguir as diferentes intensidades de luz, têm um só buraco por onde entra o alimento e saem os resíduos, e são carnívoros, alimentando-se de pequenos invertebrados. Algumas espécies destes vermes-planos, os turbelários, medem entre alguns milímetros e 50 cm e vivem livremente no domínio bentónico; outras espécies são parasitas de outros animais e, em alguns casos, como as ténias das baleias, podem medir até 30 m de comprimento. Os nemátodos são vermes redondos cujo corpo é cilíndrico e alongado e possui uma boca e um ânus. Os seus hábitos alimentares são muito variados, desde varredores, parasitas e predadores, consumindo, alguns, bactérias e algas. Estes vermes são muito abundantes e, embora normalmente sejam pequenos (menos de 5 cm), algumas espécies podem atingir mais de um metro de comprimento. Os anelídeos são vermes segmentados cujo corpo é composto de muitos segmentos iguais entre si, o que lhes permite uma maior mobilidade. Os anelídeos marinhos mais comuns pertencem ao grupo dos poliquetas, que têm o corpo coberto de cerdas e são de vida livre (pelágicos) ou sedentários. Os vermes marinhos cumprem muitas funções importantes nos ecossistemas. As espécies que vivem enterradas no substrato ajudam na reciclagem de nutrientes, pois, ao cavar no sedimento, trazem à superfície nutrientes que podem ser reaproveitados por outros organismos. Outras espécies alimentam-se de pequenos organismos ou detritos ou servem de comida para animais maiores. Briozoários: Também conhecidos como animais-musgo, pertencem ao grupo dos lofoforados, já que possuem um círculo de tentáculos ciliados ao redor da boca. O seu aparelho digestivo tem a forma de um U, sendo que o ânus está muito próximo da boca. Os briozoários são animais que vivem formando colónias sésseis e se alimentam por filtração. Moluscos: É um grupo de organismos muito variado que inclui animais como lulas, polvos, mexilhões, etc. O seu corpo é mole e é composto de uma cabeça, onde estão os órgãos sensoriais, um pé, usado para a locomoção, e um manto, que protege a maior parte do corpo e que muitas vezes segrega uma concha. Os moluscos apresentam um sistema digestivo completo (boca-ânus) e, com exceção dos bivalves, possuem uma estrutura conhecida como rádula, um tecido que contém dentes usados para raspar, rasgar ou cortar os alimentos. Os moluscos são uma importante fonte de alimento para animais e seres humanos e constituem uma importante fonte de cálcio para algumas aves marinhas. Os moluscos estão subdivididos em várias classes, algumas delas extintas (só se conhecem por fósseis). As espécies marinhas encontram-se, sobretudo, em quatro classes: Polyplacophora (cerca de 1200 espécies), Gastropoda (40.000-50.000 espécies), Bivalvia (cerca de 800 espécies), e Cephalopoda (cerca de 790 espécies). Os Polyplacophora são organismos exclusivamente marinhos que habitam sobretudo na zona entremarés, o seu corpo é plano, estando coberto por oito placas calcárias, e alimentam-se de algas e plantas que raspam do substrato com a rádula. Os quítons pertencem a este grupo. Os gastrópodes mexem-se deslizando pelo substrato com o pé musculado; a maioria das espécies possui uma concha, enroscada (caracóis) ou mais ou menos lisa (lapas), e outras espécies, como os nudibrânquios, carecem de concha. A sua alimentação é igualmente variada: algumas espécies são herbívoras e alimentam-se de algas ou plantas marinhas, outras são carnívoras e comem cnidários, equinodermos e bivalves, e outras espécies alimentam-se por filtração. Os bivalves são moluscos que têm o corpo protegido por uma concha carbonatada dividida em duas valvas que se abrem e fecham pela contração de um músculo. Não têm cabeça, nem rádula, usam o pé para se enterrarem no substrato e para se movimentarem, e alimentam-se por filtração. Os cefalópodes são moluscos carnívoros; caracterizam-se por ter o pé modificado à maneira de cabeça e por uma boca rodeada de tentáculos que usam para capturar presas, defender-se de predadores e mover-se. Os cefalópodes são um grupo numeroso e variado que inclui: os nautilus, que têm concha e de 60 a 90 tentáculos; os chocos e lulas, que têm uma pequena concha interna e 10 tentáculos (tendo 2 mais compridos que os outros), e os polvos, que carecem de concha e têm 8 tentáculos. Os chocos, lulas e polvos têm o sistema nervoso mais complexo de todos os invertebrados, possuem olhos bem desenvolvidos, libertam uma nuvem de tinta para distrair os predadores, e conseguem mudar de cor e textura. O grupo dos moluscos é muito abundante na Madeira, sendo que, em 2009, Segers e colaboradores registaram a ocorrência de cerca de 850 espécies destes organismos no arquipélago da Madeira. Artrópodes: Os artrópodes são um grupo muito numeroso de invertebrados que inclui os insetos e constituem cerca de 75 % de todas as espécies de animais. Caracterizam-se por um exosqueleto feito de quitina, corpo segmentado e apêndices articulados especializados para a locomoção, alimentação ou perceção sensorial. Os artrópodes marinhos pertencem sobretudo a dois grupos, os Chelicerata (grupo onde também estão incluídos as aranhas, ácaros e escorpiões) e os Crustacea ou crustáceos. Os Chelicerata carecem de mandíbulas e, por isso, digerem a comida antes de a ingerirem; o representante aquático deste grupo é o límulo ou caranguejo-ferradura-do-atlântico, que vive em zonas de águas rasas e se alimenta de pequenos invertebrados e algas. Os crustáceos possuem mandíbulas, que usam para esmagar e mastigar os alimentos, duas antenas e, dependendo da espécie, patas modificadas para caminhar e para nadar, ou apresentam pinças para caçar ou para defender-se. Os crustáceos são muito numerosos, cerca de 50.000 espécies, e incluem as lagostas, caranguejos e camarões, que possuem duas pinças e quatro pares de patas, sendo, na sua maioria, predadores (embora alguns sejam varredores ou filtradores), e também percebes e cracas, os únicos crustáceos sésseis, além de outros organismos como os krill, anfípodes e copépodes, que são importantes componentes do zooplâncton. Na Madeira, Wirtz e colaboradores registaram, em 2006, a ocorrência de 27 espécies de percebes, e Araújo e Wirtz, em 2015, registaram cerca de 215 espécies de lagostas, caranguejos e camarões. Equinodermes: São um grupo de organismos marinhos e bentónicos, particularmente abundantes no oceano profundo, mas também se encontram em águas rasas. Possuem um esqueleto interno (endoesqueleto) formado por placas calcárias e um grande poder regenerativo, podendo originar um novo organismo a partir de uma parte do corpo. Este grupo inclui: as estrelas-do-mar, cujo corpo é constituído por um disco central e cinco braços; os ofiúros ou estrelas-serpente, semelhantes às estrelas-do-mar, nos quais o disco central inclui todos os órgãos vitais e os braços são finos e compridos; os ouriços-do-mar e bolachas-da-praia, organismos redondos com espinhos; os pepinos-do-mar, que têm um corpo alongado; e os lírios-do-mar ou crinóides, que se fixam ao substrato e estendem os braços para se alimentarem. Os equinodermes são importantes herbívoros ou predadores e servem de alimento a uma variedade de espécies, e.g. moluscos, caranguejos, peixes, lontras marinhas e até seres humanos. Estes organismos são muito diversos na Madeira, sendo que De Jesus e Abreu registaram, em 1998, 52 espécies de equinodermes na Madeira, das quais 27 são espécies de percebes (segundo o estudo de Wirtz e colaboradores publicado em 2006) e 6 são ouriços-do-mar (segundo o estudo de Alves e colaboradores feito em 2001). Destas espécies, vale a pena mencionar Diadema antillarum, uma espécie dominante de ouriço-do-mar que se alimenta das extensas zonas de algas. Tunicados: Estes organismos são os mais parecidos com os vertebrados; estão incluídos no grupo dos cordados, mas, em vez de uma coluna vertebral, apresentam uma notocorda (corda dorsal) que surge só no seu desenvolvimento embrionário. Os adultos carecem desta estrutura. Os tunicados são organismos marinhos que se alimentam por filtração: algumas espécies são sésseis e outras vivem livremente no mar aberto; enquanto algumas são solitárias, outras formam colónias. Peixes marinhos Os peixes pertencem ao grupo dos animais vertebrados, pois possuem uma série de ossos ou cartilagens que dão suporte à medula espinal e proporcionam um lugar de fixação para os músculos do corpo. Os peixes marinhos são os animais vertebrados mais abundantes nos oceanos, distribuindo-se desde as zonas costeiras até ao mar aberto e desde zonas pouco profundas até zonas abissais. Muitas espécies de peixes têm adaptações para eliminar o excesso de sal dos seus corpos. Os tubarões, e.g., têm glândulas de sal localizadas no reto, enquanto outras espécies de peixes ósseos segregam o sal através de células especializadas nas brânquias. Os peixes estão subdivididos em três grandes grupos: os peixes sem mandíbulas (cerca de 80 espécies), que incluem as lampreias e as mixinas; os peixes cartilaginosos (cerca de 1000 espécies), que incluem os tubarões e as raias; e os peixes ósseos (cerca de 25.000 espécies), que incluem todos os peixes com esqueleto ósseo, e.g. as sardinhas, o bacalhau, o atum, etc. Peixes sem mandíbulas: Os animais neste grupo não têm mandíbulas, pares de barbatanas ou escamas, e os seus esqueletos são compostos só de cartilagem. As mixinas ou enguias-de-muco são animais parecidos com as lampreias, mas têm dois pares de tentáculos na boca que usam na alimentação, vivem no substrato a profundidades inferiores a 600 m, alimentando-se de pequenos invertebrados ou animais mortos, e produzem grandes quantidades de muco para afastar os predadores. As lampreias vivem tanto em água doce como em água salgada, têm uma boca à maneira de ventosa circular, com a qual raspam ou sugam o seu alimento, sendo muitas espécies consumidas pelo homem como alimento. Peixes cartilaginosos: Estes peixes têm mandíbula, barbatanas e o seu esqueleto é composto de cartilagem e coberto com sais de cálcio. A este grupo pertencem os tubarões, animais carnívoros que se alimentam de uma variedade de presas, desde os leões-marinhos ao fitoplâncton. As raias também pertencem a este grupo e caracterizam-se pelos seus corpos achatados, fendas branquiais localizadas por baixo do corpo, e um estilo de vida bentónico, alimentando-se de pequenos invertebrados, e.g. moluscos e crustáceos, ou de plâncton. As quimeras também são peixes cartilaginosos que, na sua maioria, habitam nas profundezas e se alimentam de peixes, crustáceos e moluscos. Os peixes cartilaginosos têm várias estratégias reprodutivas: algumas espécies são ovíparas (os embriões desenvolvem-se dentro de um ovo, fora do corpo da mãe), outras são vivíparas (o embrião desenvolve-se dentro do útero materno alimentado por uma placenta), e outras são ovovivíparas (o embrião desenvolve-se dentro de um ovo, alimentando-se das substâncias nutritivas do mesmo, mas o ovo fica dentro do corpo da mãe, proporcionando-lhe proteção). Peixes ósseos: São o grupo mais numeroso de peixes e caracterizam-se por ter esqueleto ósseo, escamas ósseas e uma bexiga-natatória, que ajuda o animal a manter uma certa profundidade. A forma do corpo varia muito consoante o estilo de vida das espécies; a forma típica é a fusiforme, que os ajuda a nadar, mas há espécies que têm um corpo globoso (e.g. o peixe-balão), ou achatado (e.g. o linguado), ou alongado (e.g. a enguia), ou com a cauda enroscada (e.g. o cavalo-marinho). O estilo de vida destes peixes também é muito variado: pelágicos (mar aberto), e.g. as sardinhas, atuns, etc.; mesopelágicos, que percorrem grandes distâncias verticais no oceano, porque vivem nas profundezas durante o dia e sobem à superfície à noite para se alimentarem; bentónicos, que vivem mais perto do substrato, enterrados nele, e.g. o linguado, ou escondidos entre as rochas, e.g. as enguias; batipelágicos e abissais, que vivem na zona batial ou abissal (de grandes profundidades). A sua alimentação também é muito variada: muitos são carnívoros e alimentam-se de pequenos invertebrados, muitos outros são herbívoros e comem plantas e algas, e outros, ainda, são filtradores e alimentam-se sobretudo de plâncton. A maior parte dos peixes ósseos é ovípara. Na Madeira, estima-se que existam cerca de 550 espécies de peixes. Entre estas, 226 são espécies costeiras e 133 são de peixes associados a recifes. Não há espécies de peixes marinhos endémicos só à Madeira (ou seja, que só ocorram no oceano ao redor da Ilha), mas há 11 espécies endémicas pertencentes aos arquipélagos da Madeira, dos Açores e das Canárias, uma espécie, Mauligobius maderensis, endémica à Madeira e às ilhas Canárias, e outra, Paraconger macrops, endémica aos Açores e à Madeira. As espécies que ocorrem na Ilha são muito variadas: raias, enguias, peixes-agulha, peixes-trombetas, cavalos-marinhos, arenques, barracudas, garoupas, sargos, peixes-papagaios, atuns, peixes-escorpião, linguados, peixes-balão, etc. Ocasionalmente, são avistadas na Madeira espécies do mar aberto, e.g. a caravela-portuguesa (Cnidário, Hydrozoa), e várias espécies de tubarões: tubarão caneja, tubarão branco, tubarão azul, tubarão martelo, tubarão baleia, entre outros. Os peixes oceânicos que ocorrem na Madeira são uma mistura de espécies similares às que ocorrem na região mediterrâneo-atlântica (espécies de águas temperadas) e de espécies tropicais que atingem o limite norte da sua distribuição nesta área, e.g.: Aluterus scriptus, Canthidermis sufflamen, Caranx crysos, Gnatholepis thompsoni, Heteroconger longissimus, entre outras. Alguns autores sugerem que há um aumento no número de espécies tropicais no mar da Madeira, presumivelmente devido ao aumento da temperatura da água ocasionado pelo aquecimento global (ver, e.g., o artigo publicado por Wirtz e colaboradores em 2008). Répteis marinhos Os répteis são um grupo de animais adaptados à vida terrestre, embora algumas espécies também habitem ecossistemas aquáticos. São animais de sangue frio, ou ectotérmicos, já que a sua temperatura corporal depende da temperatura do exterior; por isso, a maior parte destes organismos vive em zonas temperadas e quentes. Estes animais têm o corpo coberto de escamas, alimentam-se de diversos organismos, têm muito poucos predadores, e reproduzem-se colocando ovos amnióticos, onde o embrião está rodeado por uma série de membranas, tendo o ovo uma casca dura. Os répteis marinhos bebem água salgada e eliminam o excesso de sal através de umas glândulas especializadas localizadas na cabeça. Estes animais vão sempre a terra para depositar os seus ovos. As espécies de répteis adaptadas à vida marinha são poucas. A iguana-marinha é a única espécie de lagarto que vive em águas salgadas e só ocorre nas ilhas Galápagos; tem a glândula de sal no nariz. Existem cerca de 50 espécies de serpentes marinhas e todas ocorrem nos oceanos Pacífico e Índico. Só existem três espécies de crocodilos adaptadas à vida em águas salgadas: o crocodilo-marinho distribuído pela Ásia (Crocodylus porosus), o crocodilo americano (C. acutus), e o crocodilo do Nilo (C. niloticus). Estes crocodilos têm as glândulas de sal na língua. Das tartarugas, só sete são marinhas e têm uma ampla distribuição por águas tropicais e subtropicais, mas só uma espécie, a tartaruga-de-couro, consegue tolerar águas mais frias, tendo sido avistada em zonas como o Canadá e Alasca. Estas tartarugas são carnívoras, com exceção da tartaruga-verde, que é herbívora; têm as glândulas de sal localizadas por cima dos olhos. Seis das sete espécies de tartarugas marinhas estão em perigo de extinção devido ao impacto humano: o desenvolvimento do turismo nas praias afasta as tartarugas que vão até à areia depositar os seus ovos; muitas tartarugas ficam presas nas redes de pesca ou em lixo; outras comem sacos de plástico que encontram no mar, confundindo-os com medusas, e muitas espécies são também caçadas pelo seu couro. Os únicos répteis marinhos que ocorrem na Madeira são cinco espécies de tartarugas: a tartaruga-boba (Caretta caretta), que é a mais comum, a tartaruga-verde (Chelonia midas), a tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea), a tartaruga-de-Kemp (Lepidochelys kempii), e a tartaruga-de-escama (Eretmochelys imbricata). Aves marinhas As aves são animais endotérmicos ou de sangue quente, já que conseguem manter a sua temperatura corporal constante, apesar da temperatura exterior, devido à sua elevada taxa metabólica. Por isso, conseguem habitar zonas muito mais frias, como o Ártico e o Antártico. Além disto, os seus corpos estão cobertos de penas, o que lhes dá um maior isolamento. As aves também põem ovos amnióticos como os répteis e têm glândulas de sal sobre os olhos que as ajudam a libertar o excesso de sal através do nariz. Das quase 8000 espécies de aves que existem, cerca de 250 estão adaptadas a ambientes marinhos; estas aves alimentam-se no oceano, mas retornam a terra, onde se reproduzem e formam colónias de ninhos que as protegem de predadores. Aves costeiras: Estas aves não são propriamente aves marinhas, no sentido em que não nadam muito e não têm as patas palmadas (especiais para nadar); têm patas compridas e um bico longo e fino e alimentam-se sobretudo na zona entremarés. A este grupo pertencem espécies como as garças, ostraceiros, etc., e estão incluídas em várias famílias da ordem Ciconiiformes. Gaivotas, gaivinas e afins: Este grupo de aves é muito diverso e inclui espécies como a gaivota, gaivina, torda-comum, papagaio-do-mar, etc. Estas espécies estão incluídas em várias famílias da ordem Charadriiformes. Estas aves têm patas palmadas e glândulas de óleo para impermeabilizar as suas penas. Vivem perto do mar, formam grandes colónias na terra e têm distribuição a nível mundial. Pelicanos e afins: Este grupo inclui espécies como o pelicano, alcatraz, fragata, etc. São aves aquáticas que, na sua maioria, têm um saco extensível pendurado na sua mandíbula inferior e alimentam-se mergulhando na água e capturando peixes, cefalópodes e crustáceos. Estas espécies pertencem à ordem Pelecaniformes. Aves pelágicas: A este grupo pertencem espécies como as cagarras, albatrozes, petréis, e outras, todas incluídas na ordem Procellariiformes. Estas aves têm as narinas em forma de tubo e vivem em mar aberto, podendo passar vários meses no oceano. Alimentam-se de peixes e cefalópodes e, como as outras aves marinhas, nidificam em terra formando grandes colónias. Pinguins: São o grupo de aves mais bem adaptado à vida marinha: não voam, as suas asas estão modificadas à maneira de barbatanas para nadar e possuem uma camada de gordura por baixo da pele para isolar o corpo do frio exterior. Todas as espécies de pinguins, com exceção de uma (o pinguim-das-galápagos), vivem em zonas frias no hemisfério sul e alimentam-se de peixes, lulas e krill. Os pinguins pertencem à ordem Sphenisciformes. Na Madeira, os diferentes habitats e ilhas que compõem o arquipélago constituem importantes zonas de nidificação para numerosas aves marinhas. Os penhascos, assim como a ocorrência de pequenas ilhas e ilhotas como as Desertas, os ilhotes de Porto Santo e as ilhas Selvagens, são especialmente importantes para a reprodução de numerosas espécies, e.g. a freira-do-bugio, ave endémica da Macaronésia (Madeira, Selvagens, Canárias, Açores, Cabo Verde), que se reproduz em Bugio, uma das ilhas das Desertas. A própria ilha da Madeira, pela sua localização no meio do oceano, constitui um sítio ideal para a nidificação de muitas aves pelágicas, e.g. a freira-da-madeira, ave endémica desta Ilha. Outras aves pelágicas (ordem Procellariiformes) que ocorrem nestas ilhas são: alma-negra, roque-de-castro e pintainho, que nidificam nas Selvagens e Desertas; a cagarra, que nidifica na Madeira, Selvagens e Desertas; e o calcamar, que nidifica nas Selvagens. Outras aves marinhas, da ordem Charadriiformes (gaivotas e afins), que ocorrem nas ilhas são: gaivota-de-patas-amarelas, borrelho-de-coleira-interrompida, garajau-rosado e garajau-comum. Mamíferos marinhos Os mamíferos são animais endotérmicos, capazes de manter a sua temperatura corporal, e dão à luz crias que são alimentadas com leite materno produzido em glândulas mamárias. Os mamíferos marinhos vivem a maior parte da sua vida na água e, por isso, possuem adaptações especiais, como barbatanas; têm uma camada de pelos ou uma camada grossa de gordura por baixo da pele que os ajuda a isolá-los das temperaturas exteriores e, por isso, podem viver em águas geladas como a dos polos. Os mamíferos marinhos estão agrupados em seis grupos pertencentes a três ordens: Carnivora (lontras, ursos polares, focas), Sirenia (peixe-boi), e Cetacea (baleia, golfinho, etc.). Lontra-marinha: Estes animais têm uma camada grossa de pelagem que os protege do frio, as patas traseiras têm os dedos unidos à maneira de barbatanas e alimentam-se de ouriços-do-mar, crustáceos, moluscos e peixes que apanham no fundo do mar e, depois, levam até à superfície para comer, enquanto flutuam sobre as suas costas. As lontras-marinhas estão distribuídas pelo Norte do oceano Pacífico. Ursos polares: Os ursos polares habitam na região ártica, onde são os maiores predadores, alimentando-se sobretudo de focas. Estão em perigo de extinção, porque são caçados pelo homem e porque o seu habitat (o gelo do Ártico) está a diminuir drasticamente em virtude do aquecimento global. Estes animais têm uma camada de gordura debaixo da pele e uma pelagem densa que prende o ar, mantendo o corpo quente, mesmo quando o animal está dentro de água. Pinípedes: Os pinípedes são um conjunto de três famílias de mamíferos marinhos: Otariidae, que inclui lobos-marinhos e leões-marinhos; Phocidae, onde estão as focas e os elefantes-marinhos; e Odobenidae, que inclui as morsas. Estes animais passam a maior parte do tempo na água; só vão a terra (ou gelo) para se reproduzirem, dar à luz e amamentar as crias. Possuem uma grossa camada de gordura debaixo da pele e pelo que os ajuda a isolar o frio exterior, e têm patas modificadas em forma de aletas; alimentam-se de peixes e invertebrados, sendo que só o leopardo-marinho se alimenta de outras focas, pinguins e aves marinhas. Sirenia: Os sirénios são animais estritamente herbívoros que passam a totalidade da sua vida na água. Não têm pelo, apresentam só duas patas (à frente), à maneira de aletas, e uma cauda achatada que usam como remo. Existem duas famílias na ordem Sirenia: Dugongidae, que inclui os dugongos, animais estritamente marinhos distribuídos pelo oceano Índico, e os Trichechidae, a família dos peixe-bois, animais que habitam zonas de água salgada ou água doce no Oeste de África e no centro e Sul da América. Cetáceos: De forma semelhante aos sirénios, os cetáceos não têm pelo, têm uma camada grossa de gordura debaixo da pele para isolamento, só possuem duas patas (embora os embriões destes animais apresentem as quatro patas, perdendo depois as patas traseiras) e têm a narina (espiráculo) na parte superior da cabeça. Os cetáceos estão divididos em dois grandes grupos: as baleias sem dentes ou baleias com barbas (subordem Mysticeti) têm, em vez de dentes, cerdas feitas de queratina com as quais filtram a água para se alimentarem de plâncton e pequenos invertebrados, e.g. krill. Este grupo inclui os maiores mamíferos que existem na Terra, como a baleia-azul (até 27 m de comprimento), a baleia-comum (25 m) e a baleia-franca (20 m). As baleias com dentes (subordem Odontoceti) incluem animais como os cachalotes, as orcas, os golfinhos e os narvais. À exceção do cachalote (20 m), as espécies deste grupo são muito mais pequenas que as baleias sem dentes e alimentam-se de peixe, lulas e outros cefalópodes, sendo que as orcas também consomem focas, tartarugas e tubarões. No oceano em redor da Madeira, foram registadas 19 espécies de mamíferos marinhos: uma espécie de foca e 18 espécies de cetáceos. A foca-monge-do-mediterrâneo é a única espécie de foca que se encontra no arquipélago, tendo uma população residente nas ilhas Desertas, embora alguns indivíduos sejam avistados na Madeira. As espécies de grandes baleias (baleias com barbas), e.g. a baleia comum, passam nesta região durante as grandes migrações que realizam anualmente. Espécies de baleias com dentes, e.g. cachalote ou golfinhos, usam o oceano da Madeira para se alimentarem, para se reproduzirem ou como área de residência. Algumas das espécies de baleias com dentes (subordem Odontoceti) frequentemente avistadas na Madeira são: o cachalote, a baleia-piloto-tropical, o roaz e o golfinho-comum. Fig. 4 – Fotografia de golfinhos na Madeira. Por P. Puppo.   Os habitats marinhos da Madeira e os organismos que neles habitam A Madeira é uma ilha de origem vulcânica; este tipo de ilhas aparece primeiro debaixo da superfície do mar como um monte que se forma no fundo marinho e depois cresce por atividade vulcânica até emergir (topografia marinha). Assim, quando uma ilha emerge (é visível por cima do nível do mar), está vazia e é colonizada por elementos da flora e fauna de regiões circundantes. No caso dos organismos marinhos da Madeira, estes têm diferentes origens e, na sua maioria, provêm da região atlântico-mediterrânica. Várias espécies do Atlântico colonizaram a Madeira e também o Mediterrâneo, daí que estas regiões tenham organismos semelhantes. Espécies do Norte do Atlântico e espécies provenientes de outras ilhas do Nordeste do Atlântico também colonizaram a Ilha. Afinidades das espécies marinhas da Madeira com outras de regiões mais longínquas também têm sido observadas, e.g. espécies provenientes de regiões tropicais e subtropicais do Atlântico, que atingiram o limite norte da sua distribuição na Madeira, juntamente com espécies do Norte de África, como Marrocos, encontrando-se também, na Madeira, espécies cosmopolitas, que habitam a maioria das regiões marítimas da Terra. A diversidade de espécies marinhas na Madeira também depende das diferentes zonas ou regiões oceânicas, como se verá em seguida. Domínio bentónico: O mar à volta da Madeira é geralmente frio devido às correntes que vêm do Nordeste, atingindo 22 ºC durante o verão. É frio demais para a construção de recifes de corais e, por isso, os corais que existem na Madeira vivem isoladamente (não formam recifes). A diversidade de peixes é grande, cerca de 550 espécies são conhecidas na Madeira, coincidindo a maior parte com as da zona do Mediterrâneo. Algumas espécies são de origem tropical e atingem na Madeira o limite norte da sua distribuição, como, e.g., o peixe-globo Diodon hystrix ou o peixe-trombeta Aulostomus strigosus. Algumas espécies de peixes, e.g. os sargos, são muito comuns nas costas da Madeira, nadando no substrato rochoso e alimentando-se das algas que crescem nele. Zona costeira: Na Madeira, a costa é caracterizada por penhascos abruptos. Estes penhascos, sobretudo os do lado Norte da Ilha, servem de habitat a muitas espécies de aves marinhas que nidificam nestas zonas. Por outro lado, as extensões de areia das outras ilhas, que compõem os arquipélagos da Madeira e Selvagens, também servem como lugares de nidificação para espécies de aves importantes, e.g. o calcamar, que ocorre no ilhéu de Fora e Selvagem Grande, ou o borrelho-de-coleira-interrompida, em Porto Santo. Nas Desertas, a foca-monge-do-mediterrâneo Monachus monachus, a única espécie de foca que vive em águas temperadas, tem nestas ilhas um importante refúgio, já que a espécie se encontra em perigo de extinção. Poças de maré: Estas poças formam-se quando uma depressão na rocha fica inundada com água do mar, durante a maré-baixa. Na Madeira, estas poças de maré constituem o habitat de uma série de espécies de invertebrados: e.g. o camarão Palaemon elegans, os caranguejos Percnon gibbesi e Eriphia verrucosa, estrelas-do-mar, ouriços-do-mar, anémonas, caracóis marinhos, como Monodonta edulis, espécie endémica da Macaronésia, entre outros. Entre as algas comuns nestas zonas, encontramos algas castanhas como Padina pavonica, uma alga em forma de funil, ou espécies do género Cystoseira, algas com lâminas ramificadas que criam uma aparência frondosa. Algumas destas poças de maré podem ser observadas em Porto Moniz e em Seixal. Zona entremarés: A zona entremarés é a zona que fica coberta de água quando a maré é mais alta e que fica a descoberto quando a maré é mais baixa. É uma zona onde a exposição ao ar, à humidade, à luz solar, à temperatura, à salinidade, etc. muda constantemente. Na Madeira, esta zona é frequentemente habitada por algas vermelhas dos géneros Lithophyllum e Corallina. Nesta zona, também são comuns as lapas, moluscos que permanecem fixos no substrato durante o dia e saem à noite para comer as algas que raspam com a sua rádula, sobretudo as espécies do género Patella, e.g. P. candei, que é endémica da Macaronésia. As lapas são muito apreciadas na gastronomia local. Outros organismos abundantes desta zona são os percebes ou cracas, caranguejos, caracóis marinhos (e.g. as litorinas Tectarius striatus (=Littorina striata), espécie endémica da Macaronésia), a barata-do-mar, a Ligia oceanica (espécie de crustáceo da ordem Isopoda), entre outros. Muitas espécies de aves também se encontram nestas zonas, e.g.: a rola-do-mar, a gaivota-de-patas-amarelas, o garajau, o guincho-comum, maçaricos, borrelhos, entre muitas outras. Domínio pelágico: O facto de a Madeira estar tão longe da costa continental faz com que o alto mar seja o sítio ideal para que muitas espécies se alimentem e reproduzam, e.g. cachalotes, golfinhos e também muitas aves pelágicas. Outras espécies, que também se encontram algumas vezes no alto mar da Madeira, são o tubarão branco e muitas outras espécies de tubarões e baleias, e.g. a baleia azul, etc. Uma espécie muito conhecida e apreciada na culinária madeirense é o peixe-espada-preto, Aphanopus carbo, espécie de peixe batipelágica, comum nas profundezas oceânicas, que habita a profundidades entre os 200 e os 1600 m. Conservação das espécies marinhas da Madeira A conservação na Madeira foi sempre levada a sério. Nenhuma árvore, e.g., na Madeira pode ser cortada sem autorização desde 1515. A 10 de novembro de 1982 foi fundado o Parque Natural da Madeira (PNM), pelo dec. regional n.º 14/82/M. O PNM abrange cerca de 67 % da superfície da ilha da Madeira e está subdividido em zonas com diferentes estatutos de proteção. Algumas destas zonas, onde estão protegidas espécies marinhas de interesse, encontram-se descritas em baixo. Reserva da Ponta de São Lourenço: A ponta de São Lourenço é uma pequena península de 9 km de comprimento e 2 km de largura, localizada a leste da ilha da Madeira, e tem um clima muito diferente do resto da Ilha, sendo muito mais seca. Esta região não só tem uma série de espécies de plantas e animais terrestres endémicas, como também é o local de nidificação de muitas espécies importantes de aves pelágicas, e.g. a alma-negra (Bulweria bulwerii), a cagarra (Calonectris borealis), o garajau-comum (Sterna hirundo), ou o roque-de-castro Hydrobates castro. Num dos ilhéus adjacentes a esta região, o ilhéu do Desembarcadouro, encontra-se o local de nidificação de uma das maiores colónias da gaivota-de-patas-amarelas (Larus cachinnans atlantis), espécie endémica da Macaronésia. Na ponta de São Lourenço, também se podem observar cachalotes, golfinhos, focas-monge-do-mediterrâneo e tartarugas marinhas. A ponta de São Lourenço pertence ao PNM desde que este foi criado e, a partir de 2001, esta península, juntamente com o mar adjacente até à batimétrica de 50 m, foram incluídos na Rede Natura 2000 da União Europeia como Zona Especial de Conservação. Os ilhéus do Desembarcadouro e do Farol são Áreas de Proteção Total, sendo que quaisquer atividades humanas, fora da investigação científica, assim como ações de conservação e de educação ambiental, estão proibidas. A península da ponta de São Lourenço é Área de Proteção Parcial, onde qualquer atividade humana deve ser primeiro autorizada, e as zonas de praias e miradouros são Áreas de Proteção Complementar, em que as atividades humanas são permitidas sempre que não ponham em risco o equilíbrio ambiental. A região da ponta de São Lourenço, juntamente com os ilhéus adjacentes, está classificada como Important Bird Area (IBA) pela Birdlife International, em virtude de ser o local de nidificação de várias espécies de aves pelágicas protegidas. Reserva Natural Parcial do Garajau: Esta reserva foi estabelecida em 1986 e compreende uma área aproximada de 3,76 km2, contando com uma extensão de 6 km ao largo da costa sul da Madeira entre a ponta do Lazareto e a ponta da Oliveira, e chegando até os 50 m de profundidade. Esta área é caracterizada pelas suas águas transparentes e a sua rica biodiversidade. Nesta Reserva, está proibida a pesca e recoleção de organismos vivos, assim como chegar à costa num barco a motor; o mergulho é permitido, mas é necessária uma autorização do PNM. Algumas das espécies mais frequentes da zona entremarés da Reserva são: litorinas, líquens, cracas, lapas, caranguejos, algas, esponjas, anémonas, estrelas-do-mar, etc. Nos bentos, o ouriço-de-espinhos-longos, Diadema antillarum, é bastante frequente. No domínio pelágico, ocorrem numerosas espécies de peixes: a garoupa ou mero Epinephelus marginatus, que chega a medir 150 cm, a raia ou manta-diabo Mobula mobular, moreias como Muraena helena, e enguias como Heteroconger longissimus, e outras espécies de peixes, e.g. o sargo, a salema, o bodião, o boga, a dobrada, a tainha, o peixe-verde, a castanheta, etc. Também é possível observar nesta reserva tartarugas-marinhas, golfinhos e focas-monge-do-mediterrâneo. O Miradouro do Pináculo, na parte elevada da reserva, também está incluído na Rede Natura 2000, pois é importante para aves como a cagarra e o garajau. Fig. 5 – Fotografia da ponta de São Lourenço. Por P. Puppo.     Reserva Natural do Sítio da Rocha do Navio: Esta Reserva foi criada em 1997 e estende-se desde a ponta de São Jorge até à ponta de Clérigo, no Norte da Madeira, no concelho de Santana, contando com uma área aproximada de 1700 ha e incluindo a linha batimétrica dos 100 m, o ilhéu da Rocha das Vinhas ou ilhéu de São Jorge, e o ilhéu da Viúva ou ilhéu da Rocha do Navio. Esta Reserva também faz parte da Rede Natura 2000, sobretudo porque constitui uma representação da flora típica do litoral madeirense. Esta Reserva também é um local importante de nidificação para algumas espécies de aves marinhas, e.g. a cagarra, a alma-negra, o garajau-comum, o roque-de-castro e a gaivota-de-patas-amarelas. A diversidade da ictiofauna (peixes) também é considerável, contando, e.g., com espécies como o mero, sargo, peixe-cão, bodião, badejo, peixe-verde, a castanheta, a moreia, entre outros. Nesta Reserva, também se encontram lapas, caramujos, golfinhos, tartarugas-marinhas e focas-monge-do-mediterrâneo. São permitidos, além do mais, o mergulho amador e a pesca, mas não o uso de redes ou de barcos motorizados. Rede de Áreas Marinhas protegidas do Porto Santo: Esta Rede foi criada em 2008 e inclui a ilha de Porto Santo e os seis ilhéus circundantes: ilhéu das Cenouras; ilhéu de Baixo ou da Cal; ilhéu de Cima, dos Dragoeiros ou do Farol; ilhéu de Fora ou Rocha do Nordeste; ilhéu da Fonte da Areia; e o mar circundante aos ilhéus de Cal e de Cima, incluindo a zona onde o barco O Madeirense se afundou, até à linha batimétrica dos 50 m. Os ilhéus estão também incluídos na Rede Natura 2000 e três deles (ilhéu de Cal, de Cima e de Ferro) têm sido designados como IBA, por serem locais de nidificação de aves importantes, e.g. a cagarra, o pintainho, o roque-de-castro e a alma-negra, e outras espécies como a gaivota-de-patas-amarelas e o garajau. O Porto Santo e os ilhéus também são importantes pela quantidade de fósseis que se encontram neles. Os ilhéus de Fora, de Ferro, das Cenouras e da Fonte da Areia são considerados Áreas de Proteção Total, enquanto os ilhéus de Baixo e de Cima, assim como a parte marinha da Rede, são considerados Áreas de Proteção Parcial. Reserva Natural das Ilhas Desertas: As ilhas Desertas estão localizadas a cerca de 20 km da ponta de São Lourenço e têm um clima muito semelhante ao da região da Madeira. Estas ilhas estão desabitadas, possuindo uma estação de vigilância localizada na Deserta Grande, onde vivem guardas do Corpo de Vigilantes da Natureza. As Desertas estão protegidas por lei, desde 1990, como Área de Proteção Especial, sobretudo para proteger a colónia de foca-monge-do-mediterrâneo que nelas se encontra. Em 1992, foram reconhecidas pelo Conselho de Europa como Reserva Biogenética e, em 1995, como Reserva Natural. Estas ilhas integram a Rede Natura 2000 como Zona de Proteção Especial e Zona Especial de Conservação, e também são consideradas como uma IBA. Esta Reserva tem uma área total de cerca de 82,5 km2 e é formada por: Deserta Grande, Bugio, ilhéu Chão, e os ilhéus adjacentes, incluindo o mar até à linha batimétrica dos 100 m. As Desertas são importantes, porque são um dos últimos refúgios no Atlântico, juntamente com a Mauritânia, da foca-monge-do-mediterrâneo. Estas ilhas também são relevantes por serem locais de nidificação de espécies importantes de aves, e.g. a freira-do-bugio, que só nidifica em Bugio, a alma-negra, que forma na Deserta Grande a maior colónia do Atlântico, a gaivota-de-patas-amarelas, que nidifica em Chão, e outras espécies, e.g. a cagarra e o roque-de-castro. Nas Desertas, também se encontram inúmeras espécies de peixes, e.g. tainha, boga, castanhetas, sargo, bodião, garoupa, peixe-cão, cavaco, peixe-verde, e várias espécies de tartarugas-marinhas e cetáceos. As ilhas e os ilhéus, juntamente com o mar adjacente a elas até aos 100 m de profundidade, estão classificados como Áreas de Proteção Total. A zona marinha circundante é considerada como Área de Proteção Parcial. Reserva Natural das Ilhas Selvagens: As ilhas Selvagens são um conjunto de ilhas inabitadas, sobretudo pela carência de água doce, e, embora estejam localizadas a cerca de 250 km da Madeira, pertencem politicamente a esta região autónoma. As Selvagens são formadas por: Selvagem Grande, Selvagem Pequena, ilhéu de Fora, e outros ilhéus adjacentes. A Reserva inclui estas ilhas e ilhéus e todo o mar circundante até uma profundidade de 200 m, tendo uma área total de cerca de 94,5 km2. Estas ilhas estão legalmente protegidas desde 1971, ano em que foram compradas pelo Governo português a um particular, constituindo-se na primeira reserva de Portugal. Esta zona foi protegida, sobretudo, pela diminuição na população de cagarras, após terem sido durante anos exploradas pela sua penugem e a sua carne ter sido salgada e vendida como petisco nos mercados madeirenses. Esta Reserva começou a ter uma vigilância permanente desde 1976 e, a partir de 1991, passou a ser da responsabilidade do PNM. Em 1992, recebeu o Diploma do Conselho Europeu para Áreas Protegidas e, em 2001, integrou a Rede Natura 2000 como Zona Especial de Conservação e Zona de Proteção Especial, sendo também considerada uma IBA. Esta Reserva foi criada, sobretudo, para a proteção das aves marinhas que nidificam nestas ilhas: a cagarra, que tem a população mais densa do mundo nesta área, o calcamar, a ave mais abundante nas ilhas, o pintainho, o roque-de-crasto e a alma-negra. No total, estima-se que, nas Selvagens, haja perto de 39.000 pares reprodutores de aves marinhas, o que, no seu conjunto, é um número superior ao que ocorre na Madeira, Porto Santo e Desertas em conjunto (dados publicados por Peter Sziemer em 2010). O mar adjacente às Selvagens é de águas transparentes e possui uma variada biodiversidade: gastrópodes como os caramujos, lapas, cracas e litorinas são abundantes nas zonas rochosas, assim como as esponjas, anémonas, ouriços-de-espinhos-compridos e estrelas-do-mar. A ictiofauna é também muito variada: sargo, tainha, castanheta, boga, bodião, garoupa, peixe-verde, peixe-cão, tartarugas-marinhas, e espécies de cetáceos, entre outras, podem ser observados nestas águas. Toda a Reserva é Área de Proteção Total, sendo as visitas permitidas, com prévia autorização do PNM.   Pamela Puppo (atualizado a 24.01.2017)

Biologia Marinha Ciências do Mar

araújo, norberto de

  Norberto Moreira de Araújo, escritor, dramaturgo e jornalista, nasceu em Lisboa, em 1889, e faleceu na mesma cidade, a 24 de novembro de 1952. Autor de vasta bibliografia, que inclui livros técnicos sobre as artes gráficas, como Da Iluminura à Tricomia (1915), e diversas obras sobre Lisboa, como Inventário de Lisboa (1939), Peregrinações de Lisboa (1939) e Legendas de Lisboa (1943), foi uma figura importante do jornalismo português. Iniciou a sua carreira no periódico O Mundo e trabalhou em várias publicações, tais como A Manhã, Século da Noite, Diário de Notícias e Diário de Lisboa, do qual foi redator principal. Colaborou igualmente no semanário Goal, dirigido por Alves Redol, na revista Ilustração e na Revista Municipal. Em dezembro de 1948, acompanhou, como correspondente do Diário de Lisboa, um grupo de excursionistas que se deslocou à Madeira para participar nas festas de final de ano. Da viagem resultaram diversas crónicas, com o título genérico “Impressões da Madeira”, publicadas durante o mês de janeiro seguinte, com honras de primeira página, e uma entrevista ao governador civil da Madeira, Cor. Lobo da Costa. A excursão, organizada pela Casa da Madeira de Lisboa, era constituída, segundo o editor do Diário de Lisboa, João Crisóstomo de Sá, por cerca de 600 pessoas, entre as quais se encontravam os membros da Tuna Académica de Coimbra, que realizaram três espetáculos no Teatro Municipal do Funchal. O grupo incluía, igualmente, diversos jornalistas nacionais e estrangeiros, e o representante da United Press, que, a bordo do Serpa Pinto, cedido pela Companhia Colonial de Navegação, fizeram o relato da visita. Norberto de Araújo iniciou as suas “pequenas crónicas impressivas” (SÁ, DL, 5 jan. 1949, 6), sobre a Ilha, como anunciado pelo editor, no dia 6 de janeiro. A Madeira provocou no autor deslumbramento, exaltação, imagens de sonho e, sobretudo, levou-o a refletir sobre o panorama panteísta que oferecia. As frutas, as flores, as vinhas eram o resultado do esforço do homem na sua constante humildade perante a natureza. Se a terra era doce e forte, os homens simples que a cultivavam encontravam-se face a horizontes serenos e contemplativos, desenvolvendo uma alma suave e vigorosa. Numa antropomorfização da Ilha, Norberto de Araújo afirmou apetecer-lhe descansar no seu regaço, no seu coração robusto e amoroso. O tópos do deslumbramento e da terra-mãe que acolhia e nutria o homem esteve igualmente presente nas outras crónicas, assim como o da beleza da terra que continha em si “peregrinas belezas da terra toda do Mundo” (ARAÚJO, DL, 6 jan. 1949, 1). A mesma conceção edénica da Madeira foi repetida na crónica de 7 de janeiro, com o título significativo de “A Ilha das cem maravilhas onde nasceram, gémeos, Adão e Eva” (Id., DL, 7 de jan. 1949). Foi justamente este texto que João Cabral do Nascimento incluiu no volume Lugares Selectos de Autores Portugueses que Escreveram sobre o Arquipélago da Madeira (1949). O espetáculo da passagem de ano inspirou no autor uma descrição superlativa com imagens que apelavam aos sentidos, em “volupia sensual contemplativa”, e à ligação da terra com o divino, quando o fogo no céu lhe lembrou “cataclismo de sois, diluvio de estrelas”, com a Ilha que conquista o espaço acima das montanhas, “já não pertence ao mar e entrega-se ao espaço, querendo atingir o céu” (Id., DL, 6 jan. 1949, 7). As crónicas seguintes repetiam a temática do espaço edénico da Ilha, lugar de paz e felicidade familiar. As famílias, mesmo pobres, viviam felizes, com o pai que trabalhava a terra e a mãe e as filhas que bordavam como se tecessem renda de “mantos florentinos de ‘madonas’”. Entre a terra (das vinhas, das árvores de fruto, das flores) e o céu, a Ilha tinha “pequenos Mundos de beleza”. No campo arquitetónico e urbanístico, o Funchal pareceu-lhe uma mistura das várias regiões de Portugal, uma cidade que, a 1000 km de Lisboa, era “Portugal puro” (Id., DL, 7 jan. 1949, 7). Norberto de Araújo deteve-se, nos textos publicados a 10 de janeiro, nas questões económicas ligadas à Madeira, como o turismo, o vinho, os bordados, o cultivo e exploração da cana de açúcar e da banana e a industrialização dos lacticínios. Partindo do lugar-comum de que a Madeira vivia do turismo, o jornalista afirmou que, apesar de a Ilha retirar dessa atividade proventos importantes, acreditava que tal não significava viver à custa dos estrangeiros, sobretudo dos Ingleses. Desenvolver o turismo era proporcionar ao visitante “esse dom de Deus” (Id., DL, 10 jan. 1949, 1) que era a Ilha, onde se concentrava grande variedade geológica e botânica. Assim, não se vivia à custa dos que iam de fora, mas o turista pagava a dádiva generosa que a natureza lhe proporcionava. No entanto, era no trabalho do homem que a Madeira tinha a sua maior fonte de riqueza, desse “homem lusíada […] do trabalho obscuro, cantante, fomentador, fortalizador – não apenas do ouro inglês deixado cair dos ‘decks’ dos transatlânticos” (Id., DL, 7 jan. 1949, 7). As diversas atividades económicas foram, por isso, elencadas, demonstrando o seu desenvolvimento e papel na economia da Ilha. A entrevista ao governador civil encerrou os textos de Norberto de Araújo para o Diário de Lisboa. Chegado havia pouco à Madeira, o Cor. Lobo da Costa abordou diversas temáticas como o turismo, os transportes (considerando a necessidade de formas mais acessíveis de chegar à Ilha) e a expansão dos produtos madeirenses, que exigia mais possibilidades de saída. Considerava o governador que a Madeira, além destas grandes questões, tinha pouco a resolver, já que tanto o Governo do país, como as câmaras municipais e as entidades fomentadoras já tinham realizado a maior parte do trabalho. Norberto de Araújo terminou desta forma o relato da sua excursão, desenhando para os leitores uma Ilha paradisíaca, moderna e humilde. O retrato, no fundo, do produto das melhores capacidades do homem lusíada do Estado Novo e da sua forma de se relacionar com a terra e com as gentes. Obras de Norberto de Araújo: Da Iluminura à Tricomia (1915); Inventário de Lisboa (1939); Peregrinações de Lisboa (1939); Legendas de Lisboa (1943); “Impressões da Madeira (1) – A noite de S. Silvestre e o panorama panteísta ante o panorama humano” (1949); “Impressões da Madeira (2) – A ilha das cem maravilhas onde nasceram, gémeos, Adão e Eva” (1949); “Impressões da Madeira (3) – A ilusão do turismo criada e a realidade do trabalho fertilizante” (1949); “A Madeira em fogo – O espetáculo deslumbrante” (1949); “A Madeira tem os seus direitos – As declarações que fez ao ‘Diário de Lisboa’ o governador, coronel Lobo da Costa” (1949); “As possibilidades permanentes do turismo na Madeira” (1949); “O que nos diz o coronel Lobo da Costa sobre as actuais aspirações da Ilha da Madeira” (1949); “O regresso da excursão que foi ao Funchal para assistir às festas do fim do ano” (1949); “A vida do Funchal e os progressos urbanísticos registados nos últimos anos” (1949).     Luísa Marinho Antunes (atualizado a 23.01.2017)

Literatura Sociedade e Comunicação Social

aquário municipal do funchal

  O Aquário Municipal do Funchal encontra-se localizado no rés do chão do Palácio de São Pedro, uma das mais significativas obras da arquitetura civil portuguesa, de meados do séc. XVIII, mandado construir pela família Carvalhal e adquirido pela Câmara Municipal do Funchal a 19 de setembro de 1929, quando se deu início às obras de reformulação do Palácio com o propósito de aí se instalar um museu. Inicialmente designado Museu Regional da Madeira, este foi oficialmente inaugurado a 5 de outubro de 1933, e mais tarde deu origem ao Museu de História Natural do Funchal. A primeira vez que se falou na criação de um aquário público no arquipélago da Madeira foi em 1937, através de uma deliberação do município do Funchal, ficando esta sem efeito até 1951. Foi devido em grande parte a Charles L. Rolland, industrial norte-americano de bordados na Madeira e grande admirador da fauna ictiológica da ilha, que em 1951 a sua construção teve lugar. Este filantropo ofereceu à Câmara Municipal do Funchal 30.000 escudos (cerca de 150€) e o material necessário para que as obras tivessem o seu início. Sob a orientação, técnica e científica, de Günther Maul, conservador do Museu, inaugurou-se a primeira fase do Aquário, em dezembro de 1953, com três grandes tanques, sendo parte do material necessário para a construção do Aquário obtida graças à generosidade de vários entusiastas, de entre os quais se destacou o importador E. Brendle. Na segunda fase, concluída em 1957, o Aquário passou a ter 15 tanques de exposição de diversos tamanhos, nos quais passaram a estar representados alguns dos mais importantes elementos da fauna marinha costeira da Madeira, tais como meros, moreias, sargos, castanhetas, cabozes, caranguejos, lagostas, camarões, polvos, búzios, estrelas, ouriços do mar, etc. A captura de organismos para serem colocados nos tanques de exposição deveu-se à generosidade e dedicação de um grupo de pescadores amadores, Américo Durão, A. Correia da Silva, David Teixeira e João de Freitas, entre outros. A renovação regular dos exemplares vivos em exposição nos tanques é assegurada essencialmente através de dois métodos de captura, dependendo do tipo de organismo: alguns invertebrados marinhos são colhidos, à mão, nas poças de maré (zona do intertidal) ou no subtidal, através de mergulho com escafandro autónomo ou de mergulho em apneia; quanto à maioria das espécies piscícolas, bem como de outros invertebrados, a captura é feita recorrendo a diferentes tipos de artes de pesca, sendo muitas vezes necessária a utilização de uma embarcação para o lançamento e a recolha dos respetivos aparelhos de pesca. Durante muitos anos o Aquário dispôs de uma pequena embarcação de apoio, a Ianthina, para a captura de espécimes; através desta eram utilizados essencialmente dois métodos tradicionais de pesca: pesca à linha e covos. Posteriormente, deixou de ser utilizada qualquer embarcação de apoio, o que condicionou muito não só a própria renovação dos exemplares do Aquário, como a diversidade de espécies. O sistema de circulação de água do mar existente funciona em circuito fechado, tendo um volume total de cerca de 200.000 l, que estão distribuídos pelos tanques de reserva (cerca de 150.000 l) e pelos tanques de exibição (cerca de 50.000 l). A qualidade da água do mar é mantida não só através de sistemas de filtração de natureza biológica e mecânica, como também de um sistema de arejamento, pelo qual é introduzido ar em cada um dos tanques de exposição. A água do circuito é renovada uma vez por ano, sendo colhida diretamente no mar e transportada em autotanque para o Aquário. Toda a iluminação nos tanques é de natureza artificial; são utilizadas as lâmpadas mais adequadas para que as cores dos organismos expostos se aproximem o mais possível das que podem ser observadas quando estes se encontram no seu meio natural. A alimentação dos organismos é baseada essencialmente em cavalas, chicharros e espada preto, adquirido na praça e administrado três vezes por semana. Aquando da existência da embarcação Ianthina, para além das espécies anteriormente referidas, era adicionado à dieta dos espécimes do Aquário um crustáceo, conhecido vulgarmente como camarão comestível (Plesionika narval), que era capturado através da utilização de covos apropriados, sendo depois armazenado em arcas congeladoras e administrado de acordo com as necessidades e as características alimentares das espécies existentes. A manutenção diária do Aquário Municipal do Funchal é realizada por uma equipa técnica constituída por três funcionários com formação adequada às exigências de uma estrutura desta natureza: um técnico superior (biólogo) e dois assistentes técnicos. O Aquário Municipal do Funchal é uma das principais atrações da visita ao Museu de História Natural do Funchal, recebendo em média cerca de 11.000 visitantes por ano, 3500 dos quais são alunos provenientes dos vários níveis de escolaridade do ensino básico e secundário da Região Autónoma da Madeira.   Ricardo Araújo (atualizado a  23.01.2017)

Biologia Marinha Ciências do Mar

almeida, georgina dias de

  Georgina Dias de Almeida foi poetisa, mas poucas são as informações que se encontraram a seu respeito. O único registo da sua atividade aparece no Álbum Madeirense, uma coleção de poesias de diversos autores madeirenses, reunidas por Francisco Vieira. O poema é dirigido a Leolinda, e, segundo o Visconde do Porto da Cruz, que também referencia a poetisa na sua obra Notas & Comentários para a História Literária da Madeira, trata-se de D. Leolinda Jardim Vieira, embora no cabeçalho do poema seja referida D. Leolinda Dias D’Almeida. Georgina Dias de Almeida também aparece referenciada na obra Da Voz à Pluma…, de Laureano Macedo, na qual é referido que esta escritora é aparentada com Carolina Dias de Almeida. O poema da autora incluído no Álbum Madeirense recorda a infância saudosa, versando a mudança que o tempo opera transformando os sonhos infantis em imagens vivas apenas na memória: “Lembra-te? Era eu jovem e tu gentil criança,/Brincávamos adorando o seixo, o escarcéu…/Tudo era nesse tempo, o quê? – um mar d’esperança!/Mas… crescemos ambas… toldou-se o nosso céu!/ […] Se poetisa eu fora, sim, da minha lira/Soltaria um cântico a ti, ó Leolinda!/Afetos desse tempo em versos escreveria,/Deixando-te no álbum uma saudade infinda!” (VIEIRA, 1884, 235).     Cláudia Neves (atualizado a 23.01.2017)

Literatura

correia, josé venâncio

Poeta popular natural da ilha do Porto Santo. Era trabalhador rural e, apesar de analfabeto, tinha uma grande capacidade criativa para fazer versos que retratavam acontecimentos, situações ou tipos sociais do seu tempo e do seu meio. Da sua obra conhecida, fazem parte poemas publicados em Musa Insular (1959), Histórias do Porto Santo (1986) e A Alma de Um Povo (2004).  Palavras-chave: poesia popular; literatura oral e tradicional; Porto Santo. José Venâncio Correia foi um poeta popular nascido a 18 de março de 1867 no sítio das Areias, na ilha do Porto Santo, onde veio a falecer a 3 de dezembro de 1956, aos 89 anos. Era filho de Venâncio Correia e de Júlia das Neves. Em 1890, casou-se com Maria Júlia de Melim, tendo enviuvado a 2 de janeiro de 1939. Era analfabeto, mas ainda assim criava poemas, alguns deles a partir de acontecimentos que faziam notícia nos jornais, a que o poeta tinha acesso pela leitura de terceiros. José Venâncio era trabalhador rural e, no silêncio do campo ou nos intervalos dos afazeres agrícolas, criava com frequência versos no seu pensamento, que depois divulgava. Segundo Luís Marino, em Musa Insular, José Venâncio Correia apresentou-se ao público por duas vezes: a primeira vez foi em 1938, no Funchal, por ocasião da festa das vindimas, na Qt. Vigia, onde atuou inserido no grupo folclórico do Porto Santo. A esse respeito, Francisco de Freitas Branco acrescenta, relatando a entrevista que fez a Maria Merícia Correia, neta de José Venâncio Correia, que o referido poeta popular “foi à cidade [Funchal] disputar com o Feiticeiro da Calheta e ganhou” (BRANCO, 1995, 270). A segunda exibição, de acordo com a citada obra de Luís Marino, teve lugar em 1947, no Porto Santo, na fábrica de cimento, mais especificamente num palco improvisado para artistas profissionais e amadores. Na referida obra de 1959, Luís Marino afirma ainda que o poeta era conhecido pelas alcunhas de “formiga” e de “periquito”, e que compôs 49 cantigas. Para além disso, reproduz duas das criações do trovador popular, intituladas “Meninas da Madeira” e “O Senhor Administrador” (MARINO, 1959, 248). Na quadra “Meninas da Madeira”, o poeta refere as moças madeirenses que iam passear para a praia do Porto Santo, insinuando uma conduta de que apenas a areia poderia dar conta, caso pudesse falar. Por sua vez, o poema “O Senhor Administrador” é dedicado a Joaquim Pinto Pinheiro, que foi nomeado, em 1936, presidente da comissão administrativa do Porto Santo. O poeta menciona, em verso, alguns locais e obras feitas no Porto Santo, nomeadamente: o açougue e o mercado situados entre o mar e a praça; as fontes e as ruas; a estrada do Penedo à Calheta e a Calç. do Lg. do Pelourinho, entre elogios pelos melhoramentos e críticas relativas a aspetos financeiros, evidenciando que era um homem atento aos acontecimentos do seu tempo e do seu meio social. De salientar ainda a publicação de poemas de José Venâncio Correia nos livros Histórias do Porto Santo (1986), de José de Castro Vasconcelos, e A Alma de Um Povo (2004), de António José Rodrigues, volumes em que poderão ser encontradas outras criações do poeta, cujos temas estavam associados à sua terra natal. Estes autores reproduzem, assim, alguns versos do poeta popular porto-santense que foram transmitidos por habitantes da ilha do Porto Santo, como aqueles que o versejador dedicou ao barco Arriaga, o “carreireiro” que assegurava as ligações marítimas entre as duas principais ilhas madeirenses, fazendo o transporte de pessoas e bens. Vasconcelos (1986) transcreve versos narrados por José de Castro, enquanto Rodrigues (2004) apresenta uma versão transmitida por João Abel de Ornelas. Os poemas relatam uma viagem empreendida pelo referido Arriaga, que transportava romeiros à festa dos Milagres, em Machico, bem como um casal de noivos que pretendia casar-se. Porém, a jornada acabou por contar com alguns percalços, uma vez que se perderam no mar, o que era, aliás, frequente na época, devido às condições do estado do tempo, por vezes adversas à navegação, associadas às características das pequenas embarcações de cabotagem que realizavam as viagens inter-ilhas. É também de destacar os versos publicados por Vasconcelos (1986), nos quais José Venâncio Correia retrata as vaidades das moças do Porto Santo, fala de virtudes e vícios, bem como dos problemas nos casamentos dos tempos modernos, ao mesmo tempo que diverte e censura, evidenciando a sua visão crítica da sociedade. Para além das obras indicadas, que reproduzem versos de José Venâncio Correia, desconhece-se outras publicações da poesia deste vate popular porto-santense. Em 2007, o poeta foi homenageado pela Câmara Municipal do Porto Santo, que deliberou, em reunião de 13 de junho daquele ano, atribuir o seu nome a uma artéria do sítio da Ponta, Porto Santo, que foi denominada “R. José Venâncio Correia”. Fig. 1 – Fotografia da R. José Venâncio Correia (Poeta Popular). Fonte: coleção da autora.   Obras de José Venâncio Correia: “Meninas da Madeira” (1959); “O Senhor Administrador” (1959); “As Meninas da Moda” (1986); “O Barquinho Arriaga” (1986).   Sílvia Gomes (atualizado a 31.12.2016)

Literatura

coelho, josé vieira

Poeta popular madeirense que ficou conhecido pelas suas histórias em verso, impressas em folhetos e vendidas pela Ilha, nos arraiais, nos autocarros e no mercado dos Lavradores. Da sua obra fazem parte, entre outros, os opúsculos “As Modas das Raparigas e a Arte delas Namorar” e “Um Pai Que Matou a Sua Própria Filha”. Palavras-chave: poesia popular; cultura popular; tradições populares José Vieira Coelho foi, provavelmente, um dos últimos poetas populares madeirenses a declamar e a vender, pela ilha da Madeira, diversas histórias em verso, de sua autoria, impressas em folhetos. Nasceu na freguesia e concelho de Santa Cruz, no sítio da Levada da Roda, Lombada de São Pedro, a 20 de junho de 1926. Filho de Manuel Vieira Coelho e de Cristina de Gouveia, casou-se na igreja de S.ta Cruz com Isabel da Mata, “ex-freira da Congregação das Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora das Vitórias”, no dia 30 de julho de 1951. “Membro ativo da Igreja Adventista do Sétimo Dia”, José Vieira Coelho é pai de José Manuel da Mata Vieira Coelho, um popular e controverso político da Região, que em 2008 assumiu a função de deputado à Assembleia Legislativa da Madeira e foi o primeiro madeirense a candidatar-se à Presidência da República, no ano de 2011 (NÓBREGA, Público, 14 jan. 2011). José Vieira Coelho começou a escrever poesia ainda jovem. Aos 17 anos, fez uma viagem ao Porto Santo e escreveu um poema dedicado à ilha da Madeira. Um ano depois, escrevia para vender. Conforme certifica nas quadras finais de alguns dos seus folhetos, e como se pode ler na história “Um Pai Que Matou a Sua Própria Filha”, era ele próprio quem redigia os seus versos: “Tudo isto que vem escrito // Foi eu que escrevi // Bem empregado tempo // Nos livros que aprendi” (COELHO, “Um Pai Que Matou…”, 7). Note-se que o poeta só tinha a 4.ª classe (equivalente, na graduação do começo do séc. XXI, ao 4.º ano do 1.º ciclo do ensino básico). No entanto, em 1996, numa entrevista concedida a Rui Camacho (responsável pelo grupo Xarabanda), que serviu de base para a publicação de um texto de Ana Araújo, em 2004, na revista Xarabanda, afirmou que os seus poemas eram fruto da memória e não do estudo. Por vezes, justificava-se e pedia desculpa por algum erro que os seus poemas pudessem ter, como se pode verificar no referido opúsculo: “Para eu escrever estes versos // Eu tive muita maçada // Os senhores que me desculpem // De alguma palavra errada” (Id., Ibid., 7). José Vieira Coelho imprimia os versos no Funchal, na Tipografia Natividade ou na Minerva, em edições de 2000 a 3000 exemplares. As impressões eram feitas a crédito e o pagamento era regularizado depois de o poeta vender os exemplares, pelo preço de dois escudos e meio ou de cinco escudos, conforme a narrativa. Por vezes, as histórias faziam muito sucesso junto do público, sobretudo quando reportavam faits divers de grande impacto, acontecimentos marcantes e situações dramáticas ou trágicas, como é o caso das narrativas “Cuidado com o Lume em mãos de Crianças”, sobre um incêndio em São Roque, “O Caso do ‘Santa Maria’ e os seus passageiros” e “Um Pai Que Matou a Sua Própria Filha”. Nessas ocasiões, chegava a vender cerca de 4000 exemplares. Vendia os seus versos, por vezes conjuntamente com o Borda d’Água, pela Ilha, nos arraiais e também nos autocarros. O mercado dos Lavradores era outro local de eleição para venda da sua literatura de cordel, ou, melhor dizendo, dessa “literatura popular escrita tradicionalista”, de acordo com a nomenclatura de João David Pinto-Correia (PINTO-CORREIA, 1985, 391). Deste modo, foi ficando conhecido e ganhando a simpatia dos populares, que o chamavam José Coelho, Coelho ou simplesmente “o poeta”. Os temas dos seus versos são diversificados. Um dos primeiros poemas a ser publicado foi “Amor de Mãe”, dedicado à mãe, que perdeu ainda jovem. José Vieira Coelho inspirava-se nos acontecimentos do quotidiano, nas vivências do povo e nos casos que faziam notícia nos jornais, principalmente crimes, desastres e tragédias. O trovador popular conta também histórias de amor, dá conselhos, faz homenagens e fala sobre a religião, os costumes e a moral. Por vezes, imprimia um carácter humorístico aos seus poemas, e quase sempre procurava prender a atenção do leitor desde o início da narração, pedindo que prestasse atenção ou que desse ouvidos a uma história verdadeira. Outras vezes, especialmente quando relatava crimes ocorridos, pedia a Deus para lhe dar paciência e uma boa memória para narrar a história. Acerca desta temática, destacam-se alguns dos seus relatos de crimes sucedidos, como o caso de “Um Pai que Matou a Sua Própria Filha” na freguesia de Água de Pena. Nesta história, conta como um pai tirou a vida à filha, de forma violenta, por esta não querer seguir a sua vontade de casar com um determinado pretendente. Conta ainda a tragédia que se deu entre dois irmãos, que resultou na morte do irmão mais novo, por amor a uma mesma rapariga. Esta “história sensacional”, na expressão do poeta – nós diríamos “sensacionalista” –, denominada “A Inveja dos Casamentos”, ocorrida na ilha Terceira, Açores, expõe como o sentimento de inveja do rapaz mais velho destruiu o sonho de casamento do seu irmão e da noiva, mas também como essa paixão arruinou a sua própria vida, sendo preso pelo crime que cometeu e passando depois por diversas provações. Com as narrativas em verso, nas quais relatava crimes decorrentes de casos de amor, o poeta pretendia levar o leitor a meditar nos acontecimentos, para que estes servissem de exemplo, quer para os pais, quer para os rapazes solteiros, e evitar que fossem cometidos os mesmos erros. Na verdade, o poeta popular gostava de aconselhar os seus leitores, procurando apresentar uma nota moralista no final das suas criações literárias, sendo esta uma característica dos seus versos. Terminava as suas composições, quase sempre, com uma quadra em forma de conselho para os seus leitores, que tratava como “amigos”, “caros leitores” ou “senhores”. Vejam-se, e.g., as seguintes quadras: “Eu escrevi estes versos // Que para todos é um espelho // Sabeis quem os versou // Foi José Vieira Coelho” (COELHO, “Um Pai Que Matou…”, 7); “Aqui tendes esta lição // Em versos, como bom conselho // P’ra exemplo de algum coração // Escritos por José Vieira Coelho” (Id., “A Inveja…”, 8). Ainda sobre a temática dos amores e casamentos, recria a “História de um Grande Amor João e Balbina”, sucedida na ilha Terceira, Açores. Dois jovens desejavam casar-se, mas ambos tinham os pais contra aquela união. Contrariados no seu amor, infelizes e apaixonados, adoecem e acabam por morrer no mesmo dia, causando grande consternação na localidade (veja-se uma outra versão dessa narrativa em Historia de João e Balbina. Dois Namorados na Ilha Terceira, Faliecidos Ambos no mesmo Dia, de M. V. C. Figueira). O poeta procura levar o leitor a tirar uma lição desta história, especialmente dirigida aos pais, para meditarem em como não devem intrometer-se nas escolhas dos filhos. Atento à realidade do seu tempo, José Coelho comentava a conduta dos seus conterrâneos, quer criticando as raparigas solteiras, as “meninas vaidosas”, que só pensavam nas modas e no luxo, quer lançando avisos “aos pais que pensam deixar seus bens em vida”, para que tivessem cuidado com o que poderiam passar, e aconselhava os leitores a terem cautela com as pessoas “maldizentes”, que censuram tudo e todos. Por vezes, terminava os poemas com um pedido de desculpas: “No terminar destes versos // Peço, para me desculpar // Se alguém se ofendeu, peço-vos // Que me queiram perdoar” (COELHO, “As Modas das Raparigas…”, 4). Nos versos baseados em notícias de jornais, situações trágicas ou crimes, o poeta relata acontecimentos como “O Desastre Horroroso do Fogo no Arco da Calheta”, um acidente, ocorrido a 11 de julho de 1953, que vitimou mortalmente os dois ocupantes de um automóvel. Na origem do acidente terá estado uma explosão de fogo de artifício que era transportado pela viatura onde seguiam os jovens. O rebentamento causou ainda danos no veículo, prejuízos em residências e o pânico da população da localidade. Narra também o “Desastre Marítimo na Fajã do Mar”, ocorrido no dia 7 de fevereiro de 1955, em que morreram seis pessoas devido à forte ondulação que atingiu um barco de transporte de passageiros, e que terá soçobrado no mar. Reporta ainda outros acidentes: em “O Triste Desastre de Automóvel”, sucedido na Ribeira Funda, Estreito da Calheta, em que morreram dois jovens irmãos; em “Cuidado com o Lume em mãos de Crianças”, acerca de um incêndio em São Roque, Funchal, que deixou uma família sem lar e provocou a morte a uma criança; em “O Crime do Beco das Frias”, em que duas irmãs foram assassinadas; e em “O Caso do ‘Santa Maria’ e os Seus Passageiros”. Revelou-se simpatizante do Estado Novo, a julgar pelos ditos elogiosos que então publicou. Escreveu versos que dão conta da visita à Madeira do Presidente da República Craveiro Lopes, a 30 de maio de 1955, contribuindo assim para o conhecimento daquele momento histórico da vida da Ilha. Descreve alguns pormenores das festividades e as manifestações de regozijo com que o chefe de Estado foi recebido pela população madeirense: as artérias da cidade, enfeitadas de flores, bandeiras e luzes, encheram-se com uma multidão que saiu à rua para o saudar à sua passagem. O poeta aproveita o ensejo para agradecer ao Presidente e enaltecer Salazar, exaltando as obras feitas na Madeira – nomeadamente as estradas, as escolas, as obras do porto, as levadas e a iluminação – graças às políticas do Estado Novo, na sua opinião. O vate popular deixou alguns versos homenageando os padres António Nicolau Fernandes e José Maurício de Freitas, falecidos em 1954, e também registou a sua moral religiosa em versos como “A Felicidade do Lar Cristão – Versos em recordação do Ano Santo de Nossa Senhora – No Primeiro Centenário da Sua Proclamação por Pio IX – 1854-1954” (s.d.). Reescreveu também histórias que tiveram por base a literatura oral tradicional, como “João de Calais”, “Genoveva a Princesa da Alemanha” e “O Testamento do Galo”, dando-lhes o seu cunho pessoal, e narrativas curiosas como “O Sapateiro Remendão e Suas Aventuras”, entre tantas outras, algumas nomeadas por si como “história verdadeira”, outras como “história sensacional” e outras ainda como “história versada”. No final dos opúsculos, apresenta uma listagem das suas histórias publicadas, com a informação de que as mesmas podiam ser solicitadas ao próprio José Vieira Coelho. Faleceu a 24 de abril de 2011 em Santa Cruz. Obras de José Vieira Coelho: “Amor de Mãe” (s.d.); “O Caso do ‘Santa Maria’ e os Seus Passageiros” (s.d.); “O Crime do Beco das Frias” (s.d.); “Cuidado com o Lume em Mãos de Crianças” (s.d.); “A Felicidade do Lar Cristão – Versos em recordação do Ano Santo de Nossa Senhora – No Primeiro Centenário da Sua Proclamação por Pio IX – 1854-1954” (s.d.); “Genoveva a Princesa da Alemanha” (s.d.); “História de um Grande Amor João e Balbina” (s.d.); “A Inveja dos Casamentos” (s.d.); “João de Calais” (s.d.); “As Modas das Raparigas e a Arte delas Namorar” (s.d.); “Um Pai Que Matou a Sua Própria Filha” (s.d.); “O Sapateiro Remendão e Suas Aventuras” (s.d.); “O Testamento do Galo” (s.d.); “O Desastre Horroroso do Fogo no Arco da Calheta a 11-7-53” (1953); “Desastre Marítimo na Fajã do Mar” (1955); “O Triste Desastre de Automóvel” (1963).   Sílvia Gomes (atualizado a 30.12.2016)

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