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japão

Antes do séc. XX, as relações entre a Madeira e o Japão terão sido efémeras. A ligação entre os dois territórios reforçou-se, num primeiro momento, com o interesse nipónico pelo vinho da Madeira e, depois, por múltiplos aspetos mediáticos, aos quais não é alheia a figura do futebolista madeirense Cristiano Ronaldo. As diversas séries e os documentários alusivos à Madeira, produzidos pela cadeia de televisão NHK, consolidaram esse interesse da sociedade japonesa, atraindo múltiplos turistas desse território. Por outro lado, as informações que temos sobre as relações e influências em ambos os sentidos são escassas e não sabemos se muitas destas aconteceram de forma direta ou por via indireta. Ainda assim, apresentar-se-á o conjunto de informações consideradas de maior interesse, que expressa esse relacionamento através de diversas influências na botânica, no quotidiano e na atividade económica. Uma das mais evidentes presenças da cultura nipónica encontra-se no Jardim Tropical Monte Palace de José Berardo, aberto ao público desde 1991. A visita a este jardim revela o interesse e a paixão do seu proprietário pela cultura material oriental, nomeadamente do Japão e da China. De entre os vários aspetos, temos a considerar o painel A Aventura dos Portugueses no Japão, uma estrutura de ferro onde, em 166 placas de cerâmica, se conta a história das relações entre Portugal e o Japão. A outro nível, destaque-se a existência, desde 1998, no Museu da Qt. das Cruzes, de um escritório namban, do Japão do final do séc. XVI. São peças isoladas, que remetem para uma possível relação com este território do extremo Oriente. No plano da história da Igreja Católica, são percetíveis as ligações a estas ilhas orientais desde o séc. XVI. Nos princípios deste século, com a criação, a 12 de junho de 1514, da Diocese do Funchal, a Igreja Católica abrangia todas as terras conhecidas até ao Oriente, ficando o Japão, obviamente, na sua alçada. Este estado de coisas manteve-se até 1533, altura em que D. João III solicitou ao Papa Clemente VII a criação de novas dioceses (em Angra, São Tiago, São Tomé e Santa Catarina [Goa]), bem como a elevação da Catedral do Funchal à categoria de metropolitana e primaz. A partir de 31 de janeiro de 1533, é criado o arcebispado do Funchal, que se manteve até 1551; entre 1514 e 1551, há pois um laço institucional que liga as ilhas daquelas dioceses à Madeira. Ainda no campo da Igreja, podemos assinalar outros vínculos. Assim, o Jesuíta madeirense Sebastião de Morais (1534-1588) foi o primeiro bispo do Japão, com o título da cidade de Funai, confirmado pelo Papa Xisto V a 19 de fevereiro de 1587, tendo a sua morte prematura a 18 de agosto de 1588, ao largo de Moçambique, impedido o Jesuíta de tomar posse do lugar. Entretanto, os missionários que tinham chegado a estas ilhas em 1549 foram expulsos. Neste intervalo de presença portuguesa, ocorreram influências que se tornaram mais notadas no vocabulário. É a partir daqui que podemos estabelecer uma ligação à Madeira, pois há referências ao fabrico de alfenim (aruheitou em japonês) – a primeira de 1569, com várias notícias do seu consumo nos séculos seguintes – e outros doces, como os confeitos (komfeiton). O arheitou era e continuaria a ser um doce nanban oferecido em momentos especiais. Ficou célebre o alfenim madeirense que Vasco da Gama ofereceu ao Samorim de Moçambique. Foi também pela rota da Índia que terá chegado ao Japão a arte da confeitaria madeirense, que perdurou sob a designação de “alfeito”. Os estudos de M. Arao reforçam a ideia desta influência portuguesa, estabelecendo uma ponte com a Madeira. O mercado do Japão foi um dos conquistados tardiamente para o vinho Madeira – afirmou-se desde a déc. de 60 do séc. XX –, mas em 1989 suplantou o então tradicional mercado americano, uma vez que os Japoneses preferem vinhos secos e meio secos. A Casa de Vinhos Barbeito, fundada em 1946, foi pioneira naquela rota, mas o mercado viria a interessar a todos os produtores. Esta ligação do Japão à Casa de Vinhos Barbeito fez-se através da Kinoshita International Company. Em 1967, iniciou-se uma ligação entre as duas empresas que levou a que, em 1991, ficasse fortalecida esta parceria, através da aquisição pela Kinoshita International de metade da empresa madeirense. Note-se que, no séc. XXI, o vinho da Madeira ganhou nome no mercado de vinhos licorosos do Japão e assumiu o papel principal no brinde que sucede à cerimónia de casamento. Por múltiplas influências e intervenções, a Madeira foi um viveiro de plantas de todo o mundo, plantas que depois se expandiram para outras regiões. Os jardins públicos e privados são um repositório deste legado, que começou a ganhar importância na segunda metade do séc. XVII, por mão dos Ingleses. Em 1844, E. Wateley destacava esse trabalho e a presença de espécies da China, da Austrália e do Japão, nomeadamente no Jardim da Serra. Uma destas influências está relacionada com a flora das quintas e dos jardins, públicos e privados, da cidade do Funchal e arredores, onde se podem encontrar várias espécies de flora originárias desta região: Acer palmatum (ácer), Angiopteria evecta (feto craca), Ardisia crenata (ardísia), Aucuba japonica (aucuba), Elaeagnus macrophylla (oliveira do paraíso), Camelia japonica (camélia), Chamaecypares obtusa (camacípares), Cinnamomum camphora (canforeira), Cryptomeria japonica (criptoméria), Cyca revoluta (cica), Elaeagnus pungens (eleagnos), Eriobotrya japonica (nespereira), Euonymus japonica (Euonimus), Eurya japonica (euria), Fatsia japonica (arália), Ficus radicans (pastinha), Hibiscus chizoptalus (cardeal bailarina), Hibiscus rosa-sinensis (cardeal), Hovenia dulcis (passas do Japão), Ligustrum japonicum (ligustro), Ligustrum ovalifolium (ligustro), Magnolia obovata (magnólia), Magnolia stellata (magnólia), Pittosporum tobira (incenseiro), Raphiolepsis ovata (espinheiro da Índia), Sophora japonica (acácia do Japão), Trachelospermum jasminoides (jasmins de estrela), Trachycarpus fortunei (palmeira moinho de vento), Ulmus parvifolia (ulmeiro).   Alberto Vieira (atualizado a 03.02.2017)

Madeira Global

clima e meteorologia

O arquipélago da Madeira situa-se na região subtropical do Atlântico oriental, centrado aproximadamente a 32 ° 45 ’ de latitude norte e 17 ° 00 ’ de longitude oeste, a cerca de 900 km de Portugal continental (Sagres) e dos Açores (Santa Maria). É formado pelas ilhas da Madeira e de Porto Santo, com áreas da ordem dos 730 km2 e 23 km2, respetivamente, e pelos ilhéus das Desertas e das Selvagens, estes últimos a cerca de 300 km a sul da Madeira. A orografia é bastante acidentada, com as formações de maior altitude na parte oriental (pico Ruivo, com 1862 m) e na parte ocidental (planalto do Paul da Serra, com altitude da ordem dos 1300 m). De acordo com a classificação climática de Köppen-Geiger, as ilhas da Madeira e de Porto Santo apresentam clima temperado húmido, com zonas de verão seco e quente e outras zonas de verão seco e suave, dependendo da proximidade ao mar, da exposição solar e principalmente da altitude. Em intervalos de tempo regulares, com base em instrumentos específicos, é feita no arquipélago a observação à superfície dos principais descritores meteorológicos, designadamente a pressão atmosférica, o vento, a temperatura e a humidade relativa do ar. A respetiva difusão sincronizada aos níveis regional, nacional e internacional constitui a informação primária para a descrição do tempo presente e, por acumulação sucessiva, do conhecimento do clima. As primeiras observações meteorológicas à superfície, executadas com regularidade e de forma continuada no Funchal remontam a meados do séc. XIX, tendo sido executadas até meados do séc. XX no Palácio de S. Lourenço, e posteriormente no sítio dos Louros, na orla costeira leste da cidade, onde foi instalado o Observatório Meteorológico do Funchal. Graças à observação regular efetuada, no mínimo diariamente, às 09.00 h, estava disponível, em 2015, uma série longa de dados para o Funchal, o que permitia conhecer, e.g., a variação da temperatura média do ar e da quantidade de precipitação dos 151 anos anteriores e da temperatura da água do mar à superfície dos 65 anos anteriores, executada no porto do Funchal. Fig. 1 – Gráfico com a média anual da temperatura do ar à superfície, registada no Funchal entre 1865 e 2015 (151 anos) (Palácio de S. Lourenço e sítio dos Louros); e a média anual da temperatura da água do mar registada na Pontinha entre 1951 e 2015 (65 anos). Fonte dos dados: Instituto do Mar e da Atmosfera. Dos registos anuais, destaca-se a subida da média anual da temperatura do ar a partir do início dos anos 70 do séc. XX. Desde 1971 até 2015, a temperatura média anual subiu cerca de 2,2 °C, o que corresponde a um valor médio da ordem de 0,5 °C por década. No entanto, entre 1996 e 2015, período em que as observações foram feitas sempre com o mesmo equipamento, devidamente calibrado, verificou-se que a temperatura do ar subiu cerca de 0,3 °C, o que corresponde a um valor da ordem de 0,15 °C por década, tendo a subida sido mais acentuada entre 1996 e 2004 (8 anos) do que entre 2005 e 2015 (11 anos). À semelhança da temperatura média do ar, a temperatura média da água do mar começou a subir no início da déc. de 70 do século XX, embora de forma menos significativa entre 1995 e 2015. Desde o início da déc. de 70, a diferença entre a temperatura média do ar e da água do mar variou entre 1,3 °C e 0,5 °C, embora nos últimos anos do intervalo essa diferença se tenha mantido próxima dos 0,5 °C. Entre 1995 e 2015, a temperatura média anual do ar variou entre 20,0 °C e 20,4 °C, e a temperatura da água do mar entre 20,4 °C e 21,1 °C. Fig. 2 – Gráfico com a evolução da precipitação média anual registada no Funchal entre 1865 e 2015, desde 1865 no Palácio de S. Lourenço e desde 1951 no sítio dos Louros (Observatório Meteorológico do Funchal). Fonte dos dados: Instituto do Mar e da Atmosfera. A partir de uma análise simples da fig. 2, conclui-se que a quantidade de precipitação apresenta variabilidade interanual significativa. No 65 anos que medeiam entre o momento em que começou a haver registos no Observatório Meteorológico do Funchal e 2015, a precipitação anual mais baixa foi registada em 2015 (299,5 mm), correspondendo ainda ao quarto valor mais baixo desde 1865 (em 151 anos). O maior valor da quantidade de precipitação anual ocorreu em 2010 (1477 mm) e um valor próximo deste foi registado em 1895 (1420 mm). Entre 2010 e 2015, registou-se o maior período de anos consecutivos com os valores mais baixos da quantidade de precipitação no Funchal. Rede de observação A rede meteorológica do Funchal começou a ser construída em meados dos anos 30 do séc. XX, com a instalação de vários postos meteorológicos. Nos anos 50, a rede meteorológica era constituída por 15 postos, tendo 7 sido desativados durante a déc. de 80; restaram as estações do Funchal (1865), do Areeiro (1936), de Santana (1937), do Porto Santo (1939), do Lugar de Baixo (1941), do Santo da Serra (1942), da Bica da Cana (1950) e de Santa Cruz/Aeroporto (1958). No acompanhamento da modernização tecnológica registada particularmente durante a déc. de 80 do séc. XX, iniciou-se em 1995 a modernização da rede meteorológica do arquipélago da Madeira, com a instalação de duas estações meteorológicas automáticas em Porto Santo/Aeroporto (78 m) e no Funchal/Observatório (58 m); em 2002, foram instaladas cinco estações: Funchal/Lido (25 m), São Jorge (257 m), Chão do Areeiro (1590 m), Lugar de Baixo (40 m) e Ponta do Pargo (298 m); em 2009, e para reforçar a melhoria da previsão meteorológica, foram ainda instaladas duas estações automáticas no Caniçal/Ponta de São Lourenço (133 m) e nas Achadas da Cruz/Lombo da Terça (931 m). Posteriormente, e após o violento temporal de 20 de fevereiro de 2010, reconheceu-se a necessidade de aumentar a densidade de estações, pelo que foram instaladas, em finais de 2010, mais cinco estações automáticas em Quinta Grande (580 m), São Vicente (97 m), Santana (380 m), Bica da Cana (1560 m) Santo da Serra (660 m), tendo as três últimas substituído as estações clássicas existentes, das quais havia apenas uma observação diária, às 09.00 h. Posteriormente, e para completar a rede planeada em 2010, foram instaladas, em 2013, uma estação no Pico do Areeiro (1799 m), e em 2014 três estações: Porto Moniz (35 m), Pico Alto (1118 m) e Santa Cruz/Aeroporto (58 m), aqui para substituir a estação clássica. Estas 18 estações estão equipadas com instrumentos de observação da temperatura e humidade relativa do ar, precipitação e radiação solar global, estando 12 – Funchal/Observatório, Funchal/Lido, São Jorge, Areeiro, Lugar de Baixo, Ponta do Pargo, Caniçal/Ponta de São Lourenço, Santo da Serra, Porto Moniz, Pico Alto, Santa Cruz/Aeroporto e Porto Santo/Aeroporto – equipadas com instrumentos de medição do vento. Três destas estações estão ainda equipadas com instrumentos de medição da pressão atmosférica: Funchal/Observatório, Santa Cruz/Aeroporto e Porto Santo/Aeroporto. Assim, para a Madeira, a densidade de estações meteorológicas é da ordem de uma estação por cada 45 km2 para a temperatura e humidade relativa do ar e radiação solar global, e uma estação por 65 km2 para o vento. Para ilustração, apresenta-se na fig. 3 a distribuição e a localização das estações meteorológicas no arquipélago da Madeira, em 2015. Fig. 3 – Mapa com a distribuição e localização das estações meteorológicas no Arquipélago da Madeira em 2015. A redução na densidade de estações decidida para o arquipélago da Madeira resultou, em particular, da necessidade de melhoria da vigilância meteorológica, sentida após vários episódios de tempo rigoroso, em particular associados a precipitação forte, registados a partir do início de 2009, dos quais se apresentam alguns mais significativos: 27 fevereiro 2009: Funchal 82,7 mm/Areeiro 145,1 mm; 18 de dezembro de 2009: Funchal 36,7 mm/Areeiro 130,1 mm; 2 de fevereiro de 2010: Funchal 42,5 mm/Areeiro 184,7 mm; 20 de fevereiro: Funchal 144,3 mm/Areeiro 389,6 mm; 21 de outubro de 2010: Funchal 82,7 mm/Areeiro 147,0 mm; 26 de novembro de 2010: Funchal 155,1 mm, tendo sido o maior valor diário registado desde sempre/Areeiro 185,2 mm; 28 de dezembro de 2010: Funchal 50,7 mm/Areeiro 95,7 mm; 26 de janeiro de 2011: Funchal 103,4 mm/Areeiro 321,0 mm; 30 de outubro de 2012: Funchal 55,7 mm/Areeiro 258,1 mm; 6 de novembro de 2012: Funchal 19,3 mm/Areeiro 201,1 mm; 3 de março de 2013: Funchal 40,9 mm/Areeiro 274,4 mm; e muitos outros episódios em toda a ilha da Madeira, sendo de registar também os da Ribeira da Janela no dia 5 de novembro de 2012: 186 mm no Lombo da Terça/Porto Moniz; e de Porto da Cruz a 29 de novembro de 2013: 325 mm no Santo da Serra durante dois dias.   Fig. 4.1 – Fotografia de balão meteorológico com radiossonda. A rede de observação no arquipélago da Madeira inclui ainda um sistema de radiossondagens para observação da pressão atmosférica, do vento, da temperatura e da humidade relativa do ar, desde a superfície até cerca de 30 km de altitude, recorrendo ao lançamento de balão com radiossonda (fig. 4.1), executado uma vez por dias às 12.00 h, e ainda quatro estações de tempo presente, instaladas no Funchal/Observatório Meteorológico, em Chão do Areeiro, Pico do Areeiro e São Jorge, para observação da visibilidade horizontal e identificação do tipo de meteoros (chuva, chuvisco, granizo, saraiva e neve).   Fig. 4.2 – Estação meteorológica automática, em teste no Observatório Meteorológico do Funchal, para ser instalada nas Selvagens. Para completar a rede do arquipélago da Madeira, foi instalada uma estação meteorológica automática nas ilhas Selvagens no verão de 2016 (fig. 4.2), a qual permitirá essencialmente acompanhar a evolução de sistemas meteorológicos que se formem a sul da Madeira, para além de que os dados registados nestes ilhéus permitirão o estudo do clima local e o apoio de estudos científicos nos domínios dos ecossistemas locais.     Condições meteorológicas caraterísticas na região da Madeira Fig. 5.1 – Imagem de aproximação de superfície frontal fria As condições meteorológicas predominantes na região do arquipélago da Madeira são principalmente determinadas pela intensidade e localização do anticiclone dos Açores e pelas perturbações da superfície frontal polar que se fazem sentir especialmente de novembro a março, quando se deslocam do Atlântico Norte em direção à Europa, vindas de oeste. Durante o inverno, o anticiclone dos Açores está geralmente deslocado para sul da sua posição média, a sudoeste dos Açores. Importantes também na determinação das condições meteorológicas nesta época do ano são as depressões frontais que se deslocam sobre o Atlântico, que dão origem à aproximação e passagem de superfícies frontais, em particular de superfícies frontais frias (fig. 5.1), mais frequentes e mais ativas do que as superfícies frontais quentes, as quais dão origem a grande nebulosidade, chuva e aguaceiros por vezes fortes, em particular nas zonas montanhosas, e a ventos fortes dos quadrantes de sul. Fig. 5.2 – Imagem de localização do anticiclone dos Açores em dia de verão. Durante o verão, o anticiclone dos Açores, desloca-se frequentemente para nordeste relativamente à sua posição média anual, a sudoeste dos Açores, fortalece-se e estende-se com uma crista de altas pressões, que atinge o Nordeste da Europa (fig. 5.2). Fig. 5.3 – Imagem de depressão estacionária centrada entre Portugal Continental e os arquipélagos dos Açores e da Madeira. Também de outubro a março, estabelecem-se por vezes, entre a Península Ibérica, os Açores e a Madeira, depressões frias estacionárias que afetam as condições meteorológicas nesta região e podem permanecer cerca de uma semana, dando origem, na região da Madeira, a grande nebulosidade com ocorrência de períodos de chuva ou aguaceiros por vezes fortes (fig. 5.3). Importantes são também as situações em que se observa um anticiclone muito desenvolvido, centrado a norte da latitude da Madeira, e orientado na direção oeste-leste, por vezes associado a baixas pressões sobre o continente africano, e em que a região da Madeira é atingida por vento de leste, muito quente e seco, vindo do deserto do Sahara, com poeira fina que dá origem a bruma. Nesta situação, a temperatura do ar na Madeira pode chegar aos 35 °C e a humidade relativa do ar descer para valores da ordem de 5 % nas regiões montanhosas. O clima da Madeira Para a caraterização do clima da Madeira, recorreu-se à classificação climática de Köppen-Geiger, a qual divide os climas em cinco grandes grupos, identificados por letras maiúsculas, e na qual o arquipélago da Madeira se integra no grupo [C], definido como clima temperado húmido. Para cada grande grupo, o tipo de clima é ainda especificado através de uma letra minúscula que refere o regime da precipitação, que para o arquipélago da Madeira, definido como húmido, é [s]; e uma segunda letra minúscula, que está relacionada com a temperatura média mensal, que para o arquipélago da Madeira é [a] ou [b], correspondendo a verão seco e quente (VSQ) ou verão seco e suave (VSS). No fig. 6, apresenta-se a metodologia utilizada com os limites relativos às temperaturas e precipitações mensais, de acordo com a classificação climática de Köppen-Geiger. [table id=88 /] Recorrendo à série de dados de 1971-2000 (30 anos), em particular às normais climatológicas, da temperatura do ar e da precipitação média mensal, para as estações do Funchal (costa sul, 58 m), do Areeiro (montanha, 1590 m), de Santana (costa norte, 380 m) e da ilha de Porto Santo (78 m), representadas graficamente na fig. 7, e aplicando a classificação de Köppen-Geiger, temos para o Funchal e para Porto Santo clima do tipo Csa (temperado húmido com verão seco e quente) e para o Areeiro e Santana clima do tipo Csb (temperado húmido com verão seco e suave). Fig. 7 – Gráficos com a temperatura do ar e a precipitação média mensal no período de 1971-2000, registadas nas estações meteorológicas do Funchal (58 m), do Areeiro (1590 m), de Santana (380 m) e de Porto Santo (78 m). Aplicando a mesma classificação para as estações que se apresentam na fig. 8, com séries de dados de cinco anos (2011-2015), verifica-se que no Funchal (58 m), no Lugar de Baixo (40 m), na Ponta do Pargo (298 m), em São Vicente (97 m), no Caniçal (133 m) e em Porto Santo (78 m) o clima é Csa (temperado húmido com verão seco e quente) e nas estações de Quinta Grande (580 m), São Jorge (257 m), Santana (380 m), Santo da Serra (660 m), Areeiro (1590 m), Bica da Cana (1560 m) e Lombo da Terça (931 m) o clima é do tipo Csb (temperado húmido com verão seco e suave). [table id=89 /] Legenda: H – Altitude T1 – Temperatura média do ar do mês mais frio I1 – Grupo climático R1 – Precipitação no mês mais seco R2 – Precipitação no mês mais chuvoso I2 – Indicador de tipo T2 – Temperatura média do ar do mês mais quente I3 – Indicador de subtipo TC – Tipo de clima Csa – Clima temperado húmido com verão seco e quente Csb – Clima temperado húmido com verão seco e suave   Na fig. 9 apresenta-se de forma gráfica, para nove das estações indicadas na fig. 8, os valores médios mensais da temperatura do ar e da precipitação para o período 2011-2015. Fig. 9 – Gráficos com a temperatura do ar e a precipitação média mensal no período de 2011-2015, registadas nas estações meteorológicas de São Vicente (97 m), São Jorge (257 m), Ponta do Pargo (295 m), Bica da Cana (1560 m), Santana (340 m), Lugar de Baixo (40 m), Funchal (58 m), Caniçal (133 m) e Porto Santo (78 m). Dos resultados anteriores, conclui-se que, para além da latitude, os fatores determinantes do clima da Madeira são a altitude e a proximidade ao mar. Assim, toda a faixa costeira sul até à cota de 500 m (a avaliar pelos valores da Quinta Grande), a faixa costeira norte até à cota de 100 m, aproximadamente (a avaliar pelos valores de São Vicente e de São Jorge), e o Porto Santo apresentam clima temperado húmido com verão seco e quente, e as restantes regiões clima temperado húmido com verão seco e suave. Resumo de apuramentos estatísticos (1971-2000) A fim de se conhecer com mais detalhe a variação dos vários parâmetros climáticos, apresenta-se uma descrição dos apuramentos estatísticos, também conhecidos por normais, para o período 1971-2000, relativos às estações do Funchal (58 m, costa sul), do Areeiro (1590 m, montanha), de Santana (380 m, costa norte) e do Porto Santo (78 m). (Todos estes dados foram recolhidos no Instituto do Mar e da Atmosfera.)   Temperatura do ar Nas regiões costeiras da ilha da Madeira e em Porto Santo, a temperatura mínima do ar raramente desce abaixo de 10 °C no inverno e a temperatura máxima poucas vezes ultrapassa 30 °C no verão. No entanto, nas terras altas da ilha da Madeira, consideradas acima dos 1000 m, observam-se com frequência valores da temperatura mínima do ar inferiores a 0 ºC. A região do Lugar de Baixo, na vertente sul, a jusante dos ventos dominantes, é a mais quente da ilha da Madeira. Os valores médios anuais da temperatura do ar na ilha da Madeira são maiores na costa sul do que na costa norte e diminuem para o interior da ilha, com a altitude. A temperatura média anual é de 19,0 °C no Funchal (58m), 8,8 °C no Areeiro (1590 m), 15,5 °C em Santana e 18,6 °C na ilha de Porto Santo (78 m). A temperatura média mensal varia pouco ao longo do ano, sendo maior no verão – 22,6 °C no Funchal, 14,3 °C no Areeiro, 19,0 °C em Santana e 22,5 °C em Porto Santo – e menor no inverno: 16,1 °C no Funchal, 4,9 °C no Areeiro, 12,8 °C em Santana e 15,6 °C em Porto Santo. As amplitudes térmicas diárias são pequenas, com valores médios mensais que variam de 5,7 °C a 6,5 °C no Funchal, de 5,9 °C a 8,5 °C no Areeiro, de 4,8 °C a 6,2 °C em Santana e de 4,8 °C a 6,1 °C em Porto Santo. O número médio de dias de verão, definidos como dias em que a temperatura máxima do ar é superior ou igual a 25 °C, é de 72 no Funchal, 7 no Areeiro, 7 em Santana e 39 no Porto Santo; o número de noites tropicais, ou seja, dias de temperatura mínima do ar superior ou igual a 20 °C, é de 28 no Funchal, 1 no Areeiro, 1 em Santana e 37 em Porto Santo. Os dias quentes, com temperatura máxima do ar superior ou igual a 30 °C, podem ser registados tanto nas regiões costeiras como nas regiões montanhosas da ilha da Madeira e também em Porto Santo, mas são bastante reduzidos; em média, inferiores a um dia por ano. As temperaturas máximas absolutas registadas foram 38,5 °C no Funchal, 30,6 °C no Areeiro, 34,1 °C em Santana e 35,3 °C em Porto Santo; e as temperaturas mínimas absolutas foram 7,4 °C no Funchal, -7,0 °C no Areeiro, 5,1 °C em Santana e 6,4 °C no Porto Santo. O número médio de dias do ano com temperatura mínima inferior a 0 ºC é praticamente nulo, exceto no Areeiro onde é de cerca de 40 dias. Precipitação De todos os elementos climáticos, a precipitação é a que apresenta maior variabilidade, existindo um contraste significativo entre a vertente norte e as zonas mais altas, onde ocorrem valores muito elevados de precipitação, e a vertente sul e o Porto Santo, com valores baixos de precipitação. No inverno, a precipitação ultrapassa os 1000 mm nas zonas mais altas, enquanto na costa sul é inferior a 300 mm. Nos meses de verão, a quantidade de precipitação varia entre os 150 mm nas zonas mais altas e menos de 50 mm na costa sul da ilha. O facto de chover mais na parte norte da Madeira durante o verão está claramente associado à direção dominante do vento do quadrante norte nesta estação do ano, e ao facto de a precipitação ser essencialmente de origem orográfica. Os valores médios anuais da precipitação na ilha da Madeira são maiores na costa norte do que na costa sul, aumentando com a altitude, sendo em regra maiores nas encostas voltadas a norte do que nas encostas voltadas a sul para regiões da mesma altitude. Os valores variam de 596 mm no Funchal a 2620 mm no Areeiro, com 1383 mm em Santana. No Porto Santo, o valor médio anual da quantidade de precipitação é 361 mm. Os valores médios mensais da quantidade de precipitação variam muito durante o ano, sendo os meses de outubro a março os mais chuvosos, com valor médio mensal mais elevado nos meses de novembro a janeiro. As maiores quantidades de precipitação diárias variam de local para local, desde o máximo de 215,0 mm no Areeiro, passando por 194,0 mm em Santana, até aos 97,7 mm no Funchal; em Porto Santo, o maior valor diário registado foi 73,0 mm. O número médio anual de dias em que a quantidade da precipitação é igual ou superior a 10 mm é máximo no Areeiro (70) e mínimo em Porto Santo (9), sendo 19 dias no Funchal e 40 dias em Santana. A assimetria norte-sul do número anual de dias com precipitação (≥0,1 mm) é muito significativa. Com efeito, na região do Funchal e noutros pontos da costa sul, ocorrem menos de 90 dias com precipitação por ano, enquanto na costa norte se observam mais de 150 dias por ano. Por outro lado, nas zonas mais altas registam-se mais de 200 dias por ano com precipitação, dos quais mais de 70 são dias com precipitação elevada, superior a 10 mm. Insolação A insolação (número de horas diárias de exposição solar) mensal varia durante o ano com bastante regularidade, Fig. 10 – Gráfico da insolação mensal no Funchal, no Areeiro e em Porto Santo.Fonte dos dados: Instituto do Mar e da Atmosfera. tendo o valor mínimo em dezembro: 134 h no Funchal, 102 h no Areeiro e 133 h na Ilha de Porto Santo. O máximo mensal é 231 h em agosto no Funchal, 241 h em agosto no Porto Santo e 285 h em julho no Areeiro. A insolação apresenta uma ligeira descida em junho no Funchal e em Porto Santo, mas que não se observa no Areeiro. A insolação mensal média tem assim, para o Funchal e para Porto Santo, uma distribuição bimodal, com máximos em maio e em agosto (fig. 10). Anualmente, o Porto Santo totalizou, neste período, 2157 h de sol e o Funchal 2057 h, estando o maior número de horas de sol em Porto Santo associado à menor orografia, que não favorece tão fortemente a formação de nebulosidade local. O Areeiro totaliza 2053 h de insolação, apresentando uma amplitude mensal de 183 h; o Funchal, com um número anual de horas de sol quase igual ao do Areeiro, tem uma amplitude mensal de 96 h. O número anual de dias sem insolação é de 11 no Funchal, 9 em Porto Santo e 42 no Areeiro; para este valor, contribui essencialmente o número de dias com muita nebulosidade que se registam nos meses de outubro a março. Evaporação (mm) Os valores médios mensais da evaporação nas regiões costeiras da ilha da Madeira e em Porto Santo variam pouco e com bastante regularidade durante o ano. Em geral, os máximos ocorrem em julho e agosto. A quantidade média anual de evaporação é maior em Porto Santo, com 1423 mm, seguindo-se, por ordem decrescente, na ilha da Madeira, o Funchal, com 1109 mm, o Areeiro, com 970 mm, e Santana, com 753 mm. A amplitude mensal é de 23 mm no Funchal, 117 mm no Areeiro, 19 mm em Santana e 36 mm em Porto Santo, sendo de concluir que a evaporação é máxima nas regiões montanhosas.   Humidade relativa do ar A humidade relativa do ar é em regra maior na costa norte do que na costa sul da ilha da Madeira, sendo a variabilidade mensal maior nas regiões montanhosas. Fig. 11 – Gráfico dos valores médios mensais da humanidade relativa do ar no Funchal, no Areeiro e em Porto Santo.Fonte dos dados: Instituto do Mar e da Atmosfera.   Nas regiões costeiras da ilha da Madeira, os valores médios mensais da humidade relativa do ar apresentam pequena variação durante o ano, sendo menores no inverno do que no verão. Com efeito, o mês mais seco é abril no Funchal, com 69 %, e fevereiro e março em Santana, com 80 %. No Areeiro, os valores médios são mais altos no inverno, 85 %, do que no verão, 64 %. Também na ilha de Porto Santo a humidade relativa é maior no inverno, com 80 %, sendo nos meses de abril a julho da ordem dos 76 %. Na fig. 11, apresentam-se os valores médios mensais da humidade relativa do ar no Funchal, no Areeiro e em Porto Santo.   Vento O regime anual do vento é diferente na costa norte e na costa sul da ilha da Madeira, sendo os ventos predominantes de NE (10 %) e SW (10 %) no Funchal, de NE (38 %) no Areeiro, de WNW (14 %) e SE (10 %) em Santana/São Jorge, e de N (20 %) em Porto Santo. A frequência de calma é de 13,4 % no Funchal, 1,7 % no Areeiro, 4,0 % em Santana/São Jorge, e 2,3 % no Porto Santo. As rajadas superiores a 40 km/h ocorrem no Funchal com frequência de 1 % e muito raramente são registadas rajadas superiores a 70 km/h. Rajadas superiores a 70 km/h são registadas no Areeiro em 5 % das observações, em Santana/São Jorge em 0,6 % das observações e em Porto Santo em 0,2 %. Entre 1995 e 2015, a maior rajada do vento no Funchal foi de 86 km/h, em março de 2010; no Areeiro, foi de 160 km/h, em Santana/São Jorge, de 159 km/h e em Porto Santo, de 104 km/h, todas no mês de fevereiro de 2010. Assinale-se que os ventos fortes e muito fortes a que por vezes correspondem temporais, particularmente nas terras altas da Madeira e em Porto Santo, estão associados normalmente aos valores mais baixos da pressão atmosférica que em regra ocorrem entre novembro e março.   Temperatura da água do mar Os valores médios mensais da temperatura da água do mar à superfície variam com regularidade durante o ano. Os valores máximos ocorrem em agosto ou em setembro e os mínimos em fevereiro ou março. A temperatura média mensal é relativamente alta ao longo do ano, variando entre 17,8 °C em março e 23,3 °C em setembro no Funchal, e entre 17,3 °C em fevereiro e março e 22,4 °C em setembro no Porto Santo. A temperatura média anual é 20,2 °C no Funchal e 19,5 °C em Porto Santo. A amplitude média da variação mensal é 5,5 °C no Funchal e 5,1 °C em Porto Santo. Os valores observados na região raramente descem abaixo dos 15 °C e raramente ultrapassam os 25 °C.   Ondulação A ondulação na região da Madeira é geralmente fraca ou moderada, com rumos predominantes de NW a NE, exceto junto ao litoral sul da ilha da Madeira, em que predominam rumos de SE a SW. As situações que ocorrem mais frequentemente nos meses de inverno, e que correspondem à ocorrência de depressões no Atlântico Norte em latitudes entre 35° e 55° N, conduzem à geração de ondulação do quadrante NW na região da Madeira. A ondulação do quadrante NE é proveniente, em geral, de áreas de geração localizadas no bordo SE do anticiclone dos Açores, quando este se estende sobre a Europa Ocidental. Durante os meses de verão, cresce a importância desta situação relativamente à anterior, quer pela localização habitual nestes meses do anticiclone dos Açores, quer pelo menor número de depressões a atravessar o Atlântico Norte a latitudes suficientemente baixas para que a ondulação por elas provocada atinja a Madeira.   Pressão atmosférica Os valores da pressão atmosférica ao nível da estação apresentam diferenças quase constantes de local para local, resultantes das diferenças de altitude. Os valores médios mensais reduzidos ao nível médio do mar, registados no Funchal e em Porto Santo, variam pouco durante o ano – 3 hPa no Funchal e 3,3 hPa no Porto Santo –, sendo maiores no inverno e no verão, com diferença de cerca de 1 hPa, e menores na primavera e no outono. A variabilidade interanual dos valores médios mensais nos vários anos é maior durante o inverno e menor durante o verão: 15,0 hPa em janeiro e fevereiro e 2,4 hPa em agosto. Os valores mínimos ao nível médio do mar observados em anos recentes foram 985,9 hPa no Funchal, em 20 de fevereiro de 2004, e 985,8 hPa em Porto Santo, em 4 de março de 2013; os valores máximos foram 1037,2 hPa no Funchal, em 1 de janeiro de 2007, e 1039,3 hPa, em 25 de Janeiro de 2014, em Porto Santo.   Trovoada, granizo, neve e nevoeiro O número de dias com trovoada é de 7 no Funchal, 4 no Areeiro, 4 em Santana e 5 em Porto Santo, sendo a frequência maior no outono e na primavera. O número de dias com precipitação de granizo e saraiva é de 1 no Funchal, 14 no Areeiro, 2 em Santana e inferior a 1 no Porto Santo; a frequência é maior desde meados do outono até à primavera. O número médio de dias do ano com precipitação de neve e com geada é praticamente nulo na Madeira, exceto no Areeiro, em que são registados 7 e 16 dias, respetivamente, com maior frequência em janeiro e março. O número de dias com nevoeiro tem valores desde 1 no Funchal e em Porto Santo, 8 em Santana e 227 no Areeiro, sendo pouco nítida a variação ao longo do ano. É muito nítida e acentuada a variação em altitude. Victor Prior (atualizado a 29.01.2017)

Física, Química e Engenharia Geologia Ciências do Mar

frança

À partida, a França não está nos horizontes da Ilha, não fora o seu empenho no comércio do açúcar e no processo de partilha do mundo com a expansão europeia, através de ações de pirataria e corso. Assim, nos primórdios da sociedade madeirense, foi evidente a presença dos mercadores franceses, que assumiram um papel destacado na partilha do comércio e dos lucros do açúcar produzido na Madeira. Essa possibilidade foi favorecida pelo facto de a Coroa portuguesa facilitar a atividade e circulação dos Franceses, bem como dos Italianos, flamengos e bretões. Tudo isto aconteceu porque o Funchal se transformou rapidamente num centro de negócios que os atraía. Em 1530, Giulio Landi refere que é o vinho e açúcar que traz à Ilha os “mercadores de países muito distantes: de Itália, França, Flandres, Inglaterra e da Península Ibérica” (ARAGÃO, 1981, 83). Atente-se que, a partir do séc. XVII, mais precisamente em 1626, mesmo ainda antes dos Ingleses, a França passou a poder ter representação consular na Ilha. O primeiro interesse dos Franceses é o comércio do açúcar da Madeira que, de acordo com os valores determinados para a produção deste produto em 1496, correspondia, no máximo, a 9000 arrobas, i.e., 13 % do valor total das exportações estipuladas pela Coroa portuguesa. No decurso da centúria, os mercadores franceses são referenciados no negócio do açúcar em 1503, 1526 e 1534. Depois, nos sécs. XVII e XVIII, estão interessados no comércio de conservas de casca e de cidra para Rochela e S. Malo. Este interesse pelo açúcar madeirense perdura no tempo, de modo que Francisco Pyrard de Laval afirmava, em princípios do séc. XVII, que “não se fala em França senão no açúcar da Madeira e da ilha de S. Tomé, mas este é uma bagatela em comparação do Brasil, porque na ilha da Madeira não há mais de sete ou oito engenhos a fazer açúcar e quatro ou cinco na de S. Tomé” (PYRARD, 1944, I, 228). O retorno de mercadorias vindas de França, embora ocasional, acontece e incide naquilo de que a Ilha mais precisa a partir do séc. XVI, os cereais. Há referências à importação de trigo deste país em 1610, 1617 e 1647, para acudir aos momentos de dificuldade, referindo-se para o último ano a quantia de 300 moios de trigo. Em 1669, testemunha-se a importância destas transações comerciais de Franceses, na Ilha. Quem o diz é o cônsul francês: “As nações que frequentam esta Ilha são os Franceses que trazem algumas vezes trigo, panos de toda a sorte, tecidos e sarjas de St. Messant, lã para colchões, cobertas, papel, ferro, azeite, breu, tafetás e outros estofos de seda. Para as conservas só pequenas embarcações de 30 a 40 tonéis e que não levam mais que seis a oito homens as quais correm grandes riscos por causa dos pequenos corsários de Salé. […] Para os navios da companhia e outros particulares que vêm carregar vinhos para as ilhas da América não correm nenhum risco porque são grandes barcos e fortes” (SILBERT, 1997, 113). Em 1689, porém, a situação mudara, pois “o comércio que os súbditos de Sua Majestade aqui fazem de ordinário são os açúcares para o Levante e cascas de limão. Mas como estas duas espécies de mercadorias dão prejuízo em França rejeitam este negócio e sempre vai de mal a pior. Antigamente carregavam-se vinhos para a América de que se tirava algum pouco proveito mas como foi proibida a exportação, o negócio acabou” (Id., Ibid., 114). Em 1716 a situação ainda não era favorável pois: “O comércio que os senhores franceses fazem nesta ilha é de pouca importância por causa de não terem aqui bons produtos para poderem dar em troca de suas fancarias e outras mercadorias que poderiam trazer de França, vendo que nesta ilha não há nenhum género que lhes possa interessar senão as cascas de limões e isto não vai todos os anos quando muito 400 caixas das ditas cascas, e este ano até ao presente nenhum navio francês carregou alguma para França”. De forma que, em 1717, “por ordem de Sua Majestade não é também permitido aos franceses como outrora transportar vinho deste país para as ilhas da América. Se isto é o comércio da França não se poderá restabelecer nesta Ilha, também não encontro no Funchal senão dois franceses casados que constituem toda a nação, dos quais um que era marinheiro começou a negociar e o outro que era criado de um português faz também algum pequeno comércio” (Id., Ibid.). Excecionalmente, a Madeira ainda recebeu pipas de vinho e de cerveja de França para abastecimento da comunidade britânica, tendo-se autorizado, em 1763, a importação de duas pipas de vinho e de igual quantia de cerveja. Note-se que, no decurso do séc. XVIII, foi constante a presença de navios franceses no porto do Funchal, de forma que, entre 1727 e 1802, passaram por este porto 226 embarcações, número que deverá no entanto considerar-se algo diminuto em relação aos 15.798 navios ingleses. Tudo isto porque está definitivamente assente a hegemonia britânica e a fama, a partir de 1735, dos Franceses como burlões. A opinião negativa alarga-se ao trigo francês, considerado o pior da Europa; não obstante, quer as embarcações, quer o trigo, reaparecerem em 1765. É um regresso muito saudado, que se afirma em 1777, mas que a Guerra da Independência dos Estados Unidos da América vai travar, pois, como refere Albert Silbert, “as guerras da Revolução e do Império levam os ingleses a dominar definitivamente” (Id., Ibid., 120). As relações comerciais com a França mantiveram-se nos sécs. XIX e XX, embora não com o mesmo fulgor e a importância de épocas anteriores. Para o séc. XX, destaca-se a importância do vinho, que ganhou grande peso na culinária, a exportação de bordados e o turismo de pessoas oriundas desse país. O contributo francês era variado e, segundo informação de 1961, tanto podia ser de bacalhau, como do trigo, óleos alimentares, tecidos, seda, fio de algodão, ferro e aço. Ao comércio, contudo, alia-se a cobiça pelo domínio e a partilha dos espaços e das rotas comerciais, que se expressa pela pirataria e o corso. D. João III, em carta de 2 de maio de 1534 dirigida a Rui Fernandes, referia que “os mares que todos devem e podem navegar são aqueles que sempre foram sabidos de todos, mas os outros que nunca foram sabidos, nem parecia que se podiam navegar e foram descobertos com tão grande trabalho por mim, esses não” (ALBUQUERQUE, 1938, 167). A resposta foi dada no desagravo de Francisco I ao Cardeal de Toledo: “O sol quando brilha é para todos; gostaria muito de ver a cláusula do testamento de Adão que me exclui da partilha do mundo” (WILLIAMS, 2012, 30), justificando assim as ações de corso, que se sucedem. No séc. XVI, a primeira ação conhecida relacionada com França é a de um corsário biscainho, em 1518, e alguns reflexos da pirataria e corso exercidos no estreito de Gibraltar e na costa portuguesa, que, por vezes, atingia embarcações saídas ou destinadas à Madeira. Estes piratas e corsários e geram uma situação de instabilidade para o comércio madeirense. Veja-se o célebre assalto francês de outubro de 1566: Bertrand de Montluc, ao comando de uma armada composta de três embarcações, perpetrava um dos mais terríveis assaltos à vila Baleira e à cidade do Funchal. Durante 15 dias, o Funchal ficou a mando deste pirata, que roubou os produtos agrícolas (vinho e açúcar), profanou igrejas (a Sé do Funchal) e roubou alfaias, e fez muitos escravos. Parte da presa foi leiloada no momento da partida entre os residentes, e outra parte vendida na ilha de La Palma, onde os navios fizeram escala depois da saída do Funchal. Com o dealbar dos conflitos que sucederam às revoluções americana e francesa, surgem novas ações de corso na Madeira, que marcam, de forma clara, os períodos entre 1793-1801 e 1804-1811. O final do séc. XVIII é particularmente importante, uma vez que foi o período em que a guerra naval britânico-francesa assumiu maior dimensão, com reflexos evidentes na estabilidade da economia marítima da Ilha. A França, molestada nos seus intentos de ocupação do continente americano, foi a primeira nação a reconhecer o novo país, assinando com ele, em 1778, um tratado de comércio; na sequência da Revolução Francesa (1789), os EUA seriam o preferencial aliado dos Franceses. O novo estado de coisas não foi favorável à Madeira, sendo natural a apreensão do governador da Ilha, em 1793, quanto a um possível ataque dos Franceses, a exemplo do que sucedera em Nápoles. O cônsul americano no Funchal, João M. Pintard, não nega o seu apoio à República Francesa pelo que a apreensão nas autoridades locais era evidente. O papel dos cônsules era fundamental, pois, por seu intermédio, divulgavam-se as informações e solucionavam-se problemas e conflitos; podiam mesmo assumir o papel de agitadores políticos, como sucedeu com os cônsules americano e francês. O francês, Nicolau de La Tuellierie, é considerado pelas autoridades madeirenses um agitador. Aliara-se ao comerciante José Pedro Monteiro, sendo casado com uma filha sua, Ana Carlota; é o sogro que ocupa o cargo consular na sequência da sua morte. A Revolução Francesa repercutiu-se de diversas maneiras na Ilha e criou as condições para uma afirmação hegemónica dos Ingleses. Estes, com medo de perderem a sua posição privilegiada, acabaram por ocupar a Madeira, por dois momentos, em princípios do séc. XIX, o que contribuiu para um reforço da posição e dos interesses ingleses na Ilha. Os problemas da segurança nos mares continuaram e o corso ganhou nova dimensão na conjuntura internacional, assumindo a Madeira um papel de centro dessa ação no mundo atlântico, o que implicava efeitos claros na sua vida. Assim, os mares do Funchal eram constantemente invadidos por corsários franceses e castelhanos que andavam em busca da sua principal presa, os navios ingleses. Em 1803, em face da tomada da galera espanhola por um comissário inglês, no porto de Ponta Delgada, nasce uma viva polémica, em razão de o ato se ter praticado em águas territoriais portuguesas. Uma das justificações avançadas no momento, e que legitimava aquela atitude, era a apresentação das ordens que o comissário inglês possuía para tomar navios franceses e holandeses. O caso repetiu-se, no mesmo ano, com o corsário Gordon, que tomou a galera espanhola N.ª Srª das Mercês dentro do porto. O governador da Ilha, em carta ao corsário, solicita a apresentação de uma prova do estado de guerra e da ordem de corso, pois, caso contrário, seria considerado pirata. O corso acontecia de forma permanente e estava sempre justificado. Bastava o navio pertencer a uma nacionalidade neutral em face dos conflitos para se justificar uma ação de corso. Outras vezes, era o facto de o navio transportar mercadorias de uma nação inimiga. A atuação, em face destas situações, bem como a organização e o apoio ao corso estavam regulamentados pelas respetivas ordenanças, das quais temos notícia, em França, para 1584, 1778, 1881; na Holanda, em 1597, 1622, 1705; em Inglaterra, apenas em 1707; na Dinamarca, em 1720; e em Espanha, nos anos de 1718, 1762, 1779, 1802. A questão da legitimidade jurídica destas ações de corso prende-se com várias noções difusas de direito internacional que marcaram os primórdios da expansão europeia. Parece nunca ter havido a possibilidade de entendimento, não obstante a criação de tribunais arbitrais para o efeito. As duas décadas finais do séc. XVI são marcadas por inúmeros esforços da diplomacia europeia, no sentido de conseguir a solução para as presas do corso. Para isso, Portugal e França haviam acordado, em 1548, a criação de dois tribunais de ar­bi­tragem, cuja função era anular as autorizações de represália e cartas de corso. Mas a sua existência não teve reflexos evidentes na ação dos corsários. Há ainda uma permuta pacífica de pessoas e conhecimentos, que estreitam as ligações da Ilha com França e que vão ao encontro de interesses comuns. Partilham-se produtos, mas também conhecimentos e técnicas. Na segunda metade do séc. XVIII, reforçam-se os contactos comerciais entre a Ilha e França, por força da grande demanda que tinham as aguardentes de França, para fortificar os vinhos da Ilha para exportação. Em 1704, W. Bolton refere que se fazia a adição de aguardente de França aos vinhos de exportação, tendo recebido, desde Londres, 10 pipas. A maior parte deste comércio não se fazia de forma direta, mas através dos Ingleses, que o controlavam. As relações e as influências culturais francesas reforçaram-se também através de muitos jovens que faziam os seus estudos universitários em França. Entre estes destacou-se o médico João da Câmara Leme, que manifestou especial atenção aos assuntos enológicos, tendo oportunidade de conhecer, em França, os sistemas de aquecimento usados desde o primeiro quartel do séc. XIX, nomeadamente os realizados em vaso fechado de Appert, Ervais, Verguette, Cemotte e Pasteur. No regresso à Madeira, ao ser confrontado com o processo de estufagem em uso, notou que o sistema de aquecimento lento com comunicação com o ar ambiente dava ao vinho um sabor a queimado muito desagradável, ao mesmo tempo que lhe retirava as propriedades essenciais; daí as tentativas de adaptação dos sistemas franceses, que o levaram à criação de um novo sistema de estufagem dos vinhos. As relações vitivinícolas com a França persistem no tempo e anunciam tanto inovações como problemas para a Ilha. Em fevereiro de 1851, ocorreu a doença da vinha, conhecida como o oídio, que deverá ter chegado à Ilha em castas trazidas de França. O oídio, também vulgarmente conhecido como “mangra da vinha”, surgiu em Inglaterra em 1845, alastrando depois a França e a outras regiões vinícolas da Europa. As soluções para esta doença tardaram e, por isso mesmo, os efeitos fizeram-se sentir, de forma prolongada, na produção. João da Câmara Leme, à altura em Paris, de imediato enviou à Ilha os esclarecimentos necessários sobre a doença e o modo de a atacar. Em de 30 de novembro de 1852 apresentou os meios usados em França para combater a mangra por meio de pó de enxofre. Ainda em França, o barão de Ornelas deu conta de um novo processo de tratamento com sulphur, que só começou a ser utilizado a partir de 1861. O desenvolvimento da indústria de construção de equipamentos para o fabrico de açúcar, seja de cana ou de beterraba, aconteceu em países onde a produção de açúcar assumia um lugar significativo na economia. Deste modo, a França e a Inglaterra assumiram a posição pioneira no desenvolvimento da tecnologia açucareira. À sua posição, no início da indústria do açúcar de beterraba, junta-se a colonial: os Franceses detinham importantes colónias açucareiras nas Antilhas. No âmbito tecnológico, não devemos descurar o papel do engenho do Hinton no quadro da tecnologia açucareira de princípios do séc. XX. Há uma evidente relação entre o que acontece em França e a evolução da tecnologia de produção de açúcar, acompanhada de perto por João Higino Ferraz. Por seu lado, da parte dos Franceses, havia interesse em conhecer o caso particular da Madeira, que poderia ser um meio para a penetração da tecnologia francesa usada para o fabrico do açúcar de beterraba no processo de laboração do açúcar a partir da cana doce. João Higino Ferraz, encarregado do engenho do Hinton, afirma-se como um perfeito conhecedor da realidade científica do entorno do engenho, opinando tanto sobre agronomia como sobre mecânica e química e mantendo-se sempre atualizado sobre as inovações e experiências na Europa, nomeadamente em França. Da sua lista de contactos e conhecimentos fazem parte personalidades destacadas do mundo da química e da mecânica, com estudos publicados. Assim, para além dos contactos assíduos com Naudet, refere-nos frequentemente os estudos de Maxime Buisson, E. Barbet, Saillard, F. Dobler, D. Sidersky, Luiz de Castilho, H. Bochet, Effort e Gualet. No sentido de dar continuidade ao processo de modernização da fábrica do Torreão, esteve de visita aos complexos industriais franceses que laboravam a beterraba para o fabrico de açúcar. A visita foi proveitosa, refletindo-se nas modernizações do sistema do engenho do Hinton. Certamente esta experiência terá sido importante para a visita que fez, em 1930, a Ponta Delgada (São Miguel), para dar alguns ensinamentos sobre o processo de fabrico de açúcar, nomeadamente a fermentação do melaço. Por outro lado, o engenho do Hinton acolhia especialistas de todo o mundo, na condição de visitantes ou como contratados para a execução dos trabalhos especializados. Para o fabrico de açúcar contrataram-se em França afamados cuisieurs, por forma a manter as orientações de Naudet. A partir de 1905, J. H. Ferraz, a exemplo do que sucedera com o fabrico do açúcar, manteve-se permanentemente atualizado sobre a tecnologia francesa de fabrico de todo o tipo de bebidas fermentadas e destiladas, adaptando a tecnologia às condições do empreendimento que havia montado, à sua curiosidade e às suas experiência. São frequentes as referências a equipamentos franceses, bem como a inúmera literatura sobre o tema de que Ferraz era possuidor. Na déc. de 20, construiu uma loja de vinho onde foi possível montar um aparelho de evaporação Barbet e um moderno sistema de refrigeração. Ao nível da destilaria, devemos assinalar a sua presença em Almeirim, em 1916, para montar um aparelho francês. As experiências levaram-no a produzir cidra; cerveja; malte; vinho branco; xarope de uva; vinho de mesa e espumoso, que dizia de “fantasia” para não se confundir com o francês; vinagre; cidra; licores finos; anis escarchado; genebra, que vendia localmente e exportava para alguns mercados como a Alemanha. Tentou, ainda, imitar os vinhos franceses sauterne e o champanhe. Quanto à presença francesa na Ilha, note-se que, aos que foram diretamente de França, se devem acrescentar outros, chegados por via indireta, como a família Betencourt, originária da Normandia e chegada à Madeira por via das Canárias, com Jean de Betencourt (1362-1425). Estes Betencourt estabeleceram ligações com a família dos capitães do Funchal, através de Maria de Betencourt, que se casou com Rui Gonçalves da Câmara, proprietário da Lombada na Ponta de Sol, que trocou pela capitania da ilha de São Miguel, nos Açores. Acerca da presença de madeirenses nas universidades de França, destacam-se Gregório Joaquim Dinis (1863-1931), de São Vicente, que cursou Medicina em Paris, e João da Câmara Leme (1829-1902), que estudou em Montpellier. Não há muitos registos sobre a emigração de madeirenses para França, nem dados que permitam avaliar a importância da comunidade francesa, ao longo dos tempos, no Funchal. Para o período de 1872 a 1915, o livro de registo de passaportes assinala que saíram da Ilha para França 37 madeirenses, maioritariamente no séc. XIX. Estes eram oriundos maioritariamente de freguesias do Funchal, mas também do Estreito de Câmara de Lobos, de Câmara de Lobos, do Porto da Cruz e de São Vicente. No séc. XIX, aparecem na Ilha muitos Franceses, alguns acompanhados de criados e governantas, o que denota que viajariam em turismo. Outros, ainda, servem-se do Funchal para rumar a outros destinos, como Inglaterra, África e as Canárias. Embora haja referências sobre a emigração para França na déc. de 60 do séc. XX, nunca os madeirenses tiveram este país como um destino de relevo, pois tinham o caminho mais facilitado para outros destinos. Desta forma, podemos afirmar que as relações entre o arquipélago e França pautaram diversos momentos da história da Ilha e daquele país, sendo evidentes intercâmbios de diversa índole, que favoreceram a Madeira.     Alberto Vieira (atualizado 31.01.2017)

Madeira Global

gain, louis

O cientista francês Louis Gain participou em várias expedições oceanográficas e foi autor de numerosos estudos. Passou pela Madeira em 1911 e recolheu algumas algas marinhas nas praias e rochas do arquipélago, publicando o estudo “Algues provenant des campagnes de l’Hirondelle II-1911 à 1912”, no Bullet de l’Institut Océanographique (1914). Palavras-chave: ciências; expedições científicas; Madeira.     Louis Gain foi um naturalista francês que participou em várias expedições científicas. Neste âmbito, terá passado pela Madeira em 1911, com alguns companheiros. Nasceu em Mortain (Manche), a 22 de setembro de 1883 e faleceu em Dreux, a 31 de janeiro de 1963. Era filho de Désiré Gain e de Léonie Briard e tinha três irmãos (Alice, Gustave e Luce). Licenciou-se em Ciências, candidatou-se ao doutoramento em Anatomia Comparada do Museu de História Natural de Paris, pertenceu ao regimento de infantaria 101 do Exército e foi vice-diretor do Instituto Nacional de Meteorologia. Participou em diversas expedições científicas, passando pela Antártida, África e Ásia Central. Nos alvores do séc. XX, depois de já terem sido realizadas inúmeras explorações pelo mundo, as atenções dos cientistas centram-se em terras mais distantes e ainda pouco conhecidas. Neste contexto, Louis Gain, naturalista do Museu Nacional de História Natural, fez parte da expedição à Antártida, que durou quase dois anos (1908-1910), a bordo do veleiro Pourquoi Pas?, comandada por Jean-Baptiste Charcot. Na comitiva seguiam outros cientistas, incluindo o meteorologista Jules Rouch, que viria a ser seu cunhado em 1913, ao casar-se com sua irmã Luce. Gain observou a flora e fauna da Antártida, mas também se interessou pelo trabalho de Jules Rouch, anotando no seu diário numerosas observações meteorológicas. Fez ainda registos detalhados da expedição e mais de 2000 fotografias. Parte das imagens que captou, sobretudo de pinguins, foi exposta em 2010, numa mostra intitulada Visions d’Antarctique, les compagnons du Pourquoi Pas?, nos Archives Départementales de Seine-Maritime, na cidade de Rouen. Depois de regressar a França, após a primeira missão, participou noutras expedições naturalistas. De 1911 a 1913, seguiu a bordo do navio Hirondelle II, sob o comando do príncipe Alberto I do Mónaco, tendo passado pelos arquipélagos portugueses da Madeira e dos Açores. De acordo com os autores do Elucidário Madeirense, Gain “colheu algumas algas nas praias e rochas marítimas da Madeira e Deserta Grande, nos dias 11 e 12 de agosto de 1911. […] Também estudou as algas das Selvagens” (SILVA e MENESES, 1984, II, 75). Estas recolhas originam, mais tarde, a publicação do artigo “Algues Provenant des Campagnes de l’Hirondelle II-1911 à 1912”, no Bulletin de l’Institut Océanographique, do Mónaco. Ainda em 1913, com Jean Polignac ao comando de uma campanha que durou cerca de cinco meses, viajou no navio Sylvana e escalou a costa africana, passando pelo Senegal e pela Guiné. No ano seguinte, de abril a julho, realizou uma missão na Ásia Central com seu irmão Gustave. Os irmãos Gain fotografaram os povos dos países visitados, levando um registo de imagens coloridas (que eram raras na época) do seu contacto com outras culturas. No decorrer da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) tornou-se oficial meteorologista, sendo nomeado, em setembro de 1919, chefe do Serviço de Meteorologia da Navegação Aérea; em 1921, tornou-se inspetor-geral do Instituto Nacional de Meteorologia (ONM) e em 1934 vice-diretor daquela instituição, cargo que ocupa até 1940, realizando importantes trabalhos para o desenvolvimento da rede nacional de observação meteorológica. Em 1924 e em 1931, L. Gain embarcou em mais duas expedições de carácter científico, embora nestas vezes seguisse como meteorologista, tendo também participado na preparação do Ano Polar Internacional (1932-1933). Louis Gain aposentou-se oficialmente a 9 de julho de 1939, ainda que, na verdade, tivesse garantido a gestão operacional até 1 de outubro de 1940. Mesmo reformado manteve-se ativo, cooperando na criação do Museu de Arte e História de Dreux e assumindo a presidência dos Amigos do Museu, Biblioteca e Arquivos, de 1960 a 1963. Gain deixou ao Museu um importante legado constituído por álbuns de fotografias e diários, registados durante a sua expedição à Antártida com Jean-Baptiste Charcot. O seu trabalho como cientista foi reconhecido em 1913, ano em que lhe foi atribuído o grau de Chevalier de la Légion d’Honneur (decreto presidencial de 8 de agosto); em 1932, recebeu o grau de Officier de la Légion d'Honnneur (decreto presidencial de 15 de dezembro). Sendo autor de uma vasta bibliografia, publicou diversos estudos, muitos dos quais relacionados com a sua experiência nas expedições científicas, em volume e em periódicos especializados, como a revista La Météorologie e o Bulletin de l'Institut Océanographique, entre outros. Obras de Louis Gain: “Algues Provenant des Campagnes de l’ Hirondelle II-1911 à 1912” (1914).       Sílvia Gomes (atualizado a 01.02.2017)

Biologia Marinha Ciências do Mar

cavala

A cavala, Scomber colias (Gmelin, 1789), é um pequeno peixe da família Scombridae, que está representada, na área do arquipélago da Madeira, por 10 espécies, que, para além desta, incluem os atuns (Atum), a cavala da Índia, o serralhão ou serrajão, o chapouto ou judeu, e o gaiado (Gaiado). A cavala possui um corpo fusiforme, uma cabeça cónica, e olho e boca grandes. A primeira barbatana dorsal é curta e alta, bastante separada da segunda, com o início na mesma linha vertical da barbatana pélvica. A segunda barbatana dorsal é quase simétrica com a anal, ambas seguidas de cinco pínulas. A base da barbatana caudal possui duas pequenas quilhas longitudinais. A coloração é esverdeada-azulada na parte dorsal, com manchas escuras de tipo vermiforme. É uma espécie epipelágica e migratória, podendo ocorrer também a meia água até 250-300 m de profundidade. Forma cardumes densos. Pode atingir 50 cm de comprimento, sendo mais comum com 25-30 cm. É carnívora e alimenta-se de pequenos peixes e invertebrados pelágicos. Por sua vez, serve de alimento a peixes maiores (e.g. tunídeos, peixes-agulha e charuteiros) e a aves marinhas (Aves marinhas pelágicas), e.g. as cagarras. Na Madeira, a reprodução ocorre durante o inverno (de janeiro a fim de março). Distribui-se nas regiões tropicais e subtropicais temperadas de ambos os lados do oceano Atlântico, incluindo o golfo do México e o mar Mediterrâneo. A cavala é muito comum, sendo a espécie mais comum da sua família. Na Madeira, é pescada com redes de cerco durante a noite, sendo os peixes atraídos pelo engodo ou isco (mistura de peixes triturados), em simultâneo com a atração luminosa, método que favorece a concentração do cardume para o cerco. Conjuntamente com o chicharro, a sardinha e a boga, constitui aquilo que se designa na Madeira como “ruama”. É um peixe apreciado localmente e costuma ter um valor comercial baixo ou moderado. Esta espécie está sujeita ao tamanho mínimo de desembarque, que é de 20 cm. Entre 2006 e 2016, foram descarregadas 2350 t de cavala, correspondendo a cerca de 4 % do total de pescado descarregado na RAM. Nas águas continentais europeias, a cavala que ocorre mais frequentemente pertence à espécie Scomber scombrus (Linnaeus, 1758), que é apanhada muito raramente nas águas da Madeira.   Manuel José Biscoito Graça Faria (atualizado a 28.01.2017)

Biologia Marinha Ciências do Mar

canovai, stanislao

Stanislao Canovai nasceu a 27 de março de 1740 em Florença, e nesta mesma cidade morreu a 17 de novembro de 1812. Foi um dos matemáticos e físicos mais famosos do séc. XVIII, e é considerado o iniciador da corrente científica que se afirmou na segunda metade deste século, nas Escolas Pias de Toscana. A par disto, Canovai foi considerado pelos seus contemporâneos um grande escritor, pela sua doutrina e pelo seu estilo preciso e eloquente. Estudou em Florença e Pisa, como iniciante na Ordem dos Esculápios, e em 1765, foi nomeado para a cátedra de Filosofia e Teologia no seminário episcopal de Cortona, onde lecionou Matemática durante 15 anos. Em 1768, interrompeu, por um período muito curto, o seu ensino em Cortona para ensinar Física matemática no colégio real de Parma. Em seguida foi chamado para ensinar Hidráulica no colégio florentino dos Esculápios. Publicou em Florença, com o editor Giovacchino Pagani, o volume Elogio di Amerigo Vespucci, che Riportò il Premio dalla Nobile Accademia Etrusca di Cortona nel dì 15 Ottobre dell'Anno 1788. Con una Dissertazione Giustificativa di questo Celebre Navigatore. A obra apresentava-se bem fundamentada e historicamente fundada. Canovai confrontou códices e publicações, e discutiu as escolhas e declarações de estudiosos anteriores, como Angelo Maria Bandini. A obra visava sobretudo considerar e enquadrar o significado cultural do empreendimento de Vespúcio num âmbito crítico e científico mais amplo, e acabou por provocar um debate animado. Canovai, como eminente cientista, queria estabelecer a jornada de Vespúcio de forma conclusiva, e, em particular, decidiu examinar as rotas, a fim de resolver a questão da longitude. A passagem pela Madeira era crucial, dado que a Ilha e o arquipélago eram um dos pontos geográficos fundamentais, tanto para os cálculos de Canovai, como para confirmar a verdade histórica das várias viagens de Vespúcio. Obras de Stanislao Canovai: Elogio di Amerigo Vespucci, che Riportò il Premio dalla Nobile Accademia Etrusca di Cortona nel Dì 15 Ottobre dell'Anno 1788. Con una Dissertazione Giustificativa di questo Celebre Navigatore (1798).   Valeria Biagi (atualizado a 28.01.2017)

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