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praias

Na Madeira, praia é muitas vezes sinónimo de calhau; a maioria é pedregosa, sendo muito raras as de areia: a Prainha, na freguesia do Caniçal, perto da Ponta de São Lourenço, de areia preta, e as do Porto Santo, de areia fina e amarela. Fernando Augusto da Silva atesta que “já disse alguém que na Madeira não havia praias, talvez pela circunstância de não serem de areia e terem uma limitada extensão. Com efeito as desta ilha, excetuando a da Prainha no Caniçal, são formadas de pequenas pedras ou calhaus rolados e de escuro basalto, tendo todas elas um aspeto sombrio e um piso difícil e incómodo” (SILVA, 1984, II,300). As principais praias da Madeira são as seguintes: Prainha, Caniçal, Machico, Seixo, Santa Cruz, Porto Novo, Reis Magos, Funchal, Formosa, Câmara de Lobos, Ribeira Brava, Lugar de Baixo, Madalena do Mar, Calheta e Paul do Mar, Porto do Moniz, São Vicente, Fajã da Areia, Ponta Delgada, São Jorge e Porto da Cruz. No Porto Santo, onde as praias são todas de areia amarela, temos as praias do Penedo, do Cabeço, da Calheta, da Fontinha e das Pedras Pretas. No Funchal, devemos referir a existência de uma extensa praia de calhau entre as três ribeiras aí existentes, que deixou de estar visível em toda a extensão da baía devido à construção da Av. do Mar, de iniciativa do então presidente da Câmara, Fernão de Ornelas. Em memória dessa praia, ficou na toponímia da cidade a R. da Praia. A ideia que os insulares fazem do mar e das suas praias e enseadas abertas mudou no séc. XX, pois estas foram durante muito tempo pensadas de acordo com a facilidade no embarque e desembarque para os locais e forasteiros, mas também como ameaça, por causa da possibilidade de intrusos externos, nomeadamente piratas e corsários. Neste último caso, revelam-se um obstáculo às condições de defesa e segurança das populações, havendo necessidade de as prover de fortificações e de meios de vigilância. Esta imagem das praias madeirenses é veiculada por Paulo Dias de Almeida. Assim, ao referir-se à praia Formosa, observa: “Ao Oeste da cidade a pouco mais de meia légua, há a magnífica Praia Formosa, muito favorável a um desembarque” (CARITA, 1982, 59). Desta, já em finais do séc. XVI, dissera Gaspar Frutuoso: “Dobrando esta ponta, foram dar em uma formosa praia que, pela formosura e assento dela, lhe pôs nome a Praia Formosa.” E assim se chama “por não haver outra semelhante em toda a ilha, que terá como um quarto de légua de areia” (FRUTUOSO, 1979, 48, 117). Quanto à Ribeira Brava, “o porto é muito mau e raras vezes se encontra bom mar para desembarcar. A praia é de um calhau muito grosso, com algumas pedras e só os barcos ali costumados encalham sem risco pois a sua construção é própria para essa qualidade de praias. É costume ali carregar os barcos encalhados e depois de carregados, deitá-los ao mar, esperando a vaga, e isto muitas vezes com o risco de se alagarem” (CARITA, 1982, 61). A Madalena, por sua vez, que foi “estabelecida ao lado da Ribeira da Madalena em um plano à borda do mar, tem uma excelente praia e uma magnífica fonte à borda da maré, onde as embarcações fazem aguada” (Id., Ibid., 64). Paulo Dias de Almeida refere que “toda a Ilha da Madeira é cortada de imensas ribeiras e ribeiros, a maior parte delas só muito caudalosas no Inverno, formada de altas montanhas precipitadas e enormes rochedos descobertos. Todas as praias são de calhau miúdo, algumas de calhau muito grosso e só quando se acabam as grandes levadias, aparecem pequenas praias de areia preta, que com as enchentes e vazantes das marés, se desfazem, tomando a primeira forma de calhau” (Id., Ibid., 51). Não devemos esquecer que a tradição dos banhos de mar e a valorização da época balnear recentes começou em meados do séc. XX. Durante muito tempo, os interditos feitos pela Igreja Católica à revelação do corpo e os interditos previstos nas posturas municipais sobre os banhos na praia e nas ribeiras do Funchal, Machico e Porto Santo não permitiram a sua vulgarização. Assim, de acordo com a postura da Câmara Municipal do Funchal de 26 de julho de 1839, “estava proibido aos funchalenses o banho de mar nus”, só se permitindo em calças ou camisa, “até abaixo do joelho”, sujeitando-se os seus infratores a uma pesada coima de mil réis. Mesmo em épocas anteriores, referem-se banhos no calhau da cidade em corpo nu, mas as medidas iam no sentido da sua proibição, pois já em 1609 há notícias de que “no calhau fronteiro desta cidade de dia se despiam muita gente e nadavam e depois disto saíam do mar nus e despidos o que davam muito escândalo a muita gente e mulheres que vissem da banda do mar em seus balcões. Acordaram os ditos oficiais se lançasse pregão por esta cidade que nenhuma pessoa de qualquer qualidade de dez anos para cima se dispa a nadar de dia, de São Lázaro até ao Corpo Santo” (RIBEIRO, s.d. , 20). Por diversas vezes, na primeira metade do séc. XIX, chegam à Câmara reclamações sobre os banhos que se faziam no Calhau. Além disso, em 1850, o administrador do concelho do Funchal avisava João Hollway, proprietário de uma hospedaria, para informar os seus clientes da postura camarária que proibia os banhos nus, entre as 06.00 h e o anoitecer, pois qualquer banho deveria ser feito com o corpo vestido “desde os ombros até aos joelhos” (Id., Ibid., 21). Já nas Posturas do Funchal de 1912, o título 6.º é dedicado aos banhos, apresentando a postura proibitiva dos banhos em corpo nu; permitidos eram apenas os banhos em que “a camisola ou vestimenta que se deve usar abrangerá o corpo desde o pescoço até acima dos joelhos”. Consta, porém, que os primeiros que se banharam nas águas límpidas da Ilha foram João Gonçalves Zarco e seus companheiros, quando, em 1420, foram obrigados a procurar refúgio nas águas refrescantes do mar, de maneira a escapar ao calor infernal do incêndio que deflagrou na floresta da Ilha. Segundo Cadamosto, estiveram no mar “mergulhados até à garganta dois dias e duas noites, sem comer nem beber, pois que de outra maneira teriam morrido” (ARAGÃO, 1981, 36). Mas este banho foi em conformidade com a lei, com todas as vestes que traziam no corpo. Em 1850 referia-se nos anais do município da ilha do Porto Santo que as suas praias eram favoráveis aos banhos de mar, mas que não atraíam forasteiros por falta de condições, estando os naturais limitados pelas posturas. Na verdade, a sua revelação como estância balnear é do séc. XX. Desta forma, a indicação de Giulio Landi, cerca de 1530, deverá ser entendida de acordo com a época. Assim, ao referir-se ao norte da Ilha, realça: “E esta parte não é menos deleitosa do que útil pois as praias e os lugares cobertos de bosques, muitas vezes, dão enormíssimo prazer. Aqui costumam os habitantes descansar em qualquer momento quando lhes apetece, ir à praia ou alimentar-se de laticínios. [...] No meio da Ilha, onde os madeirenses costumam ter as suas vivendas e propriedades, gozam-se, em qualquer época, ares muito temperados” (Id., Ibid., 84). Em meados do séc. XX, assistimos a uma valorização da área costeira da Ilha como estância balnear, com piscinas e praias artificiais de areia, como no caso da praia em Machico, inaugurada a 29 de setembro de 2010, e na Calheta, em que a praia feita com areia importada de Marrocos foi inaugurada em 2004 e as suas areias repostas em 2008. Por outro lado, a oferta em termos de serviço balnear na ilha da Madeira contempla uma diversidade de piscinas públicas e privadas. Os hotéis e pousadas, maioritariamente junto à costa, são servidos por piscinas com água salgada; nos demais também encontramos piscinas de água doce. Um dos mais antigos complexos balneários adscritos aos hotéis é o do Hotel Reid’s com espaço apropriado a banhos de mar desde 1908. A par disso, há que considerar a oferta camarária de serviços balneários na Barreirinha e no Lido. Os primeiros acessos à Barreirinha foram construídos em 1939, enquanto as piscinas do Lido são de 1932. Estes tradicionais espaços balneários são complementados, depois, por intervenções do Governo regional, no Gorgulho, na Ponta Gorda, na Ribeira Brava, na Ribeira do Faial, no Caniçal, na Baía dos Juncos e em São Vicente, em 2004. A Madeira oferece um complexo vasto de praias e complexos balneários que se estende a toda a costa da Ilha, de norte a sul. São Martinho é o espaço mais importante da estância balnear madeirense, associada aos forasteiros ou aos locais. No passado, existiram vários projetos de valorização da orla marítima, surgindo, em 1921, um plano de ideias para a praia Formosa que a pretendia transformar numa praia de banhos e diversões. Primeiro, surgiram as piscinas do Lido, um marco do verão madeirense. Em 1932, foi desenhado o projeto de uma piscina pública para banhos e exercícios de natação na zona do Gorgulho. A construção hoteleira das últimas décadas do séc. XX incidiu nesta área, transformando-a numa zona privilegiada da cidade. Em 1982, o complexo balnear do Lido foi melhorado, e, em 1993, aberto o passeio público marítimo, mas o Lido foi destruído em 2010 e o complexo fechado ao público, sendo reaberto em março de 2016. A área ganhou então maior dimensão, graças à política municipal de valorização da orla marítima com diversos espaços balneares e uma promenade, a que se juntaram clubes privados como o Clube Naval do Funchal e o Clube de Turismo. No Porto Santo manifesta-se, de forma imponente, o extenso areal dourado, que fez desta ilha um lugar aprazível para os banhos de mar, tornando-se por isso na estância balnear dos madeirenses. Note-se que nos Anais do Município, datados de 1862, é já referida a atração dos estrangeiros pelas praias e seus efeitos terapêuticos. Nas primeiras décadas do séc. XXI, a frente mar do arquipélago mereceu uma valorização pouco comum no quotidiano madeirense, com a construção de diversas infraestruturas de apoio ao acesso ao mar, que permitiram o prolongamento da época balnear durante o ano inteiro.   Alberto Vieira (atualizado a 03.02.2017)

Geologia

mercado interno (união europeia)

O mercado europeu é um espaço sem fronteiras internas no qual circulam livremente pessoas, mercadorias, serviços e capitais. Com a integração dos mercados nacionais num espaço económico único procura alcançar-se aumentos de prosperidade, crescimento e emprego. Do mercado interno resultam benefícios significativos para os cidadãos europeus, tais como a mobilidade para trabalhar ou estudar, o aumento da gama de produtos e serviços, a tutela dos respetivos direitos enquanto consumidores, etc.; por seu turno, as empresas, ao operarem num contexto de maior dimensão do mercado e de concorrência, orientam-se por uma maior eficiência produtiva e pela procura de inovações diferenciadoras. As diferentes designações utilizadas, nomeadamente “mercado comum”, “mercado interno” e “mercado único”, correspondem a momentos cronologicamente distintos do percurso de integração, procurando-se através delas refletir o sucessivo aprofundamento e enriquecimento do mercado europeu. O mercado interno corresponde a um dos estádios ou fases da integração económica, entendendo-se esta como um processo composto por um conjunto de medidas que visam abolir a discriminação entre unidades económicas pertencentes a diferentes ordens nacionais (BALASSA, 1961). Seguindo o mesmo autor, um percurso de integração caracteriza-se por aprofundamentos sucessivos que assumem as seguintes formas: zona de comércio livre, união aduaneira, mercado comum, união económica e integração económica completa. Numa zona de comércio livre os Estados participantes suprimem as restrições tarifárias e quantitativas ao comércio entre si, conservando cada um deles a respetiva política tarifária perante terceiros; a união aduaneira pressupõe que, para além da supressão de restrições tarifárias e quantitativas, os Estados que a integram adotem uma pauta aduaneira comum; o mercado comum caracteriza-se pela abolição de restrições ao comércio, bem como de obstáculos à mobilidade de fatores; a união económica combina a supressão de restrições à livre circulação de bens, serviços e fatores com a harmonização das políticas nacionais em alguns domínios relevantes, a fim de eliminar tratamentos discriminatórios; por último, a integração económica completa pressupõe uma unificação das políticas monetária, orçamental, social e de contraciclo, o que implica a existência de autoridades supranacionais cujas decisões vinculam os Estados participantes. Esta classificação das fases da integração e, sobretudo, as características associadas pelo autor a cada uma delas não coincidem, com rigor, com as diversas etapas do processo de integração europeia (GRIN, 2003); no entanto, constituem um enquadramento teórico muito relevante para a compreensão da construção europeia. A análise do impacto económico dos processos de integração é objeto de vasta bibliografia. Neste domínio da teoria da integração releva o contributo de VINER (1950), o qual, segundo uma perspetiva estática, demonstra que as uniões aduaneiras geram efeitos positivos (criação de comércio) e negativos (desvio de comércio); outras análises, efetuadas de acordo com um prisma dinâmico, evidenciam os efeitos virtuosos da integração económica: a transferência de tecnologia, as economias de escala, o aumento da concorrência e da produtividade, o incremento do investimento e a diminuição do risco, entre outros.   Construção do mercado interno O Tratado que Institui a Comunidade Económica Europeia (Tratado de Roma, 1957) estabeleceu como objectivo da integração económica a criação de um mercado comum, o qual pressupunha a concretização de uma união aduaneira, a eliminação de restrições quantitativas e medidas de efeito equivalente e a livre circulação de pessoas, serviços e capitais (arts. 2.º e 3.º, TCEE). Para alcançar estas realizações, fixou-se um período de transição de 12 anos, ou seja, até 1 de janeiro de 1970 (art. 8.º, TCEE); a união aduaneira foi concluída antes do termo daquele prazo, em 1 de julho de 1968. Para além da realização da união aduaneira, e da necessária política comercial comum, o mercado comum implicava também a efetivação da livre circulação de mercadorias, de serviços, de fatores de produção e de estabelecimento. Para tanto, procede-se à eliminação de restrições quantitativas, estabelecem-se as bases da livre circulação de trabalhadores dependentes e efetua-se uma harmonização parcial da fiscalidade indireta, com a implementação do IVA em 1970. Em domínios essenciais à concretização desta fase de integração, tais como a concorrência, a agricultura e pescas e os transportes, operou-se uma transferência de competências dos Estados-membros para a Comunidade, com vista à criação de políticas comuns, pelo que, durante a década de 60, se procedeu à definição da Política Comercial Comum, da Política Agrícola Comum (PAC) e da Política de Transportes. Na década de 80, a livre circulação estava ainda longe de ser alcançada, em virtude de subsistirem cláusulas de salvaguarda, medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas (designadamente sob a forma de regulamentações técnicas nacionais), práticas restritivas da concorrência promovidas por entes públicos (através, por exemplo, de auxílios estatais), bem como fortes entraves à livre prestação de serviços e ao direito de estabelecimento. Verificava-se ainda a existência de diferenças consideráveis entre sistemas fiscais nacionais, em particular quanto à fiscalidade indireta, que se traduziam em acréscimos de custos de cumprimento, associados a formalidades administrativas, e em correlativas distorções de preços. Constatava-se também a presença de uma ampla diversidade de normas nacionais de carácter técnico (fundamentadas em razões de saúde pública, de proteção dos consumidores, sociais ou ambientais), as quais, para além de poderem dissimular intuitos protecionistas, constituíam em si mesmas entraves à livre circulação ao colocar sobre os produtos não nacionais o ónus de se terem de conformar com dois ordenamentos jurídicos distintos e, consequentemente, de incorrer em custos de adaptação de natureza produtiva ou administrativa. As dificuldades de concretização do mercado comum a este nível ficaram a dever-se, em grande parte, ao facto de a eliminação dos obstáculos decorrentes de regulamentações técnicas nacionais fazer-se por via da harmonização legislativa, o que exigia a unanimidade no Conselho (art. 149.º, TCEE). Perante estes entraves à plena concretização do mercado comum foi dado um impulso reformador no sentido do aprofundamento da integração económica através do Programa para o Mercado Interno, apresentado por Jacques Delors, seguido do Livro Branco, de 1985 (O Livro Branco da Comissão, elaborado por Lord Cockfield, e apresentado no Conselho Europeu de Milão, definia as reformas legislativas a efetuar e a transpor pelos Estados-membros até ao final de 1992: Completing the Internal Market: White Paper from the Commission to the European Council, COM(85) 310, junho de 1985). Entendendo que a realização do mercado europeu pressupunha uma supressão efetiva de fronteiras físicas, técnicas e fiscais, estes documentos propõem cerca de 300 medidas legislativas, a adoptar até 1992, destinadas a abolir o controlo de pessoas e mercadorias em postos aduaneiros internos; eliminar os entraves à circulação de mercadorias e serviços gerados por regulamentações nacionais; e aproximar a tributação indireta. Aponta-se também para a utilização de uma “nova metodologia” que privilegia o reconhecimento mútuo, reservando a harmonização técnica e normalização para as “exigências fundamentais” de segurança, de saúde e de proteção do ambiente. Assim, a par da relevância conferida ao princípio do reconhecimento mútuo das regulamentações nacionais, elaborado pela jurisprudência europeia, propõe-se uma maior flexibilidade no processo decisório de harmonização conjugada com uma nova metodologia – comitologia – destinada a eliminar o excessivo detalhe dos textos legislativos. Em consonância com aqueles objetivos de aprofundamento, o Ato Único Europeu (J.O. L 169/1 de 29/06/87), entrado em vigor a 1 de julho de 1987, introduziu no Tratado o conceito de “mercado interno”, como um “espaço sem fronteiras internas no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada”, a concretizar até 31 de dezembro de 1992 (art. 8.º-A, aditado ao TCEE). Para tal operou-se uma importante alteração do processo decisório substituindo-se a regra da unanimidade, vigente até então, pela da maioria qualificada, em domínios fundamentais como os direitos da pauta aduaneira comum, a livre prestação de serviços e a aproximação das legislações nacionais [art. 95.º (100.º-A), TCEE]. O Ato Único Europeu consagra uma articulação entre o aprofundamento do mercado comum e a coesão económica e social, bem como uma sedimentação da identidade europeia, a partir da plena circulação dos cidadãos num espaço sem fronteiras internas. A realização do mercado interno, nos termos delineados pelo Livro Branco, encontrava-se concluída no final de 1992, com a adopção de mais de 90% das medidas previstas naquele documento: alcançou-se a quase total livre circulação de pessoas e de mercadorias, a liberalização total dos movimentos de capitais e o aprofundamento da livre prestação de serviços e da liberdade de estabelecimento. Apesar destes progressos, o mercado interno ainda estava longe de ser uma realização plena em virtude de terem sido deixados de fora importantes domínios, como a harmonização fiscal e a liberalização de sectores económicos fundamentais, bem como por se constatarem atrasos na transposição de diretivas, transposição incorreta ou a sua inadequada aplicação pelas administrações nacionais. Para além destes aspetos, cedo se constatou a necessidade de aprofundar a harmonização surgindo sucessivas “gerações” de diretivas em diversos sectores, tais como os serviços financeiros, a supervisão financeira, a contratação pública, etc. A partir de 1992, foram tomadas várias iniciativas com vista ao maior aprofundamento do mercado interno, como o Plano de Ação para o Mercado Único a Estratégia para o Mercado Interno 1999-2002, a Estratégia para o Mercado Interno 2003-2006 e o Mercado Único para o Século XXI. Após duas décadas sobre o mercado interno, a UE propôs uma nova estratégia global de aprofundamento da integração de mercado, como condição para o aumento do crescimento, do emprego e da coesão social, ao publicar uma comunicação da Comissão intitulada Ato para o Mercado Único. Doze Alavancas para Estimular o Crescimento e Reforçar a Confiança Mútua “Juntos para um Novo Crescimento” (COM/2011/206 final, 13/04/2011). Com esta estratégia pretende estimular-se o crescimento e o emprego, restaurar a confiança dos cidadãos no mercado interno e proporcionar aos consumidores todos os benefícios que ele oferece. A fim de ultrapassar as falhas da integração do mercado, propõem-se reformas estruturais que permitam concretizar os objetivos de crescimento inteligente, sustentável e inclusivo definidos pela estratégia “Europa 2020”. As falhas ou insuficiência do mercado interno, que agora se visa corrigir, respeitam à fragmentação do mercado, à eliminação dos obstáculos e barreiras à livre circulação dos serviços, à inovação e à criatividade. A Comissão identifica “doze alavancas para estimular o crescimento e reforçar a confiança dos cidadãos”, a cuja execução associa ações-chave, entendendo-se que o sucesso desta estratégia só poderá ser alcançado se existir uma melhor governação do mercado único. O relançamento do mercado interno, agora proposto, evidencia uma estreita conexão entre as políticas e ações tradicionais relativas ao mercado interno e os aspectos da integração europeia de carácter social, atento o objectivo de concretização da economia social de mercado afirmado pelo Tratado da União Europeia (TUE) no número 3 do seu artigo 3.º.   Caracterização A UE estabelece um mercado interno (art. 3.º n.º 3.º, TUE). De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 26.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), “o mercado interno compreende um espaço sem fronteiras internas, no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada de acordo com as disposições dos Tratados”. Nos termos deste preceito o mercado interno europeu tem como núcleo essencial as quatro “liberdades económicas fundamentais”, no entanto a sua plena efetivação pressupõe a existência de uma união aduaneira e de um enquadramento de livre concorrência. A concretização das liberdades económicas fundamentais só pode ser alcançada se os mercados forem competitivos, pelo que o mercado interno “inclui um sistema que assegura que a concorrência não seja falseada” (Protocolo n.º 27, relativo ao mercado interno e à concorrência). Nesta medida, o modelo de mercado interno europeu integra um conjunto de normas de “defesa da concorrência”, aplicáveis às empresas e aos Estados-membros (arts. 101.º a 109.º, TFUE). Ligadas indissociavelmente à construção do mercado interno encontram-se as normas relativas à “política comercial comum” (arts. 206.º e 207.º, TFUE), que disciplinam a vertente externa da união aduaneira, e as “disposições fiscais” (arts. 110.º a 113.º, TFUE), com base nas quais se procura que os custos associados à tributação indireta não representem distorções à concorrência e obstáculos ao funcionamento do mercado interno. A concretização do mercado europeu é acompanhada de uma “política de coesão” (art. 3.º n.º 3.º, TUE; arts. 174.º a 178.º, TFUE) que visa assegurar que todos os cidadãos, independentemente da sua localização geográfica, beneficiem e contribuam para esse mercado. O mercado interno constitui um domínio de competência partilhada entre a União e os Estados-membro (art. 4.º, n.º 2 a), TFUE).   União aduaneira A livre circulação de mercadorias implica que estas circulem sem entraves no espaço territorial da UE. Para alcançar plenamente essa liberdade devem ser eliminadas todas as barreiras de natureza tarifária ou aduaneira, assim como as barreiras não tarifárias. Pressupõe-se, portanto, uma eliminação das normas nacionais que estabeleçam encargos pautais ou encargos de efeito equivalente, bem como das normas que criem obstáculos quantitativos ou que consubstanciem medidas de efeito equivalente. A eliminação de barreiras tarifárias é alcançável através da concretização da união aduaneira (art. 30.º a 32.º, TFUE), alcançando-se a eliminação de barreiras não tarifárias através da proibição de restrições quantitativas e de medidas de efeito equivalente a estas (art. 34.º a 36.º, TFUE). Nos termos do artigo 28.º TFUE, “a União compreende uma união aduaneira”, que abrange todo o comércio de mercadorias (arts. 28.º n.º 2 e 29.º, TFUE), implica a proibição de direitos aduaneiros de importação e de exportação e de encargos de efeito equivalente entre os Estados-membros (arts. 28.º n.º 1 e 30.º TFUE) e pressupõe a adoção de uma Pauta Aduaneira comum (arts. 28.º n.º 1 e 31.º, TFUE). Tem a natureza de “encargo de efeito equivalente” qualquer encargo pecuniário, seja qual for a sua dimensão, designação e técnica de aplicação, imposto unilateralmente sobre as mercadorias pelo mero facto de atravessarem uma fronteira – e que não se trate de um direito aduaneiro em sentido estrito –, mesmo que não seja estabelecido em benefício do Estado, não tenha um efeito de discriminação ou de proteção, ou mesmo se o produto sobre o qual incide não concorrer com nenhum produto nacional (ac. Comissão/ Luxemburgo e Bélgica, Procs. 2/62 e 3/62, Col., 1962-1964, p. 147; ac. Alemanha/ Comissão, Procs. 52/65 e 55/65, Col. ed. port., p. 319; ac. Comissão/ Itália, Proc. 24/68, Col. 1969, p. 193; ac. Diamandarbeiders, Procs. 2 e 3/69, Col. 1969, p. 211). A jurisprudência do Tribunal de Justiça reconheceu o “efeito direto vertical” do artigo 30.º do TFUE no ac. Van Gend en Loos (Proc. 26/62, Col. 1963, p. 205). A união aduaneira constitui um domínio de competência exclusiva da UE (art. 3.º n.º 1 a), TFUE).   Liberdades económicas fundamentais As quatro liberdades encontram-se consagradas no direito primário da UE nas seguintes normas: livre circulação de mercadorias (arts. 30.º a 37.º, TFUE), de pessoas (arts. 45.º a 55.º, TFUE), de serviços (arts. 56.º a 62.º, TFUE) e de capitais (arts. 63.º a 66.º, TFUE). Para além da liberdade de circulação de mercadorias e serviços a integração do mercado europeu pressupõe também a livre circulação de recursos produtivos a fim de se alcançar a sua alocação mais eficiente, ou seja, o respetivo emprego em utilizações mais valiosas, geradoras de maiores ganhos de bem-estar. As disposições do Tratado relativas às liberdades de circulação disciplinam o exercício de atividades económicas transfronteiriças, proibindo medidas nacionais discriminatórias ou medidas indistintamente aplicáveis que restrinjam o direito de acesso ao mercado (ac. Dassonville, Proc. 8/74, Col. 1974, p. 837; ac. Rewe-Zentrale AG, Proc. 120/78, Col. 1979, p. 649); constituem, por isso, mecanismos jurídicos nucleares na concretização de “um espaço sem fronteiras internas” (art. 26.º n.º 2, TFUE). As normas do direito primário que consagram as liberdades económicas têm aplicabilidade direta (i.e., integram as ordens jurídicas dos Estados-membros sem que seja necessária qualquer medida de receção no direito nacional; ac. Van Gend en Loos, Proc. 26/62, Col. 1963, p. 205) e efeito direto vertical (conferem aos particulares direitos de que estes se podem prevalecer perante a ordem jurídica nacional, relativamente a medidas dos Estados-membros; ac. Van Gend en Loos, Proc. 26/62, Col. 1963, p. 205; ac. Salgoil, Proc. 13/68, Col. 1973, p. 453; Ac. Van Duyn, Proc. 41/74, Col. 1974, p. 1337; ac. Costa/ENEL, Proc. 6/64, Col. 1964, p. 1251; ac. Van Binsbergen, Proc. 33/74, Col. 1974, p. 1299). Em determinadas circunstâncias e condições as normas relativas às liberdades fundamentais da UE podem ter efeito direto horizontal (i.e., são constitutivas de direitos subjetivos oponíveis a particulares; ac. Bosman, Proc. C-415/93, Col. 1995, p. I-4921; ac. Angonese, Proc. C-281/98, Col. 2000, p. I-4139) e efeito indireto horizontal, por via dos deveres de proteção do Estado (ac. Comissão/França, Proc. C-265/95, Col. 1997, p. I-6959; Ac. Schmidberger, Proc. C-112/00, Col. 2003, p. I-5659). As medidas nacionais restritivas das liberdades económicas fundamentais podem considerar-se justificadas com base nas derrogações expressas previstas no Tratado (art. 36.º, 45.º n.º 3, 52.º e 62.º, TFUE), bem como em “exigências imperativas” ou “razões imperiosas de interesse geral”.   Mercado interno e União Económica e Monetária A maximização das vantagens da integração dos mercados só é alcançável se for possível operar uma efetiva comparação de preços dos bens e dos factores produtivos em todo o espaço do mercado. Nesta medida, compreende-se que, num percurso dinâmico de integração, o aperfeiçoamento do mercado interno determine a criação de uma união económica e monetária, enquanto mecanismo capaz de garantir a estabilidade e a comparabilidade dos preços e de evitar distorções à concorrência geradas por custos e desvalorizações cambiais. Em síntese, os benefícios potenciais do mercado único só são alcançáveis com uma moeda única, de forma a assegurar a transparência de preços, a redução de custos de transação e a eliminação de riscos cambiais. O Ato Único Europeu (1986), ao estabelecer o desígnio de criação do mercado interno, contribuiu para generalizar o entendimento de que a concretização daquele mercado, por determinar uma significativa interdependência entre as economias dos Estados-membros, aconselhava a uma maior convergência das políticas nacionais, sob pena da total liberdade de circulação de capitais e da plena integração dos mercados financeiros imporem, no plano nacional, difíceis ajustes monetárias e económicos. O Tratado de Maastricht (1992) consagrou a base jurídica de criação da União Económica e Monetária (arts. 119.º a 144.º, TFUE), seguindo as linhas gerais do Relatório Delors (1989). É inequívoca a particular interdependência entre a liberdade de circulação de capitais (uma das quatro liberdades económicas fundamentais do mercado interno) e a União Económica e Monetária. Se, por um lado, a criação da união monetária impulsionou o aprofundamento da livre circulação de capitais, enquanto pré-condição para a efetivação daquele estádio de integração, por outro, esta liberdade só pode concretizar-se plenamente quando existe uma política monetária e cambial únicas. Com a livre circulação de capitais pretende-se que a mobilidade deste recurso seja essencialmente determinada por razões económicas, deslocando-se o capital em busca da maior reprodutividade, o que é sinónimo de uma alocação mais eficiente. Um espaço unificado a nível cambial permite eliminar diferenças cambiais e custos de conversão, contribuindo para essa mobilidade. Deve ainda ter-se em conta que a existência de uma política monetária única e a coordenação das políticas económicas nacionais introduz uma maior estabilidade de preços e uma diminuição de riscos, o que mitiga a deslocação de capitais orientada pela obtenção de ganhos especulativos. O mercado interno europeu encontra-se, por isso, inextricavelmente associado à União Económica e Monetária, correspondendo esta a um estádio evolutivo de integração mais aperfeiçoado que tem por base o funcionamento do mercado europeu e, simultaneamente, contribui para o seu aprofundamento.   Madeira No quadro do direito da UE, a RAM é qualificada como região ultraperiférica, prevendo-se a possibilidade de serem adotadas medidas específicas relativas às condições de aplicação dos Tratados nos domínios da política aduaneira e comercial, política fiscal, zonas francas, políticas de agricultura e pescas, aprovisionamento de matérias-primas e bens de consumo de primeira necessidade, auxílios estatais, condições de acesso a fundos estruturais e a programas horizontais. As referidas medidas específicas não podem pôr em causa, porém, a integridade e coerência do ordenamento jurídico da União, incluindo o mercado interno (art. 349.º, TFUE).     Paula Vaz Freire (atualizado a 05.02.2017)

Economia e Finanças

gain, louis

O cientista francês Louis Gain participou em várias expedições oceanográficas e foi autor de numerosos estudos. Passou pela Madeira em 1911 e recolheu algumas algas marinhas nas praias e rochas do arquipélago, publicando o estudo “Algues provenant des campagnes de l’Hirondelle II-1911 à 1912”, no Bullet de l’Institut Océanographique (1914). Palavras-chave: ciências; expedições científicas; Madeira.     Louis Gain foi um naturalista francês que participou em várias expedições científicas. Neste âmbito, terá passado pela Madeira em 1911, com alguns companheiros. Nasceu em Mortain (Manche), a 22 de setembro de 1883 e faleceu em Dreux, a 31 de janeiro de 1963. Era filho de Désiré Gain e de Léonie Briard e tinha três irmãos (Alice, Gustave e Luce). Licenciou-se em Ciências, candidatou-se ao doutoramento em Anatomia Comparada do Museu de História Natural de Paris, pertenceu ao regimento de infantaria 101 do Exército e foi vice-diretor do Instituto Nacional de Meteorologia. Participou em diversas expedições científicas, passando pela Antártida, África e Ásia Central. Nos alvores do séc. XX, depois de já terem sido realizadas inúmeras explorações pelo mundo, as atenções dos cientistas centram-se em terras mais distantes e ainda pouco conhecidas. Neste contexto, Louis Gain, naturalista do Museu Nacional de História Natural, fez parte da expedição à Antártida, que durou quase dois anos (1908-1910), a bordo do veleiro Pourquoi Pas?, comandada por Jean-Baptiste Charcot. Na comitiva seguiam outros cientistas, incluindo o meteorologista Jules Rouch, que viria a ser seu cunhado em 1913, ao casar-se com sua irmã Luce. Gain observou a flora e fauna da Antártida, mas também se interessou pelo trabalho de Jules Rouch, anotando no seu diário numerosas observações meteorológicas. Fez ainda registos detalhados da expedição e mais de 2000 fotografias. Parte das imagens que captou, sobretudo de pinguins, foi exposta em 2010, numa mostra intitulada Visions d’Antarctique, les compagnons du Pourquoi Pas?, nos Archives Départementales de Seine-Maritime, na cidade de Rouen. Depois de regressar a França, após a primeira missão, participou noutras expedições naturalistas. De 1911 a 1913, seguiu a bordo do navio Hirondelle II, sob o comando do príncipe Alberto I do Mónaco, tendo passado pelos arquipélagos portugueses da Madeira e dos Açores. De acordo com os autores do Elucidário Madeirense, Gain “colheu algumas algas nas praias e rochas marítimas da Madeira e Deserta Grande, nos dias 11 e 12 de agosto de 1911. […] Também estudou as algas das Selvagens” (SILVA e MENESES, 1984, II, 75). Estas recolhas originam, mais tarde, a publicação do artigo “Algues Provenant des Campagnes de l’Hirondelle II-1911 à 1912”, no Bulletin de l’Institut Océanographique, do Mónaco. Ainda em 1913, com Jean Polignac ao comando de uma campanha que durou cerca de cinco meses, viajou no navio Sylvana e escalou a costa africana, passando pelo Senegal e pela Guiné. No ano seguinte, de abril a julho, realizou uma missão na Ásia Central com seu irmão Gustave. Os irmãos Gain fotografaram os povos dos países visitados, levando um registo de imagens coloridas (que eram raras na época) do seu contacto com outras culturas. No decorrer da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) tornou-se oficial meteorologista, sendo nomeado, em setembro de 1919, chefe do Serviço de Meteorologia da Navegação Aérea; em 1921, tornou-se inspetor-geral do Instituto Nacional de Meteorologia (ONM) e em 1934 vice-diretor daquela instituição, cargo que ocupa até 1940, realizando importantes trabalhos para o desenvolvimento da rede nacional de observação meteorológica. Em 1924 e em 1931, L. Gain embarcou em mais duas expedições de carácter científico, embora nestas vezes seguisse como meteorologista, tendo também participado na preparação do Ano Polar Internacional (1932-1933). Louis Gain aposentou-se oficialmente a 9 de julho de 1939, ainda que, na verdade, tivesse garantido a gestão operacional até 1 de outubro de 1940. Mesmo reformado manteve-se ativo, cooperando na criação do Museu de Arte e História de Dreux e assumindo a presidência dos Amigos do Museu, Biblioteca e Arquivos, de 1960 a 1963. Gain deixou ao Museu um importante legado constituído por álbuns de fotografias e diários, registados durante a sua expedição à Antártida com Jean-Baptiste Charcot. O seu trabalho como cientista foi reconhecido em 1913, ano em que lhe foi atribuído o grau de Chevalier de la Légion d’Honneur (decreto presidencial de 8 de agosto); em 1932, recebeu o grau de Officier de la Légion d'Honnneur (decreto presidencial de 15 de dezembro). Sendo autor de uma vasta bibliografia, publicou diversos estudos, muitos dos quais relacionados com a sua experiência nas expedições científicas, em volume e em periódicos especializados, como a revista La Météorologie e o Bulletin de l'Institut Océanographique, entre outros. Obras de Louis Gain: “Algues Provenant des Campagnes de l’ Hirondelle II-1911 à 1912” (1914).       Sílvia Gomes (atualizado a 01.02.2017)

Biologia Marinha Ciências do Mar

estufas, impostos sobre as

Era um imposto especial e privativo da Madeira, sendo uma receita da Junta Geral, usada, entre outras coisas, para a construção e a preservação das estradas. Foi instituído em 1805 e terá sido extinto em 1856 – tendo a Junta deixado de usufruir da sua receita, única fonte de financiamento que tinha para as obras públicas –, certamente devido às dificuldades por que passara a cultura da vinha, com o aparecimento, em 1852, do oídio; com efeito, em 1857, Francisco Correia Herédia referia que o imposto nada produzia. Todavia em 1888, vemos publicitada a cobrança do imposto na imprensa, de acordo com uma tabela de 1837, o que pode significar que o mesmo foi restabelecido. De facto, num regulamento da Câmara do Funchal de 1919, aparece uma taxa sobre as estufas de sol e as de calor artificial, sendo, respetivamente, de 8$05 e 30$00. Tratava-se de uma contribuição distrital, sendo a arrecadação e a aplicação da receita feita na área do distrito. Em 1806, a sua receita foi usada para financiar a construção da cadeia pública. Em 1838, usou-se 67 % da quantia na construção e na reparação de estradas. Depois, tornou-se o suporte financeiro dos melhoramentos da agricultura e das estradas, sendo apresentada, em 1843, como a única receita da Junta Geral. Nesse ano, a Junta encarregou um empregado seu da função de arrecadar este direito e de fiscalizar a contribuição das estradas e a escrituração da receita e da despesa. Todavia, em 1844, refere-se que o ato de carregamento da estufa deveria ser comunicado à secretaria do Governo e, em 1906, que o engenheiro agrónomo do distrito deveria ser informado desse facto. Nos inícios do séc. XIX, as estufas haviam proliferado por toda a cidade do Funchal, anichando-se nas imediações das ribeiras e das respetivas lojas. A Fazenda Real viu aqui mais um meio de receita, estabelecendo um imposto mensal de 16.000 reis, por cada estufa, sem ter em conta o tamanho ou o número de pipas que aí se cozia. Em março de 1806, a Junta dava conta da resolução régia de 12 de junho de 1805, propondo que o imposto, aplicado a todas as estufas, o fosse de acordo com a capacidade de cada uma. Mas, noutra conta, de 23 de agosto de 1806, em resposta à provisão do Erário Régio de 24 de julho, a Junta propõe o lançamento de um imposto de 12.000 reis, por pipa, em cada mês, de acordo com o que já havia deliberado numa reunião de 26 de março. No entanto, a 25 de fevereiro de 1807, a Junta fez o assento de um novo decreto, de 15 de dezembro de 1806, comunicado por provisão do Erário Régio de 16 de fevereiro de 1807, e alterou o imposto, de 16.000 reis mensais por cada pipa, para 1.920 reis por pipa cozida. Por isso, ordenou ao deputado corregedor da Câmara que vistoriasse as estufas, verificasse a capacidade e cobrasse a soma respetiva, impondo-se a pena de imposto dobrado para aqueles que fizessem novas entregas e as não manifestassem. Tudo isto foi regulamentado publicamente por edital de 28 de fevereiro de 1807, em que se tinha em conta, não só a medida de cada estufa, mas, igualmente, o número de pipas carregadas por temporada lançando-se, depois, mensalmente, a respetiva imposição. Por decreto de 23 de julho de 1834, sucedeu nova alteração, passando a imposição a ser cobrada mensalmente a partir de então, à taxa de 200 reis, por pipa de vinho cozida. A medida era considerada lesiva da qualidade do vinho submetido às estufas, uma vez que os proprietários procuravam acelerar o processo de aquecimento, de forma a diminuir o período de maturação. De acordo com o decreto de 1805, que fixava o imposto de modo genérico sobre cada estufa em laboração, apenas era necessário o conhecimento das estufas e dos proprietários, pelo que se mandou proceder a um inventário ou manifesto, por editais de 29 de outubro e de 26 de novembro de 1806. De acordo com os editais, o dono deveria dirigir-se à Junta para registar as estufas, pois, caso contrário, seriam encerradas. A partir de 1806, a imposição passou a ser lançada, mensalmente, sobre a capacidade, não se tendo em conta os meses de laboração e a quantidade de vinho. Apenas se tornava necessário vistoriá-las para dar conta do número de pipas que cada uma podia conter. Com a nova modalidade, a partir de 1807, tornava-se necessária uma maior vigilância na laboração e, ao mesmo tempo, era preciso uma ação de fiscalização nos momentos de carga e descarga, de forma a estabelecer-se o cômputo do número de pipas em laboração. Em 1831, estabeleceu-se que o imposto deveria ser lançado sobre todo e qualquer método de construção, sempre que se aproveitasse o calor do fogo artificial. Daqui resultou que a cobrança, feita em 1839 e em 1840, atingia o vinho que amadurecia ao ar livre, em cima dos fornos de cozer pão, o que foi considerado lesivo para o comércio do vinho, sendo apontado como o principal fator de entorpecimento das trocas. A estrutura administrativa para a cobrança do imposto era simples. A partir de 1807, a tarefa de vistoriar as estufas ficou a cargo do deputado executor ou corregedor da comarca, cargo que, em 1821, era ocupado por Luís António Oliveira, nomeado pela Junta, e em 1825 por João da Cruz Henriques. O administrador era coadjuvado por alguns fiscais. O imposto foi confirmado por carta de lei de 20 de fevereiro de 1835, sendo três os fiscais que o supervisionavam: José da Silva Lopes, Fortunato Ernesto Soares e Tude Fernando Carmo. A arrecadação era feita pelo sistema de arrendamento que, como se pode inferir por vários documentos, era muito morosa, tardando, frequentemente, os devedores a realizar o seu pagamento e obrigando a Junta a notificá-los por várias vezes, ou a proceder judicialmente. Em alguns casos, chegou-se mesmo a confiscar as estufas e a pô-las em hasta pública, para se poder reaver os direitos em dívida ou proceder à avaliação dos bens confiscados. A partir de 1843, a Junta Geral decidiu encarregar um seu funcionário da arrecadação da taxa. De acordo com determinação da mesma Junta, de 1844, todos os proprietários de estufas, no momento de proceder ao carregamento, que acontecia normalmente nos meses de novembro a fevereiro, deveriam dar conta do seu carregamento na secretaria da junta, para se proceder ao lançamento da taxa. Noutro aviso de 1906, refere-se que todo o movimento que aconteça nas estufas deverá ser comunicado ao engenheiro agrónomo do distrito. Esta fiscalização visava evitar abusos, nomeadamente na cobrança das taxas. Ainda em 1918, o diretor da Alfândega, em aviso de 18 de abril, informava que todos os mostos e vinhos que entrassem nas estufas deveriam ser fiscalizados no ato de entrada e só depois disso poderiam ser baldeados para as cubas de aquecimento. Depois, à saída para a Alfândega ou os armazéns, deveriam ser portadores de uma guia de trânsito. Também se informava que a delegação agrícola realizava análises dos vinhos estufados, tirando as amostras adequadas.     Alberto Vieira (atualizado a 04.02.2017)

Economia e Finanças História Económica e Social

cavala

A cavala, Scomber colias (Gmelin, 1789), é um pequeno peixe da família Scombridae, que está representada, na área do arquipélago da Madeira, por 10 espécies, que, para além desta, incluem os atuns (Atum), a cavala da Índia, o serralhão ou serrajão, o chapouto ou judeu, e o gaiado (Gaiado). A cavala possui um corpo fusiforme, uma cabeça cónica, e olho e boca grandes. A primeira barbatana dorsal é curta e alta, bastante separada da segunda, com o início na mesma linha vertical da barbatana pélvica. A segunda barbatana dorsal é quase simétrica com a anal, ambas seguidas de cinco pínulas. A base da barbatana caudal possui duas pequenas quilhas longitudinais. A coloração é esverdeada-azulada na parte dorsal, com manchas escuras de tipo vermiforme. É uma espécie epipelágica e migratória, podendo ocorrer também a meia água até 250-300 m de profundidade. Forma cardumes densos. Pode atingir 50 cm de comprimento, sendo mais comum com 25-30 cm. É carnívora e alimenta-se de pequenos peixes e invertebrados pelágicos. Por sua vez, serve de alimento a peixes maiores (e.g. tunídeos, peixes-agulha e charuteiros) e a aves marinhas (Aves marinhas pelágicas), e.g. as cagarras. Na Madeira, a reprodução ocorre durante o inverno (de janeiro a fim de março). Distribui-se nas regiões tropicais e subtropicais temperadas de ambos os lados do oceano Atlântico, incluindo o golfo do México e o mar Mediterrâneo. A cavala é muito comum, sendo a espécie mais comum da sua família. Na Madeira, é pescada com redes de cerco durante a noite, sendo os peixes atraídos pelo engodo ou isco (mistura de peixes triturados), em simultâneo com a atração luminosa, método que favorece a concentração do cardume para o cerco. Conjuntamente com o chicharro, a sardinha e a boga, constitui aquilo que se designa na Madeira como “ruama”. É um peixe apreciado localmente e costuma ter um valor comercial baixo ou moderado. Esta espécie está sujeita ao tamanho mínimo de desembarque, que é de 20 cm. Entre 2006 e 2016, foram descarregadas 2350 t de cavala, correspondendo a cerca de 4 % do total de pescado descarregado na RAM. Nas águas continentais europeias, a cavala que ocorre mais frequentemente pertence à espécie Scomber scombrus (Linnaeus, 1758), que é apanhada muito raramente nas águas da Madeira.   Manuel José Biscoito Graça Faria (atualizado a 28.01.2017)

Biologia Marinha Ciências do Mar

canovai, stanislao

Stanislao Canovai nasceu a 27 de março de 1740 em Florença, e nesta mesma cidade morreu a 17 de novembro de 1812. Foi um dos matemáticos e físicos mais famosos do séc. XVIII, e é considerado o iniciador da corrente científica que se afirmou na segunda metade deste século, nas Escolas Pias de Toscana. A par disto, Canovai foi considerado pelos seus contemporâneos um grande escritor, pela sua doutrina e pelo seu estilo preciso e eloquente. Estudou em Florença e Pisa, como iniciante na Ordem dos Esculápios, e em 1765, foi nomeado para a cátedra de Filosofia e Teologia no seminário episcopal de Cortona, onde lecionou Matemática durante 15 anos. Em 1768, interrompeu, por um período muito curto, o seu ensino em Cortona para ensinar Física matemática no colégio real de Parma. Em seguida foi chamado para ensinar Hidráulica no colégio florentino dos Esculápios. Publicou em Florença, com o editor Giovacchino Pagani, o volume Elogio di Amerigo Vespucci, che Riportò il Premio dalla Nobile Accademia Etrusca di Cortona nel dì 15 Ottobre dell'Anno 1788. Con una Dissertazione Giustificativa di questo Celebre Navigatore. A obra apresentava-se bem fundamentada e historicamente fundada. Canovai confrontou códices e publicações, e discutiu as escolhas e declarações de estudiosos anteriores, como Angelo Maria Bandini. A obra visava sobretudo considerar e enquadrar o significado cultural do empreendimento de Vespúcio num âmbito crítico e científico mais amplo, e acabou por provocar um debate animado. Canovai, como eminente cientista, queria estabelecer a jornada de Vespúcio de forma conclusiva, e, em particular, decidiu examinar as rotas, a fim de resolver a questão da longitude. A passagem pela Madeira era crucial, dado que a Ilha e o arquipélago eram um dos pontos geográficos fundamentais, tanto para os cálculos de Canovai, como para confirmar a verdade histórica das várias viagens de Vespúcio. Obras de Stanislao Canovai: Elogio di Amerigo Vespucci, che Riportò il Premio dalla Nobile Accademia Etrusca di Cortona nel Dì 15 Ottobre dell'Anno 1788. Con una Dissertazione Giustificativa di questo Celebre Navigatore (1798).   Valeria Biagi (atualizado a 28.01.2017)

Matemática