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budismo

O Buda histórico, Siddhartha Gautama, era conhecido como Shakyamuni (de “Sakya”, país dos sakyas, e “muni”, sábio) e terá nascido no séc. VI a.C., num reino situado entre a Índia e o Nepal. A palavra “buda” deriva dos termos sânscritos “boud”, que significa totalmente desperto do sono da ignorância, e “dha”, eclosão perfeita da potencialidade fundamental, ou “bodhisattva”, ser iluminado (de “bodhi”, iluminado, e “sattva”, ser); refere-se a um estado de consciência plena ou presença amorosa para com toda a existência, beneficiando todos os seres sencientes. Este estado, que nos começos do séc. XXI recebeu a denominação de estado de mindfullness ou atenção plena, foi neste período muito preconizado como técnica de meditação com efeitos terapêuticos. No entanto, no budismo, não se trata de um estado momentâneo, mas sim de um estado permanente do ser com um objetivo espiritual. O budismo surgiu dentro do hinduísmo ou bramanismo (religião em que o conhecimento sagrado dos sacerdotes brâmanes passava de pai para filho) e tornou-se uma religião que, desde então, é um caminho para a superação do sofrimento e a autorrealização ou desenvolvimento da perfeita potencialidade humana. Não contempla a existência de um deus criador como as outras religiões, mas de um grande mestre, Buda; por isso, não é teísta. Trata-se do caminho da libertação, através do conhecimento do dharma (princípio de respeito pelas leis sagradas da natureza, ação correta no mundo, sabedoria) ou autorrealização. É aqui que encontramos o principal ponto de contacto com o Yoga e o Hinduísmo. Os ensinamentos de Buda são chamados Dhammapada, o caminho da retidão. Por isso, a essência do conhecimento alcançado e transmitido por Buda resume-se nas seguintes palavras: "Vós sois o vosso próprio mestre, tudo assenta sobre os vossos ombros, tudo depende de vós”. Deste modo, o nobre caminho da verdade, para a superação do sofrimento humano, é composto por oito preceitos: visão correta, intenção correta, fala correta, ação correta, viver corretamente, esforço correto, atenção correta e concentração correta ou plena atenção. A expansão dos ensinamentos de Buda na Ásia ocorreu a partir da Índia para o Nepal, Tibete (donde provém o Dalai Lama reinante em 2016: “Dalai”, oceano, e “Lama”, mestre – Oceano de Sabedoria), e outros países asiáticos, adquirindo métodos e estilos diferentes em cada cultura, o que originou diferentes tradições religiosas, sem comprometer, todavia, os seus valores essenciais. Assim, da história do budismo no Ocidente do séc. XX fazem parte várias tradições budistas, como o budismo zen, mas sobretudo o budismo tibetano, cujos primeiros Rinpoche (palavra do tibetano que significa precioso, título que se junta ao nome de um grande mestre) foram: Kalu Rinpoche (que estabeleceu vários centros do dharma na Europa) e, posteriormente, Dudjom Rinpoche, que foi para França juntamente com a família de Kangyur Rinpoche (entretanto falecido), nomeadamente a viúva, Amalá, que faleceu em Portugal (para onde tinha ido ensinar o budismo), em 1973, e o filho mais velho, Tulku Pema Rinpoche, a quem se deve a grande divulgação do budismo tibetano em Portugal. A União Budista Portuguesa (UBP) foi fundada para reunir todas as tradições budistas autênticas presentes em Portugal, apoiar as suas atividades, bem como exercer e promover a prática dos seus ensinamentos. A fundação da UBP, a 24 de junho de 1997, resultou da união de vários grupos do budismo zen e do budismo tibetano que faziam yoga e meditação em Portugal. A UBP organizou a primeira conferência budista na Madeira a 22 de novembro de 1998, passando a ir com frequência à região oradores e mestres para darem ensinamentos budistas. A delegação da UBP da Madeira foi criada a 27 de abril de 1999, tendo como sede a sala G do n.º 26 da R. das Mercês. No ano seguinte, Tulku Pema Rinpoche, na sua visita a Portugal, visitou pela primeira vez a Madeira, tendo-se deslocado novamente à Ilha em 2009 e em 2012, a convite da Delegação da UBP da Madeira, tal como muitos outros mestres budistas. A 19 de novembro de 2010, chegou à Madeira a Exposição de Relíquias do Buda e de Outros Grandes Mestres Budistas. A delegação da Madeira da UBP tem promovido, entre outras atividades, palestras, ensinamentos e retiros com vários mestres budistas. Na Madeira existe uma delegação do Centro de Apoio ao Sem-Abrigo (CASA), de inspiração budista, desde outubro de 2007 (um mês depois de esta associação ter começado a sua atividade na cidade de Lisboa, a 22 de setembro de 2007, no último dia de ensinamentos do Dalai Lama em Portugal, em que Tulku Pema Rinopoche distribuiu comida e roupas aos sem-abrigo), como forma de contribuir para atenuar o sofrimento dos mais pobres e para o bem-estar de todos os seres. Na Madeira, em finais de 2015, a associação tinha já 250 voluntários, no Funchal, Calheta, Ponta do Sol e Santa Cruz. Nas diferentes delegações da CASA, a chamada “Casa Amiga” – espalhada por muitos outros países da Europa e do mundo – também ia semanalmente à residência das pessoas desfavorecidas, para levar um cabaz de alimentos. A associação ecologista Mother Earth, outro projeto de Tulku Pema Rinpoche para proteger o planeta ou “mãe” Terra, está na Madeira desde 2014, tendo sido criada em Portugal a organização internacional Protector of Life, a 30 de maio de 2012, com o propósito de libertação de um milhão de vidas de animais por ano. Outra linha de orientação do budismo que existiu na Madeira foi a Nova Tradição Kadampa, do inglês New Kadampa Tradition (NKT), introduzida na Ilha em 2002. Esta linha do budismo surgiu em Inglaterra nos anos 80 do séc. xx e tem o seu principal centro no Noroeste de Inglaterra, onde se encontra o Kadampa World Peace Temple. Foi em maio de 1991 que Geshe Kelsang Gyatso deu o nome de NKT a esta orientação budista que segue a doutrina dos seus livros. Na Madeira, a Nova Tradição Kadampa teve um centro de meditação denominado Centro Avalokiteshvara (Buda da Compaixão), que oferecia aulas de meditação e organizou várias atividades de âmbito espiritual, como retiros espirituais budistas e ensinamentos de mestres budistas do NKT. Terminou as suas atividades no verão de 2008. No começo do séc. XXI, havia 400 milhões de budistas espalhados pelo mundo, nas suas diversas tradições, sendo o budismo a quarta grande religião mundial.     Naidea Nunes (atualizado a 14.12.2016)

Religiões

buch, christian leopold von

Christian Leopold von Buch, filho de Adolf Friedrich von Buch II, barão de Gehmersdorf, e de Charlotte von Arnien-Suckow, nasceu em Stolpe an der Order, Brandenburg, Prússia (1774), e faleceu em Berlim (1853). Foi um proeminente geólogo e paleontólogo e dedicou-se ao estudo do vulcanismo, dos fósseis e da definição do sistema jurássico. Fez a escola secundária em Freiberg, Saxónia, e frequentou as universidades de Halle e Göttingen. Foi considerado por Humbolt o melhor geólogo do seu tempo e, em 1842, recebeu a medalha Wollaston, o mais importante prémio concedido pela Sociedade de Geologia de Londres. No campo da mineralogia, conta-se a sua obra Versuch einer Mineralogischen Beschreibung von Landeck (Breslau, 1797), traduzida para francês (1805) e inglês (1810), seguida dos estudos sobre a Silésia, Entwurf einer Geognostischen Beschreibung von Schlesien (1802). A observação da erupção vulcânica do Vesúvio, em 1805, feita com Humboldt e Gay Lussac, permitiu-lhe corrigir interpretações erróneas sobre o vulcanismo. O resultado das suas viagens geológicas originou a obra Geognostische Beobachtungen auf Reisen durch Deutschland und Italien (Berlin, 1802-09). Na Escandinávia, pôde obter os dados que lhe permitiram publicar Reise durch Norwegen und Lappland (Berlin, 1810). Em 1815, na companhia do botânico norueguês Christian Smith, visitou as ilhas Canárias, cuja origem vulcânica constituiu o ponto de partida para o estudo da sua atividade sísmica, atestada na obra Physicalische Beschreibung der Canarischen (Berlin, 1825), na qual manifesta a convicção de que estas e outras ilhas atlânticas estiveram na base de um continente pré-existente. Nesta viagem, de Londres às Canárias, teve oportunidade de visitar a Madeira em abril de 1811, na companhia de outro norueguês, Chetien Smith, e descreve o deslumbramento sentido perante a vegetação desconhecida que contemplava: “après une heureuse traversée, nous mîmes pied à terre le 21 avril à Funchal dans l’île de Madère. Nous restâmes douze jours sur cette île fortunée, occupés à faire de petites courses sur les montagnes et à étudier, en tant que pût le permettre la pluie qui tomba continuellement pendant notre séjour, la végétation nouvelle, et pour nous inconnue, qui se développait sous nos yeux [após uma travessia sem incidentes, pusemos pé em terra a 21 de abril, no Funchal, ilha da Madeira. Permanecemos 12 dias nesta ilha afortunada, fazendo pequenas excursões pelas montanhas e estudando, tanto quanto nos permitiu a chuva, que não parou de cair durante toda a nossa estadia, a vegetação nova, para nós desconhecida, que se apresentava diante dos nossos olhos]” (BUCH, 1836, 1). Nesta obra, insere a lista de plantas da Madeira, organizada pelo botânico britânico Robert Brown, resultante da sua visita à Ilha em 1802. Segundo o Elucidário Madeirense, “é de Robert Brown, e não de Leopold von Buch, o trabalho intitulado Vermzeichniss der auf Madeira Wiedwachsenden Pflanzen, que quase todos atribuem a este último autor, por razão de ter sido incluído na obra que publicou, em 1825, sob o título de Physicalische Beschreibung de Canarishen Inseln” (SILVA e MENESES, 1978, I, 341).   Obras de Christian Leopold von Buch: Versuch einer Mineralogischen Beschreibung von Landeck, 1797; Entwurf einer Geognostischen Beschreibung von Schlesien, 1802; Geognostische Beobachtungen auf Reisen durch Deutschland und Italien, 1802-09; Reise durch Norwegen und Lappland, 1810; Psysicalische Beschreibung der Canarischen, 1825; Physicalische Beschreibung de Canarishen Inseln, 1825; Îles Canaries (1836); Narrative of an Expedition to Explore the River Zaire, usually, Called the Congo, in South Africa in 1816, under the direction of Captain J. K. Tuckey (coautoria) (1818).     António Manuel de Andrade Moniz (atualizado a 13.10.2016)  

Biologia Terrestre Madeira Global Geologia

branco, josé de sousa de castelo

Nasceu em Leiria a 2 de novembro de 1654, sendo filho de Heitor Vaz de Castelo Branco, “senhor do Lagar do Rei e comendador de Santa Marinha”, e de sua mulher, D. Luísa Maria da Silva Arnault, senhora de morgado (NORONHA, 1996, 126). Tal como o seu antecedente, D. Fr. José de Santa Maria, este prelado foi recrutado nas fileiras da pequena nobreza de província. Enquanto jovem, foi para Coimbra estudar, e aí se formou em teologia, tendo, de seguida, ocupado um canonicato na sé de Leiria. Encetou, depois, uma carreira na Inquisição, instituição que serviu como deputado em Évora, como promotor em Lisboa, como inquisidor, de novo em Évora, e, finalmente, como presidente do tribunal de Coimbra. Nessa posição se encontrava quando, em 1697, foi designado por D. Pedro II para bispo do Funchal. A sagração aconteceu em Lisboa, no oratório de S. Filipe de Nery, a 28 de junho de 1698, ano em que se deslocou para a diocese, fazendo, na viagem, um desvio por Mazagão, onde se deteve “a ensinar os moradores” e a crismar 1400 pessoas (Id., Ibid., 127). Ainda durante a viagem, começou, de acordo com um manuscrito intitulado Memorias sobre a Creacção e Augmento do Estado Eccleziastico na Ilha da Madeira, a dar indícios de um comportamento singular, pois, segundo reza o texto, “foi este Bispo o Prelado mais amante da nobreza que tem vindo a esta Ilha”. A fundamentação desta apreciação encontra-se, logo de seguida, na descrição de um episódio com Gaspar Mendes de Vasconcelos, cujo pai, o Ten.-Gen. Inácio Bettencourt de Vasconcelos, o mandara para o reino assentar praça; segundo se conta, o bispo logo o trouxera para bordo, atribuindo-lhe no caminho uma conezia, tendo mandado, assim que chegou a terra, o mordomo avisar o general que “ali lhe mandava o filho cónego” esperando que ele lhe perdoasse “o vir contra as suas determinações” (ARM, Arquivo do Paço..., doc. 273, fl. 93v.). O mesmo documento insiste nesta tónica quando acrescenta que não “houve casa que não beneficiasse, criando-lhe alguns dos seus filhos em cónegos da catedral”, e, de facto, é possível constatar que da família dos Correias e da dos Ornelas saíram três capitulares, da dos Freitas dois e da dos Berengueres um, registando-se, ainda, a atribuição de benefícios que favoreceram outros agregados nobres da Ilha. Com efeito, as Memorias acrescentam que “continuamente lhe estava fazendo a eles presentes de trastes e ainda cortes de vestido” e que ia “passar dias de verão nas Quintas dos Cavaleiros da terra e com todos fez uma boa harmonia (Ibid., fl. 97). Se esta era uma estratégia de minimização de conflitos, não resultou em pleno, porque o episcopado de D. José não foi isento de confrontos que opuseram o bispo a mais do que uma entidade na Ilha. Um dos cenários dessa conflitualidade ocorreu com dois dos três governadores com quem se cruzou no exercício de funções, sendo que, logo com o primeiro, João da Costa Ataíde, se registaram atritos que também envolveram o provedor da fazenda, Manuel Mexia Galvão. Este último, acusado de mancebia pelo vigário-geral, virou-se contra aquele eclesiástico “mais por vingança e por ódio que por defensa […] com ânimo vingativo de injuriar a pessoa de um prelado […] a quem devia tratar com respeito de Pai”, o que determinou a apresentação de queixas mútuas para o reino. Do reino veio, assim, um desembargador, Diogo Salter de Macedo, incumbido de averiguar o que na realidade se passara. Em virtude da sua ação, o provedor foi chamado à câmara a fim de lhe ser aplicada pública e áspera repreensão, e o mesmo teria acontecido ao governador, não fosse ter falecido entretanto. Quanto aos autos do processo, determinou o desembargador que se queimassem para “que de tão estranho modo de recusa não haja em tempo algum memoria nem lembrança”. Em contrapartida, as referências contidas na provisão trazida por Diogo Salter de Macedo dizem que ao bispo se deveria dar notícia da anterior resolução, a fim de que “reconheça a consideração que a minha Real justiça [tem] a quem com menos decoro fala em autos públicos das pessoas dos prelados que justamente se queixam das ofensas que lhes fazem”, o que é o bastante para se perceber que o bispo saiu com grande vantagem desta contenda (ARM, Arquivo do Paço..., doc. 270, fl. 7). Com o governante seguinte, Duarte Sodré Pereira, gozou o prelado da melhor das relações, chegando, inclusivamente, a ser padrinho de um dos seus filhos e estabelecendo-se, portanto, entre os dois, uma relação de compadrio. Já com o seu sucessor, Pedro Alves da Cunha, voltaram as coisas a correr mal, designadamente por terem surgido diferendos quanto ao lugar que o governador pretendia ocupar na sé. Terminada a comissão de Pedro Alves da Cunha, foi o prelado cumprimentar o novo governador, João Saldanha da Gama, mas, da conversa que tiveram, ficou o bispo com a impressão de que o novo titular do cargo seria “do mesmo caráter” do anterior, e essa constatação terá apressado a decisão de D. José de Castelo Branco abandonar a diocese. Com efeito, e embora publicamente evocasse razões de saúde como motivo da ida para Lisboa, a verdade é que ficaram registos de que a bordo da nau “ia aquele por cuja causa ele largava o bispado”, ou seja, Pedro Alves da Cunha, o que motiva alguma dúvida sobre as reais motivações do abandono episcopal. A confirmar esta asserção, acrescentam as Memorias que, a bordo, o ex-governador fez ao bispo “muitos obséquios, de sorte que ele se arrependeu de ter partido”, mas, apesar deste sentimento, e de se ter mantido como titular da diocese por mais sete anos, nunca mais regressou à Madeira. Embora tivesse renunciado à mitra do Funchal em finais de 1721, por, segundo afirma Noronha, os médicos considerarem que o clima da Ilha não era favorável à sua doença, a verdade é que D. José só veio a falecer bastantes anos mais tarde, em 1740, facto que contribui para infirmar a tese da doença como real motivo para a saída do arquipélago (NORONHA, 1996, 128). Para além dos dois governadores, outra das entidades com quem D. José registou desentendimentos graves foi com a comunidade franciscana, a qual, em consequência disso, se viu quase completamente destituída de confessores. O desaguisado começou com a determinação exarada pelo bispo de que todos os clérigos, regulares e seculares, do bispado teriam de se fazer examinar para confessores, do que discordou o custódio de S. Francisco, padre frei Jacinto da Esperança, que recorreu ao rei por causa da “perseguição” que considerava estar a ser-lhe movida pelo prelado. Queixava-se, então, o custódio, em seu nome e no dos religiosos da Ordem, “da notória força e violência com que os oprime o reverendo bispo da dita Ilha”, consubstanciada na privação da autorização para confessar sem se submeterem a novo exame, o que se repercutia negativamente não só na reputação da Ordem, como nos proventos arrecadados (PAIVA, 2009, 37). Além disso, acrescentava, estas ordens do prelado tinham levado à suspensão de todos os frades da Calheta, e não se poderia aceitar a ideia de que fossem “todos criminosos” (DGARQ, Cabido da Sé..., mç. 12, doc. 34, fl. n.n.). A estes argumentos contrapunha D. José o de que “como os confessores tratam de matéria mais arriscada não só pelo foro da consciência e utilidade, ou prejuízo das Almas, mas também porque doutrinam em segredo, é mais perigosa e mais arriscada esta matéria que a dos pregadores”, pelo que não podia ser “tão liberal” neste tema quanto era na concessão de licenças para pregar. A isto acrescia o bispo que poderia acontecer que desta sua “severidade” resultasse estímulo para aplicação ao estudo de que “até aqui pouco se cuidava”, e, usando de uma ironia fina, ainda fazia notar que, sendo os franciscanos pobres, “pelos pregadores haveriam os proventos temporais que das confissões não podem tirar; e da suspensão destes [confessores] lhes resultará viverem com mais descanso que sempre é apetecido da natureza” (Ibid.). Os antecedentes deste conflito derivariam, possivelmente, de uma pastoral publicada a 20 de dezembro de 1699, na qual o prelado derrogava todas as facilidades anteriormente concedidas a pregadores e confessores, condicionando-as, agora, à realização de novo exame. Esta atitude decorria do facto de ter o prelado sido informado de que alguns clérigos, “esquecidos de suas obrigações”, se não aplicavam no estudo da Moral, “não usando do sacerdócio mais que só na missa, pelo interesse temporal que dela tiram”, situação que lhe parecia intolerável, e à qual procurava, então, obviar (AHDF, Arquivo da Câmara Eclesiástica..., cx, 45, doc. 8). Porém, se as relações com os franciscanos foram tensas, o mesmo não se passou com os jesuítas, cujo reitor, o padre Miguel Vitus, era, nas palavras endereçadas pelo prelado à inquisição de Lisboa, “coisa muito singular em tudo, na capacidade, letras, virtude e ardente zelo na conversão dos hereges, e no cuidado que tem nos reduzidos”, pelo que seria homem a quem se poderia fiar tudo e “só a ele se devem cometer os negócios de maior importância e risco” (FARINHA, 1993, 887). Vinha este elogio a propósito daquela que, no entender do prelado, seria a melhor opção para se tratar dos assuntos respeitantes ao Santo Ofício na Ilha, pois, apesar de na Madeira haver dois comissários, os desentendimentos entre eles poderiam comprometer a objetividade necessária nos julgamentos. Durante este episcopado, e por razões que se poderão atribuir, por um lado, ao facto de o bispo ter sido recrutado das fileiras da Inquisição, e, por outro, à recente reativação do funcionamento do tribunal, assiste-se a um certo aumento das denúncias apresentadas, cujo número, para o período de 1690 a 1719, se cifra em 59 casos. Apesar de o bispo ter referido a meritória ação do reitor do colégio no combate aos hereges, ou talvez por isso, as ocorrências de heresia são escassas, pois só aparecem dois suspeitos, enquanto a grande incidência das faltas se dá nos domínios das curas supersticiosas e das blasfémias, com 13 acusados em cada área. O saldo final destas denúncias cifra-se em apenas 3 processos, 1 de judaísmo e 2 de bigamia, mas a correspondência trocada entre o bispo e a Inquisição, em Lisboa, permite saber-se que a boa opinião que o prelado tinha da nobreza insular não se estendia ao resto da população da Ilha. Assim, em carta escrita a 11 de novembro de 1707, D. José lamentava-se, dizendo que “a assistência de dez anos e o trabalho de sofrer esta gente me tem dado conhecimento do seu orgulho, e dos seus atrevimentos. Saiba Vossa Senhoria que não estou entre gente, senão em um bosque de feras sem nenhum conhecimento, sem obediência da razão, levados tão-somente de suas paixões como brutos sem temor de Deus, nem honra nem previsão de futuros” (Ibid., 887), o que, por sua vez, se harmoniza com a impressão que colhe dos seus fregueses, os quais, em visita a Ponta Delgada, considera “muito rudes” na doutrina, não só os meninos, como também os pais que, se falhassem no envio dos filhos à estação da missa, deveriam ser publicamente inquiridos sobre os ensinamentos religiosos (ARM, Paroquiais, Livro 116-B, fl. 5). Num outro sítio e num outro contexto, expandia ainda o prelado a má opinião que tinha dos ilhéus, que considerava, pela sua ambição “fáce[i]s de levantar testemunhos uns aos outros para melhorarem as suas pretensões” (ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações, Eusébio, mç. 1, doc. 21). Para tentar obviar às falhas de caráter e às omissões de doutrina, envidou D. José alguns esforços, traduzidos na realização de um plano de visitação com a periodicidade devida, complementado por missões de interior, para as quais recorria aos meios ao seu dispor. Assim, em 31 de janeiro de 1700, enviava para as paróquias rurais, “armados de todos os poderes da sua jurisdição”, dois jesuítas, os padres mestres Inácio de Bulhões e Domingos de Melo, a fim de que, por ser o tempo de “grande calamidade de doenças e mortes”, ajudassem os vigários nas confissões. A esses missionários cometia, ainda, a responsabilidade de “aprovar e reprovar confessores na forma que lhes parecer”, voltando a demonstrar a preocupação que a correta prática do sacramento da penitência lhe despertava. Como nota curiosa, pode ainda acrescentar-se o facto de, para além da saúde moral das populações, o prelado zelar, ainda, pela cura dos males do corpo, pelo que, a acompanhar os jesuítas, ia também um cirurgião “aprovado para que visite os enfermos e lhes aplique os remédios necessários” (AHDF, Arquivo da Câmara Eclesiástica..., cx. 45, doc. 9). No mesmo ano, mas em agosto, realizava-se nova missão, desta vez resultante da oferta dos serviços de um frade, frei João de Santo Ambrósio, que “movido do fervor do seu zelo e caridade determina fazer missão em todas as freguesias deste nosso bispado” (Ibid., doc. 10). Os cuidados que o bispo dispensava à qualificação dos ministros autorizados a confessar voltam a evidenciar-se em edital publicado em 1710, onde se determinava que se não lançassem no rol dos habilitados a apresentar-se a exame os indivíduos que não mostrassem certidão de matrícula, ou aprovação, na aula de moral do colégio da Companhia “por serem muito poucos os sacerdotes capazes de servir a Igreja no exercício do confessionário” (Ibid., cx. 32, doc. 39). Para além disso, destaca-se uma lista dos clérigos do bispado feita em 27 de agosto de 1715, onde constam para a freguesia da sé, por exemplo, 131 eclesiásticos, dos quais apenas 24 estão habilitados a confessar, o que vem, mais uma vez, demonstrar que os critérios para acesso àquele ministério eram severos (Ibid., Livro 2.º da Câmara Eclesiástica, fls. 17-17v.). Para além dos cuidados já expressos com alguns aspetos do exercício do múnus episcopal no tocante à formação dos clérigos, D. José ainda dedicou uma atenção particular ao seminário, o qual fez transferir das antigas instalações no paço onde residia para um novo espaço, situado na rua que passou a chamar-se “do Seminário”, e onde se situavam uns aposentos inicialmente destinados a um mosteiro, o “Mosteiro Novo”, que nunca chegou a funcionar para o fim a que se destinara. O bispo dotou, ainda, o seminário de novos estatutos. Outra das tarefas com as quais se comprometeu o antístite foi a de provedor da Santa Casa da Misericórdia do Funchal, a cujos destinos presidiu nos anos de 1704 e 1709. Depois de 15 anos em que esteve presencialmente à frente da diocese do Funchal, retirou-se, então, o prelado para Lisboa, conforme já se viu, mantendo-se em funções por mais sete anos, findos os quais renunciou, ficando o bispado à guarda de um governador, Pedro Álvares Uzel, que dele se ocupou até à chegada do novo titular da mitra, D. frei Manuel Coutinho.     Ana Cristina Machado Trindade Rui Carita (atualizado a 22.12.2016)

História Política e Institucional Religiões

barbosa, pedro correa

Cónego da Sé do Funchal e vigário geral do mesmo bispado, nasceu na cidade do Funchal. Era filho de José Barbosa, homem que vivia das suas fazendas, um estanqueiro que serviu de feitor dos contratadores do tabaco na ilha da Madeira, natural da freguesia de Santa Maria Madalena, em Lisboa, e de sua mulher Maria Correa, natural da freguesia da Madalena do Mar, na ilha da Madeira. Era neto paterno de Duarte Barbosa, um fanqueiro, e de Maria Ferreira, que haviam morado em Lisboa, na rua dos Fanqueiros, artéria onde ficavam localizadas as lojas que vendiam roupas provenientes de fora do Reino. Pela via materna, era neto de Jacinto de Freitas da Silva, um homem nobre, dos principais do Funchal, e de uma mulher com quem aquele mantivera um relacionamento ilícito, chamada Domingas Rodrigues. Pese ser filha natural, a mãe de Pedro Correa Barbosa foi criada por Jacinto de Freitas da Silva “de portas a dentro”, o que lhe permitiu adquirir o mesmo estatuto do progenitor, que acabou por a legitimar e dotar. Na déc. de 70 do séc. XVII, foi estudar para a Universidade de Coimbra, onde, a 1 de outubro de 1673, efetuou uma matrícula em Instituta. No ano seguinte, matriculou-se em Cânones. Alcançou o bacharelato nessa área do saber a 11 de julho de 1678, e a formatura a 16 de maio de 1679, tendo sido em ambos os atos aprovado nemine discrepante, classificação que implicou a unanimidade por parte do júri, mas que não esclarece sobre as suas capacidades intelectuais. Existe informação de que, na cidade do Mondego, mas também na do Funchal, serviu na Irmandade dos Terceiros de S. Francisco. A devoção ao dito patriarca levou-o, mais tarde, a consagrar-lhe uma ermida que mandou edificar, dotar e ornar na sua quinta do Pico, freguesia de São Pedro, no Funchal, templo que recebeu autorização para celebrar os ofícios divinos em dezembro de 1697. D. Fr. José de Santa Maria Saldanha, bispo do Funchal (1690-1696), fê-lo cónego meio prebendado na Sé da sua Diocese, não obstante recair sobre a sua família fama de cristã-novice. Aliás, em 1647, o rumor já havia sido levantado em relação a seu pai, quando aquele pretendera ocupar a escrivania da Câmara do Funchal, o que apenas conseguiu depois de recorrer ao Desembargo do Paço. O mesmo prelado diocesano designou-o vigário geral do bispado, o que, mais uma vez, motivou os seus inimigos a publicitar a sua suposta impureza de sangue, por intermédio de pasquins. É de notar que esse importante cargo, que já desempenhava em dezembro de 1694, lhe proporcionava largos proventos (segundo relatório ad limina de 1693, a renda em dinheiro do vigário geral era de 37 ducados de câmara), o que naturalmente intensificou o ódio dos seus contrários. Para tentar colocar cobro à infâmia, recorreu à Casa da Suplicação, correição do cível de Lisboa, tendo conseguido obter justificação de genere, sobre a limpeza do seu sangue, em fevereiro de 1699. Como seria expetável, tais rumores, ainda que falsos, persistiram. Porém, esses rumores não impossibilitaram que, anos mais tarde, um sobrinho homónimo e uma sobrinha-neta tivessem conseguido habilitar-se pelo Santo Ofício, o primeiro para obter a familiatura e a segunda para celebrar matrimónio com um familiar do Tribunal da Fé. Pedro Correa Barbosa foi ainda professor de Cânones e examinador sinodal do bispado funchalense. A propósito, recorde-se que, em 1695, o antístite daquela Diocese convocou um sínodo diocesano, no qual foram promulgadas algumas constituições sobre a disciplina eclesiástica, mas que, dada a sua transferência para a Diocese do Porto, acabaram por não ser impressas. Segundo Diogo Barbosa Machado, autor da famosa Biblioteca Lusitana, Pedro Correa Barbosa foi um pregador insigne. Sem prejuízo, conhece-se apenas um sermão impresso da sua autoria, pregado a 13 de junho de 1697, na festa de S.to António, texto que foi dado à estampa em Lisboa, na oficina de Miguel Deslandes, em 1699, com o título Sermaõ Panegyrico na Solemnissima, & Anniversaria festa, que o Reverendo Cabido da Santa Sè do Funchal da Ilha da Madeira, faz na tarde do dia oitavo do Corpo de Deos. Faleceu a 3 de fevereiro de 1709, tendo sido sepultado na capela maior da Sé do Funchal, no jazigo dos padres capitulares. Fez testamento, aprovado pelo tabelião Filipe Rodrigues Cunha, em que instituiu por seu herdeiro universal António Correa Barbosa, seu irmão, deixando-lhe os seus bens em vínculo de morgado com obrigação de, anualmente, no dia em que fosse celebrada a festividade de Nossa Senhora do Amparo na Sé do Funchal, dotar uma órfã com 20.000 réis e mandar dizer uma missa por sua alma. Deixou ainda 30.000 réis aos religiosos de S. Francisco da cidade do Funchal; 20.000 réis à fábrica da Sé; e 4000 réis para os pobres do hospital daquela urbe.     Ricardo Pessa de Oliveira (atualizado a 14.12.2016)

Religiões Personalidades

aluviões

De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa, o termo “aluvião” pode significar inundação muito grande, grande cheia ou enxurrada. Este é o significado atribuído na ilha da Madeira. A rede hidrográfica da Madeira, composta por ribeiras que se desenvolvem da cordilheira montanhosa central para a costa, em vales profundos, estreitos e de declive acentuado, com regime de escoamento intermitente e torrencial, quando associada a eventos de precipitação intensa dá origem a inundações repentinas designadas por aluviões, correntes de detritos ou debris flow. Estas cheias caracterizam-se por concentrações elevadas de material sólido, incluindo blocos de grandes dimensões, que conferem ao escoamento um enorme poder destrutivo. As características geológicas e geomorfológicas das bacias hidrográficas, e das respetivas ribeiras, potenciam a ocorrência de fluxos muito significativos de materiais sólidos, os quais constituem o componente mais perigoso das aluviões. Esta produção de sedimentos é desencadeada pela ação da precipitação e da consequente ocorrência de escoamentos líquidos que mobilizam grandes quantidades de material sólido com elevado potencial geomórfico. A produção dos fluxos de material sólido resulta de diferentes processos, tais como a erosão distribuída nas vertentes, a erosão em sulco e ravinamento, movimentos de massa, e a erosão fluvial nos fundos e margens dos leitos das ribeiras. Segundo a bibliografia, ocorreram no arquipélago da Madeira, desde o início do séc. XVII até 2013, 42 aluviões de intensidade significativa, constituídas por cheias rápidas e violentas com transporte de concentrações elevadas de material sólido. É de destacar, neste contexto, o ano de 1803, no qual se verificaram inundações catastróficas em toda a Ilha, particularmente na região sudeste, entre o Funchal e Machico, tendo perecido cerca de 1000 pessoas. Em consequência desta aluvião, as ribeiras da cidade do Funchal foram canalizadas, sob a direção do Brig. Reinaldo Oudinot, entre 1804 e 1806, continuando uma considerável extensão desta obra a cumprir, no início do séc. XXI, a sua função de canalização dos cursos de água. Já no séc. XXI, merece destaque o dia 20 de fevereiro de 2010, em que, na sequência de um prolongado período chuvoso na ilha da Madeira, aliado a um cenário meteorológico adverso, se gerou uma aluvião excepcional que atingiu, com elevada intensidade, alguns concelhos da vertente Sul da Ilha, em particular o Funchal e a Ribeira Brava. São de lamentar 51 vítimas mortais, bem como os elevados danos materiais e a destruição de muitas infraestruturas públicas e privadas. O quadro que apresentamos (fig. 1) compila os registos históricos de aluviões ocorridas no arquipélago da Madeira entre o início do séc. XVII e o ano de 2013, e as suas principais consequências. [table id=75 /] Sucessivos eventos da mesma natureza têm ocorrido por toda a ilha da Madeira desde o início da sua história geológica, há cerca de sete milhões de anos, até a atualidade. Testemunhos de fluxos concentrados ou torrentes de escoamento bifásico com uma fase sólida muito abundante são visíveis em todos os complexos vulcânicos que constituem a Ilha. Como diz Susana Nascimento, “trata-se de espessos depósitos de enxurrada, bastante compactados e cimentados que se encontram intercalados nos complexos vulcânicos. [...] Formado em clima caracterizado por abundantes e concentradas chuvadas, estes depósitos conglomerático-brechóides, são constituídos por, aproximadamente, 95 % de clastos, em geral mal calibrados, com dimensões que vão, desde escassos milímetros, até cerca de 2 metros” (NASCIMENTO, 1990, 36). O fenómeno das aluviões na Madeira tem sido referenciado em vários trabalhos de carácter mais ou menos científico. Ao abordar os cursos de água da ilha da Madeira, Eduardo Pereira, em Ilhas de Zargo, sublinha a quase ausência de caudal das ribeiras na estação do verão, sendo que no inverno “crescem torrencialmente, transbordam das margens e arrastam das montanhas toneladas de penedos, rolando-os e batendo uns contra os outros num ruído sinistro e aterrador, ao mesmo tempo que arrebatam terrenos de cultura, derrubam pontes e chegam por vezes a causar enormes prejuízos em habitações, pessoas, terras e animais” (PEREIRA, 1989, I, 283) Orlando Ribeiro, ao comentar o regime das águas na ilha da Madeira, refere algumas “inundações catastróficas” que assolaram a Ilha. Tais calamidades estão associadas a “chuvas excepcionais [...] frequentemente desastrosas, que enchem as ribeiras, arrastam blocos com algumas centenas de quilos, destroem pontes, danificam casas, inundando a parte baixa das aglomerações situadas à beira-mar, e pondo em perigo bens e pessoas” (RIBEIRO, 1985, 33). Merece ainda destaque a descrição feita por Cecílio Silva de um cenário de aluvião num texto intitulado “Eu Tive Um Sonho”, publicado no Diário de Notícias da Madeira. Traumatizado pelo estado de desertificação das serras do interior da ilha da Madeira, nomeadamente da região a norte do Funchal, que constitui a cabeceira das bacias hidrográficas das três ribeiras que confluem para a capital, aliado a recordações da infância passada junto à margem de uma dessas ribeiras (Santa Luzia), o mundo dos seus sonhos, frequentemente tomado por pesadelos sempre ligados às enxurradas invernais e infernais dessa ribeira, descreve: “Tive um sonho […], subia a escadaria do Pico das Pedras, sobranceiro ao Funchal. Nuvens negras apareceram a Sudoeste da cidade, fazendo desaparecer o largo e profundo horizonte, ligando o mar ao céu… […] De repente, tudo escureceu. Cordas de água desabaram sobre toda a paisagem que desaparecia rapidamente à nossa volta. […] Repentinamente, como começou, tudo parou; as nuvens dissiparam-se, o vento amainou e a luz voltou. Só o ruído continuava cada vez mais cavo e assustador. Olhei para o Sul e qualquer coisa de terrível, dantesco e caótico se me deparou. A Ribeira de Santa Luzia, a Ribeira de S. João e a Ribeira de João Gomes eram três grandes rios, monstruosamente caudalosos e arrasadores. […] As águas efervescentes, engrossando cada vez mais em montanhas de vagas espessas, tudo cobriram até à Sé – único edifício de pé. Toda a velha baixa tinha desaparecido debaixo de um fervedouro de água e lama. [...] Acordei encharcado. Não era água, mas suor. Não consegui voltar a adormecer…” (SILVA, DN, 13 jan. 1985). O impacto que as aluviões têm no imaginário coletivo dos madeirenses é por demais evidente, ou não fossem estas um dos principais perigos naturais que os habitantes da Ilha enfrentam, sendo responsáveis pela maioria dos prejuízos, humanos e materiais, provocados por catástrofes desde o início da ocupação humana.   Susana Prada Celso Figueira (atualizado a 14.12.2016)

Física, Química e Engenharia Geologia

quercus-madeira

A Quercus-Madeira, fundada a 28 de janeiro de 1995, é o Núcleo Regional da Associação Nacional de Conservação da Natureza (Quercus), uma das principais organizações não-governamentais de ambiente em Portugal, e é constituída pelos sócios residentes no Arquipélago da Madeira. O Núcleo Regional da Quercus na Madeira, tal como os restantes núcleos desta Associação, organiza-se internamente numa Assembleia de Núcleo, que reúne pelo menos uma vez por ano os associados residentes, e numa Direção de Núcleo, eleita em Assembleia de Núcleo e composta, no mínimo, por presidente, tesoureiro e secretário. A Quercus-Madeira tem como objetivos os que decorrem dos Estatutos da organização em que se insere, destacando-se os de alertar e apoiar os cidadãos em relação às disfunções ambientais, fomentar e promover a educação cívica e ambiental, defender e promover a conservação dos valores naturais, e desenvolver estudos que contribuam para o conhecimento e a defesa dos valores do património natural e cultural. Decorrente da sua Declaração de Princípios, a Quercus norteia a sua intervenção cívica e política pelos valores da independência e da autonomia, sendo uma organização apartidária, liberta de qualquer tutela económica, religiosa ou racial, e consubstanciando a sua ação no lema “Pensar Globalmente, Agir Localmente”. A Quercus-Madeira, como toda a estrutura nacional da Associação, aborda as mais variadas áreas essenciais à sustentabilidade ambiental, tendo dado particular atenção à educação ambiental, à gestão dos resíduos, à escassez e qualidade da água, à conservação da natureza, ao ordenamento do território, à poluição, à eficiência energética e à energias renováveis. A origem do Núcleo Regional da Quercus na Madeira está diretamente associada à vontade de um grupo alargado de alunos que, no ano letivo de 1994/1995, frequentava o 3.º ano do curso de Biologia na Universidade da Madeira. Estes jovens, que tinham vontade de se organizar e constituir uma associação de defesa do ambiente, fizeram-se sócios da Quercus e constituíram o Núcleo Regional. A reunião preparatória que resultou no pedido formal à Direção Nacional da Quercus para a constituição de uma estrutura regional na Madeira ocorreu a 27 de outubro de 1994. Face à vontade subscrita por 15 alunos da licenciatura em Biologia e ao apoio do professor Jorge Paiva, a Direção Nacional autorizou a constituição do Núcleo Regional da Madeira a 28 de janeiro de 1995. A primeira Direção da Quercus-Madeira foi eleita a 15 de fevereiro de 1995 numa Assembleia de Sócios do Núcleo que decorreu no Colégio dos Jesuítas, Universidade da Madeira, tendo Hélder Spínola sido eleito Presidente, Maria Cristina de Matos Niza Secretária, Dília Maria Góis Gouveia Menezes tesoureira, e Odília Maria Freitas Garcês e Irene Gomez Câmara vogais. A apresentação pública da constituição da Quercus-Madeira ocorreu a 12 de abril de 1995, numa sala do Ateneu Comercial do Funchal, tendo suscitado uma forte curiosidade por parte da comunicação social regional. A Quercus-Madeira, sem sede, abriu um apartado na estação de correios e começou por usufruir de algum apoio logístico da própria Universidade da Madeira: dispunha de um armário para o seu arquivo, utilizava as salas para reuniões e fazia uso dos serviços de telecópia da instituição para contatos com a comunicação social. Em maio de 1996, com a eleição do primeiro Reitor da Universidade da Madeira, foi perdendo este apoio, passando a manter o seu arquivo em casa dos dirigentes e estabelecendo contactos com a comunicação social via serviço de telecópia dos Correios de Portugal. À medida que a Quercus na Madeira vincava a sua discordância com as opções que considerava desviadas da sustentabilidade – nomeadamente o atraso na aprovação dos Planos Diretores Municipais e outros instrumentos de ordenamento do território, a gestão da Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos Urbanos, que estava a criar problemas de contaminação das águas subterrâneas, os despejos de terras para dentro das ribeiras e diretamente para o mar e a falta de medidas para evitar os efeitos sobre a saúde pública da aplicação de materiais contendo amianto –, foi dando a conhecer o seu trabalho e atraindo novos sócios. Passado o primeiro ano desde a sua fundação, este Núcleo Regional deixou de ser um projeto de um grupo de estudantes de Biologia para passar a integrar elementos de outras proveniências da sociedade madeirense. Efetivamente, aquando da constituição de uma nova direção, a 27 de fevereiro de 1997, a maioria dos dirigentes eleitos já não pertencia ao grupo inicial de fundadores. No início de 1997, a Quercus-Madeira, ainda sem sede própria, passou a contar com um espaço na Escola da APEL para manter o seu arquivo e fazer as suas reuniões de trabalho. A utilização deste novo espaço resultou dos contactos estabelecidos entre a nova Secretária da Direção da Quercus-Madeira, Carina Martins Nunes, e o diretor da escola, Mário Casagrande (1930-2009). Um ano depois, também este espaço ficou indisponível e até ao ano 2000 a Quercus-Madeira funcionou sem sede, fazendo as suas reuniões em cafés, na casa dos dirigentes ou em espaços solicitados à Câmara Municipal de Machico. No ano 2000, fruto de uma colaboração que vinha a ser mantida com a Câmara Municipal de Machico, foi estabelecido um protocolo para a constituição de um centro de educação ambiental que passou a ser também a sede da Associação. A Quercus-Madeira passou assim a ter sede fixa num antigo quiosque, onde iniciou também a dinamização do novo Centro de Educação Ambiental de Machico. Em 2004, o Centro de Educação Ambiental e a sede da Quercus-Madeira passaram a funcionar no Mercado Municipal de Machico. A partir de 2011, por indisponibilidade da autarquia local, o Centro de Educação Ambiental de Machico cessou funções, mas a sede da Quercus-Madeira manteve-se no local. A Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza é uma Organização Não Governamental de Ambiente que se formalizou a 31 de outubro de 1985, mas que já desenvolvia atividade desde finais de 1984. A sua constituição resultou da união de esforços entre vários ativistas e associações ambientalistas, que sentiram a necessidade de uma organização mais forte e de âmbito nacional dedicada à conservação da natureza. A base da sua fundação foi determinante na definição do tipo de estrutura interna que adotou, a qual, além dos órgãos nacionais, é marcada pelas existência de Núcleos Regionais espalhados de norte a sul do país, incluindo os arquipélagos dos Açores e da Madeira. Os primeiros Núcleos Regionais da Quercus foram constituídos a partir da integração de associações locais de defesa do ambiente previamente existentes, algumas que participaram na fundação da Associação e outras que se juntaram mais tarde. Numa segunda fase, já na década de 90 do século XX, e à semelhança do que aconteceu na Madeira, a organização local dos sócios deu origem a Núcleos Regionais nascidos dentro da própria Quercus. O facto de os Núcleos Regionais da Quercus constituírem estruturas democráticas, com dirigentes eleitos pelos seus sócios, e possuírem autonomia de funcionamento, proporcionou a esta Associação uma grande agilidade de atuação que é, em grande medida, responsável pela forte implantação e influência em todo o território português. Apesar de estes Núcleos Regionais possuírem autonomia estatutária para definir a sua estrutura organizativa, nomeadamente criando delegações na sua área geográfica, são muito raros os exemplos de concretização dessa faculdade. O Núcleo Regional da Madeira chegou a aprovar, em outubro de 1995, a criação de uma Delegação no Concelho de Santana, mas, à semelhança de tentativas para o Estreito de Câmara de Lobos e para o Porto Santo, essas estruturas acabaram por não vingar. A Quercus possui como órgãos sociais a Assembleia-Geral, a Mesa da Assembleia-Geral, a Direção Nacional, o Conselho Fiscal e a Comissão Arbitral, possuindo ainda um Conselho de Representantes que reúne os membros da Direção Nacional e os presidentes dos Núcleos Regionais. Se os Núcleos Regionais permitem à Quercus uma forte implantação geográfica, os órgãos nacionais, em particular a Direção Nacional, apoiados em estruturas como os grupos de trabalho e os projetos nacionais, garantem uma atuação global coerente e sólida. Ambas as estruturas, nacionais e regionais, na sua ação concertada, completam um modelo de organização que consubstancia de forma eficaz o lema: “Pensar Globalmente, Agir Localmente”. Apesar de a Quercus ter atualmente uma intervenção muito diversificada, abrangendo áreas temáticas como a gestão dos resíduos, a qualidade do ar, a eficiência energética, as energias renováveis, a qualidade e escassez dos recursos hídricos, entre muitas outras, a preocupação predominante dos seus fundadores centrou-se essencialmente nas questões associadas à conservação da natureza. Esse foi justamente o motivo para a adoção do nome Quercus, o nome científico do género a que pertencem os carvalhos, sobreiros e azinheiras, que são as árvores predominantes do coberto vegetal primitivo do território continental português, e do símbolo da organização, uma folha e uma bolota de carvalho-negral (Quercus pyrenaica). Os dirigentes da Quercus são eleitos para mandatos de dois anos de entre os sócios da Associação e exercem os seus cargos de forma não remunerada. Tendo em conta as estruturas nacionais e regionais definidas estatutariamente, o número de dirigentes necessários para completar todos os cargos é superior a 80. Além dos dirigentes, o funcionamento da Associação requer também a ocupação de outros cargos, nomeadamente na coordenação de grupos de trabalho e de projetos. Entre 1995 e 2000, 0 presidente do Núcleo Regional da Quercus na Madeira foi Hélder Spínola, biólogo e um dos fundadores deste núcleo, que mais tarde, entre 2003 e 2009, foi também presidente da Direção Nacional desta Associação. A segunda Direção do Núcleo foi eleita a 27 de fevereiro de 1997, tendo Hélder Spínola sido acompanhado por uma equipa maioritariamente constituída por sócios não pertencentes ao núcleo de fundadores: Carina Martins Nunes, como Secretária, Élvio Duarte Martins de Sousa, como Tesoureiro, e Élia Maria Basílio Rodrigues, Idalina Perestrelo Luís, Joselino Humberto Henriques Silva, Maria Conceição Andrade Silva, Odília Maria Freitas Garcês e Ysabel Margarita Amaro Gonçalves, como vogais. Idalina Perestrelo Luís foi a segunda presidente da Quercus-Madeira, tendo iniciado funções a 5 de agosto de 2000, por nomeação da própria Direção do Núcleo, e sido eleita para o cargo a 28 de outubro de 2000. Desde 2000, e ao longo dos sete mandatos sucessivos para os quais foi eleita, Idalina Perestrelo Luís foi sempre acompanhada na Direção do Núcleo por Elsa Maria Freitas Araújo, como vice-Presidente. A partir de outubro de 2013, Elsa Araújo passou a ser a Presidente do Núcleo Regional da Quercus na Madeira. Desde 1995, o Núcleo Regional da Quercus na Madeira envolveu-se em inúmeras atividades com o objetivo de contribuir para a melhoria da qualidade ambiental e para uma mudança de paradigma na sociedade madeirense. À semelhança da matriz que caracteriza a ação nacional da Quercus, toda a atividade do Núcleo Regional foi marcada por duas formas principais de atuação, os projetos e a intervenção pública, em ambas abrangendo os mais diversos temas ambientais. A mudança de atitudes e comportamentos para com os valores ambientais foi um dos objetivos em que a Quercus-Madeira apostou desde início, tendo desenvolvido várias iniciativas e projetos com esse fim. Nesse âmbito, destaca-se uma parceria com a Câmara Municipal de Machico e a criação do Centro de Educação Ambiental de Machico (CEAM), cuja abertura oficial, em julho de 2000, contou com a presença do Presidente da Direção Nacional da Quercus. Ao longo dos seus 13 anos de funcionamento, o Centro de Educação Ambiental dinamizado pelo Núcleo Regional da Quercus desenvolveu largas centenas de ações de sensibilização, em particular nas escolas da Madeira, tendo abordado temáticas tão diversas como a defesa do património natural, os incêndios florestais, o ordenamento do território, a redução, reutilização e reciclagem de resíduos, a gestão sustentável dos recursos hídricos, e a eficiência energética, entre muitos outros. Além de palestras e debates, a Quercus-Madeira dinamizou, através do CEAM, atividades de reflorestação e manutenção no Parque Ecológico do Funchal, editou publicações, preparou exposições e promoveu passeios a pé. De entre os vários recursos de divulgação e educação ambiental publicados pela Quercus-Madeira é de particular realce a revista Raízes, uma publicação periódica que lançou o seu primeiro número em outubro de 2001. Ao longo de sete anos e de 34 números, a revista Raízes apresentou em capa uma grande variedade de temas, como o património malacológico do Porto Santo e dos seus ilhéus, a fauna cavernícola de Machico, a avifauna da lagoa do Lugar de Baixo, as florestas da ilha da Madeira, a qualidade ambiental das ribeiras e o problema dos incêndios florestais. Associados a estes e outros temas, muitos foram os cidadãos que deram o seu contributo voluntário na preparação de conteúdos, em particular profissionais da área da biologia, mas também juristas, professores e estudantes, entre outros. Um dos temas a que o Núcleo Regional da Quercus na Madeira tem dedicado especial atenção tem sido a gestão de resíduos, não só ao nível da educação e sensibilização ambiental, nomeadamente com o projeto Ponta de Sol Mais Brilhante em 2004 e 2005, mas também através da implementação de projetos iminentemente práticos. Exemplo disso foi a recolha de pilhas usadas, um projeto nacional da Quercus que o Núcleo Regional estendeu à Madeira logo no início de 1995, reunindo mais de 10 quilos de pilhas, as quais se juntaram, em 1998, às 11 toneladas recolhidas em todos os Núcleos da Associação para serem encaminhadas para reciclagem em França. Ainda em 1998, com a ajuda de algumas dezenas de jovens voluntários, esta estrutura regional da Quercus fez um levantamento exaustivo da quantidade e do tipo de resíduos existentes nas praias e calhaus da Madeira, tendo encontrado um litoral pejado de lixo com origem na própria ilha. A disponibilidade de bebidas em embalagens retornáveis, como forma de prevenir a produção de lixo, foi um assunto constante nas preocupações da Quercus-Madeira, que insistiu sempre na fiscalização e cumprimento da Lei. Em fevereiro de 2009, a Quercus trouxe à Madeira mais um projeto pioneiro, tendo, primeiro em parceria com o centro comercial Dolce Vita e depois com os hipermercados Continente, iniciado a recolha seletiva de rolhas de cortiça para posterior reciclagem no âmbito do projeto Green Cork, cujos lucros são utilizados para a reflorestação. Nos primeiros dois meses, o projeto Green Cork conseguiu reunir na Madeira mais de meia tonelada de rolhas de cortiça. Ainda na mesma área, uma das batalhas em que a Quercus-Madeira mais investiu foi a oposição à opção pela incineração como destino final dos resíduos sólidos urbanos produzidos no Arquipélago da Madeira. Em 1998, assim que o governo regional anunciou a intenção de construir uma central de incineração, a Quercus-Madeira promoveu uma petição para que o projeto não fosse concretizado, tendo recolhido mais de 700 assinaturas, que foram entregues na Assembleia Legislativa da Madeira. Quando, em janeiro de 1999, o Governo Regional da Madeira iniciou a discussão pública do estudo de impacte ambiental da obra de Ampliação e Remodelação da Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos da Meia Serra, o Núcleo Regional da Quercus foi a única organização que se opôs a este projeto. A 22 de Agosto de 1999, a Quercus-Madeira organizou a iniciativa Ar Puro que, junto à igreja do Rochão, na Camacha, reuniu cidadãos e representantes de partidos na sensibilização para os perigos decorrentes das emissões de uma central de incineração. A 7 de dezembro de 1999, ao início da noite, devido à queda de um muro que ameaçava ruir já há algum tempo, ocorreu uma derrocada de resíduos do aterro sanitário da Estação da Meia Serra para o interior da lagoa de arejamento dos lixiviados, provocando uma enxurrada que desceu ao longo da ribeira da Cerejeira, destruiu por completo uma habitação e danificou três viaturas no sítio do Ribeiro Serrão. O sobressalto causado por esta calamidade terá estado na origem do ataque cardíaco que vitimou, no decorrer dessa mesma noite, um residente, o senhor José Arnaldo das Neves Vieira, com 39 anos, que, ao longo desse ano, vinha colaborando abertamente com a Quercus-Madeira por uma solução diferente para a gestão dos resíduos. Este facto levou a um envolvimento maior da população da Camacha, em particular dos moradores dos sítios do Ribeiro Serrão e Rochão, que, juntando-se à Quercus, se manifestaram contra o projeto à entrada da Estação a 27 de dezembro de 1999, reunindo perto de uma centena de pessoas. A manifestação repetiu-se a 2 de janeiro de 2000, envolvendo cerca de 300 pessoas. Nesse dia, as barreiras metálicas e a Brigada de Intervenção Rápida da Polícia de Segurança Pública, liderada no local pelo próprio comandante regional da PSP, não foram suficientes para demover a população de entrar na Estação para constatar in loco a estabilidade dos resíduos depositados no aterro e o que estava a ser feito para garantir a sua segurança. Apesar destas iniciativas, o projeto foi avante e a incineradora foi inaugurada em 2004. Possuindo o Arquipélago da Madeira um património biológico extraordinariamente importante, a conservação da natureza foi outra área onde o Núcleo Regional da Quercus mais interveio. Além dos contributos que deu na divulgação do património natural insular, a Quercus-Madeira agiu inúmeras vezes na tentativa de alterar o curso de algumas ações que entendia serem lesivas à biodiversidade. Desde a sua fundação, insistiu na retirada do gado ovino, caprino e bovino que pastoreava em regime livre nas serras da Madeira e impedia a regeneração da vegetação, deixando as serras escalvadas e à mercê dos processos erosivos, pondo em causa a biodiversidade e a segurança das populações pelo risco de aluvião. Também por insistência do então Vereador do Ambiente da Câmara Municipal do Funchal, Raimundo Quintal, mentor da criação do Parque Ecológico do Funchal, onde implementou essa medida, o Governo Regional da Madeira acabou por aceitar a retirada do gado das serras, tendo dado por concluído esse processo em 2003. Outra ameaça à biodiversidade que a Quercus-Madeira sempre combateu foi o flagelo dos incêndios florestais, tendo desenvolvido o projeto Vigilância Contra Fogos Florestais em 1997 e 1998 e, nos anos seguintes, criado uma rede informal de vigilância com mais de 100 voluntários no âmbito do projeto De Olhos na Floresta. Para minimizar o problema dos incêndios florestais, esta Associação insistiu constantemente numa estratégia para a Madeira apostada na prevenção, na vigilância e numa primeira intervenção rápida e eficaz. Em 1999, em colaboração com a Câmara Municipal de Machico, a Quercus-Madeira elaborou a candidatura do projeto Recuperação da Floresta Laurissilva das Funduras ao programa LIFE Natureza, projeto que foi submetido em nome da Direção Regional de Florestas e obteve um financiamento europeu superior a meio milhão de euros. A execução do projeto teve início em janeiro de 2000 e decorreu até ao fim de 2003, tendo a Quercus-Madeira assegurado a implementação das medidas de educação ambiental que ficaram à responsabilidade da Câmara Municipal de Machico. A Quercus-Madeira também se mobilizou várias vezes para tentar evitar a concretização de alguns projetos no coração da floresta Laurissilva. Por exemplo, no início do século XXI, quando o Governo Regional avançou com a asfaltagem da estrada do Fanal, entre a Ribeira da Janela e o Paul da Serra, a Quercus, além das intervenções públicas, procurou, sem sucesso, que a UNESCO, que em 1999 reconheceu o estatuto de Património Natural Mundial à floresta Laurissilva, negasse essa pretensão. Ainda assim, a contestação à asfaltagem levou a que, a partir do Fanal e até ao Paul da Serra, a largura da estrada fosse reduzida. Já em 2008, unindo esforços com a Associação dos Amigos do Parque Ecológico do Funchal e com um conjunto alargado de cidadãos, a luta foi contra a pretensão do Governo Regional da Madeira de viabilizar a construção de um teleférico no Rabaçal, na cabeceira da ribeira da Janela, em plena floresta Laurissilva, tendo pedido a intervenção da UNESCO e da Comissão Europeia, às quais enviou uma petição com mais de 5000 assinaturas. Adicionalmente, em Março de 1999, estas duas associações de defesa do ambiente interpuseram em Tribunal uma ação judicial a pedir a nulidade da Declaração de Impacte Ambiental favorável assinada pelo Secretário Regional do Ambiente. Devido a esta forte contestação, a construção do teleférico não avançou e a Declaração de Impacte Ambiental acabou por caducar por ter sido ultrapassado o prazo da sua validade, situação que levou o Tribunal Administrativo e Judicial do Funchal, em setembro de 2011, a encerrar o processo. Ao longo do tempo, a Quercus-Madeira alertou para inúmeras situações e opções que constituíam ameaças ao ambiente: Contestou as ações de abate ao Pombo Trocaz (Columba trocaz), espécie protegida e exclusiva da Madeira, , iniciadas pelo Governo Regional em 2004; opôs-se, a partir de 2002, à construção de um Radar Militar no Pico do Areeiro, em Sítio da Rede Natura 2000, junto ao único local no mundo onde nidifica a Freira da Madeira (Pterodroma madeira), uma ave marinha fortemente ameaçada; alertou insistentemente para as consequências negativas sobre os ecossistemas marinhos costeiros decorrentes dos despejos de terras provenientes de obras públicas e privadas; colocou na ordem do dia os perigos para a saúde pública decorrentes da inalação de fibras de amianto, presentes em materiais utilizados na construção de inúmeros edifícios no Arquipélago da Madeira; insistiu na necessidade de melhorar os transportes públicos de modo a garantir uma alternativa válida ao transporte individual e reduzir a poluição dentro da cidade do Funchal; defendeu uma maior aposta na eficiência energética e nas energias renováveis; pressionou inúmeras vezes para o cumprimento da Lei no que diz respeito à realização de análises e divulgação dos resultados relativos à água para consumo humano; insistiu na necessidade de serem adotados e respeitados os instrumentos de ordenamento do território previstos na legislação portuguesa, em particular os Planos Diretores Municipais, os Planos de Ordenamento da Orla Costeira e a Reserva Ecológica Nacional; cooperou com a organização internacional Save the Waves na contestação contra a destruição das ondas para a prática de surf no Jardim do Mar; cooperou com a Sociedade de Desenvolvimento Ponta Oeste numa solução para a preservação da Lagoa do Lugar de Baixo na Ponta do Sol; e, entre muitas outras iniciativas, tentou impedir o avanço de projetos turístico-imobiliários sobre o litoral.   Hélder Spínola (atualizado a 11.10.2016)

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