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conselho do distrito

O Conselho do Distrito foi o mais importante órgão do governo da Ilha no Liberalismo, funcionando sob a presidência do governador civil. Dadas as constantes alterações políticas deste século, saindo o governador da Ilha, um dos seus membros ocupou esse lugar como governador interino. A primeira forma deste conselho foi o de Concelho da Prefeitura, criado pelo decreto de 6 de maio de 1832, passando, com o código administrativo de 31 de dezembro de 1836, a Conselho do Distrito. Era presidido pelo governo do distrito e composto por quatro vogais, o secretário-geral do distrito e três procuradores da Ilha, eleitos pela Junta Geral. Foi extinto pelo código administrativo de 17 de julho de 1886, que privilegiou as funções da Junta Geral. Palavras-chave: Administração-Geral; Governo Civil; Junta Geral; partidos políticos; Prefeitura; Liberalismo O Conselho do Distrito foi o mais importante órgão do governo da Ilha no Liberalismo, funcionando sob a presidência do governador civil. (Governo civil) Dadas as constantes alterações políticas deste século, saindo o governador da Ilha, foi um dos seus membros a ocupar esse lugar, como governador interino. A primeira forma deste conselho foi a de Conselho da Prefeitura, pois que a designação de governador civil fora, inicialmente, a de prefeito, tendo sido criado pelo decreto de 6 de maio de 1832; mas não há informação de ter sido montado com o prefeito e coronel de engenharia Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque (1792-1847). O código administrativo de Passos Manuel, do ministro Manuel da Silva Passos (1801-1862), de 31 de dezembro de 1836, criou o Conselho de Distrito, fazendo desaparecer o anterior Conselho da Prefeitura. Este Conselho, também designado por Junta de Governo do Distrito, era composto por quatro vogais, três dos quais procuradores da Ilha, eleitos pela Junta Geral (Junta Geral), sendo presidido pelo governador civil e secretariado pelo secretário-geral do distrito; este assumia, inicialmente, a função de governador interino na ausência do efetivo, função que foi desempenhada, ao longo da segunda metade do século, pelo vogal mais antigo, principalmente quando os chefes dos partidos políticos locais começaram a conhecer uma certa importância e representatividade. A Junta de Governo do Distrito ou Conselho do Distrito reuniu, pela primeira vez, ainda no palácio de S. Pedro, do conde de Carvalhal (1778-1837), a 18 de janeiro de 1836. Os seus primeiros membros foram, assim, Carvalhal, na presidência, e, na capacidade de vogal, João Agostinho Jervis de Atouguia, secretário-geral do distrito, Filipe Joaquim Acciauoli e Domingos Olavo Correia de Azevedo (1799-1855). O secretário foi, então, João Nepomuceno de Oliveira (1783-1846), oficial maior da secretaria do governo civil. Em maio, na primeira reunião em que participou o administrador-geral  António Gambôa e Liz (1778-1870), depois barão de Arruda (Liz, António Gamboa de), estiveram presentes Filipe Acciauoli, Olavo Correia de Azevedo, José Joaquim de Freitas e Abreu e Jervis de Atouguia, que aqui já aparece como secretário desse conselho. Com a institucionalização da Junta Geral, seriam eleitos três membros efetivos, que na reunião de 29 de julho desse ano foram Jerónimo Pinheiro, António Joaquim Jardim e Aires de Ornelas e Vasconcelos (1779-1852), tendo sido eleitos, como substitutos, Manuel Joaquim Moniz e Valentim de Freitas Leal. Nos meados do século, os vogais do conselho venciam de gratificação anual 240$000 réis, pagos pelo cofre do distrito. O Conselho do Distrito passou a funcionar no Palácio de S. Lourenço, onde ocupava duas salas. Alguns governadores, como José Silvestre Ribeiro (1807-1891), apoiaram-se neste Conselho, entre outras ações, e.g., na tentativa de levar avante a construção de um teatro no Funchal; o mesmo fez o governador D. João Frederico da Câmara Leme (1821-1878) (Leme, D. João Frederico da Câmara), quando o vogal mais antigo era o visconde de S. João, Diogo Berenguer de França Neto (1812-1875). No entanto, a partir do momento em que neste Conselho passaram a ter assento os principais líderes partidários, o mesmo funcionou como palco de disputa de poder, como ocorreu, especialmente, com o visconde do Canavial (1829-1902). Tal levou, inclusivamente à nomeação, pelo Governo de Lisboa, de governadores civis substitutos e, mais tarde, com o aumento das competências da Junta Geral, à extinção deste Conselho, pelo código administrativo de 17 de julho de 1886.   Rui Carita (atualizado a 28.02.2017)

Direito e Política História Política e Institucional

beatriz, dona

A duquesa D. Beatriz exerceu ao longo da sua vida uma intensa atividade política, por vezes pouco avaliada, intervindo na direção da Ordem de Cristo, de que foi por largo tempo administradora, muito provavelmente ainda no tempo do infante D. Fernando e, decididamente, após o falecimento do mesmo, em 1470. Posteriormente, como tia da Rainha de Castela, Isabel, a Católica (1451-1504), e como sogra do Rei D. João II (1455-1495), desempenhou um papel determinante na aproximação das coroas de Portugal, Castela e Aragão, mas, na sequência dos acontecimentos, viria a perder o genro e, depois, o filho mais velho. O projeto acordado com a sobrinha, no entanto, manter-se-ia e, com uma determinação notável e, por certo, com o apoio da filha, a Rainha D. Leonor (1458-1525), colocaria depois no trono de Portugal o filho mais novo D. Manuel (1469-1521) (D. Manuel, Rei). D. Beatriz era filha do infante D. João (1400-1442), mestre da Ordem de Santiago e 3.º condestável de Portugal, e de sua meia sobrinha D. Isabel de Barcelos (1402-1465), tendo nascido provavelmente em Barcelos ou em Alcácer do Sal, por volta de 1420. Educada entre a administração da Ordem de Santiago e a casa de Barcelos, D. Beatriz veio a casar-se, em 1447, com seu primo D. Fernando (1433-1470), duque de Viseu (Fernando, D., infante) e filho do Rei D. Duarte (1391-1438), tendo o casal tido nove filhos, dos quais somente cinco chegaram à idade adulta: D. João de Viseu (1448-1472), falecido sem descendência; D. Diogo de Viseu (1451-1484), depois assassinado por seu primo e cunhado D. João II, em 1484, dado que, no mínimo, mantinha contactos com a corte de Castela e Aragão; a Rainha D. Leonor, mulher de D. João II; D. Isabel de Viseu (1459-1521), depois duquesa de Bragança, tendo o marido, entretanto, sido sentenciado em Évora, a 21 de junho de 1483; e o Rei D. Manuel. O irmão mais velho de D. Beatriz, D. Diogo (1425-1443), faleceu prematuramente e a irmã D. Isabel (1428-1496) casou-se com João II de Castela (1405-1454), sendo mãe de Isabel, a Católica. Não se encontra especialmente estudada a influência do infante D. João dentro da dinastia de Avis, apagada pela quase omnipotência e presença de seu irmão D. Henrique (1394-1460), a quem quase sempre se opôs e por quem, também quase sempre, foi derrotado. Foi Mestre da Ordem de Santiago e 3.º condestável do reino, sucedendo a D. Nuno Álvares Pereira (1360-1431), e, quando lhe foi pedido, por seu irmão D. Duarte, o parecer sobre as guerras do Norte de África, votou contra a infeliz empresa de Tânger, com sólidas razões de prudência, e perdeu. Consumado o desastre e reunidas as cortes de Leiria, para tratar do resgate do infante D. Fernando (1402-1443), votou pelo seu resgate a qualquer preço, mesmo à custa da entrega da praça de Ceuta e foi igualmente vencido, não conseguindo salvar o irmão. Não espanta assim que, nas questões da menoridade de D. Afonso V (1432-1481), tomasse o partido do infante D. Pedro (1392-1449), o que não deve ter deixado de, uma vez mais, reacender as suas desinteligências com D. Henrique. Tomando em consideração as possessões da Ordem de Santiago, maioritariamente na orla costeira, perante as da Ordem de Cristo, essencialmente interiores e rurais, ressalta de imediato uma maior vocação de Santiago para a futura expansão; no entanto, D. Henrique iria desmentir essa hipotética vocação. Mais tarde, foi a filha do infante D. João, a duquesa D. Beatriz, que concretizou com vontade férrea a vocação expansionista marítima da Ordem de Cristo na época de D. Afonso V, o qual se encontrava muito mais virado para a ocupação do Norte de África, e, depois, do próprio país, colocando à sua frente o filho, o futuro Rei D. Manuel. A infanta D. Beatriz, título que logo usou após a morte do marido, teve a tutoria oficial dos filhos por delegação e mercê de D. Afonso V, em carta datada de Lisboa, de 10 de outubro de 1470. O papa Sisto IV (1414-1484) outorgou-lhe essa tutoria oficialmente, e a governação da Ordem de Cristo pelo breve Super caríssimo, de 19 de junho de 1475, que dirigiu à duquesa. O Rei comunicou para a Madeira, de Alenquer, a 16 de outubro de 1470, que como fizera mercê da “Ilha de juro e herdade” ao irmão, com o seu falecimento, “a infanta, minha muito prezada irmã”, iria mandar tomar posse da Ilha através de Gonçalo Godinho, “seu cavaleiro”, em nome de D. João, seu filho, “duque de Viseu e de Beja, senhor da Covilhã e de Moura, meu muito amado sobrinho” (ABM, Câmara Municipal do Funchal, RG, t. 1, fl. 3). A 18 de outubro seguinte, também a infanta, em carta enviada de Setúbal, dava conhecimento do envio de Gonçalo Godinho para a tomada de posse, para tal munido de um seu regimento. A administração da infanta e duquesa cedo se fez sentir. A 27 de junho de 1471, pretendendo a Câmara do Funchal eleger novos vereadores, solicitou a opinião de D. Beatriz sobre a constituição das futuras listas e quais “os que se lançavam fora da Câmara e dos que são escusos por alvarás” (COSTA, 1995, 19). A situação conheceu alguma crispação no Funchal ao longo de dezembro, com o pedido de pareceres a alguns dos notáveis locais, como os genros de Zarco (c. 1390-1471), recentemente falecido, Martim Mendes de Vasconcelos e Diogo Afonso de Aguiar, mas também a Diogo de Teive, Mendo Afonso, João Afonso Mealheiro, João Gomes, o Trovador e, inclusivamente, ao 2.º filho de Zarco, Rui Gonçalves da Câmara (1430-1497), depois capitão da ilha de S. Miguel, nos Açores. A 1 de novembro, entretanto, já tinha ordenado D. Beatriz, através de carta trazida depois de Lisboa por Álvaro Eanes, escudeiro do duque D. Diogo, que todos os chamados homens bons servissem nos pelouros de oficiais dos concelhos, anulando quaisquer alvarás anteriores que eventualmente possuíssem. Do encargo, apenas se escusava o contador Diogo Afonso. A carta da infanta foi presente à vereação realizada a 31 de janeiro do ano seguinte de 1472, à qual, para além do capitão João Gonçalves da Câmara (1414-1501) (Câmara, João Gonçalves da), assistiram seus irmãos, os fidalgos Rodrigo Gonçalves e Garcia Rodrigues, bem como Diogo de Teive, Rodrigo Lopes, Pero Lourenço, Mendo Afonso, Pero Álvares, escudeiros, Gonçalo Anes, escrivão, João Preto, escrivão, Afonso Lopes, tabelião, João do Porto, sapateiro, Antão Gonçalves, João do Porto, barbeiro, Pero Gonçalves, Gonçalo Jara, João de Sintra, sapateiros, e muitos outros, levantando-se vários protestos, dado cancelarem-se privilégios considerados adquiridos. A voz do escudeiro Rui Lopes, que detinha um alvará emitido pelo infante D. Fernando e confirmado pela duquesa, conforme referiu, expressava a indignação sentida pelos atingidos, como Mendo Afonso, que invocou também possuir um alvará emitido pelo infante D. Henrique, confirmado posteriormente pelos infantes D. Fernando e D. Beatriz. Rui Lopes acusou então Álvaro Eanes, embora citando-o como seu amigo, de não ter defendido os seus interesses, como era seu dever, trazendo para a ilha uma decisão contida numa “carta de mulher” (Id., Ibid., 29). Na vereação de 3 de fevereiro o assunto voltaria à discussão, e Rui Lopes, fora de si, esgrimiu ainda outras razões, essas pessoais, pois que vindo a ser eleito para qualquer dos lugares camarários, como obrigado, “nunca havia de servir bem em nenhuma cousa” (Id., Ibid., 31). Acrescente-se que, em vida de D. Fernando, o concelho já se havia queixado relativamente aos pedidos de escusa, tendo o infante respondido nos seus apontamentos de 7 de novembro de 1466 que “os alvarás que tenho dado são tão poucos que os não entendo brigar em nenhuma maneira” (MELO, 1972, 36-37). Tinha faltado assim alguma coragem ao infante, em 1466, que sobrou à sua viúva, em 1471. O conflito acabou por ser dirimido, em consonância com as disposições da duquesa, e, em sessão realizada a 5 de fevereiro, a convocatória seguinte a todos os homens bons do Funchal já previa uma multa de 5$000 reais a quem se não apresentasse. Os recalcitrantes haviam sido derrotados pela sombra da duquesa. Pouco depois, em finais desse mês de janeiro, tendo conhecimento de que o bispo de Tânger, D. Nuno de Aguiar, em princípio natural da Madeira, tentava integrar a Ilha na sua diocese e, inclusivamente, visitar canonicamente a mesma, a infanta, em coordenação com o vigário de Tomar, sede da Ordem Cristo, opôs-se terminantemente. Esse monge cisterciense acompanhara D. Afonso V às jornadas de África, tendo estado presente nas tomadas de Arzila e Tânger, vindo assim a ser apresentado como bispo dessa nova diocese em 1468. Não havendo limites perfeitamente definidos, o novo bispo tentou englobar na sua diocese a população das ilhas atlânticas portuguesas, assunto que, de imediato, requereu para Roma, sendo atendido pelo Papa Paulo II (1417-1471), por breve de 28 de fevereiro de 1468. A posição de D. Nuno de Aguiar era de certa forma lógica, quer pela posição geográfica da nova Diocese, quer pelo povoamento dos arquipélagos atlânticos, feito na sequência da conquista de Ceuta. Por outro lado, havia ainda que considerar o papel das ilhas em relação a todo o Norte de África, verdadeiro teatro de operações, especialmente da Madeira, onde quase todos os mancebos, principalmente nobres, iam cumprir, passe a expressão, o serviço militar. Assim, existindo já a Diocese de Ceuta correspondente ao território marroquino mediterrâneo, ao criar-se uma nova diocese portuguesa para o território atlântico, a mesma deveria logicamente englobar as novas ilhas aí povoadas pelos portugueses. A petição do bispo de Tânger era, no entanto, entendida pela Ordem de Cristo como invalidada pelas doações conseguidas pelo infante D. Henrique (Organização eclesiástica), não se tendo tomado, de imediato, quaisquer providências de que se saiba. Mas a situação viria a alterar-se em 1472, quando o bispo resolveu visitar a Madeira. Assim, a infanta D. Beatriz, como tutora de seu filho D. João e, portanto, como administradora da Ordem de Cristo, opôs-se à visita do prelado que se intitulava “bispo das ilhas”, enviando carta aos capitães “e a todos os juízes e justiças oficiais”, ordenando “que não deixem entrar em esta ilha nenhum bispo”, “nem alguma outra pessoa” por sua licença ou representação (Id., Ibid., 58-60). Esta ordem tem a data de 21 de janeiro de 1472 e acompanhava uma outra do vigário de Tomar, o “Dom Prior e Comendador mor de Requerimento”, então frei Pedro Vaz, em que recomendava “que não usurpe ninguém a Jurisdição Espiritual destas ilhas”, carta enviada também à Câmara Municipal do Funchal, tendo estado ambas presentes na vereação de 2 de junho desse ano. A carta em nome do prior de Tomar exorta mesmo a população a que não se agaste, pois “cedo, com o favor divino, esperava el-Rei, nosso Senhor, criar bispo da mesma Ordem na ilha” (Id., Ibid.). No final desse ano, falecendo o duque D. João, envia a infanta à Ilha o seu contador Diogo Afonso para tomar posse da mesma em nome do novo duque D. Diogo. A partir de então, a administração da Ilha seria acompanhada com a presença de um contador, Luís de Atouguia, que se manteria depois, inclusivamente com o duque D. Manuel. A infanta interfere, entretanto, nos mais diversos campos, quando, por exemplo, os moradores acusavam os estrangeiros vindos do continente de prejudicar o comércio, solicitando a sua expulsão: uma posição que encontrara eco durante a gestão de D. Fernando. Não foi essa a posição da duquesa, que entendeu que a economia da Ilha se iria ressentir e assim o fez saber, através de carta datada de Beja, a 15 de março de 1473, recomendando “alguma temperança, que seja para bem da terra e a eles de não tanto agravo”. Face à situação, informa ainda que iria enviar o contador Luís de Atouguia, que fora guarda-roupa do infante, para superintender ao assunto, o que haveria de fazer dois meses depois, com “carta de crença” de 23 de maio e como contador do duque seu filho na ilha da Madeira (Id., Ibid., 67-69). Os anos seguintes foram de guerra com Castela, cujas armadas chegam a assediar a Madeira, para o que as gentes da Ilha se apressaram a apoiar as armadas montadas por D. Afonso V, esforço que o Rei agradece a 7 de agosto de 1473. Nessa sequência, viriam os moradores a solicitar a D. Beatriz a construção de uma fortaleza, uma pretensão a que a duquesa, em carta datada de Bragança, de 20 de fevereiro de 1476, se escusa por ir onerar a sua Fazenda, ao momento sobrecarregada com outras despesas (Defesa). A altura não podia ser pior, pois o infante D. João de Portugal casara-se, em 1471, com D. Leonor, filha da infanta, e tivera um filho em 1475, como a jovem princesa comunicou à ilha da Madeira. O Rei D. Afonso V, entretanto, entregara a regência ao futuro D. João II e invadira Castela para defender as pretensões ao trono de sua sobrinha D. Joana (1462-1530), a Beltraneja, e, em janeiro de 1476, o futuro D. João II entregara, por sua vez, a regência à jovem mulher e invadira igualmente Castela em apoio do pai, ocorrendo a desastrosa batalha de Toro a 2 de março desse ano. Por essa razão se encontrava a infanta D. Beatriz, mãe da Rainha regente, com a mesma em Bragança, pelo que a situação era muito delicada para decidir assuntos sobre obras de fortificação na Madeira. A dimensão política da infanta D. Beatriz à época é revelada na sua presença no conselho régio, reunido no Porto, em agosto desse ano de 1476, nas vésperas da partida de D. Afonso V para França, em busca do auxílio de Luís XI (1423-1483), tentando reverter o desastre de Toro, sendo a única figura feminina presente. Era a primeira guerra luso-castelhana depois do início dos Descobrimentos e logo as novas áreas sob a influência portuguesa foram envolvidas no conflito. A Rainha Isabel de Castela pretendia retomar a política de seu pai, o Rei João II (1406-1454), que sempre se opusera ao avanço das caravelas portuguesas ao longo da costa da Guiné, ao contrário de seu irmão Henrique IV (1454-1474), que nunca se interessara especialmente pelo assunto. Por isso, várias armadas castelhanas foram enviadas à Guiné, na tentativa de controlar a região da Mina. Os navios castelhanos atacaram pelo menos as ilhas de Porto Santo e de Santiago, em Cabo Verde (Cabo Verde). O interesse de Isabel pelo Atlântico colocava em causa os domínios da Ordem de Cristo, pelo que, no campo das moedas de troca, quando a diplomacia fosse chamada a sarar as feridas da guerra, teria na administradora daquela Ordem uma das primeiras interessadas. A guerra luso-castelhana foi decisiva para a recomposição do mapa político peninsular, unindo as coroas de Castela e de Aragão, pois Isabel, a Católica, era casada com Fernando de Aragão (1452-1516); quando o conflito caiu num impasse, com a abdicação de D. Afonso V, em 1477, embora só efetiva alguns anos depois e sendo o governo partilhado com o futuro D. João II, foi D. Beatriz quem representou Portugal no encontro que veio a decidir os termos da paz entre os reinos ibéricos. A Rainha Isabel de Castela era filha da homónima D. Isabel, irmã de D. Beatriz, o que as colocou numa posição de maior proximidade pessoal para tentarem resolver o conflito. Em meados de março de 1479, D. Beatriz, seguida por um pequeníssimo séquito, cruzou a fronteira luso-castelhana em Segura e dirigiu-se para Alcântara, onde era esperada pela sobrinha, em situação idêntica, numa povoação próxima da fronteira portuguesa, sem ter um exército a protegê-la. As conversações duraram cerca de uma semana e no final conseguiu-se um acordo, que é conhecido nos seus termos gerais: Portugal reconhecia a realeza de Isabel e comprometia-se a impedir que Joana, a Beltraneja, continuasse a ser pretendente ao trono castelhano; Castela ficava com o direito de conquistar o arquipélago das Canárias, mas reconhecia o direito de Portugal sobre os arquipélagos dos Açores, da Madeira e de Cabo Verde, tal como sobre a costa da Guiné a partir do paralelo das Canárias. O tratado viria a ser depois assinado em Alcáçovas, a 4 de setembro de 1479, por D. Afonso V e pelo príncipe D. João II, confirmado por Isabel, a Católica, em Trujillo, a 27 do referido mês, e ratificado em Toledo, por Fernando e Isabel, a 6 de março de 1480. Depois, foi D. Beatriz quem reuniu em Moura, nas célebres Terçarias, D. Joana – a Excelente Senhora em Portugal, mas a Beltraneja em Castela – e os infantes de Portugal e de Castela: o seu neto D. Afonso (1475-1491) e a sua sobrinha-neta D. Isabel (1470-1498), confiados à sua guarda e educação. Os infantes eram assim os reféns que ambos os reinos entregavam como penhores da paz; D. Beatriz entregava igualmente um dos seus filhos, alternadamente D. Diogo e D. Manuel, que também permaneceram como reféns em Castela. Em agosto de 1481, era inclusivamente comunicado para a Madeira, em carta expedida de Moura, que algumas questões então levadas pelo procurador Duarte Pestana, dado o duque D. Diogo e também a infanta estarem de partida para Castela, teriam de ser adiadas. A administração da Ordem de Cristo havia-se consolidado decididamente no quadro do Atlântico, reformulando mesmo a inicial divisão das capitanias no arquipélago dos Açores. Durante o governo das ilhas por D. Fernando (1461-1470), a atenção da administração da Ordem de Cristo concentrara-se sobretudo no desenvolvimento económico da ilha da Madeira e no início do povoamento da ilha de Santiago, no arquipélago de Cabo Verde. D. Beatriz distinguiu-se pela atenção especial que prestou às ilhas dos Açores, tendo promovido a troca do capitão de S. Miguel, que passou a ser Rui Gonçalves da Câmara, 2.º filho de Zarco, que adquiriu a capitania, iniciando uma dinâmica totalmente diferente e tendo dividido a ilha Terceira em duas capitanias. O impulso que veio a imprimir à Madeira também foi notório, pressionando ao cumprimento da justiça, para o que estabeleceu prazos e coimas dos testamentos e resíduos e, muito especialmente, a instituição de postos alfandegários (Alfândega), a fim de as mercadorias carregadas e descarregadas poderem ser realmente avaliadas, controlando todo o movimento dos navios, e para que se pudessem conhecer e arrecadar os respetivos direitos, sedeando-se um posto no Funchal e outro na capitania de Machico. Deve-se também à administração de D. Beatriz a determinação de 25 de junho de 1481, indicando que os procuradores dos mesteres fossem recebidos na Câmara quando fossem requerer, devendo ser “acatados com honra”, tendo-se acrescentado à margem, no registo camarário, que até então “os mesteres não vinham às vereações e requeriam de fora” (Id., Ibid., 114). Dois anos depois, a 21 de dezembro de 1483, seria o duque D. Diogo a determinar a instituição no Funchal da casa dos 24 mesteres “para requererem pelo povo miúdo” (Id., Ibid., 134-135). Um dos principais problemas destes anos, no entanto, foi o pedido de 1.200.000 réis feito à Madeira por D. Afonso V a 17 de agosto de 1478, para as despesas de guerra com Castela, que colocou em polvorosa os moradores. No ano seguinte, a 25 de julho, será o príncipe D. João a insistir na contribuição, então designada como peita e já só de 1.000.000, com o pormenor de a carta se encontrar registada como do “Rei D. João”, embora no texto se referira sempre “a mim e meu filho”, ou seja, D. Afonso V e o futuro D. João II. Os moradores ainda tentaram junto da infanta, que tratam por “Muito alta e muito excelente princesa e muito virtuosa senhora”, escusar-se ao pagamento (Id., Ibid., 96-98); depois foram mesmo procuradores ao reino, a infanta tentou aliviar a contribuição, mas uma grande parte acabou por ser paga. D. Beatriz assistiu depois à execução de seu genro, o duque de Bragança, em 1483, e ao assassinato de seu filho D. Diogo, a 27 de agosto de 1484, que D. João II comunicou à Madeira logo a 28 se agosto, enviando Gil Eanes, cavaleiro, especialmente para explicar o que se passara. A 13 de setembro, já era o duque D. Manuel a assumir a administração do ducado de Beja e Viseu, escrevendo de Setúbal para a Ilha, para que lhe enviassem os assuntos que estivessem pendentes da vigência de sua mãe e do falecido, embora só a 26 de novembro D. João II comunique que “outorgara ao duque, meu muito amado e presado primo”, o que pertencera ao seu falecido irmão (Id., Ibid., 140-141) e só a 10 de janeiro seguinte, de Montemor-o-Novo, escreva a comunicar ter feito mercê das ilhas ao duque de Beja, “meu muito presado e amado primo, o qual temos por filho” (Id., Ibid., 144-145). A partir de então parece ter sido discreta a ação de D. Beatriz, mas apoiando por certo o seu último filho, D. Manuel, na governação. Quando seu neto, o príncipe D. Afonso, morreu de acidente em Santarém, em 1491, D. Beatriz congregou as forças da sua casa com o apoio da filha, D. Leonor, para defender os direitos de D. Manuel à sucessão de D. João II. Viveu os últimos anos da sua vida em regra retirada em Beja, embora saibamos que, por exemplo, no Natal de 1500 estava em Lisboa, tendo participado nos festejos organizados por D. Manuel I, o mesmo acontecendo em 1502. A 6 de junho desse ano, na alcáçova real de São Jorge, em Lisboa, nasceu o príncipe D. João (1502-1557), futuro D. João III, que teve depois como padrinho o doge de Veneza, o célebre Leonardo Loredan (1436-1521), representado pelo seu embaixador em Lisboa e, como madrinhas, sua tia D. Leonor, viúva de D. João II, e sua avó D. Beatriz, duquesa de Beja. Segundo a tradição, teriam sido as rainhas velhas a encomendar o depois célebre Auto da Visitação ou Monólogo do Vaqueiro, da autoria de Gil Vicente, que foi representado pelo próprio, a 7 de junho, uma terça-feira, na câmara da Rainha D. Maria, espetáculo a que assistiu o Rei, as madrinhas e a duquesa viúva D. Leonor de Bragança, para além de outros elementos da corte. D. Beatriz veio a falecer no seu convento de Beja, a 30 de setembro de 1506, onde, já sob sua tutela, se haviam formado 10 anos antes as primeiras freiras que, idas da ilha da Madeira, regressariam depois ao Funchal para fundar o convento de Santa Clara (Convento de Santa Clara).     Rui Carita (atualizado a 22.02.2017)  

História Política e Institucional

sousa, eurico fernando fernandes correia de

(1933-2015) Arquiteto, professor, poeta, Eurico de Sousa revelou interesse por todos os assuntos relacionados com a literatura e a arte, o cinema, a biologia (ecologia) e a etnologia. Desde cedo, a escrita e o desenho tornaram-se o veículo expressivo da sua preferência, tendo realizado diversos trabalhos nestas áreas, alguns deles apresentados em jornais, revistas literárias e na rádio. Depois da preparação básica e secundária, iniciou-se em Coimbra no curso de Medicina, ideia que rapidamente pôs de parte, por não se adaptar física e psicologicamente às condições que lhe eram exigidas. A propensão natural para seguir as artes levou-o a hesitar na escolha entre o curso de Pintura e o de Arquitetura. Decidiu-se finalmente pela arquitetura e partiu para o Porto, onde se matriculou na Escola de Belas-Artes, terminando o curso em Lisboa (ESBAL). Aqui frequentou o Café Gelo, centro de encontro de intelectuais da época, cuja convivência marcou de modo particular o seu percurso literário. Viajou pela Europa, Brasil e América Latina. Publicou dois livros de poesia e integrou algumas coletâneas. Nos últimos anos de vida, a fragilidade da sua saúde acentuou-se, o que o impediu de concretizar mais alguns projetos de publicação do seu espólio poético. Palavras-chave: Poesia; História da Arte; Biologia; Desenho; Arquitetura.   Fig. 1 – Eurico Fernando Fernandes Correia de Sousa (arquivo particular). Eurico de Sousa nasceu no Funchal a 17 de maio de 1933, na R. da Levada dos Barreiros, n.º 32, casa paterna. Filho de Fernando de Sousa e de Alice Fernandes Correia de Sousa, ainda criança foi residir com os pais numa casa herdada pela mãe no Sítio do Papagaio Verde (S. Martinho), onde frequentou por curto espaço de tempo a escola mais próxima, situada no Areeiro. Mais tarde, o pai matricula-o no Colégio Nuno Álvares e aqui completa a instrução primária, com a Prof.ª Isabel Marina da Encarnação, que o considerava e distinguia pelo seu excelente aproveitamento. Permaneceu neste Colégio durante o tempo de terminar o Curso Geral (antigo 5.º ano), donde transitou para o Liceu de Jaime Moniz. Começou então a afirmar-se pelas suas nítidas tendências nas áreas do desenho e da pintura e era, por isso, solicitado para trabalhos extracurriculares, realizando cenários para récitas e colaborando assiduamente na revista escolar Presente, de que foi nomeado diretor. Nesta data, escreve um poema de carácter neorrealista onde avulta o interesse pelos problemas sociais dos habitantes da vila piscatória de Câmara de Lobos. De tal modo o absorviam essas tarefas, que se alheava do estudo obrigatório, pelo que achou por bem partir para Coimbra, em 1952, onde terminou duas cadeiras do 7.º ano (11.º atual). Dentre as disciplinas do currículo liceal, a Biologia atraía-o particularmente e proporcionava-lhe uma boa opção para a escolha dum curso. Apoiado pela decisão dum colega que se matriculara em Medicina, Eurico de Sousa tentou a experiência. Mas a sua fraca capacidade de resistência perante a degradação humana, nos processos de autópsia, e o ambiente frio e húmido desta região do país não lhe permitiram prosseguir na carreira. Ruma então ao Porto, em 1954, e é admitido na Escola Superior de Belas Artes. Os estudos iniciais eram comuns às várias disciplinas artísticas, e Eurico de Sousa hesitou entre Arquitetura e Pintura. Prevaleceu a Arquitetura e foi este um período promissor em que se revelou, com boas classificações. Trabalhos seus foram apresentados na Exposição Magna da Escola, o que, para um aluno principiante, constituiu um desejado estímulo. Segue-se uma interrupção em que cumpriu o serviço militar. Nesta época, 1956, de regresso à Madeira para um período de férias, conhece Herberto Helder e António Aragão. Escreve muito e colabora na revista literária Búzio, criada por António Aragão, e, a conselho de Edmundo Bettencourt, publica em Lisboa, nos cadernos Folhas de Poesia, dirigidos por António Salvado, cujo primeiro número veio a público em 1957. Esta publicação contava com um núcleo prestigiado de colaboradores, entre os quais, além do seu diretor e de Edmundo Bettencourt, também António Maria Lisboa, Fernando Echevarría, Carlos de Oliveira, Jorge de Sena, João Rui de Sousa, José Carlos González, Helder Macedo, David Mourão-Ferreira, Herberto Helder e René Bertholo e Lourdes Castro na parte ilustrativa. Mais nomes se juntavam a esta plêiade, sendo que, segundo afirmam alguns investigadores, o estudo das Folhas de Poesia continua por fazer. Eurico de Sousa inicia nesta época (fins dos anos 50) uma interessante correspondência com Herberto Helder, que, a ser divulgada, constituirá um documento importante para a história da Madeira. Ao voltar ao Porto, vai frequentes vezes a Lisboa encontrar-se com este poeta, a quem dedica grande consideração e amizade, reconhecido também pelo acolhimento aos seus poemas – no extrato duma carta de Herberto Helder, lê-se “[…] saudando com entusiasmada surpresa a qualidade dos teus poemas”. É nesta fase que frequenta o café Gelo e conhece Mário Cesariny, Luiz Pacheco e outros surrealistas. Anuncia depois a desistência do curso e fixa-se na capital. No convívio com as ideias vanguardistas e certo cariz anárquico praticado pelos frequentadores do Café Gelo, que influenciaram a sua escrita e o estilo de vida, Eurico de Sousa foi desbaratando a mesada, alojado em quartos sórdidos e sobrevivendo mal, até que seu pai, ao emigrar para Caracas, resolveu criar-lhe a oportunidade de continuar ali os estudos. Eurico de Sousa começara a manifestar predisposição para estados depressivos, chegando a recusar oportunidades de colaboração em atividades que o valorizavam profissionalmente. Fig. 2 – Eurico Fernando Fernandes Correia de Sousa, Leblon, Rio de Janeiro (arquivo particular). Na Venezuela, devido à constante agitação, por vezes violenta, que se vivia nos meios académicos e à falta de intercâmbio cultural entre aquele país e Portugal, tornou-se impossível ali permanecer. Em 1960, outra tentativa de recuperação do curso, agora no Brasil, na cidade de São Paulo, onde tinha familiares. Ao procurar a faculdade que lhe permitisse concretizar esse objetivo, julgou tê-la encontrado no Rio de Janeiro, para onde parte. Novo desaire: a Faculdade de Arquitetura fora retirada para a ilha do Governador, e tão longo percurso era impraticável. Por aqui se manteve durante cinco anos. A última opção foi voltar ao Porto, onde realizou as cadeiras que lhe faltavam. Porém, era mais fácil economicamente fixar-se em Lisboa, onde, mais uma vez, hospedado em habitações insalubres, adoece, com um problema renal, que lhe exige uma cirurgia de urgência. Depois de ter ultrapassado toda esta atribulação, termina o curso de Arquitetura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Foi professor numa escola secundária em Santarém e em Tomar entre 1972 e 1974 e desejou voltar à Ilha. Entre julho de 1974 e outubro de 1981, trabalha no Gabinete de Urbanização da Câmara Municipal do Funchal, função que acumula com a de professor na Escola Industrial e Comercial desta cidade e no Instituto de Artes Plásticas da Madeira. Neste ano, tenta o estágio profissional para professor. É depois destacado para a biblioteca da Escola Secundária Ângelo Augusto da Silva e ali faz trabalhos de investigação literária de apoio ao currículo da disciplina de Português. Simultaneamente, apresenta na Radiodifusão local (atual Antena 1) um programa sobre temáticas literárias, interessando-se especialmente pela obra de Herberto Helder e Saint-John Perse e pelas propostas modernistas da Bauhaus. Publica, em 1980, o livro de poesia A Festa Sendo em Agosto (Ed. Eco do Funchal), com desenhos da pintora Alice Sousa, sua irmã, e prefácio de António Aragão, um volume espesso que contém quase toda a sua obra e que obteve boas referências de Eduardo Prado Coelho, Assis Pacheco, António Aragão e Herberto Helder. Em 1995, a Direção Regional dos Assuntos Culturais patrocina o seu segundo livro, intitulado Disgrafia Florestal, com desenhos da sua autoria. Integrou as coletâneas de poesia Ilha 4 (organizada por José António Gonçalves e editada em 1994 pela Câmara Municipal do Funchal), Ilha 5 (com organização de Marco Gonçalves e edição da Empresa Municipal Funchal 500 Anos, 2008), O Natal na Voz dos Poetas Madeirenses (com organização de José António Gonçalves, editada em 1989 pela Secretaria Regional do Turismo, Cultura e Emigração), Poet’Arte 90: Poesia Madeirense (publicada pela Associação de Escritores da Madeira em 1990) e Poeti Contemporanei dell’Isola di Madera (organizada e traduzida por Giampaolo Tonini no Centro Internazionale della Grafica di Venezia em 2001). A poesia de Eurico de Sousa posiciona-se num cenário delirante, onde a manipulação das imagens se exerce completamente solta, integralmente livre, e as palavras, as suspensões, omissões, neologismos e sinais gráficos superam a norma significante, para se tornarem elementos estéticos especialmente apelativos. O pensamento expressa-se, assim, através duma sobrerrealidade que reinventa a tessitura da escrita de modo fulgurante, provocatório, criando uma propositada desordem, um ritmo caótico, automático, sufocante, que o poeta utiliza no sentido de denunciar o enigma e a ambiguidade do mundo e da própria natureza humana. Neste automatismo se vislumbram contornos de solidão, claustrofobia, uma velada mágoa que se expressa em versos como este, extraído do livro A Festa Sendo em Agosto: “(Tenho andado como quem não exista)./Só cortando o coração à noite/me apercebi desse absurdo” (SOUSA, 1980, 123). Obras de Eurico Fernando Fernandes Correia de Sousa: A Festa Sendo em Agosto (1980); Disgrafia Florestal (1995).     Irene Lucília Andrade (atualizado a 28.02.2020)

Antropologia e Cultura Material Artes e Design Arquitetura Literatura

presidente do governo regional

Configuração institucional O presidente do Governo Regional é o chefe do órgão executivo da Região Autónoma que tem a seu cargo a condução da política regional e funciona como estrutura superior da administração pública regional, sendo em torno da sua pessoa que se forma, organiza e funciona todo o Governo Regional; nenhum outro membro do Governo Regional pode ser nomeado sem proposta do seu presidente, assim como todo o Governo Regional se considera demitido em caso de exoneração, morte ou impossibilidade física duradoura da pessoa do seu presidente. O presidente do Governo Regional exerce, face à Região Autónoma, um papel semelhante àquele que, por força de uma normatividade constitucional não escrita ou não oficial, o primeiro-ministro da República possui face ao Governo da República e à condução da vida política do país: o presidente do Governo Regional é, jurídica e politicamente, o eixo central da vida política e governativa da Região Autónoma. A progressiva transformação, no final do séc. XX e princípio do séc. XXI, das eleições para a Assembleia Legislativa num processo de escolha da individualidade que ia exercer as funções de presidente do Governo Regional, centrando-se a intervenção e a campanha dos principais partidos políticos em torno do candidato de cada partido a esse cargo, conferiam ao presidente do Governo Regional uma verdadeira legitimidade democrática direta. Daqui resultavam importantes efeitos políticos, tais como: (i) Não era o presidente do Governo Regional que resultava da maioria parlamentar, antes a maioria parlamentar que surgia por arrastamento da escolha, pelo eleitorado, do candidato a presidente do Governo Regional; assim, os deputados da maioria deviam mais a sua eleição ao nome do candidato a presidente do Governo Regional do que este devia o seu cargo à escolha ou confiança política dos deputados da maioria parlamentar, o que significava que não estávamos diante de um presidente do Governo Regional resultante da maioria parlamentar, mas com uma maioria parlamentar do presidente do Governo Regional. (ii) O presidente do Governo Regional adquiria uma legitimidade política que fazia inverter a relação clássica de responsabilidade política do executivo perante o parlamento: havia uma debilitação do papel fiscalizador da Assembleia Legislativa perante um presidente do Governo Regional que, tendo uma legitimidade democrática superior a cada deputado, funcionava como motivo determinante da existência de uma maioria parlamentar. A circunstância de o presidente do Governo Regional ser, simultaneamente, o chefe do Governo e o líder da maioria parlamentar conferia à sua vontade política um ascendente sobre a atuação do executivo e um papel propulsor e determinante do sentido decisório da Assembleia Legislativa; em termos políticos, o presidente do Governo Regional pensava, o Governo e a Assembleia realizavam; o presidente do Governo Regional decidia, o Governo e a Assembleia executavam. Por efeito do desenvolvimento informal de uma normatividade constitucional não oficial, emergente de uma prática reiterada que ganhou convicção de obrigatoriedade, apesar de contrária às normas escritas da Constituição oficial e do Estatuto Político-Administrativo oficial, o sistema de governo da Região Autónoma da Madeira funcionava centrado na figura do presidente do Governo Regional; o sistema de Governo parlamentar consagrado nas normas jurídicas escritas evoluíra e fora substituído por um presidencialismo de primeiro-ministro.   Nomeação Compete ao Representante da República nomear o presidente do Governo Regional (CRP, art. 231.º, n.º 3), impondo o Estatuto Político-Administrativo da Madeira; no entanto, existem duas exigências meramente procedimentais (artigo 57.º, n.º 2): ouvir os partidos políticos representados na Assembleia Legislativa; ter em conta os resultados eleitorais. Cumpridas essas exigências, o Representante da República goza, à luz do texto constitucional e estatutário, de discricionariedade na escolha do nome do presidente do Governo Regional, por aqui passando uma vertente da função de orientação política protagonizada pelo Representante da República. Sucede, no entanto, que essa margem de liberdade de escolha pelo Representante da República do nome do presidente do Governo Regional a nomear, tal como resulta das normas escritas oficiais, pode ser esvaziada por uma normatividade constitucional e estatutária informal, não escrita ou não oficial. Transformadas as eleições regionais num processo de escolha do candidato a presidente do Governo Regional, assistindo-se à edificação de um sistema de presidencialismo de primeiro-ministro, num cenário em que, nos primeiros 40 anos de vigência do sistema resultante da Revolução de 25 de abril de 1974, existiu um único partido político com maioria absoluta dos lugares parlamentares, a amplitude da margem de liberdade decisória do Representante da República ficava completamente reduzida se, após a eleição da Assembleia Legislativa da Região Autónoma, existisse um partido vencedor cujo líder se apresentasse ao eleitorado e fosse eleito como candidato a presidente do Governo Regional: o Representante da República quase se limitava a homologar o nome que lhe era proposto pelo partido maioritário. Mostra-se particularmente controvertido saber se o Representante da República se encontrava obrigado a nomear o chefe do partido maioritário como presidente do Governo Regional: havia um costume regional nesse sentido, integrante da Constituição regional informal ou não oficial; a verdade, porém, é que a normatividade escrita e oficial não vinculava o Representante da República nomear como presidente do Governo Regional uma individualidade que careça da sua confiança política, podendo até nomear quem, sendo da sua confiança pessoal, não possua um apoio parlamentar explícito à partida. Naturalmente que, não se verificando qualquer um dos referidos cenários políticos de uma maioria parlamentar absoluta, o Representante da República adquire, de facto, uma margem alargada de liberdade na escolha da individualidade a nomear como Presidente do Governo Regional, designadamente se se verificar uma das seguintes situações: (i) ausência de maioria parlamentar ou de entendimento parlamentar passível de sustentar um Governo Regional maioritário; (ii) formação de uma coligação pós-eleitoral que, apesar de minoritária, tenha um maior número de deputados do que o partido que, sendo o mais votado, apenas obteve uma maioria simples de lugares na Assembleia Legislativa; (iii) demissão do Governo durante a legislatura, sendo impossível ou inoportuna a dissolução da Assembleia Legislativa, isto sem que o presidente do Governo Regional cessante e objeto de eleição popular queira ou possa continuar a exercer as funções de presidente do Governo Regional; (iv) se, existindo maioria absoluta de um partido ou coligação parlamentar, o seu líder político for o próprio Representante da República, hipótese que reconduz o presidente do Governo Regional à posição de seu “lugar-tenente”. Em qualquer caso, mesmo existindo maioria parlamentar absoluta a apoiar um nome indicado para ser nomeado presidente do Governo Regional, o Representante da República poderá condicionar essa nomeação à aceitação de compromissos políticos por parte da pessoa a nomear. Tal condicionamento do Representante da República pode incidir sobre o programa do Governo, o perfil dos membros do Governo e a própria distribuição das pastas – há aqui, a propósito da nomeação do presidente do Governo Regional, um espaço de possível exercício de uma função de orientação política a cargo do Representante da República. Resta saber se o não uso de uma tal prerrogativa por parte do Representante da República ao longo de várias décadas não terá gerado um desuso ou um costume em sentido contrário. Tal como o costume de índole constitucional, deve-se considerar a figura do presidente do Governo Regional indigitado, i.e., a situação jurídica informal de quem, tendo aceitado vir a assumir as funções de presidente do Governo Regional, foi encarregado pelo Representante da República de prosseguir uma, todas ou várias das seguintes tarefas: (i) tentar encontrar, se ainda não existir, uma solução governativa que disponha de maioria parlamentar, procedendo a diligências junto dos partidos com representação parlamentar; (ii) formar governo, recrutando um elenco de individualidades que aceitem integrar um Governo Regional por si chefiado, apresentando os nomes à consideração do Representante da República; (iii) começar a definir os traços essenciais das orientações políticas e das medidas a adotar ou a propor adotar pelo governo, isto é, elaborar o programa de governo a apresentar à Assembleia Legislativa. São quatro os principais efeitos da nomeação do Presidente do Governo Regional: (i) A nomeação do presidente do Governo Regional faz começar a contar o prazo máximo de trinta dias para ser apresentado, junto da Assembleia Legislativa, o programa do governo; (ii) A nomeação envolve a exigência de posse, pois só a partir deste momento o presidente do Governo Regional inicia o exercício das suas funções; (iii) A nomeação determina, se o presidente do Governo Regional era deputado, a imediata suspensão do seu mandato parlamentar; (iv) A data da nomeação e da posse do novo presidente do Governo Regional corresponde à data da exoneração do anterior presidente, sendo também esse o momento de cessação de funções de todos os restantes membros do anterior Governo, garantindo-se sempre, deste modo, a continuidade dos serviços públicos regionais.   Competência Tendo presente o quadro normativo de poderes conferidos ao presidente do Governo Regional, nos termos da Constituição e do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, mostra-se possível recortar o elenco das seguintes principais funções: (i) funções de gestação do governo; (ii) funções de direção política; (iii) funções de chefia administrativa; (iv) funções de representação governamental; (v) funções de controlo. Observemos, muito sumariamente, cada uma destas funções constitucionais do presidente do Governo Regional. Se o presidente do Governo Regional tem uma função geradora da formação do governo, sendo o seu progenitor junto do Representante da República e da Assembleia Legislativa, pode bem dizer-se que a primeira competência do presidente do Governo Regional se prende com a gestação do governo. Compete ao presidente do Governo Regional propor ao Representante da República os nomes dos restantes membros do Governo Regional, o que significa que, desde logo, lhe está atribuído um poder de organização intragovernamental, o qual que se configura nos seguintes termos: (i) Se é verdade que o presidente do Governo Regional não pode nomear os membros do seu Governo, também é certo que o Representante da República se encontra sempre sujeito aos nomes propostos pelo presidente do Governo Regional; sem o acordo do Representante da República, o presidente do Governo Regional não consegue formar uma equipa governamental, mas sem proposta deste, o Representante da República não pode nomear membros do Governo Regional. (ii) Deste modo, todos os membros do Governo Regional têm de merecer a confiança do presidente do Governo Regional, sem terem a oposição ou a desconfiança expressa do Representante da República. (iii) Ao indicar os nomes, o presidente do Governo Regional tem a inerente competência para traçar a arquitetónica organizativa do Governo, definindo a designação, o número e as atribuições das secretarias e subsecretarias regionais e as suas formas de relacionamento. (iv) Iguais poderes se têm de reconhecer ao presidente do Governo Regional num cenário de remodelação governamental, propondo ao Representante da República a exoneração dos membros do Governo Regional, substituindo-os por outros, mantendo ou alterando a respetiva arquitetónica governamental. (v) Num âmbito mais circunscrito, verificando-se não existir a figura do vice-presidente do Governo Regional, o seu Presidente tem a faculdade de, em caso de ausência ou impedimento, designar o Secretário Regional que entender para o substituir. Uma segunda função conferida ao presidente do Governo Regional diz respeito à direção política do Governo Regional, referindo o art. 73.º, n.º 1, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, a faculdade que tem de dirigir as reuniões do Governo Regional: ao presidente do Governo compete impulsionar, promover, predeterminar ou definir a política geral do Governo Regional, garantindo a sua execução por todos os secretários regionais; nenhuma política governamental escapa à intervenção do presidente do Governo Regional. No âmbito do recorte da função de direção política do Governo Regional, acentuada pela transformação das eleições parlamentares num processo de legitimação político-democrática direta do presidente do Governo Regional, pode dizer-se que a competência do presidente do Governo Regional encontra as seguintes expressões: (i) O presidente do Governo Regional tem um papel central na elaboração do conteúdo do programa de Governo a apresentar à Assembleia Legislativa; compete-lhe definir ou, pelo menos, expressar a sua concordância política integral com “as principais orientações políticas e medidas a adotar ou a propor nos diversos domínios da atividade governamental” (CRP, art. 188.º); nada pode ser incluído no programa do Governo Regional contra a vontade do seu Presidente. (ii) Independentemente dessa manifestação de direção política, ao presidente do Governo compete dirigir a política geral do Governo Regional, o que significa o seguinte: (a) propor a determinação ou definição das linhas gerais da política regional ao Conselho do Governo Regional; (b) convocar e presidir ao Conselho do Governo Regional, dirigindo os seus trabalhos e orientando o seu sentido decisório coletivo; implementar as linhas gerais da política governamental e da sua execução, objeto de definição pelo Conselho do Governo Regional, dirigindo o funcionamento do Governo, coordenando e orientando a ação política de todos os seus restantes membros; (c) assinar os decretos regulamentares regionais e demais atos colegiais do Governo Regional, ou seja, todas as principais decisões normativas governamentais devem contar com a intervenção do presidente do Governo Regional. (iii) ainda no contexto da direção política do Governo Regional, o seu Presidente goza do poder de propor ao Representante da República a exoneração e substituição de qualquer membro do governo, afastando os elementos não sintonizados com a linha política por si pretendida para o governo e, por essa via, controlando a intervenção do Conselho do Governo Regional na definição das linhas gerais da política regional. (iv) a direção política a cargo do presidente do Governo Regional permite-lhe propor e, se necessário, forçar o Conselho do Governo Regional a deliberar sobre a apresentação de uma moção de confiança à Assembleia Legislativa, procurando obter um conforto ou uma clarificação parlamentar sobre o sentido das linhas políticas propostas ou já executadas pelo Governo Regional. Naturalmente que a unidade do poder político gerada por uma maioria parlamentar fiel ao chefe do executivo, tal como sucedeu na Região Autónoma da Madeira nos últimos anos do séc. xx e primeiros do séc. xxi, reforça a centralidade decisória do presidente do Governo Regional. Em torno do presidente do Governo Regional encontravam-se aglutinados os principais poderes de decisão política regional. Neste sentido, o presidente do Governo Regional impulsionava e dirigia a ação do Governo e, sendo líder político de uma maioria parlamentar, comandava o sentido decisório da Assembleia Legislativa. Por outro lado, a ordem jurídica confere ao presidente do Governo Regional funções de chefia administrativa, e isto num duplo sentido: (i) O presidente do Governo Regional dirige o funcionamento do Governo no exercício da função administrativa regional, excluindo aqui a intervenção no âmbito da direção política, coordenando e orientando os restantes membros do Governo Regional nos respetivos domínios do agir administrativo. (ii) O presidente do Governo Regional pode também administrar e gerir, igualmente numa posição de chefia, os serviços administrativos integrados na presidência do governo, tal como pode chamar a si a gestão de determinados dossiers administrativos, sendo os termos definidos pelo regulamento referente à organização e ao funcionamento do Governo, sem prejuízo de também poder acumular a presidência com a gestão de qualquer outro departamento regional. O Presidente do Governo Regional exerce ainda, por via constitucional e estatutária, funções de representação, que envolvem as duas principais faculdades seguintes: (i) representa o Governo Regional e a própria Região Autónoma junto dos restantes órgãos e instituições, garantindo a expressão da vontade dos órgãos de Governo próprio da Região Autónoma; (ii) protagoniza a responsabilidade política do Governo Regional perante a Assembleia Legislativa, o que significa que: (a) o presidente do Governo Regional deve comparecer perante o plenário da Assembleia Legislativa tratando-se de debates sobre o Governo e de interpelações ao Governo sobre assuntos de política regional; (b) O presidente do Governo Regional deve comparecer junto da Assembleia Legislativa se for desencadeada uma moção de censura ou solicitada uma moção de confiança. Compete ao presidente do Governo Regional, por último, o exercício de funções de controlo, o que se traduz na legitimidade processual ativa para, nos termos do art. 281.º, n.º 2, alínea g), da Constituição, solicitar junto do Tribunal Constitucional, a declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade, com força obrigatória geral, de quaisquer normas com fundamento em violação dos direitos das regiões autónomas ou do seu Estatuto Político-Administrativo.   Termo e suspensão de funções Todas as situações que impliquem a demissão do Governo envolvem o correlativo termo de funções do presidente do Governo Regional. Mostra-se possível recortar, por conseguinte, quatro diferentes grupos de causas de termo de funções do presidente do Governo Regional: (i) causas decorrentes da responsabilidade do Governo Regional perante a Assembleia Legislativa: não aprovação (ou rejeição) do programa do Governo; não aprovação (ou rejeição) de uma moção de confiança; aprovação de uma moção de censura; (ii) um ato voluntário do próprio presidente do Governo Regional: o pedido de demissão ou exoneração, que se encontra todavia dependente de aceitação do Representante da República, sem prejuízo do princípio geral da renunciabilidade aos cargos públicos; (iii) uma causa resultante da intervenção do Presidente da República: a dissolução da Assembleia Legislativa; (iv) causas alheias à vontade de qualquer um destes intervenientes: início de nova legislatura; morte do presidente do Governo Regional; impossibilidade física duradoura (sem ser necessário que seja permanente) do presidente do Governo Regional; condenação definitiva do presidente do Governo Regional, por crime de responsabilidade cometido no exercício das suas funções (lei n.º 34/87, de 16 de julho, art. 31.º). Note-se que, salvo em casos da sua morte ou impossibilidade física duradoura, o efetivo termo de funções do presidente do Governo Regional coincide, por razões decorrentes do princípio da continuidade dos serviços públicos, com a tomada de posse do novo presidente do Governo Regional. No caso, porém, de demissão forçada por condenação criminal, o presidente do Governo Regional passa imediatamente a estar impedido de continuar a exercer funções, procedendo-se, até à nomeação e posse de um novo presidente do Governo Regional, à sua rápida substituição, nos termos definidos pelo art. 73.º do Estatuto Político-Administrativo. Se, ao contrário do anterior cenário, que pressupunha a condenação definitiva, estiver apenas em causa um procedimento criminal movido contra o presidente do Governo Regional, tendo ele sido acusado definitivamente, o art. 64.º do Estatuto Político-Administrativo determina que seja sempre necessária a intervenção da Assembleia Legislativa para decidir da sua suspensão. Há aqui a diferenciar, no entanto, dois cenários: (i) se se tratar de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos, uma vez que a Assembleia Legislativa se encontra obrigada a decidir pela suspensão, o presidente do Governo Regional é substituído, se não apresentar a sua demissão; (ii) se não estiver em causa um crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos, a Assembleia Legislativa é livre de decidir se haverá ou não suspensão do presidente do Governo Regional; se a Assembleia Legislativa decidir pela suspensão, aplica-se o que se acabou de referir na alínea (i); se, pelo contrário, a Assembleia Legislativa decidiu pela não suspensão, entendemos que há a diferenciar ainda duas hipóteses: (a) se estiver em causa uma acusação por crime praticado no exercício de funções públicas e por causa desse exercício, o presidente do Governo Regional deve considerar-se, por uma questão de ética constitucional e dignidade do cargo, impedido de continuar a exercer funções, procedendo-se à sua substituição; (b) se não estivermos diante de uma acusação por crime praticado no exercício de funções públicas e por causa desse exercício, o presidente do Governo Regional não se encontra eticamente obrigado a considerar-se impedido temporariamente de exercer funções.   Paulo Otero (atualizado a 03.02.2017)

Direito e Política História Política e Institucional

festividades

A Madeira é um lugar em que se articulam bem as festividades tradicionais, aquelas que o povo celebra há centenas de anos, com as mais modernas, as que se ligam ao fluxo turístico, que busca coisas novas, diferentes, atrativas. As festividades começam, na Madeira, com a festa do panelo, um festival gastronómico que tem lugar no Seixal, nos finais de janeiro. Segue-se, por alturas de fevereiro, a festa dos compadres que começa dois domingos antes do Carnaval. Dura cerca de duas semanas e é essencialmente uma festa humorística em que se brinca com as mulheres (as comadres) e com os homens (os compadres), terminando com um julgamento, em que normalmente vence a comadre. Para os madeirenses, é uma oportunidade de anteciparem o calendário oficial e começarem os folguedos e as brincadeiras da quadra, a que os gigantones dão um toque burlesco. Há música tocada por instrumentos tradicionais, cantigas e danças populares, bailes, cortejos típicos com trajes regionais e um concorrido arraial onde se comem espetadas, bolos do caco, sonhos, etc.. O Carnaval do Funchal insere-se na antiga tradição de se celebrarem na folia os últimos dias antes do começo da Quaresma. É uma época em que se multiplicam os cortejos alegóricos e os desfiles de máscaras, aproveitados muitas vezes para se exprimirem críticas à atualidade ou a personalidades conhecidas. O cortejo principal é no sábado à noite, mas o desfile de terça-feira, o “Carnaval Trapalhão”, é um momento sempre bem vivido; como o nome indica, as máscaras são mais “trapalhonas” o que parece agradar a quem participa no cortejo e a quem a ele assiste. Em março, os eventos em torno da Semana da Árvore e da Floresta, celebrados maioritariamente no Parque Ecológico do Funchal, proporcionam um contacto e conhecimento próximos do meio ambiente, assim como aprendizagem de práticas para melhor o defender e preservar. Também durante o mês de março decorre, no Faial, a festa da anona. Como se revelará mais adiante outros produtos da terra e do mar justificam a realização de festas populares, um pouco por toda a parte. O Festival Literário da Madeira realiza-se no início da primavera. É essencialmente um conjunto de debates que têm lugar no Teatro Municipal Baltazar Dias, e reúne alguns dos melhores escritores de origem madeirense (e não só) com críticos e estudiosos de Literatura. Não se confina a um certame para eruditos, pois envolve a população em geral. Uma homenagem pública a um vulto relevante do panorama literário madeirense é sistematicamente incluída no programa. Em abril, realiza-se a festa da cana do açúcar na Ponta do Sol. Esta festa recorda que o açúcar foi uma das maiores riquezas da Ilha desde os primórdios do povoamento: o alfenim (massa de açúcar e óleo de amêndoa doce) era presente de elevado valor e chegou a ser moeda de troca para a aquisição de obras de arte. Na feira da cana do açúcar, é possível aprender como se recolhe e trabalha a matéria-prima, como se fabrica a aguardente, o melaço e os rebuçados, para além de se poder visitar exposições e participar em atividades de vária ordem. Além das festas típicas da gente madeirense e que, com mais ou menos alterações, se têm mantido ao longo dos tempos, outras há que, embora envolvam e entusiasmem as populações locais, nasceram como consequência da força de atração turística. Esta é uma realidade a que os madeirenses se foram habituando (há registos muito antigos de visitantes ilustres nestas paragens), e ocorreu de forma fulgurante a partir da segunda metade do séc. XX. Destas festividades, o lugar de honra vai para a famosa Festa da Flor. Na Madeira florescem flores raras e variadas, como as orquídeas, as estrelícias e os antúrios, as poinsétias, os lilases, os jasmins, os hibiscos, as hortênsias e os agapantos; e há as árvores carregadas de flores: os jacarandás, as mimosas, as árvores de fogo. Tudo isto se celebra na Festa da Flor que todos os anos, em abril, enche as ruas do Funchal e possibilita o contacto direto com tão grande e diversificada beleza. Nesta ocasião, as ruas encontram-se engalanadas, tal como o chão, os arcos e as paredes das casas; podem ver-se exposições temáticas; sucessivos cortejos; carros enfeitados; e trajes alegóricos. Do programa anual consta sempre a construção do “Muro da Esperança” pelas crianças do Funchal. Quase em simultâneo com a Festa da Flor realiza-se o Festival dos Jardins do Funchal, concurso de jardineiros encartados, mas também de particulares, comerciantes e artistas amantes de flores, que apresentam minijardins para serem apreciados e classificados pela população. No final, são atribuídos prémios às melhores e mais originais produções. As paisagens naturais da Ilha favorecem propostas de contacto com a natureza, através de caminhadas que se organizam ao longo das levadas e das veredas das montanhas. Assim, em abril, tem ainda lugar uma prova de trilho pedestre que atravessa toda a Ilha, proporcionando aos participantes uma passagem por paisagens e ambientes muitos diversos até no que respeita às condições atmosféricas. Em maio, realiza-se nova prova pedestre, com percursos mais curtos e exigindo competências de orientação. O apóstolo S. Tiago Menor é o padroeiro principal da cidade do Funchal, que o celebra no dia 1.º de maio e a cada ano lhe agradece o tê-la salvo da peste que, no séc. XVI, causou grande mortandade entre a população. As festas, que duram vários dias de música e folguedo, integram uma procissão com a imagem do santo e muitos fiéis enfeitados com cordões feitos de flores amarelas, os “maios”. Neste mês de maio, há também várias festas agrícolas: a festa da cebola, no Caniço, com cortejo de tratores e carroças enfeitadas e leilões do produto em destaque; e a festa do limão (na paróquia da Ilha), marcada pela mostra de doçaria e outros pratos feitos a partir do referido citrino, bem como pelo célebre despique de quadras populares criadas a partir dos mais variados temas e cantadas à desgarrada nos ritmos típicos da região. A Ribeira Brava assiste uma vez por ano, ainda em maio, ao encontro das bandas de música, um acontecimento cultural que permite defender e valorizar as antigas tradições musicais da Ilha e que se transforma num animado despique em que cada um quer mostrar o seu melhor, para alegria dos executantes e orgulho dos que, às vezes de longe, os vêm apoiar. É também nesta vila que se realiza, por ocasião das festas de S. Pedro, uma exibição de fogo de artifício. Acrescenta-se a esta lista de eventos a exposição de automóveis, motos e scooters antigos que se organiza em maio ao longo da estrada Monumental. Apresentam-se máquinas extraordinárias e bem tratadas, que cruzavam as estradas da Ilha nos tempos passados, quando a maioria das pessoas se deslocava a pé ou, quando muito, em carros puxados a bois. Também em junho, é possível ver muitas dessas máquinas afoitarem-se pelas estradas da Ilha numa corrida sui generis de curtas etapas, o chamado Classic Rally. O mês de maio termina com as festas da Sé, que por vezes se prolongam até ao início de junho. São festas de rua mais do que celebrações religiosas, que se realizam à volta da Sé mais do que no seu interior. De toda a cidade, “desaguam” na baixa centenas de pessoas que enchem os bares, que dançam na rua, que provam carne de vinha de alhos, sarapatel, bolo do caco ou bolo de mel, que sugam rebuçados de funcho, que bebericam malvasia e grogue, poncha e jaqué, quando não um dos licores feitos a partir do maracujá, do araçá ou da goiaba, etc. As ruas estão enfeitadas com flores e com luzes que, quer de dia quer de noite, transformam aquele espaço num cenário de festa que os grupos musicais e os ranchos folclóricos se encarregam de animar num rodopio contagiante. Em junho, realiza-se a festa da cereja, no Jardim da Serra, à qual se associa a ginjinha. Ainda neste mês, mas na Câmara de Lobos, terra de pescadores que entusiasmou Churchill pelo seu pitoresco, bem junto ao mar, festeja-se um produto deste rico manancial madeirense: o peixe-espada preto. Esta festa constitui simultaneamente um tributo a quantos labutam na pesca e, assim, aumentam a fama do arquipélago. No Funchal, os santos populares também são celebrados com pirotecnia. As celebrações de S.to António, S. João e S. Pedro animam as noites e os dias da Madeira durante o mês de junho, um dos mais animados do ano. Os bailinhos, as barracas de vinhos e petiscos, as exibições de música folclórica pelas ruas, largos e jardins e ainda o fogo de artifício que ilumina as noites do Festival do Atlântico envolvem quantos por ali se encontram. Em julho, na Madalena do Mar, faz-se a festa da banana; a abundante produção local explica que neste lugar se organize há muito tempo tal evento, famoso em toda a Ilha. Também em julho festeja-se outro produto, outra vez do mar e não da terra: as lapas, no Paul do Mar, servidas na grelha, temperadas com manteiga, alho e limão. Ainda neste mês tem lugar em vários pontos do mar da Madeira o campeonato de pesca grossa; entre as diversas provas do campeonato, conta-se a pesca do espadim azul, que ocorre simultaneamente em vários locais do Oceano Atlântico. É igualmente em julho que se realiza a Semana do Mar, em Porto Moniz, na costa Norte, com atividades e jogos variados, passeios de barco, regatas e exibições de folclore, provas desportivas, e outros acontecimentos culturais. Também em julho, vivem-se em simultâneo o festival de folclore e a festa da maçaroca. O primeiro atrai a Santana grupos folclóricos de toda a Ilha (e de Porto Santo), que se apresentam com um desfile nos seus coloridos trajes; estes variam conforme a localidade de onde são provenientes e do estatuto social que representam. O conjunto de exibições inclui, frequentemente, a de um grupo estrangeiro, vindo de um dos países que acolhe mais emigrantes madeirenses. O desafio que é feito é o de se passarem 48 horas a bailar – e há resistentes que o conseguem. A outra festa acima referida pretende apresentar o artesanato confecionado a partir das folhas do milho e da própria maçaroca, que abunda nas freguesias de Santana e São Jorge. A cidade de Machico tem festas enraizadas na cultura popular. A enseada desta urbe é considerada o local do primeiro desembarque dos Portugueses na região, em julho de 1419. A povoação de Machico é tão antiga como a do Funchal e as duas cresceram lado a lado, repartindo entre si a missão de colonizar a Ilha. Foi sede de uma das três capitanias em que o arquipélago foi dividido no tempo do infante D. Henrique (a terceira é Porto Santo), e ali se realiza o mais típico mercado medieval de toda a região. Dura uma semana e inclui diversões e entretenimentos que se considera já existirem na Idade Média: cortejos, teatros de rua, exibições de acrobatas e malabaristas, jogos pirotécnicos, entre outras atividades. Os participantes usam trajes da época e as barracas proporcionam comidas e bebidas de cariz medieval, bem como artesanato local. As ruas, à volta da igreja dos inícios do manuelino, são engalanadas com bandeiras e colgaduras. No Funchal, o festival de jazz, que se realiza ao ar livre, no parque de Santa Catarina, durante o mês de julho, congrega melómanos que se juntam para ouvir os melhores grupos nacionais e muitos estrangeiros. Também em julho, no parque de Santa Catarina, tem lugar a abertura oficial das festas de verão, com bandas e grupos instrumentais, cantores e intérpretes de várias origens. Realiza-se ainda o Festival Raízes do Atlântico, provavelmente uma das mais antigas apresentações de músicas do mundo em território nacional, que coloca frente a frente grupos tradicionais de distintos países. A romaria da Sr.ª do Monte realiza-se no dia 15 de agosto, perto do Terreiro da Luta, um dos miradouros sobre o Funchal. O motivo da romaria é a veneração de uma imagem muito antiga, alegadamente encontrada por uma pastorinha ainda nos finais do séc. XV, i.e., pouco tempo depois de iniciado o povoamento. A festa é uma das mais famosas da ilha da Madeira e atrai gente vinda de todo o mundo, designadamente das paragens por onde se encontra a diáspora madeirense, sobretudo desde que, em 1803, o bispo do Funchal colocou a cidade e a Ilha sob a proteção da Senhora. A igreja, que data do séc. XVIII e substitui a do séc. XVI, que era demasiado acanhada para tão grande devoção, é ricamente adornada e a procissão conduz multidões de fiéis por ruas engalanadas e caminhos cobertos de flores. Entre as festas citadinas destaca-se o Dia da Cidade do Funchal, instituído para celebrar as memórias daquela que é a mais antiga cidade europeia fora do continente e a sede da outrora maior Diocese do mundo inteiro. Ainda em agosto realiza-se a semana gastronómica de Machico, que junta cozinheiros de toda a Ilha, os quais apresentam os seus pratos mais emblemáticos à apreciação (e julgamento) dos muitos turistas que ali acorrem. Nova mostra gastronómica ocorre por ocasião da festa do Senhor dos Milagres, uma festa essencialmente religiosa com missa e procissão de velas. A capela do Senhor dos Milagres encontra-se na localização provável dos túmulos de Robert Machim e Anne d’Arfet, os jovens ingleses que, fugindo de quem perseguia os seus amores proibidos, ali teriam sido desembarcados no séc. XIV, i.e., antes da chegada dos Portugueses. A capela primitiva foi destruída pela força das águas no início do séc. XIX, e posteriormente reconstruída; no entanto, a imagem de Cristo é a original, uma vez que foi recuperada no mar uns dias depois por um navio americano. O facto foi considerado milagroso e a festa realiza-se em memória do dia em que a imagem foi retirada das águas. Outro núcleo temático festivo liga-se ao mar, que exerce um poderoso fascínio sobre quem vive ou visita a Madeira. Um dos eventos relacionados com este tema é a volta à Ilha de canoa, que ocorre habitualmente em agosto, e que propõe uma ida do Funchal ao Funchal, seguindo a costa. Neste mês realiza-se ainda, no Paul do Mar, uma prova de desporto radical, misto de ciclismo e mergulho. A Camacha é rica em artesanato e nela se realiza, normalmente em agosto, o Festival de Arte que, além de mostrar o que se produz na vila, em vime e giesta, constitui uma exibição de produtos tradicionais de toda a Ilha, designadamente bordados. Esta festa é acompanhada pelas atividades do rancho folclórico local. O tema “Vinho da Madeira” é celebrado nos inícios de agosto com o rally que leva esse nome e que, desde meados do séc. XX, atraiu à Ilha famosos pilotos europeus, para quem o traçado das estradas e a incerteza das condições atmosféricas constituem um verdadeiro desafio, bem como numerosos aficionados do desporto automóvel. Também nos finais de agosto, mas em Porto Santo, realiza-se a festa das vindimas que, sem o fulgor e a divulgação da do Funchal, permite celebrar um vinho diferente, generoso, produzido nas encostas quentes do sul da ilha a partir de uvas grandes, ricas em açúcar. O evento inclui manifestações culturais, provas de vinho de diversas castas e bailes populares. O Instituto do Vinho da Madeira criou o Festival do Vinho, do Bordado e do Artesanato da Madeira, em fevereiro, em ordem a divulgar estas e outras manifestações da cultura popular. Trata-se de um festival urbano, com um programa multifacetado que inclui oficinas de experimentação artesanal (tapeçaria, pintura de azulejo, etc.), manifestações culturais e propostas de divertimento. A festa do Vinho da Madeira tem lugar normalmente nos últimos dias de agosto e prolonga-se por setembro. A festa do vinho é um acontecimento de grande relevo, com programas diversificados que vão desde a participação em atividades rurais, como a vindima, a pisa da uva à volta da cidade de Câmara de Lobos e o respetivo cortejo dos vindimadores, até às visitas guiadas organizadas pelas adegas regionais, as provas de vinho das diferentes castas, propostas um pouco por toda a cidade do Funchal, e às manifestações folclóricas, espetáculos de luz e som, cortejos, bailes e petiscos tradicionais. Setembro é um mês muito fértil em celebrações populares. Neste mês celebram-se três das mais concorridas romarias da ilha da Madeira: a do Senhor Bom Jesus de Ponta Delgada; a de N.ª Sr.ª do Loreto, no Arco da Calheta; e a de N.ª Sr.ª da Piedade, no Caniçal. Ponta Delgada nasceu à volta de uma pequena capela do séc. XV que o fogo destruiu no início do séc. XX. A romaria é uma das mais frequentadas do norte da Ilha, por peregrinos vindos de muito longe, por vezes a pé. A festa tem lugar nos primeiros dias de setembro, mas desde meados de agosto que começam os preparativos, cobrindo-se as ruas com flores coloridas, fazendo-se os bolos tradicionais, construindo-se barracas de louro, montando-se arcos de buxo, etc. A terra enche-se de vendedores ambulantes que se preparam para expor os seus produtos regionais, nomeadamente os colares de peras passadas. As últimas horas são dedicadas a atapetar de flores e folhagens o percurso por onde há de passar no dia maior a procissão do Bom Jesus, na sua volta pela localidade. A capela do Loreto fica perto do Arco da Calheta, terra que foi rica em açúcar e onde morou Gonçalo Fernandes, grande senhor de sesmaria, muito provavelmente filho do Rei D. Afonso V, ali exilado por razões de Estado. O pequeno templo, dos inícios do séc. XVI, foi restaurado mas guarda traços manuelinos de razoável interesse. À sua volta, realiza-se todos os anos, a 8 e 9 de setembro, uma romaria muito animada e concorrida, preparada com devoção e cuidado pelos habitantes da terra, que também cobrem as ruas com dosséis floridos em honra da Mãe de Jesus, na sua invocação da Casa Santa. Quando o calendário permite, a proximidade das duas festas faz que os romeiros do Bom Jesus vão diretamente para o Loreto. O Caniçal é terra de pescadores, típica nas suas casas garridas, situada no extremo leste da Ilha. Bem perto do cabo de São Lourenço, no alto de uma escarpa elevada, fica a capela de N.ª Sr.ª da Piedade, padroeira dos homens do mar, edificada como preito de gratidão de marinheiros aflitos. A festa consta essencialmente de duas grandes procissões de barcos, uma que vai buscar a imagem da Senhora e a leva até à igreja matriz, dedicada a S. Sebastião; a outra procissão devolve-a à sua capela. As embarcações são festivamente engalanadas, destacando-se a que transporta o andor, escolhida por sorteio uns dias antes. Nos percursos a pé, no Caniçal, entre o cais e a igreja, a Virgem é acompanhada pelos fiéis, com cânticos e bandas filarmónicas. Na festa profana não faltam naturalmente os petiscos nem as bebidas tradicionais. A cidade de Vila Baleira inspira-se nos tempos antigos do povoamento para a temática das suas celebrações. De facto, foi ali que os Portugueses primeiro chegaram, em 1418, e tudo leva a crer que Cristóvão Colombo, casado com Filipa Moniz, filha do primeiro capitão donatário da ilha, Bartolomeu Perestrelo, terá vivido no Porto Santo, onde nasceu seu filho Diogo, nos finais do séc. XV. É esta presença do grande navegador de renome mundial em terras madeirenses que a cidade comemora alegremente no mês de setembro, com cortejo histórico, eventos culturais e uma reconstituição cénica da chegada de Colombo à ilha. O pero e a maçã têm as suas festas em setembro, o primeiro na Ponta do Pargo e a maçã, sob a forma de cidra, no Santo da Serra. Por toda a parte, há cortejos, degustações de produtos locais, tendas de artesanato e festa. Outra forma de contactar com a natureza é proposta pelo festival de todo-o-terreno que também se realiza em setembro, no qual pode participar qualquer pessoa que queira aprofundar a sua descoberta da Madeira. Neste conjunto de realizações, podemos ainda incluir o torneio de golfe, disputado no Santo da Serra e no Porto Santo, pelo que esta prática desportiva tem de relação estreita com os espaços naturais em que se realiza. As iniciativas incluídas no Madeira Nature Festival, tais como passeios, caminhadas, voos em parapente, experiências de vela em mar aberto, são outras tantas possibilidades de se conhecer a Madeira no mês de outubro. Na vila da Camacha, a festa da maçã ocorre igualmente em outubro, com possibilidade de se assistir ao fabrico da cidra a partir de frutos acabados de colher. Neste mês, ainda o Festival de Órgão da Madeira, que atrai organistas de todo o mundo para executarem, a solo ou acompanhados por coros locais, peças dos mais variados compositores. As peças são executadas nos órgãos de origem portuguesa, italiana e inglesa e nos muitos locais que a isso se propiciam – desde o Colégio de S. João Evangelista à igreja de S. Pedro, do convento de S.ta Clara à Sr.ª de Guadalupe. Novembro é o mês da castanha, e o Curral das Freiras e o Campanário da Ribeira Brava fazem questão de mostrar as suas especialidades com provas não só dos frutos em si, como também dos doces e licores que eles proporcionam. A Madeira tem uma sólida tradição de fotografia; as paisagens da Região inspiraram gente como os Vicentes, que as fixaram em verdadeiras obras de arte. As mostras de cinema da Madeira são por muitos consideradas uma homenagem àqueles percursores da arte da imagem. No Funchal há dois festivais de cinema: o Festival Internacional, em novembro, que apresenta no Teatro Municipal Baltazar Dias longas e curtas-metragens do mundo inteiro, dando particular relevo ao cinema independente e às produções madeirenses; e o Madeira Film Festival, em abril, que é menos divulgado mas envolve muitas outras atividades para além da simples mostra de novos filmes. Em abril tem também lugar a feira do livro que, para além da venda, tem associadas uma série de celebrações relacionadas com a leitura. Entre as festividades, o Natal tem um lugar de honra. Para o madeirense, a Festa é o Natal; é mesmo a única que é assim chamada – a “Festa” – sem precisar de mais especificações. A cidade do Funchal começa a engalanar-se logo em novembro. No campo, no entanto, perduram as velhas tradições, é por volta do dia 15 de dezembro que os preparativos têm lugar, envolvendo toda a população. Colocam-se mastros e bandeiras nas ruas, enfeitam-se as paredes das igrejas com folhagens, ornamentam-se os altares e, principalmente, começa a montar-se o presépio na igreja, repetindo hábitos de avós e bisavós. A Festa é normalmente anunciada com foguetes que convidam os fiéis para o início das “missas do parto”. A primeira é no dia 16 e, até ao dia 24, todas as madrugadas se celebra a iminente chegada do grande dia. E canta-se: “Virgem do Parto, oh Maria,/Senhora da Conceição,/Dai-nos as festas felizes,/A paz e a salvação”. Há costumes ligados a estes dias (cantos, danças, trajes, etc.), dos quais a matança do porco é, sem dúvida, um dos mais respeitados, juntando, em quase todas as freguesias, homens, mulheres e crianças numa celebração onde não falta a aguardente de uva ou de cana, nem os petiscos cozinhados no local. É também a altura de, por toda a parte, se amassar e cozer o “pão da Festa”, bem como de, em cada casa, se montar a “lapinha”, que é uma espécie de trono ao Menino Jesus, instalado em cima de uma mesa, normalmente com armações em escada de três degraus, enfeitadas com flores, ramagens, searinhas de lentilhas, trigo ou centeio, frutos coloridos, bolas e fitas, em que o Menino se representa em pé. O dia de Natal é vivido em família, demorando as celebrações populares até meados do mês de janeiro, pontuadas pelos cantos das janeiras, pelas tradições de dia de Reis (no Funchal, na Ribeira Brava, em Câmara de Lobos, entre outras localidades), pelas atividades típicas do fim da Festa: desmontar as lapinhas e “varrer os armários” (ritual que consiste em arrumar os locais onde se guardam os objetos ligados à festa de um ano para o outro), servindo estas ocasiões como novas oportunidades de folguedos e brincadeiras. Entretanto, a 28 de dezembro, realiza-se a corrida de S. Silvestre, uma das mais antigas da Europa, e, na noite do dia 31, aquele que é talvez o mais conhecido evento madeirense: a passagem do ano, festa que regularmente atrai ao Funchal largos milhares de turistas desejosos de ver o esplendoroso fogo de artifício, que ilumina toda a baía e que se derrama desde a montanha até ao mar, cobrindo a capital da Madeira com um manto de luz e de cor. No momento da passagem do ano, tocam os sinos e as sirenes dos paquetes estacionados no porto, e não são raras as famílias que lançam os seus foguetes ou acendem os fósforos coloridos na varanda ou no terraço, participando assim, à sua maneira, na grande celebração.     José Victor Adragão (atualizado a 31.01.2017)

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ferreira, antónio aurélio da costa

António Aurélio da Costa Ferreira nasceu no Funchal a 18 de janeiro de 1879. Era filho de Francisco Joaquim da Costa Ferreira, natural do Porto, e de Teolinda Augusta de Freitas, natural do Funchal. Médico, antropólogo, pedagogo e político, licenciou-se, pela Universidade de Coimbra, em Filosofia (1899) e em Medicina (1905), tendo recebido vários prémios nas duas faculdades. Estagiou em Paris, na Clínica de Tarnier e na Maternidade Lariboisière, e, mais tarde, numa clínica de doenças de crianças, especializando-se em pediatria. Nesta área, publicou Algumas Lições de Psicologia e de Pedologia em 1920 e História natural da criança em 1922. Foi professor no Liceu Camões e em outras instituições de ensino, vereador da Câmara de Lisboa (1908-1911) na altura em que era presidente A. Braancamp Freire, deputado por Setúbal (1910), primeiro-provedor da Assistência Pública (1911-1912) e ministro do Fomento (1912-1913) no Governo presidido por Duarte Leite. No ano de 1913, abandonou, quase por completo, a política. Tendo levado a cabo uma ação notável como educador na Casa Pia de Lisboa, de que foi diretor, criou, na mesma casa, em 1914, o Instituto Médico-Pedagógico, obra pioneira no atendimento e ensino de crianças com dificuldades de aprendizagem escolar. O Instituto António Aurélio da Costa Ferreira, criado em 1941 por influência de Vítor Fontes, era o continuador do Instituto Médico-Pedagógico. Mobilizado durante a Primeira Guerra Mundial, organizou o serviço de assistência aos mutilados portugueses, constituindo uma secção de seleção e orientação profissional no Instituto Médico-Pedagógico e uma secção de reeducação, fisioterapia e prótese no Instituto de Reeducação dos Mutilados de Guerra, em Arroios. Foi promovido a major em 1920. Por sua influência, foi criada, em 1915, na Escola Normal Primária feminina, a cadeira de Pedologia, de que foi professor até 1918 e que regeu juntamente com a de Psicologia Experimental. Foi assistente voluntário de Anatomia na Faculdade de Medicina de Lisboa (desde 1917), segundo assistente (1919) e professor livre de Anatomia Antropológica (1921), mediante concurso, de cujas provas públicas foi dispensado após ter-lhe sido atribuída a nota de 20 valores pelo conjunto de publicações de que era autor. Também exerceu a função especializada de naturalista no Museu Bocage, em 1919. Foi sócio fundador da Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia e sócio de diferentes sociedades científicas e de imprensa nacionais e internacionais e de reputados institutos, como o Instituto Geral Psicológico de Paris, de que era sócio titular, a Sociedade de Antropologia de Paris, o Real Instituto da Grã-Bretanha e Irlanda, e da Reunião Biológica de Lisboa como efetivo. Foi vice-presidente da secção antropológica da Sociedade de Geografia de Lisboa, vice-presidente do comité permanente interaliado para o estudo das questões relativas aos inválidos de guerra e delegado do governo nas conferências interaliadas para o estudo dessas questões, tendo trabalhado em várias cidades, entre as quais Paris, Bruxelas, Londres e Roma. Notabilizou-se especialmente pelos seus estudos antropológicos, um dos quais, Crânios Portugueses, publicou em 1899. Na Sociedade de Antropologia de Paris, apresentou outro estudo, que foi bem recebido pelos cientistas estrangeiros: “La Capacité du Crane et la Composition Ethnique Probable du Peuple Portugais”. Em 6 de março de 1909, fez, na Sociedade de Geografia de Lisboa, uma conferência que foi depois publicada com o título O Povo Português sob o Ponto de Vista Antropológico. Foi vastíssima a colaboração de Costa Ferreira em publicações da sua especialidade, tanto em Portugal como no estrangeiro. Dirigiu o Anuário da Casa Pia de Lisboa desde o volume de 1912-1913 até ao de 1920-1921, as Publicações do Instituto Médico-Pedagógico da mesma casa (1918-1919), bem como o boletim da mesma instituição (1921-1922). Também foi o responsável máximo da revista Esculápio (1913-1914). Relevam-se, para além dos já referidos, os seguintes títulos da sua autoria: Sobre a Psicologia, Estética e Pedagogia do Gesto; Algumas Lições de Psicologia e Pedagogia; “A Agudeza Visual e Auditiva, Debaixo do Ponto de Vista Pedagógico”; “A Visão das Cores”. António Aurélio da Costa Ferreira também era comendador da Ordem de Santiago, cavaleiro da Legião de Honra e tinha a medalha de ouro da Société Académique d’Histoire Internacional (Paris). Sob a influência de uma grave depressão nervosa, a 15 de julho de 1922 suicidou-se em Lourenço Marques (Moçambique), onde se encontrava no desempenho de uma missão de estudos antropológicos a convite de Brito Camacho. Obras de António Aurélio da Costa Ferreira: Crânios Portugueses (1899); “La Capacité du Crane et la Composition Ethnique Probable du Peuple Portugais” (1904); O Povo Português sob o Ponto de Vista Antropológico (1909); Sobre a Psicologia, Estética e Pedagogia do Gesto (1909); “A Agudeza Visual e Auditiva, debaixo do Ponto de Vista Pedagógico” (1916); “A Visão das Cores” (1917); Algumas Lições de Psicologia e Pedagogia (1920); História Natural da Criança (1922).     António José Borges (atualizado a 31.01.2017)

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