almeida, maria helena jervis de atouguia e (pseud. berta de ataíde)

21 Dec 2016 por "Leocadia"

Nascida no Funchal, no seio de uma distinta família madeirense, emigrou mais tarde para o Brasil, onde ficaria durante 30 anos. Notabilizou-se pela criação de projetos voltados para a caridade e para a educação das mulheres e sobretudo pela sua veia poética, da qual é representativa a obra Mosaicos (1907), escrita sob o pseudónimo Berta de Ataíde.

Palavras-chave: literatura; poesia; caridade; educação.

Maria Helena Jervis de Atouguia e Almeida nasceu no Funchal, a 16 de setembro de 1847. Ficou órfã de pai aos nove anos, indo morar para a freguesia do Monte. Emigrou para o Brasil, onde conheceu Emília Roque, regressando à Madeira só trinta anos depois, nunca esquecendo, porém, o nome da sua terra, de que guardava deliciosas recordações. No seu regresso à Ilha, intitulou a sua primeira composição saudosista de Num Dia Chuvoso.

Pertenceu a uma antiga e distinta família madeirense. Filha de Jacinto Alísio Jervis de Atouguia e de Maria Macedo Jervis de Atouguia, teve uma educação primorosa e casou com Cristóvão Guilherme de Almeida, filho de Rodrigo Guilherme de Almeida e de D. Francisca Emília Pereira. Consta ter falecido em Lisboa, em 1939. Todavia, Marino aponta 1928 como o ano da sua morte (MARINO, 1959) e Barata referencia a data de 16 de setembro de 1886 para o seu nascimento e 11 de setembro de 1939 para a sua morte (BARATA, Catálogo...).

Além da sede de escrita, dedicou-se à caridade, à educação e ao tratamento das vítimas de tuberculose. Com forte vontade benemérita, impulsionou a criação de uma associação de socorros mútuos não governamental para o sexo feminino, na Madeira, que teve, logo na sua origem, em 1876, efeitos positivos na educação escolar das crianças. Considerou, inicialmente, constituir uma sede para a fase de auxílio puro, mas logo lhe ocorreu a ideia de avançar para a possibilidade de instaurar o ensino profissional das protegidas e mesmo da sua prole, garantindo que as mães de crianças e jovens do sexo feminino fossem obrigadas a mandar à escola primária as filhas ou menores de seis a nove anos que estivessem sob a sua tutela; e à escola profissional da associação, caso tivessem nove a doze anos, sob pena de perderem, pelo espaço de dois meses, todos os direitos sociais por cada mês que deixassem de cumprir esses preceitos.

[caption id="attachment_11706" align="alignleft" width="231"]Capa da primeira edição de "Mosaicos" - 1907 Capa da primeira edição de "Mosaicos" - 1907[/caption]

Em 1907, sob o pseud. Berta de Ataíde, publicou Mosaicos, um volume de 114 páginas que dedica a D. Guilhermina de Araújo. Trata-se de uma coleção de poemas, cuja 2.ª edição foi prefaciada pelo prestigiado escritor P.e Sena Freitas, em Lisboa, a 15 de março de 1907. As ilustrações da obra são da autoria da condessa de Alto Ameirim, Emília Labourdonay Gonçalves Roque, com quem Maria Helena Jervis de Atouguia e Almeida partilhava uma relação de amizade e de interesses sociais profundos, tendo em comum ações sociais e comunitárias. Empenhada em causas justas e sociais, Maria Helena desempenhou funções de secretária da direção central da comissão administrativa do asilo de mendicidade e órfãos do Funchal (1847) e de vogal da associação de proteção e instrução do sexo feminino funchalense (1875).

Em 1917, algumas das suas composições foram publicadas em Poetisas Portuguesas. No prefácio de Mosaicos, escrito em tom confessional e intimista, revelando que Maria Helena só teria conhecimento do seu conteúdo após publicação, o P.e Sena, seu enorme admirador e amigo, afirmou como só quem conhecesse a autora estivesse autorizado a fazer: Eu sei quais os preciosos quilates do seu espírito distintíssimo, eu que sei o que entra de ouro do melhor contraste na textura desse seu coração, onde Deus plantou com duas fundas raízes dois sentimentos irredutíveis, um de ódio e outro de amor, de ódio a tudo o que é baixo, torpe, eivado de malevolência, tarado de egoísmo e pelo contrario, de amor a tudo o que é elevado, nobre, ideal e humanitário, traduzindo-se pela compaixão, mas pela compaixão levada até à meiguice ansiedade dos corações das mães, eu sei perfeitamente qual o génesis e a razão de ser deste seu produto literário.” (ATAÍDE, 1907, 10-11). Nas mesmas páginas, o P.e Sena louva ainda o talento literário da escritora, cujas “estrofes delicadas” foram “segredadas pela musa”.

Em Poetisas Portuguesas, Cardoso não se inibe igualmente de rasgar elogios à autora: “As impressões que recebeu esta distinta Senhora, ao tornar a ver a aldeia onde passara parte dos primeiros anos de sua mocidade, exprime-as numa linguagem simples e comovente na sua poesia intitulada Num dia chuvoso. Apesar de D. Maria Helena Jervis de Athouguia haver enviuvado e contratempos de vária natureza a terem afastado do convívio das Musas e dos estudos, que sempre foram o seu enlevo e a que com tanta meticulosidade e consciência se aplica, em 1909, apareceu a 2.ª edição do seu livro de versos, Mosaicos, prefaciado por Sena Freitas. O produto da venda desta obra que saiu sob o pseudónimo de Bertha de Athaide, destinava-se a socorrer tuberculosos pobres” (CARDOSO, 1917, 37-38). No mesmo comentário, anuncia que a 3.ª edição de Mosaicos, com poesias inéditas, sairia em breve. Desconhecemos se haverá muita mais produção literária da autora, mas, pela simples, discreta e sensível feminilidade afinada pela arte literária, Berta de Ataíde revela uma escrita madura e sentida, que poderia ter contribuído muito mais para uma literatura insular no feminino, como atestam poemas como “A Lágrima” (“Lá no mundo dos mundos / Cada estrela que nasce / Caminha e resplandece, / Deixa candente o sulco / No pranto magoado / Dum astro que esmorece.”), ou “O Remeiro” (Nasci, criei-me nas ondas, / Por pátria só tenho mar, / Só conheço as harmonias / Das ondinas a cantar. / [...] Eis a visão do meu sonho, / A terra e jardins que vi, / Mas não troco a minha pátria / Leito azul onde nasci.”

Obras de Maria Helena Jervis de Atouguia e Almeida: Mosaicos (1907).

Bibliog. impressa: ASSOCIAÇÃO MADEIRENSE PROMOTORA DO BEM PÚBLICO E DE AUXÍLIO MÚTUO, “Actas das Sessões da Comissão Provisória da Associação Madeirense Promotora do Bem Público e de Auxilio Mutuo”, O Districto do Funchal, ago. 1877; ATAÍDE, Berta, Mosaicos, Lisboa, Bella Africana, 1907; CARDOSO, Nuno Catarino (comp. e pref.), Poetisas Portuguesas, Lisboa, N. C. Cardoso, 1917; COSTA, António da, Associação de Protecção e Instrucção do Sexo Feminino Funchalense, Lisboa, Imprensa Nacional, 1878; MARINO, Luís, Musa Insular: poetas da Madeira, Funchal, Eco do Funchal, 1959; SILVA, Fernando Augusto da e MENEZES, Carlos Azevedo, Elucidário Madeirense, vol. 3, ed. fac-simile, Funchal, DRAC, 1998; PORTO DA CRUZ, Visconde do, Notas e Comentários para a História Literária da Madeira, Funchal, CMF, 1953; digital: BARATA, Carlos Eduardo de Almeida, Catálogo Biográfico, Genealógico e Heráldico do Rio de Janeiro, Relação das Cartas de brasões passadas aos indivíduos naturais do Rio de Janeiro, ou, cuja família tem raízes no Rio de Janeiro: http://www.cbg.org.br/novo/wp-content/uploads/2012/07/cartas-de-brasao I.pdfhttp://www.cbg.org.br/novo/wpcontent/uploads/2012/07/cartas-de-brasao-I.pdf (acedido a 30 mar. 2015).

Helena Paula F. S. Borges

(atualizado a 07.03.2016)

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