haeckel, ernst heinrich philipp august

03 Dec 2020 por "Thomas Dellinger"
Biologia Terrestre

Ernst Haeckel é uma figura incontornável da biologia do séc. XIX, na medida que produziu uma vastíssima obra e tocou uma multitude de questões centrais para a biologia moderna. Nasceu na Alemanha (então Prússia), em Potsdam, uma cidade que faz fronteira com Berlim, sendo o pai advogado e funcionário público. Estudou medicina em Berlim, Wurtzburgo e Viena e obteve a licença médica em 1858. Interessa-se por invertebrados marinhos e obtém o doutoramento em 1857 com um estudo sobre a histologia de lagostins de rio. Com apenas 28 anos, em 1862, é nomeado professor na Universidade de Jena, na Turíngia, na qual permanecerá toda a sua vida, embora transite da faculdade de Medicina para a de Filosofia por se centrar mais em estudos zoológicos que médicos.

As primeiras viagens de Haeckel puseram-no em contacto com a biologia marinha e estabeleceram o seu amor aos organismos planctónicos; refira-se nomeadamente a viagem à ilha alemã de Helgoland, em 1854, como estudante, e, em 1859-1860, a Itália, no seguimento da qual descreve quase 150 espécies de radiolários (protozoários marinhos). Deste género de estudos nasceram várias monografias e, mais tarde, em 1904, dando renome à sua capacidade artística, uma coletânea das 100 melhores gravuras biológicas. Foi ele que identificou e classificou mais de 3500 espécies de Radiolários recolhidos pela expedição do Challenger, a primeira expedição oceanográfica mundial, que também passou pela Madeira.

Haeckel foi o principal promotor e popularizador das ideias de Darwin na Alemanha, tendo lido a 1.ª edição traduzida da Origem das espécies poucos meses depois de aparecer. Já em 1866, antes da sua visita à Madeira e às Canárias, se avistou em Inglaterra com Charles Darwin. Viria a visitá-lo de novo em 1876. O pensamento de Darwin influenciou todo o seu trabalho posterior de estruturação do conhecimento biológico, sendo a sua Morfologia Geral a obra em que tentou aplicar os princípios evolutivos à diversidade morfológica dos organismos e que popularizou com o seu livro A História da Criação. Disto, nasceram as primeiras árvores filogenéticas e a disciplina da Ecologia, como ciência das relações dos organismos com o meio ambiente. A famosa e controversa teoria da recapitulação é outra das consequências desta linha de pensamento, a qual propõe que a ontogenia (neste caso o desenvolvimento embrionário) recapitula a filogenia (a relação evolutiva entre os organismos). Também se antecipou a Darwin na aplicação específica da teoria da evolução ao Homem, pois o capítulo 19 da sua História da Criação propunha que o Homem tinha origem em antepassados comuns ao ser humano e aos Hominídeos (ele usava o termo Pithecanthropi) ou grandes primatas (HAECKEL, 1868, 507). Estas ideias foram mais desenvolvidas no tratado Evolução do Homem, no qual descreve a ontogenia e a filogenia humana em maior detalhe.

Em 1866, com apenas 32 anos, empreendeu uma viagem zoológica privada à Madeira e às Canárias, tendo passado antes pelo Reino Unido, onde esteve durante duas semanas e onde se encontrou pela primeira vez com Charles Darwin. Em Londres, juntou-se a um colega de Bona, Richard Greeff, que publicaria um relato da viagem e uma descrição da natureza da Madeira e das Canárias. Ambos embarcaram para Lisboa, onde se juntaram aos estudantes assistentes Hermann Fol e Nikolai Miklucho. Devido a um surto de cólera, foram obrigados a permanecer em Lisboa em quarentena durante duas semanas, embarcando a 15 de novembro no Lusitania em direção à Madeira, com a intenção de aí permanecerem várias semanas a fim de estudarem a fauna pelágica e litoral. Haeckel comenta que a orografia madeirense era pouco propícia a uma colheita abundante de amostras, e Greeff explica as razões em detalhe: a Madeira tinha arribas íngremes, somente praias de calhau, e as escassas baías eram pouco recortadas e protegidas, pelo que a costa estava continuamente exposta à força da ondulação; esse facto dificultava a fixação de organismos na zona intertidal para amostragem direta. Acrescia que as profundidades elevadas encontradas não longe da costa também não permitiam o uso das pequenas redes de arrasto dos fundos que os investigadores tinham levado consigo. Mesmo a amostragem pelágica de organismos na coluna de água parecia muito dificultada devido a o mar estar quase sempre revolto. Foi assim que decidiram aproveitar a boleia que lhes foi proposta pela fragata de guerra prussiana Niobe, ancorada no Funchal, um veleiro escola que zarparia para as Canárias e Cabo Verde dois dias após a chegada do grupo expedicionário. Permaneceram na Madeira de 16 a 19 de novembro, aproveitando a tarde do dia 18 para uma excursão a Câmara de Lobos.

Haeckel foi uma personagem polémica, sendo muitas das suas generalizações especulativas, embora incentivadoras de investigação posterior. No séc. XIX e inícios de XX, era tão conhecido como o próprio Darwin. No entanto, a sua versão e interpretação da teoria de evolução não coincidia completamente com a de Darwin, já que Haeckel defendia uma doutrina unitária da natureza (orgânico e inorgânico) sob as leis da teoria da evolução, o monismo, e mesmo ideias lamarckistas. Por outro lado, a sua classificação das raças humanas em termos de superioridade ou inferioridade de desenvolvimento e a sua defesa da eugenia e da eutanásia foram, no mínimo, polémicas, tendo sido posteriormente deturpadas pelos teóricos das ideias social-darwinistas nazis.

 

Obras de Ernst Haeckel: Die Radiolarien (Rhizopoda Radiaria): eine Monographie (1862); Generelle Morphologie der Organismen. Allgemeine Grundzüge der organischen Formen-Wissenschaft, mechanisch begründet durch die von Charles Darwin reformirte Descendenz-Theorie, 2 vols. (1866); Eine zoologische Exkursion nach den canarischen Inseln (1867); Natürliche Schöpfungsgeschichte: Gemeinverständliche wissenschaftliche Vorträge über die Entwicklungslehre ... über die Anwendung derselben auf den Ursprung des Menschen und andere damit zusammenhängende Grundfragen der Naturwissenschaft (1868); Anthropogenie oder Entwickelungsgeschichte des Menschen: gemeinverständliche wissenschaftliche Vorträge über die Grundzüge der menschlichen Keimes- und Stammes-Geschichte (1874); Report on the Radiolaria Collected by H.M.S. Challenger during the Years 1873-76 (1887); Report on the Siphonophorae Collected by H.M.S. Challenger during the Years 1873-1876 (1888); Kunstformen der Natur (1904).

 

Thomas Dellinger

(atualizado a 20.12.2017)

Bibliog.: DARWIN, C. R., A Origem das Espécies : por meio se Selecção Natural: ou a Preservação das Variedades Favorecidas na Luta pela Vida, Lisboa, Círculo de Leitores, 2009; EGERTON, F. N., “History of Ecological Sciences, Part 47: Ernst Haeckel's Ecology”, Bulletin of the Ecological Society of America, n.º 94, 2013, pp. 222-244; “Ernst Heinrich Philipp August Haeckel”, in BYERS, Paula K. (org.), Encyclopedia of World Biography, vol. vii, Detroit, Thomson Gale, 1998, pp. 61-62; GREEFF, R., Reise nach den Canarischen Inseln (London, Lissabon, Madeira ...): Mit populärnaturwissenschaftlichen Schilderungen, Bonn, M. Cohen & Sohn, 1868; Id., Madeira und die canarischen Inseln in naturwissenschaftlicher besonders zoologischer Beziehung, Marbug, C. L. Pfeil, 1872; HAECKEL, Ernst., Natürliche Schöpfungsgeschichte: Gemeinverständliche wissenschaftliche Vorträge über die Entwicklungslehre ... über die Anwendung derselben auf den Ursprung des Menschen und andere damit zusammenhängende Grundfragen der Naturwissenschaft, Berlin, G. Reimer 1868; KRAUßE, E., Ernst Haeckel, 2.ª ed., Leipzig, B. G. Teubner, 1987; RICHARDS, R. J., “The Moral Grammar of Narratives in History of Biology: The Case of Haeckel and Nazi Biology”, in HULL, D. L. e RUSE, M. (orgs.), The Cambridge Companion to the Philosophy of Biology, Cambridge, Cambridge University Press, 2007, pp. 429-451; RICHARDS, R. J., The Tragic Sense of Life: Ernst Haeckel and the Struggle over Evolutionary Thought, Chicago, University of Chicago Press, 2008; Id., “Haeckels Embryos: Fraud not Proven”, Biol Philos Biology & Philosophy, n.º 24, 2009, pp. 147-154; SPIRO, J. P., Defending the Master Race: Conservation, Eugenics, and the Legacy of Madison Grant, Burlington, University of Vermont Press, 2009; USCHMANN, G., “Haeckel, Ernst Heinrich Philipp”, in KOERTGE, Noretta (org.), Complete Dictionary of Scientific Biography, New York, Charles Scribner's Sons, 2008; WALLACE, A. R., “Haeckel's ‘The Evolution of Man’”, The Academy, 12 abr. e 19 abr. 1879, pp. 326 e 351; WEIKART, R., Hitler's Ethic: the Nazi Pursuit of Evolutionary Progress, New York, Palgrave Macmillan, 2009.

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