sociedade agrícola madeirense
O Código Administrativo de 1836 preconizava a constituição de sociedades agrícolas e industriais como um meio de proteger os interesses do comércio e da agricultura, mas foi o Código Administrativo de 1842 que levou à prática estas intenções, atribuindo à autoridade dos distritos administrativos o cuidado de promover o estabelecimento de tais associações. Finalmente o decreto com força de lei de 20 de setembro de 1844 providenciou a sua constituição de um modo mais percetível, referindo-se especialmente ao estabelecimento de sociedades agrícolas nas capitais de distrito, com o objetivo de divulgar os conhecimentos e meios adequados para o melhoramento da agricultura, sociedades que reunissem no seu seio «as pessoas mais ilustradas e zelosas do Bem Público, interessadas no estudo e derramamento dos conhecimentos agrónomos de que depende o melhoramento da agricultura principal parte da riqueza nacional» (Decreto-lei de 20 de setembro de 1844).
Na Madeira, foi José Silvestre Ribeiro que, em 21 de novembro de 1849, numa das salas do Palácio de S. Lourenço, na presença vários cidadãos portugueses e súbditos britânicos, constituiu pela primeira vez uma sociedade agrícola, que tomou o nome de sociedade Agrícola Madeirense (SAM). Na ocasião estava ainda presente o príncipe Maximiliano, duque de Leuchtenberg, de passagem pela Madeira, que aceitou ser protetor da mesma sociedade.
Os objetivos primários da sociedade, definidos então pelo Governador Civil, eram melhorar a agricultura madeirense introduzindo instrumentos, máquinas e novos processos de Cultura mais apropriados, mais simples e menos dispendiosos, implicando o concurso permanente das inteligências e a associação de capitais, acelerando a resolução de problemas de agronomia e de economia rural, guiando convenientemente a atenção e as tendências para o estudo das diversos ramos da ciência agrícola, e dando realce à profissão agrícola, para o que pediu o concurso de todos: «discutir assuntos importantes da ciência agronómica; esclarecer os lavradores sobre os métodos e prática que devem seguir nos trabalhos da lavoura; a mandar vir de todas as partes do Globo sementes, plantas, máquinas, instrumentos e utensílios agrícolas; a determinar as culturas e experiências que devem fazer-se e a indicar o modo de encaminhar as novas empresas; a melhorar as raças dos animais; a estabelecer quintas experimentais; a criar escolas de instrução agronómica; a pedir ao Governo; às Cortes e às Autoridades providências em benefício da agricultura» (O Agricultor Madeirense, mar. 1851, 1). A SAM tinha ainda como objetivo obstar à devastação do arvoredo, e promover a arborização das serras, a introdução de pastos artificiais, a criação de gados e o melhoramento das raças animais, além de procurar espalhar a instrução nos espaços rurais. Para que isto pudesse ser conseguido, preconizava que «todos os homens inteligentes e verdadeiramente amantes do seu país tratem de inscrever-se como sócios, […] que a direção da sociedade estude e trabalhe com fervor, […] que cada uma das Comissões se ocupe zelosamente dos objetos que estão ou forem confiados ao seu exame ou direção, […] que cada sócio se julgue obrigado pela consciência e empenhado por sua palavra a satisfazer às obrigações a que se ligou» (Ibid., 1 e 2). A sociedade Agrícola afastava-se dos partidos políticos, pedindo a colaboração de todos os interessados no bem comum.
O Governador Civil do Distrito do Funchal nomeou logo de seguida uma comissão para redigir os estatutos da sociedade, que foi constituída por Lourenço José moniz, António da Luz Pita, João de Freitas e Almeida, Francisco Vieira da Silva Barradas e Marceliano Ribeiro de Mendonça. Os estatutos foram apresentados, discutidos e aprovados na segunda reunião da sociedade, a 29 de dezembro desse mesmo ano, e ficaram a aguardar a confirmação do Governo, sem a qual a sociedade não poderia funcionar
Na terceira reunião, a 13 de janeiro de 1850, o Governador Civil dá conta aos membros da sociedade da aprovação governamental dos estatutos, após o que propõe, o nome dos sócios para constituir a sua Direção, proposta que foi aceite. A Direção ficou assim constituída: Alexandre de Oliveira, António da Luz Pita, António Alves da Silva, António Joaquim Gonçalves de Andrade, António Gonçalves de Almeida, António José de Vasconcelos, António Januário Moderno, Diogo de Ornelas de França Carvalhal, Frazão Figueira, Elmano Wilcott, Francisco Vieira da Silva Barradas, João Perestrelo de Vasconcelos, João Francisco de Florença Pereira, José Leão Drumond Cavaleiro, João de Figueira de Freitas e Albuquerque, Luís de Ornelas e Vasconcelos, Luís da Costa Pereira, Luís António de Ornelas, Jorge da Câmara Leme, Manuel Joaquim da Costa Andrade, Maurício de Andrade, Marceliano Ribeiro de Mendonça, Nuno de Freitas Lomelino, Pedro Agostinho Teixeira de Vasconcelos, Pedro de santana e Vasconcelos, Richard Davies, Severiano Alberto de Freitas Ferraz, Libério Augusto Blam, Valentim de Freitas Leal e Vicente de Brito Correia.
Na sessão de 17 de novembro de 1850, em que se realizou a primeira reunião da Direção, foi escolhido para vice-presidente Valentim de Freitas Leal, já que o presidente era o Governador Civil, para secretário Luís António de Ornelas, para vice-secretário António da Luz Pita e para tesoureiro António Gonçalves de Almeida. Após estas nomeações, foram eleitas as várias comissões de apoio à direção, de acordo com os n.os 1 e 2 do art. n.º 26 dos estatutos.
A sociedade procedeu então à ampliação dos seus estatutos, para que pudessem caber dentro dela os melhoramentos industriais e fabris do distrito.
Em 1851, a SAM começa a publicar um jornal mensal, que saiu pela primeira vez no dia 21 de março que tinha como objetivo publicitar as atas da direção e todos os trabalhos da sociedade Agrícola: «as propostas, indicações, relatórios e trabalhos dos sócios e comissões, ─ à legislação agrária em geral e em especial à da Madeira, ─ às Memórias, artigos e escritos interessantes sobre a Agricultura». Para a consecução destes objetivos, pedia a todos os madeirenses e porto-santenses que fizessem todos os esforços para «coadjuvar os esforços da Autoridade Administrativa, na parte em que esta promove o desenvolvimento da sociedade Agrícola» (O Agricultor Madeirense, mar. 1851, 1). Este jornal viria a ter uma vida efémera, tendo terminado a sua publicação em dezembro de 1851.
Entretanto, José Silvestre Ribeiro deixa a governação do distrito, para se dedicar às lides parlamentares em Lisboa. A SAM passa a ser dirigida, a partir de 18 de março de 1853, pelo Visconde de Fornos de Algodres, João Maria de Abreu Castelo Branco Cardoso e Melo (1852-54) e, a partir de 19 de julho do ano seguinte, por José Gerardo Ferreira Passos (1854-1856), então governadores civis do distrito. A última reunião da SAM desta primeira fase realizou-se no dia 8 de agosto de 1854.
Mas a sociedade Agrícola esmorecera após a saída de José Silvestre Ribeiro do Funchal. Com a publicação do decreto de 23 de novembro de 1854, que regulava a atividade das sociedades agrícolas, José Gerardo Ferreira Passos envia uma circular a todos aqueles que eram considerados membros natos da sociedade Agrícola do Distrito, convidando-os a estarem presentes na reunião que teria lugar no Palácio de S. Lourenço no dia 3 de março de 1855, com a finalidade de proceder à sua reinstalação, de acordo com o referido decreto regulamentar.
Na sessão de 16 de maio de 1855, foram eleitos os órgãos sociais da nova sociedade Agrícola, agora com o nome de sociedade Agrícola do Funchal (SAF). A nova Direção ficou assim constituída: António Gonçalves de Freitas, Sebastião Frederico Rodrigues Leal, Pedro de santana e Vasconcelos, António Rogério Gromicho Loureiro, Marceliano Ribeiro de Mendonça, Valentim de Freitas Leal, João Perestrelo de Vasconcelos, Luís de Freitas Branco, Tarquínio Torquato da Câmara Lomelino, Fidélio de Freitas Branco, Luís António de Ornelas, Luís de Figueira Albuquerque, José Pereira Sanches Castro e António de Magalhães; o Conselho Fiscal ficou constituído pelos seguintes sócios: Vicente de Brito Correia, Vicente José de Antas, António Joaquim Marques Basto, João Augusto Barradas, José Ventura Sá Cunha, João de Freitas e Almeida, Manuel de Gouveia Rego, António José Gonçalves de Ornelas, João Augusto da Silva Carvalho, Fidélio de Freitas Branco, Francisco de Andrade, Diogo Sales de Meneses, Luís António de Ornelas, Luís de Freitas Branco, José Joaquim de Sá, Maurício José de Castelo Branco, Manuel Joaquim Carvalho de Meireles e Alexandre Pedro Cunha. Na reunião seguinte, de 24 de maio, foram eleitos os membros das cinco secções de que trata o artigo 12.º do decreto de 23 de novembro de 1854, que tinham a seu cargo o estudo dos vários problemas da agricultura. Os sócios da anterior SAM também foram convocados para esta reunião, a fim de participarem nas novas atividades.
A 2 de julho de 1858, realizaram-se novas eleições para os corpos gerentes da SAF. A nova Direção era constituída pelos seguintes sócios: Conde de Carvalhal, Valentim de Freitas Leal, Nuno de Freitas Lomelino, João de Freitas Correia da Silva, Diogo de Ornelas Frazão, João Francisco de Florença, Diogo Berenguer de França Neto, Francisco António Bettencourt Esmeraldo, João José de Ornelas Cabral e António João B. Favila. Na reunião seguinte, de 20 de novembro foram instaladas as referidas cinco subcomissões e eleitos os membros do Conselho Fiscal, tendo a escolha recaído nos seguintes elementos: António Pedro de Azevedo, António da Luz Pita, Joaquim Malho de Meireles, João Escórcio D. da Câmara, Geraldo José de Nóbrega.
A partir do dia 15 de abril de 1860, a SAF passou a ser presidida pelo Conde do Farrobo, devido à sua condição de novo Governador Civil, tendo sido proposto, na reunião que teve lugar neste dia, a nomeação de uma nova Direção e Conselho Fiscal, assim como das cinco secções, proposta que foi rejeitada, tendo sido deliberado fazer primeiro uma audição à Direção e às subcomissões sobre o assunto. Ouvida a direcção e as subcomissões, decidiu-se convocar eleições para as mesmas. A nova Direção foi eleita a 20 de dezembro desse ano. Da nova Direção faziam parte: Francisco José Sá Camacho Lampreia, João da Câmara, João Perestrelo e Vasconcelos, João Maria moniz, Júlio M. da Silva Carvalho, Severiano de Freitas Ferraz, António Pedro Azevedo, Luís de Oliveira Lopes, João de santana e Vasconcelos e Luís António de Ornelas. O Conselho Fiscal ficou assim constituído: Vicente José de Antas, João de Sales Caldeira, Maurício José de Castelo Branco e António Barnabé Soares.
Em 1865, um extenso relatório elaborado por Eduardo Grande, agrónomo do distrito, destaca o papel da sociedade Agrícola no desenvolvimento da pecuária (aumento do gado bovino, caprino, suíno e cavalar); na ampliação das pastagens e na criação de pastos artificiais; no incremento dado à produção de leite e de manteiga, com a importação de vacas leiteiras e o cruzamento entre várias raças; na transformação dos baldios em terras agricultáveis; no crescimento da produção de cereais e leguminosas; no aumento da plantação de cana-de-açúcar; no desenvolvimento das matas e florestas, com a propagação e conservação das árvores nas suas serranias de forma que as suas raízes amparassem os declives e ladeiras, repartindo a aglomeração das chuvas com os seus ramos e folhas; na produção de madeiras para construção de navios, tanoaria, aduelas e tabuado para construção civil (entre 1850 e 1854 construíram-se nos estaleiros madeirenses 174 navios). A sociedade Agrícola também incrementou a produção de lande, castanha, baga de louro, fruto de faia, quercitron, resina e laranja, entre outros produtos; desenvolveu hortas e pomares, o cultivo da amoreira e do bicho-da-seda, e introduziu o cultivo do tabaco. As amoreiras foram plantadas nos rocios, nas praças, nos passeios públicos e nas estradas, incentivando-se o seu cultivo com a atribuição de prémios às melhores criações.
A Cultura dos cereais na Madeira fora durante muito tempo limitada, dado que os agricultores preferiam a viticultura, que era mais lucrativa. A fome de 1847 produziu grandes embaraços e mostrou a urgência de alargar a esfera de produção das culturas de subsistência. Com efeito, a doença das vinhas restringiu os meios financeiros que permitiam importar os cereais que alimentavam a população madeirense durante mais de metade do ano, espalhando a desolação por todo o distrito. A sociedade Agrícola sensibilizou os agricultores madeirenses para a necessidade da Cultura dos cereais, ajudando na escolha de métodos e adubos e no aperfeiçoamento da Cultura, o que levou ao alargamento da área desta produção. A SAF adotou o sistema de afolhamentos, vulgarizado na Europa da época; introduziu ferruginosas, em aliança com a indústria pecuária; e promoveu e dirigiu as torrentes de água de irrigação em todos os concelhos da Madeira, condições que foram consideradas as alavancas da agricultura madeirense. Com efeito, a falta de conhecimento dos princípios mais rudimentares das práticas agrícolas, a carência de boas sementes, a dificuldade em adotar novos métodos mais racionais eram as principais causas do atraso de quase todos os ramos da agricultura na Madeira.
A vinha mereceu uma atenção especial por parte da sociedade Agrícola, em especial depois da doença de que foi acometida em consequência da difusão do oidium tuckeri que, desde 1852, assolou as vinhas da Madeira, reduzindo-as a uma pequena produção e fazendo abandonar quase por completo a sua Cultura em todo o distrito, sendo substituída por novos vinhedos.
Em 29 de novembro de 1876, a sociedade Agrícola do Funchal passa a ser presidida pelo novo Governador Civil, Francisco de Albuquerque Mesquita e Castro, nomeado numa reunião em que estiveram presentes maioritariamente membros da primeira SAM. A partir desta altura, a sociedade deixa de ter o protagonismo de outros tempos e vai definhando até 1880, data da sua extinção.
Emanuel Janes
(atualizado a 13.02.2017)
Bibliog.: manuscrita: ARM, Actas da Sociedade Agrícola da Madeira 1850-55 e 1858-1876; impressa: Estatutos da Sociedade Agrícola Madeirense, Funchal, Tipografia Nacional, 1850; GRANDE, Eduardo, Relatório da Sociedade Agrícola do Funchal, Funchal, Tipografia do Distrito do Funchal, 1865; O Agricultor Madeirense, n.os 1 a 9, mar-dez 1851.