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re-nhau-nhau - trimensário humorístico

O Re-nhau-nhau foi um trimensário humorístico madeirense, centrado na caracterização do Zé Povinho da Madeira, estereótipo que teve grande importância e um papel relevante no sucesso deste periódico. O jornal saiu pela primeira vez com um número especial no dia 16 de dezembro de 1929, sendo o primeiro número datado de 20 de dezembro desse mesmo ano. O último número, por sua vez, tem a data de 20 de dezembro de 1977. O Re-nhau-nhau surge numa época de “apagada e vil tristeza”. A imprensa existente nesta época estava na dependência dos poderes económico, político e religioso. Os jornais de maior projeção no arquipélago pertenciam aos grandes senhores da terra ou à instituição religiosa. O Re-nhau-nhau surge num contexto histórico difícil, devido à implantação no país de uma férrea ditadura que iria condicionar decisivamente a livre expressão e cercear a liberdade de imprensa, criando a censura prévia e uma polícia política que coartava a liberdade de pensamento, assim como todas as iniciativas jornalísticas que surgiriam. O Re-nhau-nhau surge com esta significativa e corajosa justificação: “Os nossos irrequietos e verdes anos, o nosso inconformismo, não se compadeciam com o estagnamento jornalistico da nossa terra com a brandura das suas críticas” (“Editorial”, Re-nhau-nhau, 29 dez. 1929, 1). Enquanto jornal satírico, iria colocar em evidência esta situação de dependência em que vivia a imprensa regional, sendo portador duma mensagem nova, imbuído de ideais e valores desconhecidos na sociedade madeirense. Era um jornal que pretendia viver exclusivamente das receitas provenientes da sua venda ao público e do recurso a alguma publicidade. A caricatura era então uma arte pouco conhecida na Madeira e o Re-nhau-nhau, revelando-a na Ilha, alforriou-a, emparelhando, assim, por mérito próprio, ao lado das Belas Artes. Das suas oficinas saíram as primeiras gravuras que ilustraram todos os jornais diários madeirenses. Foi aqui que se desenvolveu e aperfeiçoou o sistema da gravura em linolito, que mais tarde todos os jornais madeirenses utilizaram. A ideia surgiu numa noite, junto a uma esquina da R. da Ribeira de S. João, que dá para a Trav. das Violetas, quando Gonçalves Preto, João Miguel e Eduardo Nunes discutiram “a possibilidade de fazerem um semanário humurístico, mas feito com um humurismo (sic) tal que fosse capaz de fazer o indígena morrer de riso, desopilhando o figado e regiões adjacentes” (“Editorial”, Re-nhau-nhau, 21 dez. 1936, 1). Começaram logo a fazer contas, fantasiando os fabulosos lucros que lhes traria um jornal de quatro páginas, idealizando-o recheado de anúncios pagos a peso de ouro. Mas, infelizmente, apenas oito anos passados desde o dia que deu à luz este jornal, estes mesmos homens constatavam que “Proventos deixa-nos Re-nhau-nhau o suficiente para contrairmos as nossas dívidas...” (Ibid.), pois tudo o que recebiam se destinava à tipografia. Arrumadas as ideias e resolvidos os problemas que dificultavam a saída do jornal, o primeiro número surge a 16 de dezembro de 1929, um número especial, onde estes jovens apresentam as ideias mestras do seu projeto: publicar um trimensário humorístico, ilustrado com caricaturas, que sairia aos dias 10, 20 e 30 de cada mês. Este número especial caricatura alguns jovens da “Briosa” – os académicos do Liceu Nacional do Funchal – e também os colaboradores iniciais do Re-nhau-nhau. No desenho de capa do número assinalado como especial, e sob o título “Dedicado Aos Briosos da Briosa Academia”, são apresentados dois estudantes de capa e batina estudantil, naquele tempo um hábito muito em voga mesmo para estudantes liceais, que fora introduzido nos liceus nos finais do séc. XIX e vigoraria até 1939; são eles Teixeira Jardim, presidente da Academia, e Liberato Ribeiro, presidente da Executiva. A seguir surge o subtítulo: “Re-nhau-nhau ao dar os primeiros ares da sua graça, dedica este número especial de miaus a todos os futuros Pais da Pátria em geral, e às suas noivas em particular...” (Re-nhau-nhau, 16 dez. 1929, 1). Mas o seu programa só nos é apresentado no n.º 1, com a justificação de que: “Re-nhau-nhau, ao miar pela primeira vez, neste número dedicado à Briosa, deveria como é costume, fazer a sua apresentação oficial. Como agora porém, se não pode brincar com a tropa e muito menos com os oficiais, vai esta apresentação particular, ficando reservada a apresentação solene para o nosso segundo numero” (Re-nhau-nhau, 16 dez. 1929), que saíria dali a quatro dias, exactamente, no dia 20 de dezembro. Logo na segunda página, num artigo assinado por “Gonçalves de côr ausente”, com o título “In principio erat verbum”, Gonçalves Preto explica a configuração do jornal: “No principio era o verbo! E o verbo se fez carne, e a carne se fez homem, e o homem se fez jornalista. E no principio o jornalista contentava-se apenas com o verbo de encher... colunas. Mas hoje tudo mudou e só o verbo não basta; são precisas as gravuras. Daí a razão do nosso jornal aparecer ilustrado por ilustres ilustradores, que nos honram com as suas ilustrações” . Advertia, ainda, que não aceitariam a colaboração de jornalistas consagrados, “porque estamos na verdura da mocidade e não admitimos os maduros” (GONÇALVES DE CÔR AUSENTE, Re-nhau-nhau, 20 dez. 1929, 2). O cabeçalho do periódico é da autoria de Roberto Cunha, também conhecido pela alcunha de “Terrique”: compõe-se de um gato, de rabo hirto, acossado por uma mão coberta de luva, que o incita a rugir, significando, talvez, o ferir ou arranhar, mas com... luva. O rugido que sai da sua boca é o título do trimensário Re-nhau-nhau. O felino, apoiado nas duas patas traseiras e com as duas da frente levantadas, prepara-se para atacar a sua presa, assumindo a sua posição característica de ataque, encolhendo-se e preparando-se para saltar. Este cabeçalho que se mantém sem alteração até ao último dia da existência do jornal foi o seu ex-libris. De acordo com um dos colaboradores, Manuel Peres (Pinto da Silva), este cabeçalho foi gravado pela primeira vez no Porto, num famoso gravador dessa cidade. As dificuldades em colocar nos escaparates um jornal desta dimensão eram enormes. Estes jovens, entre os 17 e os 24 anos – Gonçalves Preto, João Miguel, Roberto Cunha, Manuel Peres, Gualberto Malho Rodrigues e José Cardoso –, meteram mãos à obra e levantaram um jornal que duraria 48 anos, tantos quantos o regime durante o qual nasceu e cresceu: “sem nunca se ter afastado da sua orientação inicial, tem vindo pela vida fora, com um sorriso ou com uma ironia, sacudir a monotonia sórdida do nosso burgo, como unica nota de vida numa cidade morta” (Re-nhau-nhau, 21 dez. 1935). O Re-nhau-nhau veio assim a constituir um ponto de encontro e de confluência de ideias, um espaço de diálogo e de debate onde outros jovens talentosos se juntaram àqueles, como os redatores Noé Pestana e João França, os caricaturistas Ivo Ferreira, Teixeira Cabral, Alírio Sequeira, Ramon Fernandes, João Rosa, Júlio e Paulo Sá Brás, os gravadores Mendonça, Agostinho, Semeão Gomes (Lico) e Bernardo, e ainda os ilustradores continentais Natalino, Quim e Abel Aragão Teixeira. Estes serão presenças assíduas até um determinado momento, mas a partir de certa altura cada um segue o rumo da sua vida e muitos abandonam o jornal. Esses são substituídos por outros jovens de grande talento e valor, que darão qualidade e vida ao jornal até 1977. A publicação deste jornal causou algum alvoroço na cidade, pois as pessoas não estavam habituadas às novas metodologias usadas por estes jovens irreverentes, que vinham revolucionar o jornalismo da praça, e teciam considerações pejorativas em torno do jornal e dos seus criadores, destinando-lhe um fim precoce. Enganaram-se estes profetas da desgraça, pois o jornal acabou sendo o mais popular entre o povo madeirense e continuou por muitos e bons anos. Abordando os assuntos de forma caricatural, com a sua pontinha de sátira, conseguiram, com o seu riso, fazer aquilo que competia aos jornais sérios: divulgar os problemas de maior interesse para a Madeira, comentar as coisas que não estavam feitas ou a decorrer como deveriam, sugerindo aquilo que, no seu entender, constituiria melhor solução para os problemas da terra. Em resumo: “Aplaudindo quando nos parece de justiça e ironizando sempre que é necessário, temos vivido durante estes […] anos”. Muitas das sugestões preconizadas por estes jovens foram aceites, o que prova as boas intenções de que estava imbuído o jornal: “Re-nhau-nhau tem sido, desde o seu principio, o único periódico que pugna, sinceramente, pelas causas de interesse retintamente madeirense” (Re-nhau-nhau, 21 dez. 1936). O tamanho do jornal era de 33,5 cm de comprimento por 25 cm de largura. Estas medidas permaneceram sem alteração até 1940, mas iriam alterar-se para outras um pouco maiores na déc. de 60. O preço, no início da sua publicação, era de 1$50, baixando para 1$00 (uma pataca, como apregoavam), a partir do n.º 73 de 4 de fevereiro de 1932, continuando assim durante bastante tempo. Seria um preço razoável para a época e para o tipo de jornal que era o Re-nhau-nhau, pois era o mesmo preço do café no Golden Gate. O periódico compunha-se de uma primeira página, ¾ da qual eram preenchidos com uma moldura ilustrada de algum acontecimento importante na Região, na fórmula já experimentada em outros jornais do género no continente, e uma contracapa caricaturada a toda a página. Como jornal humorístico, não tinha secções regulares, persistindo algumas mais tempo do que outras. Durante algum tempo, foram permanentes as seguintes secções: “Jazz Band”, onde se comentavam os faits divers madeirenses; “Zaz Paz Traz” e “Bchi-Bchi”, espaços de poesia; “Politiquices”, secção onde se analisavam, humoristicamente, os acontecimentos políticos da Região; “Fitas e Teatradas”, espaço dedicado à crítica cinematográfica, teatral e restante atividade artística madeirense. Outros espaços existiram no Re-nhau-nhau, que eram oferecidos a alguns jovens de valor, que aí publicavam os seus textos em prosa ou em verso. Este periódico sofreu ligeiras alterações de direção e administração a partir da morte de João Miguel e de Gonçalves Preto. Em 1959, com a morte de João Miguel, a administração passou para os seus herdeiros, e a partir de 1971, com o falecimento de Gonçalves Preto, a direção passou para Maria Mendonça, que por motivo de grave doença o abandonou, algum tempo depois, em favor de Gil Gomes. Um homem em particular foi responsável pelo êxito do Re-nhau-nhau. Referimo-nos a Pedro Alberto Gonçalves Preto, que nasceu no dia 7 de setembro de 1907, na freguesia da Sé, no Funchal, filho de Francisco M. de Freitas Gonçalves Preto, advogado, homem ligado à República na Madeira, e de Sofia Amélia Figueira Gonçalves Preto. Desempenhou o cargo de diretor até à sua morte, dedicando grande parte da sua vida ao jornal, por vezes mesmo em precárias condições de saúde; ao seu cuidado tinha a grande maioria das secções do trimensário: “Jazz Band”, “Fitas e Teatradas”, “Zaz Paz Traz”, “Politiquices”, etc. Segundo alguns colaboradores do Re-nhau-nhau, houve vezes em que Gonçalves Preto o escreveu sozinho, do princípio ao fim. Usava, nas suas brincadeiras jornalísticas, os pseudónimos Gonçalves de Côr Ausente, Preto e Branco (quando escrevia a meias com João Miguel) ou simplesmente Preto. Faleceu no Hospital dos Marmeleiros, no Funchal, no dia 15 de maio de 1971.   Emanuel Janes (atualizado a 17.12.2017) artigos relacionados: pedro, alberto gonçalves periódicos literários (sécs. XIX e XX) nau sem rumo atlântico, revista

Literatura Sociedade e Comunicação Social

a revolta do leite

A indústria dos laticínios na Madeira encontrava-se, na déc. de 1930, num estado precário e a situação económica era de uma decadência que levaria, impreterivelmente, à ruina de grande parte dos industriais. Em 1935, quando se intensificaram os esforços para a sua regulamentação, o descalabro tinha atingido o auge, instalando-se uma “guerra do leite”, como se chamou então à concorrência existente entre os industriais, que, para atingirem os seus fins, empregavam meios considerados pouco honestos. O preço do produto era uma das armas utilizadas conforme a necessidade de cada industrial, assim como os postos de desnatação, que eram estabelecidos nas zonas dos adversários, funcionando como elementos de ataque ou defesa das respetivas posições económicas. De forma a angariarem leite para os seus postos, os industriais recorriam a todos os expedientes; foi nesta altura que apareceram as gratificações e outras ofertas aos produtores, se entregassem o seu leite a determinado industrial. Assim, a especulação, as influências e a corrupção passaram a ser o motor da luta pelo leite. As medidas do leite também eram defraudadas. Autor desconhecido - Imagem retirada do bloque: http://miguelabarreiro.spaces.live.com Um dos grandes fatores de perturbação resultava da extraordinária proliferação de postos, que aumentavam todos os anos. Assim, em 1935 existiam 1301 postos, representando uma média diária de laboração de 40 a 44 l, bastante escassa tendo em conta que as desnatadeiras eram de 150 l horários. Um dos produtos derivados, a manteiga, tendia para uma inferior qualidade, dadas as más condições de aquisição do leite e das natas. Por outro lado, o industrial estava na dependência do produtor e do encarregado, e não podia assegurar uma laboração contínua e a horas adequadas, nem precaver-se contra as falsificações e os abusos cometidos. Assim, as despesas com os angariadores de leite, as gratificações, a manutenção de um número elevado de postos de desnatação, a concorrência estabelecida pelos preços e a sua aquisição feita em condições bastante precárias pareciam encaminhar a indústria dos laticínios para o seu aniquilamento. As dependências deste sistema vicioso levavam a que alguns industriais pagassem o leite ao produtor com dois ou três meses de atraso; prejudicados por este sistema irregular, os produtores recorriam ao crédito, que lhes absorvia o produto do seu trabalho, desorganizando-lhes a economia doméstica. A solução do problema dos laticínios era de vital importância para a própria economia da Madeira. Com efeito, nessa altura, a Madeira dependia economicamente do sector pecuário, que era a principal atividade e a fonte de maior rendimento do arquipélago, muito superior à produção do vinho, da banana e do açúcar, chegando a exportação a atingir mais de 450 t de manteiga, com rendimentos superiores a 7.500 contos. Assim, a 4 de junho de 1936, é promulgado o dec.-lei n.º 26.655, que instituía o monopólio dos lacticínios através da criação da Junta Nacional dos Lacticínios da Madeira. O Governo pretendia pôr fim à organização caótica do sector, regulamentando a exploração dos laticínios na Madeira. A Junta funcionaria como uma organismo de coordenação económica da produção e comercialização do leite e das indústrias de lacticínios, tentando corrigir os abusos e os desmandos dos industriais e dos produtores. Tendo entrado em vigor esse decreto-lei, logo se verificaram vários distúrbios populares, que deram origem a inúmeras detenções e a alguns mortos. No ano de 1936, laboravam por toda a Ilha 64 fábricas, encontrando-se registados 1301 postos de desnatação, 1061 com licença e a laborar, e 240 suspensos ou extintos. No entanto, destes 1301 apenas 987 laboravam normalmente, produzindo cerca de 840 t de manteiga; os restantes 74 mantinham-se encerrados, embora mantivessem a licença sanitária. Com a publicação do decreto e da instalação da Junta dos Lacticínios da Madeira, os postos de desnatação foram reduzidos ao seu número essencial, em conformidade com a economia da Madeira, limitados à sua função restrita e atribuídos aos industriais, de acordo com a localização das respetivas fábricas; foram assim encerrados 741 postos de desnatação, ficando a funcionar apenas 320. A Junta dos Lacticínios passou a controlar a higiene dos estábulos, a seleção e o cruzamento das espécies bovinas, a qualidade do leite e o transporte dos produtos, medidas consideradas necessárias ao bom funcionamento da economia leiteira. No entanto, a sua atividade não se esgotava aí, pois era a Junta que – em benefício dum pequeno punhado de grandes unidades, nomeadamente a Fábrica Burnay e a Martins e Rebelo – passava a determinar o preço a pagar aos produtores, a administrar os postos de desnatação e a ratear as sempre insuficientes natas destinadas às fábricas de manteiga, passando a controlar e a manipular os produtores de leite e os pequenos e médios industriais de lacticínios. Esta conjuntura provocou uma revolta entre a população, que se tornou por vezes violenta e se estendeu a várias freguesias da Madeira. Na freguesia do Faial, onde os motins foram mais intensos, o pároco, P.e César Miguel Teixeira da Fonte (1902-1989), na homilia da missa do domingo 26 de julho de 1936 na igreja matriz, procurou apaziguar os ânimos da população exaltada, distribuindo um comunicado da Junta dos Lacticínios a explicar a situação, e dando conhecimento da existência dum abaixo-assinado a enviar ao governador civil, o Brig. Goulart de Medeiros. Três dias depois, os ânimos da população voltaram a alterar-se, tendo os populares tentado impedir a saída da manteiga para o Funchal. O padre, que nesse momento se encontrava no Funchal, foi solicitado pelo governador a dirigir-se ao Faial para acalmar os populares e tentar impedir que se amotinassem, com a promessa de retirada dos agentes da polícia ali estacionados devido aos incidentes. O chefe da polícia, Avelino Pereira, atiçou ainda mais os ânimos, lançando o boato de que o sacerdote se havia passado para o lado da Junta dos Lacticínios, tendo sido por ela encarregado de resolver a questão do leite a seu contento. Deste modo, a 31 de julho, cerca de 4000 camponeses irados e armados de varapaus, foices e outros utensílios encaminharam-se para a freguesia de São Roque do Faial, onde prenderam o fiscal da Junta de Lacticínios, Luís Teixeira da Fonte (irmão do pároco), dirigindo-se depois para a igreja do Faial para expulsarem o vigário. Só não causaram mortes e estragos de monta, porque o P.e César Miguel Teixeira da Fonte conseguiu esclarecê-los e provar a sua isenção, prometendo mover influências para que a produção e comercialização do leite voltassem a ser livres. No dia seguinte, juntou-se nas Cruzinhas do Concelho de Santana uma multidão, que elegeu uma comissão para negociar com as autoridades o retorno à situação antiga. Nos dias que se seguiram, estoiraram por toda a Ilha vários focos de revolução. Na Ponta do Sol e nos Canhas, centenas de agricultores, incluindo muitas mulheres, enfrentaram a repressão policial e reivindicaram a revogação do monopólio do leite. Na Ribeira Brava, os camponeses assaltaram a Repartição de Finanças e o Registo Civil, destruindo documentos e manifestando-se contra a Junta dos Lacticínios; foram reprimidos pela polícia e pela tropa, resultando das escaramuças alguns mortos e muitos feridos. Em Machico, a tropa e a polícia carregaram sobre a multidão de camponeses que protestava vivamente junto da Câmara, tendo ferido bastantes pessoas e causado a morte de um popular. No Funchal, os cerca de 320 leiteiros que distribuíam o leite na cidade entraram em greve, enquanto centenas de funchalenses saqueavam estabelecimentos comerciais e assaltavam as fábricas de manteiga Martins e Rebelo, Leacock, e Reis e Freitas, destruindo máquinas e outros equipamentos. Em resposta, o Governo enviou imediatamente para a Madeira forças militares, nos navios de guerra Gonçalves Zarco e Bartolomeu Dias, bem como um destacamento de agentes da polícia secreta, que procedeu a grandes investigações e devassas, tendo sido presos centenas de madeirenses, grande parte dos quais foi enviada para as prisões do continente e alguns para as dos Açores e de Cabo Verde, ficando cerca de uma centena encarcerados na cadeia do Lazareto (conhecida popularmente como Forno do Lazareto). O ardina Manuel Garcês foi assassinado quando distribuía o jornal revolucionário Solidariedade. Entre os presos, contava-se o P.e César Miguel Teixeira da Fonte, detido a 11 de setembro de 1936, que permaneceu durante 11 meses na cadeia do Lazareto, e foi transferido, em agosto de 1937, para Caxias, juntamente com outros 100 prisioneiros. Após a sua saída da prisão, em liberdade condicional, em fevereiro de 1938, foi-lhe fixada residência em Lisboa, sempre vigiado de perto pela Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (depois Polícia Internacional de Defesa do Estado), à qual tinha de se apresentar semanalmente. Nesse mesmo mês de agosto de 1937, foram libertados os últimos presos do concelho de Santana. No seu relatório de defesa, escrito em Lisboa a 27 de setembro de 1937, no qual afirma que não atentou contra o Estado nem incitou o povo à revolta, o P.e Teixeira da Fonte refere que nos dias 5, 9, e 10 de julho de 1936, “à hora das missas”, perante a “efervescência popular”, se viu forçado “por um dever de consciência e de patriotismo a admoestar os seus paroquianos”, tendo-lhes pedido para não provocarem “ajuntamentos ou amotinamentos”, porque “era proibido pelas Leis de Deus e do País”. Também lhes disse que “derramaria o seu sangue se fosse preciso para salvar as suas ovelhas espirituais”, alertando-os contra os boatos e insistindo “que só era permitido fazer um abaixo-assinado, dirigido ao Governador e à Junta dos Lacticínios” e que “os párocos não estavam encarregados de dar explicações sobre este ponto, já por ignorarem a matéria política e também por a Igreja não ser lugar próprio para tratar de assuntos profanos” e que por isso deveriam “encontrar-se com quaisquer cavalheiros no Funchal conhecedores do assunto e pedir-lhes explicações sobre o decreto”. O padre refere ainda, no seu relatório, que informou os seus paroquianos de que os amotinamentos “não só ofendem gravemente a Deus, mas também as autoridades, que de forma alguma podem admitir a violência”, insistindo que deles “provinham grandes males, como prisões, processos, multas e tantos outros prejuízos” (FONTE, 1937). A imprensa da época silenciou estes acontecimentos. Apenas o porta-voz do Partido Comunista Português, o clandestino Avante, se referiu aos mesmos. Os pequenos e médios industriais das fábricas de lacticínios e muitos camponeses ainda tentaram organizar-se em cooperativas, mas sem qualquer sucesso, pois pouco depois a Junta Nacional dos Lacticínios da Madeira proibia a sua atividade.   Emanuel Janes

História Económica e Social

castro, luís vieira de

Fig. 1 – Fotografia de Luís Vieira de Castro. Fonte: Museu Vicentes.   Luís Lopes Vieira de Castro nasceu no Funchal no dia 10 de maio de 1898. Concluiu o ensino secundário no Liceu do Funchal, após o que se matriculou em Direito na Universidade de Coimbra, vindo a acabar o curso em Lisboa em 1922. Foi depois para a sua terra natal, onde abriu banca de advogado, ao mesmo tempo que se dedicava ao jornalismo e à política. Monárquico integralista convicto, defendia a restauração da monarquia pré-liberal e o regresso à sociedade cristã e patriarcal tradicional, pugnando por uma monarquia orgânica, tradicionalista, antiparlamentar, que deveria apoiar-se no poder das corporações e dos municípios, sob o comando pessoal e incontestável do Rei. Desde cedo, em Coimbra, onde conviveu com monárquicos integralistas, vai dedicar-se ao jornalismo, fundando dois jornais académicos que estavam alinhados com o seu credo político, o Pátria Nova (1916) e o Restauração (1921), e colaborando ainda com outros. Nestes dois semanários, vai desenvolver e defender as ideias políticas e sociais que desejava ver implantadas no país. No Pátria Nova, combate pelos ideais do integralismo lusitano. No Restauração, começa por lutar pelas mesmas ideias, mas, a partir de 1922, com o Pacto de Paris, que leva ao rompimento do Integralismo Lusitano com o ex-Monarca português, D. Manuel II, então exilado em Inglaterra, vai afastar-se daquele movimento político, que passa a optar pelo pretendente legitimista D. Miguel, do ramo familiar de D. Miguel, Rei absoluto que governara o país entre 1828 e 1834. Tal como os seus amigos do Restauração, vai aderir à outra fação integralista, entretanto fundada por Alfredo Pimenta, a Ação Realista Portuguesa, que, embora integralista, não rejeitava D. Manuel. Em 1922, depois de concluída a licenciatura, regressa a casa e vai ser convidado pelo lugar-tenente do Rei, o madeirense Aires de Ornelas, para organizar a Causa Monárquica na Madeira. Funda então o Jornal da Madeira, em 22 de novembro de 1923, periódico de cariz regionalista que se apresenta como defensor de uma imprensa regional independente da nacional e que, segundo o seu fundador, aparece para defender a autonomia da Madeira do centralismo da república. É de facto Luís Vieira de Castro que, no princípio da déc. de 20, e na sequência da época festiva que se vivera na Madeira, em 1922, com a comemoração do 5.º centenário do descobrimento da Madeira, dá voz à propaganda autonomista, ao abrir, nas colunas do seu jornal, um espaço de debate dedicado a este tema. Promove então um inquérito sobre esta temática a algumas figuras ilustres da região. São auscultados o banqueiro Henrique Vieira de Castro, seu pai, e o P.e Fernando Augusto da Silva, entre outros. Não se pensava em independência, mas apenas numa descentralização administrativa, embora o sacerdote tenha defendido a criação de um partido autonomista. Estas ideias autonomistas, vazias de conteúdo, foram ficando no papel, visto que a conceção de Luís Vieira de Castro mais representava uma demarcação relativamente ao regime republicano do continente, que ele combatia. A autonomia, para ele, era apenas uma estratégia para colher dividendos políticos e aglutinar os descontentes contra a república, já que, no seu entender, essa autonomia só seria realizável dentro da monarquia tradicional e antiparlamentar. Isto mesmo o exprime logo no primeiro editorial do Jornal da Madeira: “Descentralização, no rigoroso sentido da palavra, teve-a Portugal, com licença dos espíritos avançados (?) no bom tempo antigo. Veio depois o liberalismo, com eleições, foguetes, discursos, sonetos e hinos – consoante reza o mestre Herculano – e surripiou-nos as atribuições conferidas pelos velhos forais, que eram as autênticas cartas de lei da nossa autonomia. Deu este caminhar para a morte, no tão citado congestionamento do Terreiro do Paço, espectro que nos persegue e atormenta […] para saciar o monstro do Terreiro do Paço e a sua dependência de S. Bento, foi necessário sacrificar quasi todos os valores úteis, por isso que os deslocaram do quadro natural onde deveriam exercer a sua função. A organização política do país é porém, no meu entender, incompatível com a efetivação desse belo pensamento. Quaisquer instituições que se apoiem em partidos políticos estão inibidas de conceder uma reforma administrativa que haveria fatalmente de bulir com o chamado equilíbrio constitucional. O regionalismo, apoiando-se na força histórica da tradição, será de substituir-se aos partidos políticos, gastos e desacreditados, constituindo-se em instrumentos das aspirações locais. Para que elas se convertam em realidade, não teremos de negar a unidade da Pátria” (CASTRO, 1923, 1). Mais do que a autonomia da Madeira, o que movia Vieira de Castro era a vontade de que triunfasse na Ilha uma orientação política diferente da do território continental, a ânsia de afirmação pessoal na política e a defesa dos seus interesses pessoais. A posição assumida perante a Revolta da Madeira, em 1931, viria, aliás, a confirmá-lo. Os problemas locais aparecem em larga escala nas páginas do seu jornal, mas nem sempre são expostos com a clareza que exigiria a sua resolução. A partir de 1924, começa a ser evidente que o país necessita de ordem e de autoridade e a república revela-se incapaz de as proporcionar. É então que Luís Vieira de Castro se vai tornar conspirador, participando nas várias tentativas – falhadas – de golpe contra a república. Neste âmbito, acompanha a preparação do golpe de 18 de abril de 1925, e a derrota no mesmo é considerada um parêntesis amargo na vida política de Luís Vieira de Castro, que acompanha o desenrolar do correspondente processo de julgamento, fazendo da república a ré do mesmo. Nesse ano, embora condenando as eleições, vai concorrer a elas, com sucesso. No entanto, devido a uma irregularidade encontrada nos boletins de voto, não chegará a assumir as funções de deputado. O golpe militar de 28 de maio de 1926 não é tão coberto pelo Jornal da Madeira como o fora o anterior, embora apareça uma entrevista com um militar, no próprio dia do golpe, dando conta dos preparativos e indicando para breve o seu eclodir. Este golpe vitorioso é comentado por Luís Vieira de Castro no seu jornal no dia 3 de junho. Congratulando-se com a vitória dos militares, integra-a no movimento de ressurgimento que caracterizava a época; no entanto, o cariz republicano do golpe põe-no na expectativa e continua dizendo que mantém a sua posição de monárquico que espera pela restauração da monarquia. A partir do contragolpe falhado, em 3 e 7 de fevereiro de 1927, começa o seu percurso ao encontro do regime do Estado Novo, que defende veementemente após a nomeação de Salazar para ministro das Finanças. Por esta altura, volta a defender a autonomia da Madeira, mas já sem a força e o entusiasmo do princípio da década. Em 1928, vai para Lisboa, com o objetivo de dirigir o Correio da Manhã, jornal da Causa Monárquica. A sua índole facciosa vai ser posta em evidência durante a crise por que passou a Madeira nos finais do ano de 1930 e nos princípios de 1931, que levou ao despoletar da já referida Revolta da Madeira. O seu comportamento face a este acontecimento é bastante dúbio. Em novembro de 1930, quando se dá a falência da casa bancária Henrique Figueira da Silva, e no início de 1931, aquando do célebre “decreto da fome”, é ele quem escreve os manifestos incitando o povo à insurreição; mas, quando a rebelião toma figura, ele retira-se de cena, tentando assim defender os seus interesses particulares, esquecendo os da sua terra. Durante estes incidentes, o seu jornal é tomado pelos revoltosos, que se servem das instalações para publicar o jornal Notícias da Madeira, porta-voz do movimento rebelde. Com o esmagamento do levantamento, Luís Vieira de Castro, de regresso ao seu jornal, condena-o como se não tivesse tomado parte ativa nele. Os seus opositores imputam-lhe então ter sido o seu grande impulsionador, e foi inclusivamente acusado de duplicidade por alguns dos seus correligionários políticos. Depois da Revolta da Madeira, pouco se ouviu falar de autonomia. A 30 de abril de 1932, recusa continuar na direção do seu jornal, que entretanto mudara de nome para O Jornal, “em virtude de ocupar outras funções para que era chamado” (O Jornal, 30 abr. 1932, 1) em Lisboa. Neste ano, O Jornal é vendido à Diocese do Funchal. Após o convite feito por Salazar aos monárquicos para que “não se prendessem a cadáveres” (SALAZAR, 1928, 169), entra para a União Nacional em 1934. Em 1940, é um dos organizadores do Congresso do Mundo Português, sendo seu vice-secretário geral. Entre 1942-1945 e 1946-1949, é deputado à Assembleia Nacional. Distinguiu-se também como comentador de política internacional em vários jornais. Foi ainda cônsul da Polónia, sócio da Academia Portuguesa da História, do Instituto Português de Arqueologia, História e Etnografia e da Sociedade Histórica da Independência de Portugal. Para além de colaborar com diversos jornais e revistas, Luís Vieira de Castro publicou várias obras de carácter histórico, literário e político, entre as quais se salientam: Nebulosas, Livro Estranho, Civilizados, A Hora Internacional, A Nacionalidade Portuguesa, A Europa e a República Portuguesa, O Mundo Que Finda e o Mundo Que Começa, D. Carlos, Limbo, A Noiva de Dois Reis, O Exílio do Prior do Crato, Em Pé de Guerra, Pedra sobre Pedra, Homens e Livros, Rumo à Vitória, Quarto de Vigia. Faleceu em Lisboa a 7 de setembro de 1954.   Obras de Luís Vieira de Castro: Nebulosas, Livro Estranho (1916); Civilizados (1918); A Hora Internacional; A Nacionalidade Portuguesa (1919); A Europa e a República Portuguesa (1922); “Regionalismo” (1923); O Mundo Que Finda e o Mundo Que Começa, D. Carlos (1935); Limbo; A Noiva de Dois Reis (1936); O Exílio do Prior do Crato; Em Pé de Guerra (1938); Pedra sobre Pedra (1942); Homens e Livros; Rumo à Vitória (1943); Quarto de Vigia (1948).   Emanuel Janes (atualizado a 25.02.2017)

Personalidades

sociedade agrícola madeirense

O Código Administrativo de 1836 preconizava a constituição de sociedades agrícolas e industriais como um meio de proteger os interesses do comércio e da agricultura, mas foi o Código Administrativo de 1842 que levou à prática estas intenções, atribuindo à autoridade dos distritos administrativos o cuidado de promover o estabelecimento de tais associações. Finalmente o decreto com força de lei de 20 de setembro de 1844 providenciou a sua constituição de um modo mais percetível, referindo-se especialmente ao estabelecimento de sociedades agrícolas nas capitais de distrito, com o objetivo de divulgar os conhecimentos e meios adequados para o melhoramento da agricultura, sociedades que reunissem no seu seio «as pessoas mais ilustradas e zelosas do Bem Público, interessadas no estudo e derramamento dos conhecimentos agrónomos de que depende o melhoramento da agricultura principal parte da riqueza nacional» (Decreto-lei de 20 de setembro de 1844). Na Madeira, foi José Silvestre Ribeiro que, em 21 de novembro de 1849, numa das salas do Palácio de S. Lourenço, na presença vários cidadãos portugueses e súbditos britânicos, constituiu pela primeira vez uma sociedade agrícola, que tomou o nome de Sociedade Agrícola Madeirense (SAM). Na ocasião estava ainda presente o príncipe Maximiliano, duque de Leuchtenberg, de passagem pela Madeira, que aceitou ser protetor da mesma sociedade. Os objetivos primários da Sociedade, definidos então pelo Governador Civil, eram melhorar a agricultura madeirense introduzindo instrumentos, máquinas e novos processos de cultura mais apropriados, mais simples e menos dispendiosos, implicando o concurso permanente das inteligências e a associação de capitais, acelerando a resolução de problemas de agronomia e de economia rural, guiando convenientemente a atenção e as tendências para o estudo das diversos ramos da ciência agrícola, e dando realce à profissão agrícola, para o que pediu o concurso de todos: «discutir assuntos importantes da ciência agronómica; esclarecer os lavradores sobre os métodos e prática que devem seguir nos trabalhos da lavoura; a mandar vir de todas as partes do Globo sementes, plantas, máquinas, instrumentos e utensílios agrícolas; a determinar as culturas e experiências que devem fazer-se e a indicar o modo de encaminhar as novas empresas; a melhorar as raças dos animais; a estabelecer quintas experimentais; a criar escolas de instrução agronómica; a pedir ao Governo; às Cortes e às Autoridades providências em benefício da agricultura» (O Agricultor Madeirense, mar. 1851, 1). A SAM tinha ainda como objetivo obstar à devastação do arvoredo, e promover a arborização das serras, a introdução de pastos artificiais, a criação de gados e o melhoramento das raças animais, além de procurar espalhar a instrução nos espaços rurais. Para que isto pudesse ser conseguido, preconizava que «todos os homens inteligentes e verdadeiramente amantes do seu país tratem de inscrever-se como sócios, […] que a direção da Sociedade estude e trabalhe com fervor, […] que cada uma das Comissões se ocupe zelosamente dos objetos que estão ou forem confiados ao seu exame ou direção, […] que cada sócio se julgue obrigado pela consciência e empenhado por sua palavra a satisfazer às obrigações a que se ligou» (Ibid., 1 e 2). A Sociedade Agrícola afastava-se dos partidos políticos, pedindo a colaboração de todos os interessados no bem comum. O Governador Civil do Distrito do Funchal nomeou logo de seguida uma comissão para redigir os estatutos da sociedade, que foi constituída por Lourenço José Moniz, António da Luz Pita, João de Freitas e Almeida, Francisco Vieira da Silva Barradas e Marceliano Ribeiro de Mendonça. Os estatutos foram apresentados, discutidos e aprovados na segunda reunião da sociedade, a 29 de dezembro desse mesmo ano, e ficaram a aguardar a confirmação do Governo, sem a qual a sociedade não poderia funcionar Na terceira reunião, a 13 de janeiro de 1850, o Governador Civil dá conta aos membros da sociedade da aprovação governamental dos estatutos, após o que propõe, o nome dos sócios para constituir a sua Direção, proposta que foi aceite. A Direção ficou assim constituída: Alexandre de Oliveira, António da Luz Pita, António Alves da Silva, António Joaquim Gonçalves de Andrade, António Gonçalves de Almeida, António José de Vasconcelos, António Januário Moderno, Diogo de Ornelas de França Carvalhal, Frazão Figueira, Elmano Wilcott, Francisco Vieira da Silva Barradas, João Perestrelo de Vasconcelos, João Francisco de Florença Pereira, José Leão Drumond Cavaleiro, João de Figueira de Freitas e Albuquerque, Luís de Ornelas e Vasconcelos, Luís da Costa Pereira, Luís António de Ornelas, Jorge da Câmara Leme, Manuel Joaquim da Costa Andrade, Maurício de Andrade, Marceliano Ribeiro de Mendonça, Nuno de Freitas Lomelino, Pedro Agostinho Teixeira de Vasconcelos, Pedro de Santana e Vasconcelos, Richard Davies, Severiano Alberto de Freitas Ferraz, Libério Augusto Blam, Valentim de Freitas Leal e Vicente de Brito Correia. Na sessão de 17 de novembro de 1850, em que se realizou a primeira reunião da Direção, foi escolhido para vice-presidente Valentim de Freitas Leal, já que o presidente era o Governador Civil, para secretário Luís António de Ornelas, para vice-secretário António da Luz Pita e para tesoureiro António Gonçalves de Almeida. Após estas nomeações, foram eleitas as várias comissões de apoio à direção, de acordo com os n.os 1 e 2 do art. n.º 26 dos estatutos. A sociedade procedeu então à ampliação dos seus estatutos, para que pudessem caber dentro dela os melhoramentos industriais e fabris do distrito. Em 1851, a SAM começa a publicar um jornal mensal, que saiu pela primeira vez no dia 21 de março que tinha como objetivo publicitar as atas da direção e todos os trabalhos da Sociedade Agrícola: «as propostas, indicações, relatórios e trabalhos dos sócios e comissões, ─ à legislação agrária em geral e em especial à da Madeira, ─ às Memórias, artigos e escritos interessantes sobre a Agricultura». Para a consecução destes objetivos, pedia a todos os madeirenses e porto-santenses que fizessem todos os esforços para «coadjuvar os esforços da Autoridade Administrativa, na parte em que esta promove o desenvolvimento da Sociedade Agrícola» (O Agricultor Madeirense, mar. 1851, 1). Este jornal viria a ter uma vida efémera, tendo terminado a sua publicação em dezembro de 1851. Entretanto, José Silvestre Ribeiro deixa a governação do distrito, para se dedicar às lides parlamentares em Lisboa. A SAM passa a ser dirigida, a partir de 18 de março de 1853, pelo Visconde de Fornos de Algodres, João Maria de Abreu Castelo Branco Cardoso e Melo (1852-54) e, a partir de 19 de julho do ano seguinte, por José Gerardo Ferreira Passos (1854-1856), então governadores civis do distrito. A última reunião da SAM desta primeira fase realizou-se no dia 8 de agosto de 1854. Mas a Sociedade Agrícola esmorecera após a saída de José Silvestre Ribeiro do Funchal. Com a publicação do decreto de 23 de novembro de 1854, que regulava a atividade das sociedades agrícolas, José Gerardo Ferreira Passos envia uma circular a todos aqueles que eram considerados membros natos da Sociedade Agrícola do Distrito, convidando-os a estarem presentes na reunião que teria lugar no Palácio de S. Lourenço no dia 3 de março de 1855, com a finalidade de proceder à sua reinstalação, de acordo com o referido decreto regulamentar. Na sessão de 16 de maio de 1855, foram eleitos os órgãos sociais da nova Sociedade Agrícola, agora com o nome de Sociedade Agrícola do Funchal (SAF). A nova Direção ficou assim constituída: António Gonçalves de Freitas, Sebastião Frederico Rodrigues Leal, Pedro de Santana e Vasconcelos, António Rogério Gromicho Loureiro, Marceliano Ribeiro de Mendonça, Valentim de Freitas Leal, João Perestrelo de Vasconcelos, Luís de Freitas Branco, Tarquínio Torquato da Câmara Lomelino, Fidélio de Freitas Branco, Luís António de Ornelas, Luís de Figueira Albuquerque, José Pereira Sanches Castro e António de Magalhães; o Conselho Fiscal ficou constituído pelos seguintes sócios: Vicente de Brito Correia, Vicente José de Antas, António Joaquim Marques Basto, João Augusto Barradas, José Ventura Sá Cunha, João de Freitas e Almeida, Manuel de Gouveia Rego, António José Gonçalves de Ornelas, João Augusto da Silva Carvalho, Fidélio de Freitas Branco, Francisco de Andrade, Diogo Sales de Meneses, Luís António de Ornelas, Luís de Freitas Branco, José Joaquim de Sá, Maurício José de Castelo Branco, Manuel Joaquim Carvalho de Meireles e Alexandre Pedro Cunha. Na reunião seguinte, de 24 de maio, foram eleitos os membros das cinco secções de que trata o artigo 12.º do decreto de 23 de novembro de 1854, que tinham a seu cargo o estudo dos vários problemas da agricultura. Os sócios da anterior SAM também foram convocados para esta reunião, a fim de participarem nas novas atividades. A 2 de julho de 1858, realizaram-se novas eleições para os corpos gerentes da SAF. A nova Direção era constituída pelos seguintes sócios: Conde de Carvalhal, Valentim de Freitas Leal, Nuno de Freitas Lomelino, João de Freitas Correia da Silva, Diogo de Ornelas Frazão, João Francisco de Florença, Diogo Berenguer de França Neto, Francisco António Bettencourt Esmeraldo, João José de Ornelas Cabral e António João B. Favila. Na reunião seguinte, de 20 de novembro foram instaladas as referidas cinco subcomissões e eleitos os membros do Conselho Fiscal, tendo a escolha recaído nos seguintes elementos: António Pedro de Azevedo, António da Luz Pita, Joaquim Malho de Meireles, João Escórcio D. da Câmara, Geraldo José de Nóbrega. A partir do dia 15 de abril de 1860, a SAF passou a ser presidida pelo Conde do Farrobo, devido à sua condição de novo Governador Civil, tendo sido proposto, na reunião que teve lugar neste dia, a nomeação de uma nova Direção e Conselho Fiscal, assim como das cinco secções, proposta que foi rejeitada, tendo sido deliberado fazer primeiro uma audição à Direção e às subcomissões sobre o assunto. Ouvida a direcção e as subcomissões, decidiu-se convocar eleições para as mesmas. A nova Direção foi eleita a 20 de dezembro desse ano. Da nova Direção faziam parte: Francisco José Sá Camacho Lampreia, João da Câmara, João Perestrelo e Vasconcelos, João Maria Moniz, Júlio M. da Silva Carvalho, Severiano de Freitas Ferraz, António Pedro Azevedo, Luís de Oliveira Lopes, João de Santana e Vasconcelos e Luís António de Ornelas. O Conselho Fiscal ficou assim constituído: Vicente José de Antas, João de Sales Caldeira, Maurício José de Castelo Branco e António Barnabé Soares. Em 1865, um extenso relatório elaborado por Eduardo Grande, agrónomo do distrito, destaca o papel da Sociedade Agrícola no desenvolvimento da pecuária (aumento do gado bovino, caprino, suíno e cavalar); na ampliação das pastagens e na criação de pastos artificiais; no incremento dado à produção de leite e de manteiga, com a importação de vacas leiteiras e o cruzamento entre várias raças; na transformação dos baldios em terras agricultáveis; no crescimento da produção de cereais e leguminosas; no aumento da plantação de cana-de-açúcar; no desenvolvimento das matas e florestas, com a propagação e conservação das árvores nas suas serranias de forma que as suas raízes amparassem os declives e ladeiras, repartindo a aglomeração das chuvas com os seus ramos e folhas; na produção de madeiras para construção de navios, tanoaria, aduelas e tabuado para construção civil (entre 1850 e 1854 construíram-se nos estaleiros madeirenses 174 navios). A Sociedade Agrícola também incrementou a produção de lande, castanha, baga de louro, fruto de faia, quercitron, resina e laranja, entre outros produtos; desenvolveu hortas e pomares, o cultivo da amoreira e do bicho-da-seda, e introduziu o cultivo do tabaco. As amoreiras foram plantadas nos rocios, nas praças, nos passeios públicos e nas estradas, incentivando-se o seu cultivo com a atribuição de prémios às melhores criações. A cultura dos cereais na Madeira fora durante muito tempo limitada, dado que os agricultores preferiam a viticultura, que era mais lucrativa. A fome de 1847 produziu grandes embaraços e mostrou a urgência de alargar a esfera de produção das culturas de subsistência. Com efeito, a doença das vinhas restringiu os meios financeiros que permitiam importar os cereais que alimentavam a população madeirense durante mais de metade do ano, espalhando a desolação por todo o distrito. A Sociedade Agrícola sensibilizou os agricultores madeirenses para a necessidade da cultura dos cereais, ajudando na escolha de métodos e adubos e no aperfeiçoamento da cultura, o que levou ao alargamento da área desta produção. A SAF adotou o sistema de afolhamentos, vulgarizado na Europa da época; introduziu ferruginosas, em aliança com a indústria pecuária; e promoveu e dirigiu as torrentes de água de irrigação em todos os concelhos da Madeira, condições que foram consideradas as alavancas da agricultura madeirense. Com efeito, a falta de conhecimento dos princípios mais rudimentares das práticas agrícolas, a carência de boas sementes, a dificuldade em adotar novos métodos mais racionais eram as principais causas do atraso de quase todos os ramos da agricultura na Madeira. A vinha mereceu uma atenção especial por parte da Sociedade Agrícola, em especial depois da doença de que foi acometida em consequência da difusão do oidium tuckeri que, desde 1852, assolou as vinhas da Madeira, reduzindo-as a uma pequena produção e fazendo abandonar quase por completo a sua cultura em todo o distrito, sendo substituída por novos vinhedos. Em 29 de novembro de 1876, a Sociedade Agrícola do Funchal passa a ser presidida pelo novo Governador Civil, Francisco de Albuquerque Mesquita e Castro, nomeado numa reunião em que estiveram presentes maioritariamente membros da primeira SAM. A partir desta altura, a sociedade deixa de ter o protagonismo de outros tempos e vai definhando até 1880, data da sua extinção.   Emanuel Janes (atualizado a 13.02.2017)

História Económica e Social