gramáticas

03 Dec 2020 por "Paulo Figueira"
História da Educação Linguística

As primeiras gramáticas da língua portuguesa de autores portugueses e publicadas em Portugal foram editadas em 1536 e 1540 e elaboradas, respetivamente, por Fernão de Oliveira (1507-1580) e João de Barros (1496-1570). Estes livros marcaram o início do estudo da língua portuguesa como pertença a uma comunidade linguística distinta. Em sentido estrito, não há “gramáticas madeirenses”, uma vez que o dialeto da Madeira é uma variação diatópica do português europeu e que o conceito de “gramática” se enquadra na normalização da língua portuguesa, iniciada no séc. XVI com as gramáticas normativas de João de Barros e de Fernão Oliveira. Há, no entanto, autores madeirenses e personalidades residentes no arquipélago que publicaram gramáticas (de várias línguas), obras de teor linguístico diverso e apontamentos sobre formas dialetais madeirenses. Na maior parte dos casos, as gramáticas em questão serviram o imperativo de assistir os estudantes no estudo de cadeiras ligadas ao português e ao latim. Os títulos das principais obras de cariz linguístico são os seguintes: De Institutione Grammatica Libri Tres (1572, de Manuel Álvares); Principios de Grammatica Portugueza (1844, de Francisco Andrade Júnior); Grammatica Portugueza das Escholas Primarias de Primeiro Grau (1849, do mesmo autor); Grammatica das Grammaticas da Lingua Portugueza, (1850, do mesmo autor); Curso Elementar de Recitação, Philologia e Redacção (1869, de Álvaro Rodrigues de Azevedo); Gramática Portuguêsa, em harmonia com a Reforma Ortográfica ultimamente Publicada (1912, de Alfredo Bettencourt da Câmara); Methodo Michaelense para o ensino da Lingua Franceza (1861, de Hector Clairouin); O Nec Plus Ultra das Grammaticas Methodicas para o ensino da Lingua Franceza (1874, do mesmo autor); Colloquial Portuguese or Words and Phrases of Every Day Life (1854, de Alexander J. D. D’Orsey); Estudos de Lingüística, em dois volumes (1939, de Ivo Xavier Fernandes); Questões de Língua Pátria, em dois volumes (1947-1949, do mesmo autor); Topónimos e Gentílicos, volumes I e II (1941 e 1943, do mesmo autor); Apontamentos de Grammatica e Conjugação de Verbos (1905, de Francisco José de Brito Figueiroa); Subsidios para a Bibliographia Portugueza Relativa ao Estudo da Lingua Japoneza e para a Biographia de Fernão Mendes Pinto. Grammaticas, Vocabularios, Diccionários (1905, de João Apolinário de Freitas); Regras Elementares Sobre a Pontuação (1831, de António Gil Gomes); Principios de Grammatica Geral Aplicados á Lingua Latina (1835, de Marceliano Ribeiro de Mendonça); Principios Elementares da Lingua Ingleza, Methodicamente Tratados para Facilitar aos Principiantes o Perfeito Reconhecimento desta Lingua, Tão Util aos Portuguezes (1809, de Francico Manuel de Oliveira); Principios de Grammatica Geral Applicados à Língua Portugueza Publicados e Offerecidos á Mocidade de Goa (1849, de Daniel Ferreira Pestana).

O sucesso da primeira gramática madeirense, elaborada pelo P.e Manuel Álvares, manifesta-se no facto de ter sido adotada, até ao início do séc.XIX, por todas as escolas da Companhia de Jesus, não só em Portugal, como por toda a Europa. Esta gramática latina, constituída por três livros (De Etymologia, De Syntaxi e De Prosodia), foi editada 530 vezes, em 22 países, e traduzida para francês, inglês, alemão, espanhol, italiano, boémio, croata, flamengo, húngaro, polaco, chinês e japonês, não havendo contudo qualquer tradução sua para português.

Após esta publicação de referência do séc. XVI, os estudos gramaticais foram evoluindo, e passou-se do modelo da gramática especulativa da época medieval para um novo paradigma do estudo da língua, a gramática geral, que se baseia na ideia de que a linguagem é regida por princípios gerais e racionais. De acordo com este pressuposto, a gramática foi descrita como a arte de analisar o pensamento: uma vez que a estrutura da língua é um produto da razão, o pensamento deverá ser expresso de forma precisa e transparente (nesse sentido, passa a exigir-se aos falantes clareza e precisão na forma como se exprimem). A gramática geral deveria funcionar de modo a distinguir, processual e infalivelmente, as ideias válidas das que não o são; levada à perfeição, conduziria à produção de uma língua ideal, universal e lógica, sem equívocos nem ambiguidades, e capaz de assegurar a unidade da comunicação humana.

A obra marcante desta tendência do pensamento é a Gramática de Port-Royal (Grammaire Générale et Raisonnée Contenant les Fondements de l’Art de Parler, Expliqués d'une Manière Claire et Naturelle), dos Franceses Arnauld e Lancelot, onde se explicita a noção de signo como meio através do qual os homens expressam os seus pensamentos. A Portugal, a influência desta gramática chegou no séc. XIX, com a Gramática Filosófica da Língua Portuguesa de Jerónimo Soares Barbosa (1822).

Nessa época, como consequência da reforma pombalina e da criação do Liceu do Funchal, associadas à perspetiva da gramática geral importada por Jerónimo Soares Barbosa, surgem gramáticas escritas por autores madeirenses e por residentes no arquipélago.

Em 1835, é pela primeira vez editada uma gramática na Madeira, Principios da Grammatica Geral Applicados á Lingua Latina, de Marceliano Ribeiro de Mendonça, na sequência de a Madeira ter sido o primeiro território lusófono, à exceção do continente, a ter imprensa.

O primeiro estudioso madeirense a debruçar-se sobre a língua portuguesa é Francisco Andrade Júnior, professor de gramática portuguesa e latina no Liceu do Funchal; graças ao exercício da lecionação, o autor concebeu uma gramática que se tornasse útil à aprendizagem dessas disciplinas. Embora tivesse publicado, em 1844, os Principios de Grammatica Portugueza, com 296 páginas, foi a sua Grammatica Portugueza das Escholas Primarias, que se enquadra no movimento da gramática geral ou filosófica, que representou um caso de sucesso, sendo editada cinco vezes entre 1849 e 1879. Este autor manifestava grande admiração não só pela Gramática Filosófica da Língua Portuguesa, obra que lhe serviu de referência, como também pelo sistema gramatical preconizado por Marceliano Ribeiro de Mendonça em Principios de Grammatica Geral Applicados á Lingua Latina.

De facto, o gramático organiza a sua obra de modo análogo ao da Gramática Filosófica de Jerónimo Soares Barbosa, embora a ordenação dos capítulos não corresponda à do modelo: etimologia, sintaxe, ortoépia e ortografia. Na obra, distinguem-se os dois primeiros capítulos (sobre a etimologia e a sintaxe), cuja extensão reflete a importância dada aos temas de que tratam.

Em relação à primeira edição de Principios de Grammatica Portugueza (1844), a primeira parte é dedicada ao estudo da etimologia, com breves referências aos seus objetos de estudo. O Livro 1.º, “Da Etimologia”, está subdividido em sete capítulos que dão a conhecer as principais classes de palavras da língua portuguesa, a sua natureza e variações, cujos títulos são: “Dos Nomes Comuns”, “Dos Adjetivos”, “Dos Acidentes dos Nomes”, “Do Verbo”, “Das Palavras Conexivas ou Preposições”, “Do Advérbio” e “Da Interjeição”.

A segunda parte refere-se à sintaxe e tem quatro subdivisões: “Da sintaxe propriamente dita”, “Da sintaxe Figurada”, “Da Construção” e “Do Mecanismo do Discurso”. Nesta parte, são apresentadas as principais noções sintáticas (discurso, construção, proposição), e explica-se que a proposição é a enunciação de um juízo, ou seja, é o ato pelo qual se afirma que uma pessoa ou coisa existe de certo modo.

Na terceira parte, volta a definir-se o conceito de ortoépia e reflete-se sobre diversas questões relativas à correta pronúncia dos vocábulos, em oito capítulos: “Da Ortoépia em geral”, “Do Tom”, “Da Duração”, “Da Articulação”, “Da Voz”, “Do Acento”, “Das Figuras da Ortoépia ou do Metaplasmo” e “Dos Vícios de Pronúncia”.

Na última parte, constituída por seis subcapítulos, o método de apresentação é o que foi seguido nas partes anteriores; contém uma proposta de definição de ortografia como análise da maneira adequada de representar as palavras por meio da escrita alfabética, a qual, por sua vez, regula a ortografia etimológica. Os títulos das seis subdivisões são: “Da Ortografia em geral”, “Do Alfabeto”, “Das Letras”, “Das Sílabas”, “Das Palavras”, e “Dos Sinais Ortográficos”. O autor aproveita, de igual modo, para dar uma definição de alfabeto, que entende ser um complexo de sinais gráficos representantes de cada um dos elementos das palavras – estes sinais chamam-se letras. As letras dividem-se em vogais e consoantes: as vogais representam as vozes, as consoantes soam com as vozes. Há também considerações em relação a outras matérias gramaticais: a função modificadora dos adjetivos, o papel determinativo dos artigos definidos, o valor circunstancial do gerúndio, a diferença entre voz ativa e voz passiva, a definição de locução prepositiva.

Analisando a obra Principios de Grammatica Portugueza, conclui-se que se trata de um manual composto segundo o modelo da gramática filosófica, repleto de claras noções gramaticais, com exemplos apropriados às matérias apresentadas, o que se adequa à sua finalidade de auxiliar os alunos do ensino primário. É uma gramática bem fundamentada e abrangente em relação aos conceitos linguísticos abordados. Ao ser uma gramática normativa da língua portuguesa, centra-se na explanação de conteúdos morfossintáticos.

A terceira parte da obra, dedicada à ortoépia (“Dos Vícios de Pronúncia”, pp. 263-264), faz também referência às formas dialetais madeirenses. Em primeiro lugar, alude ao facto de o falante ilhéu acrescentar sons ou articulações à etimologia das palavras, v.g., ao pronunciar um a- antes de algumas formas verbais (substituição de voar por avoar); em segundo lugar, faz menção do acrescento, contra o uso elegante da língua, de um -â- antes de alguns ditongos como -ôa, -ôe e -ôo (bâoa em substituição de bôa, sâoe em vez de sôe e mâoo em lugar de môo); por fim, há uma referência à troca de um som por outro, como nos casos da troca de um -e- grave acentuado por -a- grave, antes de uma articulação chiante ou de uma molhada, e do -e- agudo, antes das mesmas articulações, por -ei- (pâjo por pêjo, meicha por mécha, tânho por tenho, tâlha por têlha, hireige por herege, seige por sege).

A edição de 1849 de Principios de Grammatica Portugueza expõe as mesmas definições que a de 1844: a gramática é apresentada como a arte de analisar e enunciar o pensamento; a etimologia ensina as palavras com que se faz a análise; a relação das palavras entre si é a sintaxe; a correta enunciação do pensamento pela língua falada é a ortoépia; e a enunciação pela palavra escrita é a ortografia. A obra propõe ser uma exposição sistemática, uma vez que os conhecimentos sobre a língua portuguesa estão espalhados “pelos livros que tratam desta matéria” (ANDRADE JÚNIOR, 1849, 1). O livro é composto por 293 páginas, e está dividido do seguinte modo: “Parte 1.ª Da Etimologia”, “Livro 1.º Da Etimologia”, “Parte 2.ª Da sintaxe”, “Livro 2.º Da sintaxe”, “Livro 3.º Da Ortoépia”, “Livro 4.º Da Ortografia”. A etimologia e a sintaxe ocupam grande parte do volume.

Fig. 1 – Fotografia da folha de rosto do livro Curso Elementar de Recitação, Philologia e Redacção, de Álvaro Rodrigues de Azevedo, 1869. Fig. 1 – Fotografia da folha de rosto do livro Curso Elementar de Recitação, Philologia e Redacção, de Álvaro Rodrigues de Azevedo, 1869.

Outro autor, Álvaro Rodrigues de Azevedo, apesar de não ser um gramático (formou-se em Direito), destaca-se por ter procurado preservar a identidade do povo que se serve da língua portuguesa para comunicar. Deste modo, a pretensão maior da sua obra será desenvolver as competências na produção linguística, na fala (recitação) e na escrita (redação). Na introdução, Azevedo destaca que “a palavra é o objeto comum destas três partes do curso, vista por três diferentes faces. A recitação enuncia-a, a filologia explica-a, a redação emprega-a” (AZEVEDO, 1869, 2).

No prólogo, o autor faz a apologia de um povo e uma língua, defendendo que “Portugal ainda pode, se quiser, sob qualquer forma política ou social, o que agora não importa averiguar, viver como povo e como língua” (Id., Ibid., VI e VII). O propósito da edição de Curso Elementar de Recitação, Philologia e Redacção é suprir a falta de um manual auxiliar ao ensino da cadeira cuja regência competia a Álvaro Rodrigues: “A cadeira foi criada há seis anos. De então até hoje, nem programa, nem compêndio para ela” (Id., Ibid., VIII).

Esta obra está dividida em três partes (recitação, análise filológica e redação). Apesar de, no final do 1.º volume, se publicitarem os restantes volumes desta obra através de sumários, há indícios de que aqueles não terão sido publicados.

O volume que se conhece, o qual trata da recitação, aparece organizado em três partes: “Noções Gerais” (pp. 11-32), “leitura em voz alta” (pp. 33-54) e “Recitação propriamente Dita” (pp. 55-170). No fim do Curso Elementar de Recitação, Azevedo esquematiza os outros dois volumes. Na 2.ª parte, o tema seria a filologia, o qual seria tratado em sete partes: linguística, lexiologia, fonologia, sinonímia, homonímia, ortografia e lexicologia. A 3.ª parte, sobre a redação filológica, distinta da gramatical e da literária, seria apresentada em quatro livros, correspondentes aos seguintes temas: pureza, propriedade, correção e clareza. O manual aparenta ter sido um apoio efetivo à cadeira lecionada por Álvaro Rodrigues.

Fig. 2 – Fotografia da folha de rosto da Grammatica da Lingua Portugueza, de João de Nóbrega Soares, 1884. Fig. 2 – Fotografia da folha de rosto da Grammatica da Lingua Portugueza, de João de Nóbrega Soares, 1884.

A Grammatica da Lingua Portugueza de João de Nóbrega Soares é, a nível pedagógico, uma das gramáticas mais bem concebidas de autoria madeirense. Segue as diretrizes teóricas da época e apresenta as matérias com simplicidade e de forma esclarecedora.

Na introdução, o autor faz questão de mencionar os dois principais tipos de gramática, “a ciência da palavra” (SOARES, 1884, 3): a geral, “que trata dos princípios fundamentais comuns a todas as línguas” (Id., Ibid., 3), e a particular, “que se ocupa das leis e preceitos concernentes a cada língua em especial” (Id., Ibid., 3). Em seguida, define a gramática portuguesa como “a arte de exprimir corretamente o nosso pensamento na língua portuguesa” (Id., Ibid., 3), o que, nos termos da gramática filosófica, resulta em que o estudante associe o funcionamento de uma língua concreta e da linguagem à concretização do pensamento humano.

João de Nóbrega Soares dividiu a sua gramática em três partes: a fonologia, que “ensina os sons elementares das palavras” (Id., Ibid., 4) e se subdivide em ortoépia e em ortografia, ocupa as pp. 4 a 6; a morfologia, que “ensina a natureza, a classificação, e a inflexão das palavras” (Id., Ibid., 7), preenche as pp. 7 a 47; e a sintaxe, que “estuda o modo de reunir as palavras em proposições e as proposições em discurso” (Id., Ibid., 48), é tratada nas pp. 48 a 65. Nota-se a tendência descritiva da gramática, pelo facto de se apresentar, essencialmente, como um tratado de morfologia e de sintaxe, bastando, para o constatar, reparar na extensão que cada uma das temáticas ocupa no corpo da obra.

Na fonologia, será explicado o que se entende por palavra, sílaba, som, letra, vogal, consoante, acentuação, ditongo. É um capítulo pouco extenso, cuja função é a de oferecer um esclarecimento sobre os sons da língua portuguesa.

No segundo capítulo, dedicado à morfologia, o estudo recairá sobre as oito classes de palavras, as quatro variáveis (substantivo, adjetivo, pronome, verbo) e as invariáveis (advérbio, preposição, conjunção, interjeição). Na 1.ª parte deste capítulo, são analisados os substantivos próprios e comuns e a sua flexão em género e em número. No subcapítulo seguinte, referenciam-se os adjetivos: atributivos, determinativos e quantitativos. É na subclasse dos adjetivos determinativos que o gramático inclui o artigo, não considerado pelo autor como uma classe de palavras distinta, visto que “por si nada significa, mas que, juntando-se a um nome, serve para lhe individualizar ou determinar mais ou menos a sua significação” (Id., Ibid., 17). A classe dos numerais não é considerada como independente, pelo que é integrada na subclasse dos adjetivos quantitativos, os quais, quando junto do substantivo, exprimem a ideia de quantidade. Os pronomes, “palavra usada em lugar do nome” (Id., Ibid., 20), são estudados em sete subclasses: pessoais, possessivos, demonstrativos, relativos, interrogativos, reflexos e recíprocos.

O verbo, “a principal palavra do discurso” (Id., Ibid., 22), ocupa uma parte considerável do capítulo da morfologia, por ser o tema mais complexo. A abordagem orienta-se pela necessidade de estudar, em primeiro lugar, as suas flexões em modo, tempo, número e pessoa, e, em seguida, as suas três conjugações (em -ar, em -er, em -ir). Como auxílio deste método de aprendizagem, são apresentadas algumas tábuas de conjugação dos verbos auxiliares (“ser”, “estar”, “ter”, “haver”), regulares (“falar”, “vender”, “unir”) e irregulares. No final do estudo da morfologia, há referência às palavras invariáveis: a preposição, que “liga duas palavras” (Id., Ibid., 45); as conjunções, que “unem palavras ou proposições” (Id., Ibid., 45); os advérbios (de tempo, lugar, modo, quantidade), que “aparecem juntos aos verbos, aos adjetivos e algumas vezes a outros advérbios para modificar ou qualificar o sentido da palavra ou palavras a que se unem” (Id., Ibid., 45); e a interjeição, que “é uma exclamação ou grito articulado, para exprimir algum sentimento em uma fórmula abreviada” (Id., Ibid., 46).

O capítulo da sintaxe, no qual se explica como se forma o discurso, através da conjugação das palavras e da relação das orações, subdivide-se em dois subcapítulos: o da sintaxe das palavras e o da sintaxe das orações. O subcapítulo sobre a sintaxe das palavras aborda as relações de identidade e de regência (regras de concordância e de determinação, respetivamente), com exemplos relativos aos diversos tipos de complemento (terminativo, restritivo, objetivo e circunstancial), bem como a definição dos termos essenciais da oração (sujeito e atributo ou predicado) e a exemplificação das espécies de proposição. Quanto à sintaxe das orações, explicam-se a relação de coordenação (identidade e exclusão) e a relação de subordinação (determinação, ampliação e restrição). O capítulo da sintaxe conclui com uma definição de discurso, entendido como pensamento enunciado por uma série de proposições, com a breve explicação do funcionamento de nove sinais de pontuação e a exploração de figuras sintáticas da sintaxe irregular (elipse, pleonasmo e enálage).

No séc. XX, há a registar o aparecimento de duas figuras notáveis na produção de gramáticas na Madeira, Francisco José de Brito Figueiroa Júnior e Alfredo Bettencourt da Câmara. O primeiro publicou os Apontamentos de Grammatica e Conjugação de Verbos para Uso dos Alumnos que Frequentam a 4.ª Classe das Escolas Primarias, em harmonia com o Respectivo Programma Oficial (Funchal, 1906), com um total de 48 páginas, e o segundo escreveu a Gramática Portuguêsa em harmonia com a Reforma Ortográfica ultimamente Publicada (Funchal, 1912), com 241 páginas.

Apontamentos de Grammatica e Conjugação de Verbos… apresenta, na primeira página, uma definição de gramática e a estrutura da obra com as suas partes. É de notar que se exclui implicitamente a noção de que se deve falar e escrever corretamente, uma vez que se admite como possível o uso da língua com eficácia, mesmo se distante do rigor formal. É a apologia da linguística moderna: mais importante do que a correção é a comunicação. O autor divide a gramática em três partes: a fonologia, que trata dos sons das palavras; a morfologia, que estuda as diferentes formas que as palavras podem apresentar; e a sintaxe, que indica a colocação das palavras no discurso.

Com as três páginas da fonologia, inicia-se o estudo da gramática, com três parágrafos sobre a ortografia e a pontuação. Deste modo, a fonologia resume-se à apresentação do alfabeto ou das letras, vogais e consoantes, e dos sinais fonéticos (sons).

O capítulo da morfologia é o mais extenso (tem 38 pp.), formando o corpo principal do texto. Deduz-se, assim, que a gramática é, à data, mais um tratado sobre as palavras do que um estudo acerca dos sons ou sobre a construção de frases. Este capítulo, onde se analisam mais as palavras variáveis (substantivos, adjetivos, verbos, artigos e pronomes) do que as invariáveis (advérbios, preposições, conjunções e interjeições), é nomeadamente dedicado à flexão dos substantivos, dos artigos, dos adjetivos e dos pronomes. As restantes páginas ocupam-se da flexão verbal (pp. 16-41). Embora lhe faltem rigor científico e um método minimamente abrangente, de modo a constituir-se como uma gramática completa, a obra cumpre o propósito de ser um pequeno e prático tratado sobre a flexão de substantivos, artigos, pronomes, adjetivos e verbos.

Alfredo Bettencourt da Câmara – professor primário, tal como Francisco José de Brito Figueiroa Júnior –, produziu a Gramática Portuguêsa em harmonia com a Reforma Ortográfica ultimamente Publicada, onde apresenta, como capítulos estruturantes, a fonologia, a morfologia e a sintaxe. Em anexo à Gramática Portuguêsa…, Alfredo Bettencourt da Câmara publicou um livro de Exercícios sobre a Conjugação dos Verbos Regulares e Irregulares (Funchal, 1915), a parte da gramática mais desenvolvida por Francisco Figueiroa Júnior.

Para o autor da , a gramática é o tratado de tipo pedagógico cuja finalidade é o ensino. Bettencourt escreve que a sua gramática ensina a falar e a escrever corretamente, o que significa a adoção de uma atitude normativa no ensino da língua, reforçando a ideia de que os alunos devem aprender a língua-padrão.

De acordo com os pressupostos em vigor à época, a morfologia domina a extensão da gramática e a sintaxe também tem um valor acrescido. No entanto, a fonologia apresenta aqui uma definição mais completa – ensina a pronunciar todos os sons e a representá-los por sinais a que chamamos letras – e o seu tratamento comporta a subdivisão do respetivo capítulo em duas partes: a ortoépia, que faculta ao estudante a correta pronunciação das palavras, e a ortografia, que ensina a representar as palavras por letras.

O capítulo da fonologia encarrega-se de apresentar o alfabeto português e os sons correspondentes a cada vogal. A apresentação de cada matéria faz-se acompanhar de exercícios de consolidação, denotando uma preocupação do autor com a vertente prática, componente importante para a consolidação do estudo de uma língua.

As nove classes de palavras, tipificadas como variáveis ou invariáveis, são descritas no capítulo dedicado à morfologia: substantivos, adjetivos, numerais, pronomes e verbos (variáveis); advérbios, preposições, conjunções e interjeições (invariáveis). Este capítulo procede à exposição exaustiva da flexão de cada uma das palavras variáveis. A consideração dos verbos, que ocupa 78 páginas, é feita através da apreciação das suas desinências (sistematização) e em quadros de conjugação (exemplificação).

As restantes páginas da morfologia são preenchidas com estudos sobre a formação (composição) de palavras e sobre as palavras invariáveis. São facultadas definições de sinonímia, homonímia, antonímia e paronímia (com exemplos), passíveis de ser consideradas como embrião de um estudo semântico.

A sintaxe – a subdivisão da gramática que ensina a composição das partes da oração entre si, de modo a que tenham um sentido completo –, consiste numa exposição teórica e prática das partes da oração e dos tipos de orações, servindo os muitos exercícios disponibilizados para que o aluno compreenda a construção sintática por meio da análise sintática. O autor inclui um apêndice à morfologia, onde explica a utilização sintática e o emprego de certas palavras, e que é um subcapítulo de morfossintaxe; explica ainda o seu modelo de análise sintática e apresenta alguns exercícios de pontuação. Esta gramática, apesar de editada uma única vez, tem um grande valor científico e pedagógico.

Daniel Ferreira Pestana (nascido na Madeira, tendo passado a vida quase por completo fora da Madeira) editou, em 1849, Principios de Grammatica Geral Applicados á Lingua Portugueza Publicados e Offerecidos á Mocidade de Goa, em Nova Goa, Índia Portuguesa. Esta gramática encerra a curiosidade de ter sido editada por um madeirense fora do território português europeu.

Esta gramática tem uma ligação estrutural a duas obras anteriores, Principios de Grammatica Geral Applicados á Lingua Latina, de Marceliano Ribeiro de Mendonça, e Principios de Grammatica Portugueza, de Francisco Andrade, a ponto de o Elucidário Madeirense afirmar que há um plágio evidente em relação à primeira destas obras e, mais tarde, António Cunha Silva considerar havê-lo em relação às duas.

Ao seguirmos estas indicações, deparamos com uma umbilical ligação às referidas gramáticas, não só pela semelhança com elas a nível de título, mas também através do paralelismo dos respetivos índices. Assim, ao tomar conhecimento do índice do livro de Daniel Ferreira Pestana e ao compará-lo com o de Principios de Grammatica Geral Applicados á Lingua Latina, o leitor apercebe-se imediatamente da evidente aproximação à obra de Marceliano Ribeiro de Mendonça. A título exemplificativo, é de mencionar a parte dedicada à classificação dos nomes, cuja coincidência com as referidas obras é, a nível dos títulos, notória. Assim, o capítulo da etimologia faz menção “Dos Nomes em geral”: “Nome em geral é qualquer palavra com que designamos – ou ideias que existem per si, – ou ideias que existem naquelas, fazendo parte delas” (PESTANA, 1849, 2). Este capítulo está subdividido em duas partes, “Dos Substantivos” – “nome substantivo designa ideia que existe per si” (Id., Ibid., 2) – e “Dos Adjetivos” – “os adjetivos designam ideias que existem noutras, cuja parte fazem: por consequência – todo o nome que junto a um substantivo faz parte dele, é adjetivo” (Id., Ibid., 4).

A gramática de Daniel Pestana está dividida em cinco partes: “Etimologia”, a mais extensa (pp. 1-73), “sintaxe” (pp. 75-133), “Ortoépia” (pp. 134-176), “Ortografia” (pp. 177-185) e “Parte Acessória” (pp. 187-196).

Desta breve abordagem, há algumas conclusões a tirar: regra geral, as gramáticas de língua portuguesa referidas seguem a doutrina da gramática geral ou filosófica; por se tratar de gramáticas normativas e escolares, o dialeto madeirense é praticamente inexistente nas análises destes gramáticos. Mais do que apontar os regionalismos ou os nichos de identidade numa pátria linguisticamente homogénea, parece-lhes importante defender a língua portuguesa como símbolo de um povo: os gramáticos em questão procuram, assim, dar conta da norma-padrão, não fazendo qualquer referência, direta ou indireta, à variante linguística da Madeira (ou fazendo muito poucas).

Passando a outro tipo de gramáticas, as de língua latina, Marceliano Ribeiro de Mendonça publica, em 1835, uma obra de iniciação ao latim, Principios de Grammatica Geral Applicados á Lingua Latina, integrando-a no movimento da gramática geral ou filosófica, como é percetível pelo título. Principios da Grammatica Geral Applicados á Lingua Latina proporciona um manancial de observações no mínimo curiosas. E.g., em relação aos nomes próprios, Marceliano Ribeiro de Mendonça opina que não devem constar da gramática, porque, ao serem uma classe invariável, não há necessidade de serem estudados pela morfologia. No capítulo “Doutros Pretendidos Elementos da Proposição”, o autor defende a inexistência do advérbio e da interjeição, sendo que o primeiro deve ser considerado “uma locução elíptica que equivale a uma proposição com um nome” (MENDONÇA, 1835, 82), e a segunda “é a palavra mais ou menos inarticulada, per meio da qual exprimimos sentimentos e paixões da alma, – palavra que equivale a proposições inteiras” (Id., Ibid., 83); assim, ao não exprimirem o pensamento, estes elementos não devem ser matéria gramatical.

Em relação ao método de aprendizagem da língua latina, deverá optar-se por memorizar as desinências, a parte lógica que “nos dá conhecimento dos sinais que entram nessa análise, e se diz etimologia – ou as diferentes relações que os ligam, e denominamo-la sintaxe” (Id., Ibid., 3) e, a posteriori, por declinar os nomes, a parte mecânica que ensina “a enunciar o pensamento – ou per meio da palavra falada, e constitui a prosódia, - ou per meio da palavra escrita, e é a ortografia” (Id., Ibid., 3).

Quanto à organização interna, esta gramática latina compõe-se de duas partes: sobre a etimologia/a morfologia e sobre a sintaxe. O gramático começa por definir a etimologia como a parte secundária da gramática, a qual nos dá a conhecer as diferentes espécies de palavras, a sua natureza e as suas variações, segundo o aspeto por que se contemplam e os objetos que designam. Ao estudar a etimologia em geral, Ribeiro de Mendonça considera que todas as palavras de uma língua são redutíveis a duas classes gerais: a das palavras nominativas (nomes) e a das conexivas (preposições).

O capítulo sobre a etimologia/a morfologia está dividido em vários subcapítulos. Ao abordar os nomes em geral, o gramático explica que os nomes se agrupam em substantivos, se “designam ideias de objeto” (Id., Ibid., 5), e em adjetivos, “se designam ideias de qualidades, sejam estas físicas ou morais, sejam abstratas ou metafísicas” (Id., Ibid., 6). Por sua vez, os primeiros compõem duas subclasses, substantivos próprios e substantivos comuns, sucedendo o mesmo com os adjetivos, os quais são designados de articulares, quando modificam a “extensão” do substantivo, ou de atributivos, quando alteram a “compreensão” dele.

No cap. V, o autor refere os acidentes do nome aplicáveis à língua latina: o género (masculino, feminino, neutro), o número (singular, plural), o caso (nominativo, genitivo, dativo, acusativo, vocativo e ablativo) e as cinco declinações. Quanto às tábuas de declinação, Ribeiro de Mendonça sugere a consulta de António Verney.

O verbo, de que se trata no cap. VI, é a “palavra por excelência: assim denominamos o atributivo per meio do qual enunciamos a existência real ou abstrata do sujeito da proposição” (Id., Ibid., 16). Nestas páginas, explica-se o que são “pessoas” e “tempos”, e são expostas questões relativas às formas verbais (ativa, passiva e neutra) e aos auxiliares.

No que respeita à análise das palavras conexivas ou preposições (cap. VII), refere-se que estas “significam relações” (Id., Ibid., 27); subdividem-se em “preposições propriamente ditas”, pelas quais “significamos certas das relações per que os vocábulos se ligam em preposição como sinais de nossas ideias” (Id., Ibid., 27) e em “conjunções”, “a palavra per meio da qual significamos as relações das proposições no discurso, como sinais de nossos juízos” (Id., Ibid., 29).

O último capítulo da 1.ª parte (cap. VIII), sobre a etimologia da língua latina, aborda a questão da existência da classe dos advérbios e da das interjeições. Marceliano adota, aqui, uma das suas posições polémicas em matéria gramatical, nomeadamente no que toca às interjeições: como estas não analisam o pensamento, são apenas um meio pelo qual “exprimimos sentimentos e paixões da alma” (Id., Ibid., 33). Para o advérbio, são indicadas as circunstâncias que este pode sugerir (lugar, tempo, quantidade).

A 2.ª parte, sobre a sintaxe, constitui “a parte secundária da gramática que pelos acidentes das palavras, seu lugar em contexto, e pausas que as separam, determina as relações que umas têm para com as outras, em ordem a exprimir um sentido” (Id., Ibid., 33). Deste modo, a sintaxe divide-se em construção e em mecanismo do discurso. As relações sintáticas podem ser de identidade ou de determinação e são estudadas pela sintaxe de concordância e pela de regência, dividida em terminativa, objetiva, restritiva e circunstancial.

Na sintaxe figurada, são exploradas figuras gramaticais como a elipse, o pleonasmo, o grecismo e a enálage (cap. IV). No cap. V, sobre a construção, definida como “a disposição que damos às palavras em contexto, segundo o génio de cada língua” (Id., Ibid., 54), expõem-se os seus três modos: direto, inverso, interrupto.

No cap. VI, Marceliano Ribeiro de Mendonça apresenta questões relativas ao mecanismo do discurso, definido como “a parte da sintaxe que nos dá conhecimento dos diferentes grupos de ideias, pelas pausas que os separam” (Id., Ibid., 64); as pausas são determinadas pelos sinais de pontuação e organizam os textos em grupos. Para terminar, a obra apresenta uma tábua das conjugações regulares de verbos.

Esta gramática revela um cariz marcadamente filosófico, transmitido pela ideia de que a linguagem serve para analisar e enunciar o pensamento. À descrição gramatical está subjacente uma teoria geral, na medida em que a definição das classes e das subclasses de palavras, das funções sintáticas e das figuras gramaticais precede a descrição e a exemplificação propriamente ditas do latim.

Quanto às gramáticas de línguas estrangeiras editadas por autores madeirenses ou por residentes na Madeira, recordam-se as já mencionadas: de Hector Clairouin, Methodo Michaelense para o ensino da Lingua Franceza e O Nec Plus Ultra das Grammaticas Methodicas para o ensino da Lingua Franceza; de Francisco Manuel de Oliveira, Princípios Elementares da Língua Inglesa; e de Alexander J. D. D’Orsey, Colloquial Portuguese Or Words And Phrases of Every Day Life.

Gramáticas Fig 3 Fig. 3 – Fotografia da folha de rosto de O Nec Plus Ultra das Grammaticas Methodicas para o ensino da Lingua Franceza, 2.ª ed., de Hector Clairouin, 1874.

O Methodo Michaelense para o ensino da Lingua Franceza começa com uma crítica aos manuais de francês publicados em Portugal, cuja essência não favoreceu a aprendizagem do francês pelos Portugueses. Hector Clairouin faz a apologia do seu método, criticando claramente os já conhecidos; afirma, em relação ao “método micaelense”, que o fim do “método é ensinar a teoria, base fundamental da língua, e sem a qual todos os esforços serão baldados” (CLAIROUIN, 1861, V), e defende, como pontos fortes, o facto de que este método “não só torna o estudo fácil para o educando, senão também diminui o trabalho que hoje tem qualquer professor, especialmente nas primeiras lições; acontecendo muitas vezes não ter este em que empregar convenientemente os seus discípulos” (Id., Ibid., VI).

Na 1.ª parte da gramática, o autor utiliza o português, com vista à exposição dos conteúdos da gramática francesa, e fá-lo a dois níveis: o da pronúncia e o da sintaxe/das partes da oração. As palavras e as frases dos exercícios e dos diálogos são por norma apresentadas nas duas línguas – o português e o francês –, para que o estudante as compare. Na 2.ª parte da gramática, fazendo fé que o estudante já domina o francês, os conteúdos são expostos nessa língua. Os exercícios auxiliares compõem-se de questionários, de diálogos e de ditados.

A outra gramática da autoria de Hector Clairouin, O Nec Plus Ultra das Grammaticas Methodicas para o ensino da Lingua Franceza (1874), é uma 2.ª edição do Methodo Michaelense…, como atesta uma breve nota na folha de rosto: “inteiramente refundida do Methodo Michaelense, aprovado pelo Conselho Superior de Instrução Pública”. Apesar de o autor ter um novo procedimento de ensino, esta gramática é um manual tradicional, cujo objetivo é o domínio da arte de falar e de escrever corretamente.

Fig. 4 – Fotografia da folha de rosto de Principios Elementares da Lingua Ingleza, de Francisco Manuel de Oliveira, 1809. Fig. 4 – Fotografia da folha de rosto de Principios Elementares da Lingua Ingleza, de Francisco Manuel de Oliveira, 1809.

Quanto às gramáticas de língua inglesa, há que registar o trabalho de Francisco Manuel de Oliveira, Principios Elementares da Lingua Ingleza (1809). Na folha de rosto, encontra-se a especificação das três partes em que foi dividido este manual: Na 1.ª Parte Se Trata das Principaes Regras da Grammatica: na 2.ª dos Exercicios, e Elementos da Conversação: na 3.ª das Frases, e Idiotismos, ou seja, das frases feitas e das expressões idiomáticas. Pode dizer-se desta obra que é um guia de conversação, embora a 1.ª parte analise muitos conteúdos gramaticais.

Apetrechada de exercícios que exigem atenção e algum conhecimento adquirido por parte do estudante (é necessário o preenchimento de lacunas com verbos, preposições, artigos, pronomes), esta obra configura-se como um manual prático. Ao longo do livro, o texto em inglês é seguido do seu equivalente em português, permitindo a comparação das duas línguas. A vantagem da obra de Francisco Manuel de Oliveira reside no facto de conseguir conjugar estudo gramatical, exercícios e o tópico da conversação num único livro, sendo um bom compêndio de língua inglesa.

Alexander J. D. D’Orsey escreveu Colloquial Portuguese or Words and Phrases of Every Day Life, cujo objetivo era ser um guia de conversação para os cada vez mais comuns visitantes ingleses da Ilha. Não sendo propriamente uma gramática de língua portuguesa, a obra constituiu um sucesso editorial, ao ser editada por seis vezes entre 1854 e 1891. A obra de D’Orsey é um léxico composto de palavras e de expressões da língua inglesa, às quais se fazem corresponder frases e vocábulos do português. O autor menciona quatro marcas distintivas dos desvios lexicais madeirenses (Dialetologia): a mudança dos sons vocálicos – hômem em vez de hómem, men-íne-o em vez de menino, bow-a em vez de bô-a, sou, estou, etc. – rimando com o inglês too em vez de so, stow, Jo-zé-ah em vez de Jo-zé, tânho em vez de tênho, meicha em vez de mécha, fazeer em vez de fazer, etc.; o transporte de consoantes – prove em vez de póbre, trocida em vez de torcida, frol em vez de flor, prantar em vez de plantar; a omissão, ’tá em vez de está, minha em vez de minhas, cavall em vez de cavalo; e o s final como sh, em vez de s (D’ORSEY, 1891, 1).

Noutro âmbito, há que referir obras interessantes, como a separata de João Apolinário de Freitas, Subsidios para a Bibliographia Portugueza Relativa ao Estudo da Lingua Japoneza e para a Biographia de Fernão Mendes Pinto. Grammaticas, Vocabularios, Diccionários. No prólogo, declara-se que um dos pretextos para a elaboração do documento foi a guerra russo-nipónica, que fez com que o mundo ocidental se debruçasse sobre a Rússia e sobre o Japão, em particular sobre este. Na 1.ª parte, o autor fala das gramáticas de língua japonesa e dos respetivos autores, como a Arte da Lingua Japoneza, de Duarte da Silva, a Grammatica da Lingua Japoneza, de João Fernandez, a Arte da Lingua Japonica, de autor desconhecido, a Conjugação dos Verbos Regulares em Latim, Japonez e Portuguez, que, segundo Apolinário de Freitas, “é a chamada gramática japonesa do P.e Manoel Alvares, mas que propriamente não passa de uma nova edição da celebrada gramática latina deste não menos afamado jesuíta” (FREITAS, 1905, 38), a Arte da Lingoa Iapam, de João Rodriguez, a Arte Breve da Lingoa Iapoa Tirada da Arte Grande da Mesma Lingoa, pera os Que Começam a Aprender os Primeiros Principios della, de João Rodriguez, e a Ars Grammatica Japonicae Linguae, de Diogo Collado. Na 2.ª parte, João Apolinário de Freitas descreve outro tipo de livros, “Vocabulários e Dicionários”, e apresenta títulos e autores. Na 3.ª parte, “Notas Adicionais”, discute-se a língua materna de S. Francisco Xavier, se o português, se o castelhano, concluindo-se que o seu idioma materno deveria ser o vasconço, uma vez que o santo jesuíta nasceu na cidade de Xavier, na província de Navarra. Nesta parte, há também anotações sobre a origem de alguns vocábulos (topónimos e outros), como é o caso de “Macau”, proveniente de “Amacao” (Id., Ibid., 76).

Fig. 5 – Fotografia da folha de rosto de Questões de Língua Pátria, vol. II, de Ivo Xavier Fernandes, 1949. Fig. 5 – Fotografia da folha de rosto de Questões de Língua Pátria, vol. II, de Ivo Xavier Fernandes, 1949.

Outra obra digna de nota são os dois volumes de Questões de Língua Pátria, de Ivo Xavier Fernandes. A obra tem o particular interesse de tratar de questões cuja atualidade se prolongou para além do seu tempo, como o Acordo Ortográfico de 1911.

No cap. I, o autor começa por falar na “Questão Ortográfica”: expõe diferentes pontos de vista sobre o Acordo Ortográfico de 1911 e salienta o facto de os seus detratores terem caído por terra. No final do capítulo, há um subcapítulo dedicado a “O Idioma Brasileiro” (pp. 49 e 50), que, na opinião de Ivo Xavier, “por só existir em cérebros visionários, dominados sem dúvida por um excessivo ou mal compreendido patriotismo” (FERNANDES, 1947-1949, I, 50), não será tão cedo uma realidade.

Segue-se, no cap. II, a apologia da “Língua Nacional” . No cap. III, fala-se de “Anomalias de Gramáticas”, dando-se conta de impropriedades em denominações, e.g., quanto aos graus dos adjetivos.

No cap. IV, “Coisas da Língua”, abordam-se os galicismos e encontra-se uma crítica explícita aos meios de comunicação brasileiros, pelo uso excessivo de expressões francesas; referem-se curiosidades sobre a grafia de nomes de pessoas e outras – como a grafia de “indemnização”, e de “vasa” e “vaza” –, e trata-se o tema do imperativo negativo.

No vol. II, Ivo Xavier aborda a questão d’“A Unidade Gráfica Luso-Brasileira” tendo como pano de fundo o Acordo Ortográfico de 1911: “Não nos esqueçamos de que a língua portuguesa é só uma e que só uma também tem de ser a sua ortografia!” (Id., Ibid., II, 6). Na parte intitulada “Acertando o Que não Está Certo” (a partir da p. 8), aborda os “Casos de Morfologia”. Há considerações sobre “Casos de sintaxe” (a partir da p. 23), bem como sobre outras temáticas pertinentes: “Alotropismo, Polimorfismo e Sincretismo” (pp. 38 a 49), “Homotropismo” (pp. 50 a 94), “Casos da Fonética” (pp. 95 e 96) e “Verbos em ‘-izar’ e ‘-isar’” (pp. 97 a 99). Este volume finaliza com os seguintes temas: o “Pretoguês Jornalês…” (pp. 218 a 229) e “Étimos Curiosos” (pp. 230 a 240).

Apesar de as gramáticas da língua portuguesa elaboradas por autores madeirenses denotarem grande apego a aspetos normativos, é de referir uma evolução em publicações posteriores às referidas que, não sendo gramáticas, acompanham o interesse, nascido no final do séc. XIX, pelas variações dialetais do português, o qual foi desenvolvido por estudiosos como Leite Vasconcellos, considerado o fundador da dialetologia portuguesa, e por académicos como o Prof. Paiva Boléo, em meados do séc. XX. Entre estas obras, encontram-se: Palavras do Arquipélago da Madeira, de Emanuel Ribeiro (1929); Vocabulário Madeirense, de Fernando Augusto da Silva (1950); porto santo. Monografia Linguística, Etnográfica e Folclórica, de Maria de Lourdes de Oliveira Monteiro dos Santos Costa; Peixes da Madeira, de Adão de Abreu nunes (1953); e Falares da Ilha, de Abel Caldeira (1961). Neste domínio, são de destacar as obras de Emanuel Ribeiro, Fernando Augusto da Silva e Abel Caldeira, que, não se constituindo como gramáticas, não deixam de ser importantes nos campos da dialetologia e da lexicologia, por terem sido os primeiros trabalhos a abordar, de uma maneira profunda, os desvios dialetais da Madeira, isto é, as expressões e as denominações usadas pelas populações do arquipélago.

 

Paulo Figueira

(atualizado a 13.12.2017)

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