paleobotânica

19 Jan 2017 por "Leocadia"

Passados cerca de 160 anos sobre as primeiras descobertas paleobotânicas na ilha da Madeira, as coleções de fósseis e as jazidas continuam a ser testemunhos importantes da vegetação que outrora a cobria e o seu estudo fundamental para a compreensão da origem e evolução da flora madeirense e das restantes ilhas da Macaronésia. Floras fósseis como as das jazidas de São Jorge e de Porto da Cruz, as mais bem estudadas, permitem identificar espécies e ecologias semelhantes às atuais.

Palavras-chave: flora; fósseis; botânica; geologia; paleontologia.

A paleobotânica, no sentido lato, é a ciência que trata do estudo das plantas fósseis. No sentido estrito, é uma ciência multidisciplinar, onde a geologia e a botânica têm um papel preponderante na análise e obtenção de informação do registo fóssil vegetal (onde se inclui igualmente o estudo dos fungos, algas e bactérias fósseis) ao longo do tempo geológico.

O relato da ocorrência de plantas fósseis na ilha da Madeira é relativamente comum quando se efetua uma leitura cuidada dos trabalhos pioneiros do c. XIX sobre a geologia e flora da Ilha. A preservação de restos vegetais em ilhas vulcânicas deve-se à sua história geológica. Normalmente, as ilhas vulcânicas são construídas ao longo do tempo por vários eventos eruptivos, intercalados com períodos de quiescência de duração variável, à escala local ou regional. Estes hiatos são, do ponto de vista biológico, uma oportunidade para a instalação ou recuperação da flora. Quer durante a atividade vulcânica, quer durante o período de quiescência, existem vários processos tafonómicos (i.e., processos de sepultamento e preservação de restos de seres vivos) a operar, importantes na fossilização de comunidades florísticas. Os fenómenos de sepultamento de plantas podem ser de dois tipos: fenómenos associados diretamente ao vulcanismo, tais como escoadas lávicas, queda de piroclastos e escoadas piroclásticas; ou fenómenos indiretamente associados ao vulcanismo, tais como lahares (fluxos sedimentares hiperconcentrados), assoreamento de linhas de água devido ao bloqueio por movimentos de vertente ou derrames lávicos (formando muitas vezes lagos temporários), deslizamentos e depósitos de vertente e, por fim, depósitos de origem eólica.

Desde o c. XIX, foram descritas, um pouco por todo o arquipélago, várias jazidas contendo macrorrestos vegetais: rizólitos das dunas da Piedade (Caniçal), jazida de São Jorge (santana), jazida de Porto da Cruz e jazida de Paul da Serra; outras jazidas mencionadas situar-se-iam no Funchal (Pontinha e praia Formosa), em câmara de lobos (sítio do Convento) e porto moniz (sítio da Lagoa). Igualmente de interesse paleontológico são os achados de troncos de árvores durante as escavações de túneis, cuja descrição científica nunca foi efetuada. Em porto santo, é referida igualmente a presença de uma camada de lenhite (ribeira do Calhau). Menos comum é a descrição de microrrestos, tais como pólenes e fitólitos, restrita apenas às dunas da Piedade.

[caption id="attachment_13733" align="aligncenter" width="599"]Fig. 1 – Esq.: As duas ilustrações de rizoconcreções das dunas da Piedade, assinaladas com pontos vermelhos. Fonte: BOWDICH, 1825. Dir.: Rizólitos das dunas da Piedade. Fonte: fotografia dos <a href='poetas'>autores</a>. Fig. 1 – Esq.: As duas ilustrações de rizoconcreções das dunas da Piedade, assinaladas com pontos vermelhos. Fonte: BOWDICH, 1825. Dir.: Rizólitos das dunas da Piedade. Fonte: fotografia dos autores.[/caption] Dunas da Piedade

Historicamente, a primeira referência e ilustração de macrofósseis vegetais da ilha da Madeira provém desta localidade (fig. 1) e surge na obra póstuma do naturalista Thomas Edward Bowdich (1791?-1824), Excursions in Madeira and porto santo During the Autumn of 1823, de 1825. Ao longo dos anos, esta localidade foi sendo referida em vários trabalhos de cariz geológico e biológico, como os de James Macaulay e Charles Lyell, devido ao seu conteúdo fossilífero. Geologicamente, e segundo Brum da Silveira, este depósito sedimentar consiste em níveis de areias eólicas, de proveniência marinha, depositados em ambiente subaéreo e separados por paleossolos, nos quais ocorrem rizoconcreções carbonatadas e gastrópodes terrestres. Esta sequência sedimentar data, segundo Gleen Goodfriend, de 300 a 200 mil anos a.p..

Existem vários trabalhos paleontológicos sobre este local, que focam essencialmente a fauna fóssil presente (e.g., gastrópodes, aves, mamíferos e répteis). O trabalho sobre a estratigrafia, cronologia e paleoambiente do depósito foi o que mais se debruçou sobre a paleobotânica do local, cuja análise micropaleontológica revelou a presença de pólenes (vide Boraginaceae, Caryophyllaceae, Chenopodiaceae, Compositae [Cirsium-type, Centaurea; Linguliflorae e Tubuliflorae], Cruciferae, Ericaceae, Plantago, Succisa, Gramineae e Pinus) e fitólitos (dicotiledóneas e gramíneas). Os macrofósseis vegetais são representados por rizoconcreções (i.e., acumulação de minerais à volta de uma raiz, formando uma capa; posteriormente, pode ocorrer o preenchimento da cavidade tubular deixada pela decomposição da raiz) (fig. 1). Pela sua natureza, este tipo de fósseis não contém informação anatómica, mas evidencia a colonização sucessiva das dunas por uma vegetação de porte arbustivo a arbóreo.

Jazida de São Jorge

Segundo o que se depreende dos textos de autores do c. XIX, a jazida de São Jorge encontrava-se entre a ribeira do Marcos (depois designada de ribeira do Marques ou dos Arcos) e a ribeira grande de São Jorge, na então chamada ribeira do Meio. O nome deste afluente deriva do nome dado a um interflúvio, situado na margem esquerda, designado como Lombo do Meio. As primeiras referências foram publicadas em dois artigos de 1837 da autoria de Mouzinho de Albuquerque (1772-1846) e num outro de Vargas-Bedemar (1768-1847), descrevendo a existência de uma camada de lenhite em São Jorge. De notar a existência do estudo químico efetuado por James Smith, que conclui que a lenhite teria uma constituição química semelhante a uma turfa. Esta localidade é referida por vários autores ao longo da primeira metade do c. XIX, quer em trabalhos científicos, quer em guias turísticos sobre a Ilha, de que são exemplo os de James Macaulay e Edward harcourt.

[caption id="attachment_7718" align="aligncenter" width="932"]fig2png Fig. 2 – Gravura do afloramento de São Jorge, por Georg Hartung (trad. da legenda: "A lenhite e os restos de plantas na Ribeira do Meio, nas áreas ribeirinhas da Ribeira de São Jorge"). Fonte: HEER, 1857.[/caption]

Os estudos paleobotânicos mais importantes sobre esta jazida iniciam-se com a viagem de sir Charles Lyell (1797-1875) aos arquipélagos da Madeira e Canárias nos anos de 1853 e 1854. Segundo Leonard Wilson, a viagem de Lyell tinha como propósito a reavaliação das observações geológicas da ilha da Madeira e das Canárias publicadas por Leopold von Buch (1774-1853), responsável pela formulação da teoria catastrofista das “crateras de elevação”. Esta teoria postulava que o levantamento das camadas de lava acumuladas horizontalmente no fundo oceânico estaria na origem da formação das ilhas vulcânicas. Lyell, crítico e insatisfeito com a teoria então vigente, viajou até aos locais para poder ele mesmo observar e documentar a geologia das ilhas. Durante a sua estada na Madeira, conheceu Georg Hartung (1821-1891), um naturalista que residia então na Ilha, que o acompanhou nos trabalhos de campo. Lyell procurava afloramentos sedimentares fluviais intercalados com eventos eruptivos, de modo a obter provas da formação gradual e subaérea da ilha da Madeira. Um dos pontos fundamentais foi a visita à lenhite que aflorava num dos afluentes da ribeira grande de São Jorge, a então chamada ribeira do Meio, no dia 18 de janeiro de 1854 (fig. 2). A inspeção detalhada do local por parte de Lyell e de Hartung levou à descoberta de uma jazida de folhas fósseis, na qual foi colhida uma coleção de pelo menos 150 espécimes. As folhas fósseis de São Jorge foram as primeiras provas a suportar as ideias uniformitaristas da formação das ilhas vulcânicas. Esta localidade foi igualmente alvo de uma colheita de fósseis, entre 1854 e 1855, por parte de Hartung, da qual foi enviada uma coleção ao paleobotânico suíço oswald Heer (1809-1883).

As coleções desta jazida deram origem a duas importantes publicações, Ueber die Fossilen Pflanzen von St. Jorge in Madeira, de oswald Heer, e On Some Vegetable Remains from Madeira, de Charles Bunbury. O artigo de Heer, apresentado numa comunicação datada de 5 de novembro de 1855 e posteriormente publicado em 1857, continua a ser o mais importante sobre os fósseis vegetais de São Jorge. Neste artigo, não só é dada uma introdução geral à geologia da Madeira, como são também abordados os principais afloramentos sedimentares e respetivos conteúdos fossilíferos. É discutida a flora da Ilha à época e feita uma descrição da estratigrafia e da morfologia, comparando os exemplares madeirenses com fósseis semelhantes europeus terciários da Suíça e com a flora da Madeira. A este artigo são anexadas três estampas. Em duas delas, figuram 58 espécimes paleobotânicos (25 espécimes numa estampa e 33 espécimes na segunda, sendo um deles um coleóptero), demonstrando a existência de 25 espécies de plantas, incluindo espécies existentes e espécies extintas (fig. 3). A terceira estampa ilustra a estratigrafia geral da Ilha, juntamente com uma ilustração dos afloramentos de São Jorge e das dunas da Piedade. Neste trabalho, Heer demonstra não só a similitude do registo fóssil com a flora da ilha da Madeira à época, mas também a semelhança entre os géneros extintos no continente europeu e os géneros atuais viventes, numa tentativa de provar que as ilhas teriam estado ligadas ao continente, numa alusão clara à teoria da Atlântida. A coleção que deu origem a esta publicação foi depositada no Eidgenössische Technische Hochschule Zürich, na Suíça.

[table id=52 /]

O trabalho seguinte sobre os fósseis vegetais de São Jorge é apresentado por Bunbury à Geological Society of London, a 28 de abril de 1858, numa palestra sobre a coleção de Lyell. Posteriormente, é publicada no Quarterly Journal of the Geological Society sob o título de “On Some Vegetable Remains from Madeira”. Esta publicação, mais breve que a de Heer, compara as duas coleções. Bunbury analisa 140 exemplares, encontrando 11 espécies que não estavam presentes na coleção de Heer. A coleção de Lyell foi depois reduzida a menos de 40 espécimes e depositada em duas instituições britânicas: no museu de História Natural (Londres) e no Sedgwick Museum of Earth Sciences (Universidade de Cambridge). Uma outra coleção, mencionada numa carta enigmática de Heer ao Prof. H. G. Bronn (1800-1862), pertenceria a Hartung. Nesta carta, datada de 17 de março de 1861, referente à devolução de 260 espécimes entomológicos e paleobotânicos a Bronn, Heer discute a análise de uma coleção de fósseis de São Jorge, de que resultou a identificação de sete morfótipos (fig. 3). Os espécimes identificados na carta anterior serão, muito provavelmente, espécimes recolhidos por Hartung nas suas passagens pela Ilha entre os anos de 1854 e 1857. De acordo com o seu artigo biográfico, durante a primeira parte do ano de 1858 Hartung visitou frequentemente Bronn para discutirem a natureza dos espécimes recolhidos nas suas viagens pelas ilhas atlânticas. Muito possivelmente, a carta de Heer de 1861 referir-se-á à análise destes espécimes. Heer refere também ter recebido fósseis colhidos em 1861 por James Yate Johnson. A fortalecer a ideia de uma coleção privada de folhas fósseis de São Jorge existe a publicação do livro Geologische Beschreibung der Inseln Madeira und porto santo, de Georg Hartung e Karl von Mayer, livro que tem uma secção exclusivamente dedicada à paleontologia das ilhas da Madeira e de porto santo, onde Hartung dedica várias páginas à paleobotânica, apresentando fósseis colhidos em São Jorge e numa nova jazida no Porto da Cruz. As identificações ficaram a cargo de oswald Heer. A revisão da jazida de São Jorge apresenta-se como um resumo semelhante ao artigo de Heer, acrescentando uma espécie nova para a jazida, que é identificada como nova por Heer na carta de 1861 a Bronn.

Após o período de recolha e estudo das folhas fósseis de São Jorge, durante o início da segunda metade do c. XIX, segue-se um período sem novidades, durante o qual existem citações recorrentes dos principais trabalhos anteriores. Uma exceção é o artigo publicado por John Starkie Gardner em 1882, onde o autor descreve a tentativa de visitar a jazida de São Jorge, relatando que esta tinha sido ocultada por uma derrocada ocorrida em 1865. Ainda assim, visitou o suposto local, fazendo uma descrição estratigráfica e comparando-a com a de oswald Heer, não obtendo, contudo, qualquer exemplar fóssil. Entre este período de descoberta e estudo dos restos fósseis de São Jorge e o começo do c. XXI, há somente a citação dos antigos trabalhos.

Desconhece-se o local exato da jazida de São Jorge, que estará provavelmente soterrada por uma derrocada, de que há relatos de ocorrências em 1865, 1885 e 1901. Contudo, o Elucidário Madeirense relata que a derrocada que cobriu o afloramento de São Jorge em meados de 1865 teria sido limpa, colocando novamente a jazida à luz do dia em 1917. Os autores não referem, no entanto, quem terá procedido à limpeza deste local nem as razões. Segundo as descrições dadas pelos vários autores, a jazida e os estratos de lenhite estariam a uma altitude de 1014 pés (~300 m) acima do nível do mar, na margem direita da ribeira do Meio, na confluência com a ribeira grande de São Jorge. Segundo o corte geológico de Hartung, os estratos teriam direção aproximadamente Este-Oeste e inclinação para Norte. Acima do afloramento, existiria uma parede vertical com mais de 300 m de altura, resultante do encaixe do curso de água. Pela sua localização geográfica, pensa-se que a jazida estará incluída no Complexo Vulcânico Intermédio (5,57 a 1.8 Ma), de acordo com a vulcano-estratigrafia definida por Brum da Silveira em 2010. A presença de carvões pouco evoluídos está provavelmente associada a uma grande concentração de matéria orgânica, possivelmente proveniente das florestas que então cobririam a Ilha, ou à formação in situ de uma acumulação de briófitos (e.g., Sphagnum sp.) na pequena bacia que terá dado origem ao depósito sedimentar de São Jorge. O consequente recobrimento destas camadas por sequências sedimentares e vulcânicas proporcionou provavelmente a temperatura e pressão suficientes para a formação das camadas de lenhite observadas pelos autores do c. XIX.

A análise dos fósseis sobreviventes de São Jorge feita nos começos do c. XXI e revista por Góis Marques em 2013 apontava para que mais de 2/3 das determinações da flora fóssil do local correspondessem a géneros ou espécies mal determinados ou indeterminados. A revisão desta flora revelou a presença de 19 formas distintas de plantas, 14 das quais são atribuíveis a géneros atuais: fetos (Osmunda regalis, Pteridium aquilinum, Arachniodes sp., Asplenium cf. onopteris, Asplenium sp., Asplenium aff. anceps, Woodwardia radicans, Davallia canariensis, Polystichum sp.) e dicotiledóneas (Ocotea foetens, Erica arborea, Myrtus communis, Vaccinium cf. padifolium sp., Rubus sp.). Estes resultados contrastam com as 37 espécies descritas originalmente no c. XIX. Isto deve-se, sobretudo, à má preservação e incompletude dos fósseis e ao escasso conhecimento sobre a geologia e botânica na época em que os estudos originais foram desenvolvidos. A flora fóssil de São Jorge, composta maioritariamente por lauráceas (Til: Ocotea foetens) e fetos, apresenta semelhanças notáveis com a comunidade florística da Laurissilva temperada do Til. Tendo em conta o contexto geológico em que esta associação de espécies se apresentava, é possível que a sua origem esteja relacionada com o transporte rápido (e.g., uma enxurrada), evidenciado pelo estado fragmentado dos espécimes e pela preservação dos mesmos numa brecha de matriz silto-argilosa, de uma antiga manta morta ou solo, correspondente à rie do que se considera, em começos do c. XXI, a Laurissilva do Til.

Jazida de Porto da Cruz

Esta jazida situa-se no promontório da povoação do Porto da Cruz, concelho de Machico (fig. 3). Segundo Georg Hartung e Karl von Mayer, a descoberta de folhas fósseis nesta localidade foi realizada por James Yate Johnson (1820-1900) em 1859, que, juntamente com Georg Hartung, recolheu uma coleção das mesmas. Este último autor publicou no seu livro de 1864 a descrição dos fósseis e uma estampa com desenhos pormenorizados dos espécimes analisados. As determinações paleobotânicas ficaram a cargo de oswald Heer. O número total de espécimes não é conhecido, mas é publicada uma estampa com 11 espécimes provenientes de Porto da Cruz (o 12.º espécime figurado pertence à coleção de São Jorge), onde são reconhecidas duas espécies (Rubus e Carex). Não se conhece o paradeiro desta coleção de fósseis vegetais de Porto da Cruz.

Em 1882, John Starkie Gardner visitou a jazida de Porto da Cruz, recolhendo folhas de dicotiledóneas e de monocotiledóneas, mas não realizou qualquer estudo pormenorizado dos fósseis recolhidos. Em 1928, Theodore Dru Alison Cockerell realizou uma prospeção nesta localidade, não encontrando no entanto nenhum fóssil. Mais recentemente, há uma menção a esta jazida na obra A Field Guide to the Geology of Madeira, de Christopher Burton e Jim MacDonald. Este guia refere brevemente a existência da flora fóssil de Porto da Cruz, explicando a origem do depósito sedimentar desta localidade e descrevendo a ocorrência dos fósseis.

[caption id="attachment_13739" align="aligncenter" width="614"]Fig. 3 – Esq.: Afloramento sedimentar de Porto da Cruz; Dir.: Fragmento de folha de dicotiledónea recolhido nesta jazida. Fonte: Fotografia C. A. Góis Marques e M. Menezes de Sequeira. Fig. 3 – Esq.: Afloramento sedimentar de Porto da Cruz; Dir.: Fragmento de folha de dicotiledónea recolhido nesta jazida. Fonte: Fotografia C. A. Góis Marques e M. Menezes de Sequeira.[/caption]

Há conhecimento de pelo menos mais quatro coleções além da desaparecida coleção de Hartung. Uma delas, constituída por apenas seis espécimes, alojados no Sedgwick Museum of Earth Sciences (Universidade de Cambridge), recolhida por George Walter Grabham (1882-1955), não consta em qualquer registo bibliográfico. A segunda é a de John Starkie Gardner, mencionada no seu artigo de 1882, cujos fósseis foram alojados nas coleções paleontológicas do museu de História Natural (Londres). Uma terceira coleção, recolhida em 2012 pelos autores desta entrada, encontra-se depositada na universidade da madeira, a aguardar estudo mais detalhado (fig. 3). A quarta coleção é a que se encontra alojada no Jardim Botânico da Madeira (museu de História Natural do seminário), cujo estudo não foi realizado.

Segundo a carta geológica da Madeira, a jazida de Porto da Cruz está enquadrada no Complexo Vulcânico Superior (Unidade do Funchal), correspondendo a “fluxos hiperconcentrados que originam tufitos e arenitos com intercalações conglomeráticas”. Estes encontram-se selados por um derrame mugearítico datado de 1,5 Ma, restringindo a idade deste depósito sedimentar ao intervalo entre os 1,8 Ma e os 1,5 Ma. Estes depósitos poderão estar relacionados com o represamento de linhas de água por movimentos de vertente ou derrames lávicos. O consequente assoreamento de um vale fluvial a montante do bloqueio da drenagem poderá dar origem a espessos depósitos sedimentares fluviais. A jazida de Porto da Cruz revela a presença de uma flora pouco abundante, com apenas quatro morfótipos reconhecidos e três géneros identificados, muito provavelmente devido à pouca exploração de que foi alvo. A macroflora revela plantas de cariz higrófilo (e.g., Carex sp. e Equisetum sp.) e lianas (Rubus sp.). Muito provavelmente, esta vegetação aproveitou o período subsequente a um episódio de inundação da bacia sedimentar, instalando-se no nicho recém-criado, o suficiente para que um paleossolo se formasse. A consequente subida da água fez com que o nível com plantas fosse soterrado in situ, o que é sugerido pela grande quantidade de folhas de Carex sp. presentes numa só camada, pelo facto de não estarem fragmentadas e por estarem aparentemente orientadas segundo uma direção aproximadamente S-N, como mostra Góis Marques.

De acordo com a literatura, ou baseado em outros materiais (e.g., etiquetas de coleções), podem ainda listar-se outras localidades onde foram observados ou colhidos fósseis de plantas cujo estudo pormenorizado nunca foi realizado.

Paul da Serra

Alguns autores referem a presença de lenhite no Paul da Serra. Trata-se de material vegetal carbonizado presente num paleossolo subjacente a um depósito piroclástico existente no local. Este material foi recentemente usado para se poder datar, através do método de radiocarbono, o depósito piroclástico emitido por uma das erupções vulcânicas mais recentes do Complexo Vulcânico Superior (6 a 7 mil anos, segundo Geldmacher e Brum da Silveira). Carlos Teixeira menciona a presença de caules de teixo (Taxus baccata) neste depósito.

Funchal

Mouzinho de Albuquerque descreve que, a oeste da Pontinha (Funchal), existiriam “fragmentos de raízes vegetais petrificadas e convertidas em carbonato de cal carregado de sílica”. Contudo, este depósito sedimentar, ao que parece, não sobreviveu, provavelmente devido à expansão da construção na área do Funchal. Charles Lyell, por sua vez, descreve a descoberta efetuada por James Smith of Jordan Hill (1782-1867), em 1840, de raízes e ramos carbonizados no Funchal. Igualmente no sítio da Pontinha, oswald Heer refere ter encontrado, em 1851, ramos carbonizados em tufos vulcânicos, que identificou como sendo murta (Myrtus sp.). As três referências poderão corresponder a uma mesma jazida, dadas a semelhança das descrições e a localização geográfica.

câmara de lobos (sítio do Convento) e porto moniz (sítio da Lagoa)

O acesso a fotos datadas de 2008 da coleção de fósseis foliares do Jardim Botânico da Madeira (museu de História Natural do seminário) revelou etiquetas com a referência à existência de tufos com impressões de folhas do sítio do Convento, em câmara de lobos. A etiqueta apresenta a data de agosto de 1931, tendo os espécimes sido recolhidos pelo Cón. Jaime de Gouveia Barreto. Outra etiqueta presente na coleção aventa a hipótese da existência de lenhite (?) no sítio da Lagoa, no concelho de porto moniz. Estes restos foram recolhidos igualmente pelo Cón. Barreto em 1932, que escreve na etiqueta: “Muito abundante nas escavações que foram feitas para colocar uma torneira para saída da água de rega”.

porto santo

Tanto Lietz e Schwarzbach como Goodfriend descrevem a existência de um paleossolo com lenhite 100 m a norte da foz da ribeira do Calhau (região oriental da Ilha). A datação deste paleossolo estipulou uma idade de 480±55 anos a.p., mas um estudo paleobotânico, na tentativa de identificar possíveis restos vegetais, nunca foi efetuado.

As coleções de fósseis e as jazidas continuarão a ser testemunhos importantes da vegetação que outrora cobria a Ilha. O seu estudo é fundamental para a compreensão da origem e evolução da flora madeirense e das restantes ilhas da Macaronésia. A flora fóssil de São Jorge e de Porto da Cruz, as floras que se encontravam mais bem estudadas no início do c. XXI, permitiu identificar não só espécies semelhantes às então existentes, mas também ecologias semelhantes às observadas.

Bibliog.: manuscrita: LYELL, Charles e HARTUNG, Georg, On the Geological Structure of the Islands of Madeira & porto santo, 1856, pp. 1-130, ms. digitalizado pela Edinburgh University Library para o Humboldt Project: http://humboldt.mpiwg-berlin.mpg.de/lyel_onthe_en_01_1855_LiSe/index_en.html (acedido a 27 abr. 2015); impressa: BOWDICH, Sara, Excursions in Madeira and porto santo During the Autumn of 1823, While on His Third Voyage to Africa, London, G. B. Whittaker, 1825; BRUM DA SILVEIRA, António et al., Notícia Explicativa da Carta Geológica da Ilha da Madeira na Escala 1:50.000: Folhas A e B, 1.ª ed., Funchal, Secretaria Regional do Ambiente e Recursos Naturais, 2010; BUNBURY, Charles J. F., „On Some Vegetable Remains from Madeira“, Quarterly Journal of the Geological Society, n.º 15, 1859, pp. 50-59; BURTON, Christopher J. e MacDonald, Jim G., A Field Guide to the Geology of Madeira, Glasgow, Geological Society of Glasgow, 2008; FERNÁNDEZ-PALACIOS, José M., “Una Aproximación a la Historia de la Laurisilva Macaronésica”, Makaronesia, n.º 15, 2013, pp. 52-75; GELDMACHER, Jörg et al., “The 40Ar/39Ar Age Dating of the Madeira Archipelago and Hotspot Track (Eastern North Atlantic)“, Geochemistry, Geophysics, Geosystems, n.º 1, 2000, pp. 1-26; GÓIS MARQUES, Carlos Alberto, Paleobotânica da Ilha da Madeira: Inventário e Revisão da Macroflora Fóssil de São Jorge e Porto da Cruz, Dissertação de Mestrado em Geologia (Estratigrafia, Sedimentologia e Paleontologia) apresentada à Universidade de Lisboa, Lisboa, texto policopiado, 2013; GOODFRIEND, Glenn A. et al., “The Quaternary Eolian Sequence of Madeira: Stratigraphy, Chronology, and Paleoenvironmental Interpretation”, Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology, n.º 120, 1996, pp. 195-234; harcourt, Edward Vernon, A Sketch of Madeira Containing Information for the Traveller, or Invalid Visitor, 1.ª ed., London, John Murray, 1851; HARTUNG, Georg e MAYER, Karl von, Geologische Beschreibung der Inseln Madeira und porto santo. Mit dem Systematischen Verzeichnisse der Fossilen Reste Dieser Inseln und der Azoren von Karl Mayer, Leipzig, W. Engelmann, 1864; heer, oswald, “Pflanzenreste von St. Jorge in Madeira (Lettre à M. Bronn)”, Neues Jahrbuch Für Mineralogie, Geognosie, Geologie und Petrefakten-Kunde, Jahrgang 1861, p. 315; Id., “Ueber die Fossilen Pflanzen von St. Jorge in Madeira”, Neue Denkschriften der Allgemeinen Schweizerischen Gesellschaft für die Gesamten Naturwissenschaften, n.º xv, 1857, pp. 1-40; LIETZ, Von J. e SCHWARZBACH, M. Köln, “Quartäre Sedimente auf der Atlantik-Insel porto santo (Madeira-Archipel) und Ihre Paläoklimatische Deutung“, E&G – Quaternary Science Journal, vol. 22, n.º 1, 1971, pp. 89-109; LYELL, Charles, A Manual of Elementary Geology, 5.ª ed., London, John Murray, 1855; LYELL, Charles, e LYELL, Katherine M., Life, Letters, and Journals of Sir Charles Lyell, Bart., London, John Murray, 1881; MACAULAY, James, “Notes on the Physical Geography, Geology and Climate of the island of Madeira”, Edinburgh New Philosophical Journal, n.º 29, 1840, pp. 336-375; MOUZINHO DE ALBUQUERQUE, Luiz da Silva, “Observações para Servirem para a História Geológica das Ilhas da Madeira, porto santo e Desertas“, Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, t. xii, pt. i, Lisboa, Typ. da Academia Real das Sciencias de Lisboa, 1837, pp. 1-28; PINTO, Manuel Serrano e BOUHEIRY, Annette, “The German Geologist Georg Hartung (1821–1891) and the Geology of the Azores and Madeira Islands”, in JACKSON, Patrick W. (org.), Four Centuries of Geological Travel: The Search for Knowledge on Foot, Bicycle, Sledge and Camel, London, Geological Society of London, 2007, pp. 229-238; SILVA, Fernando Augusto da e MENESES, Carlos Azevedo de, Elucidário Madeirense, 3 vols., 2.ª ed., Funchal, s.n., 1940; SMITH, James, “On the Geology of the Island of Madeira”, Proceedings of the Geological Society of London, n.º 3, 1841, pp. 351-356; STARKIE GARDNER, John, “The Geology of Madeira”, Quarterly Journal of the Geological Society, n.º 38, 1882, pp. 277-281; TEIXEIRA, Carlos, “Notas Sobre a Geologia das Ilhas Atlânticas”, Anais da Faculdade de Sciências do Porto, vol. 33, 1948, pp. 193-233; VARGAS-BEDEMAR, Edouard Romeo, “Resumo das Observações Geológicas Feitas em uma Viagem às Ilhas da Madeira, porto santo e Açores, nos Anos de 1835 e 1836”, Arquivo dos Açores, n.º 10, 1837, pp. 289-296; WILSON, Leonard G., “The Geological Travels of Sir Charles Lyell in Madeira and the Canary Islands, 1853–1854”, in JACKSON, Patrick W. (org.), Four Centuries of Geological Travel: The Search for Knowledge on Foot, Bicycle, Sledge and Camel, London, Geological Society of London, 2007, pp. 207-228.

Carlos A. Góis Marques

Miguel Menezes de Sequeira

José Madeira

(atualizado a 01.01.2017)