albuquerque, manuel de saldanha de

28 Jan 2021 por "Rui Carita"
História Militar História Política e Institucional Personalidades

Filho de Aires de Saldanha de Albuquerque Coutinho Matos e Noronha e de D. Maria Leonor de Lencastre e Moscoso, pertencia a uma das principais famílias da nobreza de corte, da qual já haviam saído vários governadores da Madeira. O seu governo da Ilha marca o início da implantação do despotismo iluminado, com uma nova forma de governar e a produção de uma série de relatórios para a corte de Lisboa. Exercendo tal cargo durante o conflito conhecido como a Guerra dos Sete Anos, deveu-se-lhe a construção do molhe do porto da Pontinha.

Palavras-chave: colonia; comércio internacional; despotismo iluminado; Guerra dos Sete Anos; porto do Funchal.

 

Filho de Aires de Saldanha de Albuquerque Coutinho Matos e Noronha (1681-1756), pertenceu a uma das principais famílias da nobreza de corte, da qual já haviam saído vários governadores da Madeira, entre os quais o seu avô João de Saldanha e Albuquerque (c. 1630-1723) (Albuquerque, João de Saldanha e). Seu pai era da câmara do infante D. António (1695-1757), filho de D. Pedro II (1648-1706) e de sua segunda mulher, a Rainha D. Maria Sofia Isabel de Neoburgo (1666-1699), tendo sido governador e capitão-general do Rio do Janeiro, e a mãe, D. Maria Leonor de Lencastre e Moscoso (c. 1685-1731), segunda mulher de Aires de Saldanha, era filha do 5.º conde de Santa Cruz e 2.º marquês de Gouveia. Manuel de Saldanha de Albuquerque foi sargento-mor de batalha com exercício na torre de Belém e, antes, fora mestre de campo, coronel e brigadeiro com exercício em ocasião de guerra, bem como comendador de Santa Maria de Castro Laboreiro, na Ordem de Cristo e no arcebispado de Braga.

Manuel de Saldanha de Albuquerque e Castro ou Coutinho Matos e Noronha, apelidos que também utilizou, nasceu em 1712 e casou-se tardiamente, a 24 de fevereiro de 1754, com D. Ana Ludovina de Almada Portugal (1722-1790) – filha de D. Luís José de Almada (c. 1680-1735), mestre-sala da Casa Real, e neta do ex-governador da Madeira D. Lourenço de Almada (1645-1729) –, que, em 1748, se casara com o secretário de Estado Marco António de Azevedo Coutinho (1688-1750), tendo enviuvado sem descendência. Os primeiros anos do governo de D. José (1714-1777) marcam o progressivo protagonismo de uma nova nobreza de corte, parte da qual ligada ao Iluminismo europeu, situação já patente nos últimos anos do governo de D. João V (1706-1750). Tendo falecido em 1750, Marco António de Azevedo Coutinho foi substituído na Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra por Fr. Gaspar da Encarnação (1685-1752), religioso do Convento do Varatojo e irmão do 3.º marquês de Gouveia que, antes de professar, se chamava Gaspar de Moscoso e Silva (Jacobeia e Coutinho, D. Fr. Manuel). Substituído à frente dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, em 1750, por Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), posterior conde de Oeiras e marquês de Pombal, teria sido ainda ele a orientar, por certo, o casamento de D. Ana Ludovina com o seu sobrinho Manuel de Saldanha de Albuquerque, embora tal casamento ocorresse somente após o seu falecimento.

A família Saldanha foi uma das que o futuro marquês de Pombal, nos primeiros tempos do seu Governo, favoreceu e elevou aos mais altos cargos do Império, embora depois, dadas as suas ligações aos Távora e aos Cunha, também tenha contribuído para a sua queda. Manuel de Saldanha de Albuquerque estaria já apontado para o lugar desde os inícios de fevereiro de 1754, mas só teve patente de governador e capitão-general da Madeira, título do Conselho e ajuda de custo com data de 6 de maio desse ano. Tomou menagem no dia seguinte, a 7 de maio, e seguiu para o Funchal, com D. Ana Ludovina, logo no dia 8, tomando posse a 16 do mesmo mês. O novo governador substituiu, na Madeira, D. Álvaro José Xavier Botelho de Távora (1708-1789), 4.º conde de São Miguel (Távora, D. Álvaro Xavier Botelho de) e ainda seu parente, que foi entretanto nomeado para o Governo de Goiás, no Brasil. Aguardando desde fevereiro a chegada do seu sucessor, D. Álvaro acabou por seguir diretamente da Madeira para o Brasil sem se deslocar a Lisboa a prestar menagem do lugar, entregando assim o governo a D. Manuel.

Tendo tomado posse a 16 de maio de 1754, Manuel de Saldanha, após alguns meses de análise da situação, elaborou, a 1 de outubro, um extenso e interessante relatório, no qual começava por referir a inexistência de um regimento em que estivessem consignadas as competências do governador da Madeira. O futuro conde da Ega mostrava mesmo os inconvenientes de tal situação, ressaltando que tal falta não podia “deixar de servir de embaraço em muitas ocasiões” (AHU, Madeira e porto santo, doc. 48) e que, na melhor das intenções, poderia levar a interferências entre os vários poderes instituídos, quer da justiça, com o corregedor, o juiz de fora e o ouvidor, quer da Fazenda, com o provedor. Assim, o governador insiste: “este tão justo receio, me obriga a rogar e pedir a Vossa Majestade, com o mais profundo respeito e a maior submissão [...], que para este governo se passem ordens que declarem qual é a jurisdição dos seus governadores” (Ibid.).

A resposta seria, no entanto, mais ou menos vaga. Em maio do ano seguinte, o governador agradece as cartas de 20 de fevereiro e de 6 de março, em resposta às questões levantadas sobre a leva de casais para Santa Catarina, no Brasil (Levas de casais), assunto que se arrastava desde 1747, e sobre o estado geral da Ilha. O agradecimento e a citação do governador não deixam dúvidas de que tudo tinha ficado na mesma: “Fico advertido pelo que pertence à jurisdição deste governo, ser a mesma que em todos os outros” (Ibid., doc. 73). Apesar de tudo, acrescenta o governador que tinha ficado mais sossegado “nessa parte, por saber o que diretamente me toca, para não exceder, nem faltar ao que sou obrigado” (Ibid.). Não restam assim dúvidas de que nada de especial se adiantara.

Nos meados do século já se adivinhava um novo conflito, que veio a eclodir na Europa em 1756, ficando conhecido como a Guerra dos 7 Anos. O governador Manuel de Saldanha de Albuquerque, pouco depois de tomar posse, logo enviou para Lisboa mapas detalhados das forças e das fortificações da Ilha, com uma descrição pormenorizada que só voltamos a encontrar no séc. XIX e que é sinal de uma nova filosofia governativa, depois personalizada no gabinete do marquês de Pombal. O mapa das forças, ligeira e ingenuamente aguarelado e decorado, tem como título “Ilha da Madeira. Mapa do Presídio Militar da Dita Ilha, do das Milícias da Ordenança Que a Guarnecem e Vigiam, das Suas Fortalezas, Armas, Munições e Apetrechos de Guerra Existentes. Ano de 1754” (Ibid., anexo ao doc. 48). Em quadro lateral, apresenta o seguinte genérico: “O Presídio pago de Ilha consta do seu Governador e Capitão General, de dois capitães entretenidos, com exercício de ajudantes de ordens, um dos quais se acha vago, de uma companhia de Infantaria de 100 praças, oficiais de artilharia, artilheiros e os mais seguintes” (Ibid.). Em face disso, especifica depois tais elementos, dando conta de que a companhia paga é dotada de 1 capitão de infantaria, 1 alferes, 1 sargento, 2 tambores, 4 cabos de esquadra e 96 soldados. Ainda pagos, encontravam-se 2 “aposentados com praças mortas” (Ibid.), termo que tinha evoluído ao longo do tempo e que, nessa altura, indicava simplesmente um aposentado.

Neste quadro de 1754, junto com a fortificação, citam-se ainda como pagos os 2 sargentos-mores das capitanias e respetivos ajudantes, somando um total de 146 elementos que, ao todo, recebiam por ano 8276$700 réis, acrescidos de 11 pipas de vinho, pagamento tradicional da Ilha aos iniciais bombardeiros, não se pagando já qualquer quantitativo em moios de trigo, mas indicando-se o espaço correspondente e colocando-o em zero (Artilheiros e Bombardeiros). Na faixa de baixo, vem este genérico: “As Ordenanças constam de 88 companhias nas duas capitanias da Ilha, das quais se acham sem capitães, 23 e faltas de 2 alferes e 2 sargentos. São todas exercitadas pelos 2 sargentos-mores e 2 ajudantes acima [citados]” (Ibid.) (Companhias de ordenanças). Os quantitativos são depois discriminados pelo tipo de armamento utilizado, acrescido ainda dos artilheiros da ordenança para as diversas fortalezas: 338 na capitania do Funchal, 54 na de Machico e um total de 392 homens, não pagos. As ordenanças guarneciam ainda 13 vigias na capitania do Funchal e 12 na de Machico, num total de 25 vigias. Para além destes quantitativos, o governador ainda indica no mapa, de forma quase exaustiva, os materiais existentes.

O preenchimento dos lugares militares superiores foi abordado pelo governador, em 1754, no relatório elaborado logo depois da sua chegada à Ilha. Refere então ter encontrado uma série de lugares militares providos indevidamente, i.e., contra o que estipulava o alvará de 18 de outubro de 1709, que determinava o preenchimento dos lugares de capitães de ordenanças através de eleições efetuadas nas câmaras, especificando os prazos e os trâmites legais por que deveriam passar. No entanto, até meados do século, nenhum dos governadores teve coragem de tocar nesta situação, dado que, quando tomavam posse, já encontravam providos nesses lugares uma série de capitães, e outros já apresentados e funcionando interinamente como tal, o que tornava a situação melindrosa. Acrescenta então Manuel de Saldanha: “esta mesma ordem tem vindo a este governo repetidas vezes aos meus antecessores e todos eles acharam inconvenientes na sua execução” (Ibid., doc. 48), pelo que optava pela mesma posição até se definirem mais corretamente os princípios de aplicação da mesma lei.

Em maio de 1755, o Gov. Manuel de Saldanha de Albuquerque advoga uma série de medidas para fazer face à crise geral das propriedades agrícolas, citando, inclusivamente, o cultivo do Paul da Serra. No entanto, com a chegada das primeiras informações sobre este projeto às zonas rurais, logo rebentaram motins na Calheta, Ponta do Sol e São Vicente, pelo que o assunto não foi avante (Ibid., doc. 54). Em carta de 15 de junho de 1756, o governador volta a referir que, depois de ter tomado “mais conhecimento desta Ilha, por ter visto já alguma parte dela” (Ibid., doc. 73), achava que os moradores só cultivavam as terras vizinhas do mar, deixando as demais incultas. Os agricultores apresentavam então como razão a necessidade de pastos para o gado, mas o governador acrescentava que não seria verdade, dada a configuração alcantilada do terreno, que não permitia a sua utilização para gado. Teria então este averiguado a verdadeira causa e chegado à conclusão de que a maior parte daquelas terras tinha sido dada aos avós dos atuais proprietários por sesmaria, com a obrigação de as aproveitarem, pelo que, não tendo tal sido feito, deviam voltar à Coroa. Nessa carta, no entanto, alertava para os cuidados a ter neste campo – “sem fazer sangue” (Ibid.) –, ao mesmo tempo que obrigava os proprietários a cultivar essas terras. Alvitra mesmo que se poderia fazer como na América do Sul, “ainda que fosse só por empréstimo, para eles em alguns anos o satisfazerem” (Ibid.). Segundo a opinião do futuro conde da Ega, em breve a Madeira seria uma terra farta e não precisaria de se valer “tanto das nações estrangeiras que aqui comerciam” (Ibid.). Assim, na sua opinião, ganharia a Madeira e a Coroa Real, porque dessa forma não sairia tanto dinheiro como na altura acontecia.

Neste ofício de 1756, referia ainda que “a maior parte do povo desta Ilha são caseiros, ou para melhor dizer, meeiros da nobreza dela, ou daqueles que têm algumas fazendas, nas quais os senhorios, por um antigo costume, não gastam um só real e são os caseiros ou meeiros que as beneficiam à sua custa, utilizando para essa despesa de metade do que rendem as fazendas” (Ibid.). Sendo a Ilha uma terra essencialmente montanhosa, era necessário, para que as terras não fossem para o mar, fazer grande “multidão” de paredes, nas quais “despendem os pobres todo o seu cabedal e subsistência, sucedendo que, quando querem largar as fazendas e procuram as suas benfeitorias aos senhorios, estes, ou porque estão bem servidos, ou porque não têm com que lhes paguem, o não fazem e os obrigam a que busquem outro caseiro, a contento dos donos das propriedades, que lhes satisfaça o seu trabalho e despesa, dizendo que eles não são obrigados a comprar o que lhes não rende e estão de tal sorte persuadidos deste uso, que lhes parece que o contrário é violência e injustiça” (Ibid.). Salientava, no entanto, que “é bem certo, que a maior parte das fazendas são tais, que não valem a terça parte das benfeitorias e que, se obrigarem os senhorios à satisfação daquelas, ficariam muitos deles miseráveis" (Ibid.).

Os aspetos económicos gerais da Madeira e os particulares do próprio governador foram logo referidos oficialmente na carta e no relatório de 31 de outubro de 1754, dirigida ao conde de Oeiras. O governador começa por notar que na cidade do Funchal a vida era mais cara que na cidade de Londres, o que levava qualquer governador a ter de contrair dívidas para aí sobreviver, “pela carestia com que aqui se vende tudo”, “bem mau princípio para um filho segundo, com pouco ou nada de seu” (Ibid., doc. 46). Refere, então, que “os governadores desta Ilha, sem exceção nenhuma, têm todos feito negócio” (Ibid.) e vai ainda mais longe, dizendo, e.g., que o conde de São Miguel, seu antecessor, tinha mesmo feito um contrato com os comerciantes ingleses para “lhe darem um tanto, para que não o fizesse” e que, apesar disso, tinha mantido negócios por intermediários, “e se utilizava assim por dois caminhos” (Ibid.). Uns governadores teriam feito comércio em nome próprio, outros por interposta pessoa, e outros ainda de ambas as formas.

Manuel de Saldanha pede assim que não se estranhe se tiver de recorrer a essa situação para sobreviver como governador; em alternativa, propõe que o pagamento de metade do seu ordenado e de 6000 cruzados que lhe eram devidos fosse feito em espécie, em trigo e vinho, como se fazia com o clero, o que representaria uma franca melhoria na sua vida de casa. Explicava que “seria o único modo de aqui poder viver sem dívidas” (Ibid.). A carta remata com a oferta de “casquinha desta terra, que é muito gabada” (Ibid.) – i.e., de citrinos em calda ou cristalizados – a Sebastião José de Carvalho e Melo, assim como de um barril de vinho para a sua mulher, a condessa de Daun, “que é alemã”, “para lhe ser oferecido da sua parte” (Ibid.).

Manuel de Saldanha de Albuquerque, no entanto, iniciou os seus negócios pessoais com vinho da Madeira ainda em Lisboa, à semelhança do seu avô João de Saldanha e Albuquerque, negócios que continuou na Ilha e que depois transferiu para a Índia, quando para ali partiu como conde da Ega e vice-Rei, chegando a fretar navios para o efeito. No Funchal, também não resistiu a outros negócios que aí eram habituais, importando móveis de Londres que o Rei, a 14 de julho de 1756, autorizou que entrassem na Ilha sem pagarem direitos através do secretário de Estado Diogo de Mendonça Corte Real, como faziam os cônsules ingleses, por certo a pedido do governador.

As condições económicas da Ilha eram francamente adversas nesses anos, sentindo-se uma grande falta de cereal com a recessão provocada pela Guerra dos 7 Anos, agora a decorrer com especial intensidade no quadro da América do Norte. Neste quadro, foi proibido pelo futuro marquês de Pombal o embarque de qualquer marítimo português em embarcação estrangeira, sob pesadas penas, ordem que depois se repete nos anos seguintes, sinal de não estar a ser cumprida. O continente americano era então o principal fornecedor de cereais na Ilha, citando o governador a falta de tais produtos em carta de 1757: “por faltarem há meses na terra os navios ingleses, única nação que aqui comercia [...] ou porque a guerra tenha interrompido o seu comércio, se acham inteiramente desanimados, do que da sua América, donde eles tiravam a maior porção para esta Ilha, possam tirá-lo tão cedo” (Ibid., doc. 108). Neste quadro, o governador optou mesmo por enviar navios a Cádis e às Canárias para tentarem obter trigo. Saliente-se que, nos meados desse ano de 1757, aportou ao Funchal uma corveta da praça do Funchal vinda de Dublin, com abastecimento para mantimento de algumas naus de guerra dos ingleses, que vinham proteger o comércio britânico, o que é sinal de se terem entretanto encontrado outras soluções.

Assim, ao longo de todo o século, ocorreram contínuos atritos entre as autoridades superiores da Ilha por motivos vários, entre os quais se conta o facto de receberem ordens de diferentes entidades. O Gov. Manuel de Saldanha de Albuquerque chegou mesmo a reclamar instruções precisas junto do secretário de Estado Diogo de Mendonça Corte Real, a 25 de novembro de 1755, sobre a sua competência na determinação das obras de que careciam as fortificações do Funchal, “a fim de evitar conflitos com o provedor da fazenda” (Ibid., doc. 63). No entanto, a situação só foi sanada com a extinção da Provedoria e com a criação da Junta da Fazenda, a que presidiria o próprio governador.

Deve-se ao Gov. Manuel de Saldanha de Albuquerque o início das obras do porto do Funchal, para o que foi expressamente enviado o engenheiro de origem italiana Francisco Tosi Colombina (1701-c. 1770). Não são muito percetíveis os primeiros passos deste engenheiro na Ilha, pois, em carta de 15 de janeiro de 1756, o Gov. Manuel de Saldanha de Albuquerque alvitra a Diogo de Mendonça Corte Real a conveniência de enviar este engenheiro à América, onde efetivamente esteve entre 1751 e 1756. Ora, como oficialmente este engenheiro só teve patente em março e se apresentou ao serviço na Madeira em julho, parece entender-se que teria passado particularmente pela Madeira, propondo-se então levar a cabo as obras do porto do Funchal, após o que estagiou alguns meses no Brasil e só então se fixou na Madeira. Os estudos levados a cabo pelo engenheiro foram transmitidos a Lisboa, recebendo-se, com data de 22 de março de 1756, a ordem de execução do porto de abrigo (Porto do Funchal). A 29 de julho de 1757, o governador dava conta para Lisboa do bom ritmo das obras, informando que já se havia consultado as nações estrangeiras para parecer e apoio às mesmas, bem como que se encontravam em pagamento as expropriações dos terrenos para a construção de um caminho que ligaria o novo cais à cidade por debaixo dos arrifes de Santa Catarina. Na mesma data, o provedor da Fazenda Manuel Teixeira de Castro confirma as informações do governador, acrescentando que, com o desenvolvimento geral do comércio, também seriam necessárias obras em Santa Cruz, Machico e Ribeira Brava.

O controlo das verbas desta primeira fase do porto do Funchal, então da ligação do chamado Ilhéu Pequeno aos arrifes da Penha de França, com a construção de um pequeno forte sobre aquele ilhéu, à época denominado S. José (Forte de S. José da Pontinha), iria envenenar as relações entre o governador e o provedor, colocando continuamente em causa os trabalhos de Francisco Tosi Colombina. Face às contínuas queixas de parte a parte, em julho de 1757 o provedor Manuel Teixeira de Castro foi repreendido pelo secretário de Estado Tomé Joaquim da Costa Corte Real e afastado do controlo das obras, que passaram para a administração direta do governador e para as quais lhe foram entregues 3000 cruzados. As relações entre o Gov. Manuel de Saldanha de Albuquerque e o Eng.º Francisco Tossi Colombina também teriam sido postas em causa, chegando o governador a duvidar das capacidades do engenheiro para levar a cabo uma obra de tal envergadura. No entanto, Colombina, regressado do Brasil, dissipou completamente essa impressão e passou a acompanhar o governador como seu oficial às ordens, havendo uma perfeita comunhão de opiniões e interesses, patentes, e.g., nas cartas enviadas por ambos a propósito da lei e alvará relativos à libertação dos índios do Brasil. Em 1758, tendo Manuel de Saldanha de Albuquerque sido nomeado vice-Rei da Índia, fez-se acompanhar depois precisamente por este engenheiro.

A 5 de agosto de 1757, chegava ao Funchal o novo bispo, D. Gaspar Afonso da Costa Brandão (1703-1784) , criteriosamente selecionado pelo gabinete pombalino, e Manuel Saldanha de Albuquerque era apresentado para vice-Rei da Índia. A 13 de fevereiro de 1758, o bispo tomava posse do governo de armas interino da Ilha e dava a Tomé Joaquim Corte Real lisonjeiras referências sobre o governador. O governador da Madeira, que recebera ordem para ir a Lisboa para ser empregado numa comissão de serviço, parte, assim, para o Oriente com a nomeação de vice-Rei da Índia, de 10 de março de 1758, e é agraciado com o título de conde da Ega, por decreto de 25 de março seguinte.

O governo do conde da Ega no Oriente foi muito complicado, com as várias guerras em que o Estado da Índia andava empenhado e, depois, com a extinção da Companhia de Jesus, em 1759, situação em que o vice-Rei cumpriu fielmente as ordens do marquês de Pombal, prendendo e enviando para o reino 231 padres que então existiam na Índia e que eram um dos principais suportes da presença portuguesa no Oriente. Nesse mesmo ano, foi residir em Pangim, mas a despesa causada por esta mudança, o ambiente faustoso em que sempre vivia, bem como alguns atos despóticos e pouco regulares que praticou, deram origem à grave acusação de ter delapidado a fazenda pública por ocasião do sequestro dos bens dos Jesuítas. O facto de o seu primo, o cardeal Francisco de Saldanha da Gama (1713-1776), ter votado no Conselho de Estado contra o marquês de Pombal, no caso dos meninos de Palhavã, também concorreu muito para o seu desmerecimento no agrado do ministro, sendo o conde de Ega exonerado do cargo e substituído por um conselho constituído por D. António Taveira de Neiva Brum da Silveira, arcebispo de Goa, João Baptista Vaz Pereira e D. João José de Melo.

Entregou o governo a 25 de dezembro de 1765, saindo de Goa a bordo do navio Nossa Senhora de Brotas. Ao entrar no Tejo, foi preso e encarcerado na torre do Otão, em Setúbal, aí permanecendo mais de dois anos. Já de saúde muito debilitada, conseguiu autorização para se recolher na casa de família, à Junqueira, onde, totalmente cego, veio a falecer a 6 de dezembro de 1771, sendo sepultado na igreja do Convento dos Marianos. Assumiu, tenazmente, a sua defesa D. Ana Ludovina de Almada, que consegue, pelo decreto de 27 de maio de 1777, após o falecimento de D. José e o afastamento do marquês de Pombal, a nomeação de um novo juiz relator do processo acusatório, podendo assim provar a improcedência das acusações e, por sentença da Relação de Lisboa, de 26 de janeiro de 1779, ilibar a conduta do conde da Ega como vice-Rei da Índia. Foi só então que o seu filho Aires de Saldanha e Albuquerque (1755-1827) herdou o título paterno. O 2.º conde da Ega haveria de casar, em segundas núpcias, com a filha de D. Leonor de Almeida (1750-1839), 4.ª marquesa de Alorna, a condessa de Oyeinhausen-Grave, D. Juliana Luísa Maria Carolina Sofia de Oyenhausen e Almeida (1784-1864), assim também condessa da Ega e, depois ainda, condessa de Strogonoff, na Rússia, ambas mulheres notáveis no seu tempo.

 

 Rui Carita

(atualizado a 13.11.2016)

Bibliog.: manuscrita: ABM, Câmara Municipal do Funchal, Registo Geral, tombo 10; AHU, Madeira e Porto Santo, docs. 25-40, 46, 48, 54, 63-68, 73, 77-79, 108, 125-126 e 130; ANTT, Chancelaria de D. José I, livs. 5, 12, 26 e 85; ANTT, Provedoria e Junta da Real Fazenda do Funchal, livs. 111, 973 e 974; impressa: CARITA, Rui, História da Madeira, vol. IV, Funchal, Secretaria Regional da Educação, 1996; Id., História da Madeira, vol. V, Funchal, Secretaria Regional da Educação, 1999; COSME, João dos Santos Ramalho, “Cartas Inéditas do Governador da Madeira, Manuel de Saldanha de Albuquerque (1754-1758): Para a Compreensão do Quotidiano Madeirense”, sep. de Portugaliae Historica, 2.ª sér. vol. 1, Lisboa, 1991, pp. 327-330; SALDANHA, António de Sousa e Vasconcelos Simão de, As Cartas de Manuel de Saldanha, 1.º Conde da Ega e 47.º Vice-Rei da Índia para Sebastião José de Carvalho e Melo e Seus Irmãos (1758-1765). Subsídios para a História Política, Económica e Social da Índia Portuguesa de Setecentos, Lisboa, Gabinete Português de Estudos Humanísticos, 1984; VIEIRA, Alberto, O Público e o Privado na História da Madeira, vol.II, Funchal, CEHA, 1998.

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