cooperativa

14 Dec 2020 por "Alberto Vieira"
História Económica e Social

A segunda metade do séc. XIX foi definida por uma conjuntura difícil para as diversas classes socioprofissionais, mas foi também o mo­­­mento do despoletar da sua consciência para o associativismo, na busca de soluções que propiciassem a assistência e proteção aos trabalhadores nos acidentes, na doença e na velhice. A tudo isto acresce o filantropismo social de ajuda aos mendigos, às crianças e às viúvas. Deste modo, a partir de meados da centúria, o mutualismo, o cooperativismo e o associativismo socioprofissional foram a solução capaz de minorar as dificuldades com que se debatia a população.

Na Madeira, a conjuntura era deveras catastrófica. A retração do mercado consumidor do vinho, a partir da déc. de 20 do séc. XIX, associada à grave crise de fome de 1847, são os testemunhos mais evidentes das dificuldades que os madeirenses tiveram de enfrentar. A su­­­bnutrição foi responsável, em certa medida, pelas epidemias que se su­­­cederam, como a cólera em 1856. E outras mais apareceram até final do século, ceifando muitas vidas e destroçando famílias. Perante tanta instabilidade e insegurança, era inevitável a busca de soluções ancoradas no filantropismo, mutualismo e cooperativismo.

A partir de 1820, várias foram as soluções apresentadas para proteger os grupos mais desfavorecidos e as principais vítimas desta crise. Através das diversas tribunas políticas, com voz ativa nos jornais que se publicaram no Funchal, chegavam à Ilha as novas ideias da praxis política europeia e continental. Neste contexto, é de realçar toda a discussão teórica que teve lugar em França, em Inglaterra e na Alemanha, com múltiplos intervenientes, que se afirmavam como salvadores do proletariado. Estes apresentavam soluções para a melhoria da sua situação e afirmavam-se como alternativa ao poder ins­tituído, pretensão de que a Comuna de Paris (1871) foi uma efémera esperança.

Os teóricos do cooperativismo começaram por preconizar as cooperativas de produção e consumo como sendo o mecanismo capaz de propiciar as condições à sua plena afirmação e a solução dos problemas sociais. Desde princípios do séc. XIX que os teóricos saídos da Revol­­ução Francesa vinham apelando à criação de cooperativas como meio de suprir os desequilíbrios entre a produção e o consumo. Assim, destaca-se a ação de Robert Owen (1771-1858), que iniciou a luta a favor do cooperativismo, primeiro com uma cooperativa de pr­­odução e depois de consumo. Em 1824, fundou a colónia Nova Harmonia, baseada nesses princípios, que se revelou um autêntico fracasso. O verdadeiro ideal cooperativista surge em Rochdale. em 1844. Neste ano, 28 tecelões reuniram-se para criar um armazém para compra dos bens de consumo de que necessitavam.

A chegada deste ideário a Portugal preludia-se com a Revolução Liberal de 1820, mas só ganhou expressão na déc. de 30. A 3 de maio de 1833, foi abolida a Casa do Vinte e Quatro, a monárquica associação de classe, propiciando o aparecimento do associativismo socioprofissional. Foi Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) quem deu o arranque para este movimento ao criar, em 1839, a sociedade dos Artistas Lisbonenses. O movimento ganhou uma desusada afirmação, de forma que, em 1894, o primeiro encontro deste movimento contou com 30 associações.

O cooperativismo na Madeira começou no sector comercial, mas alargou-se a outras áreas como a habitação, e o sector produtivo (agricultura e pescas). Podemos assinalar três momentos que marcaram o arquipélago: o último quartel do séc. XIX, com as cooperativas de crédito e consumo; depois, com o Estado Novo, as cooperativas do sector leiteiro, que foram o rastilho do movimento popular de desconfiança e anti cooperativas na ilha; e finalmente, após a mudança de regime com o 25 de Abril de 1974, em 1975, o incentivo por partidos e grupos políticos de esquerda das cooperativas nos vários sectores, consideradas mecanismos de proteção dos trabalhadores.

As primeiras cooperativas de que temos conhecimento na Madeira surgem em 1875 e são A Perseve­rança e a sociedade Cooperativa de consumo e Crédito do Funchal. Da primeira nada se sabe, mas da segunda é possível acompanhar a vida efémera até 1889, altura em que foi extinta. Esta sociedade foi criada por iniciativa de um grupo de ilustres personalidades madeirenses. A sede foi instalada num prédio à R. do Esmeraldo, onde depois se instalou o Tribunal de contas da Madeira. Aí funcionou uma mercearia para os associados. Em 1880, os seus promotores foram forçados a encerrar as portas, pelos elevados prejuízos acumulados, mantendo-se ainda até 1889 por ação de dois comerciantes. A esta seguiram-se outras duas (em 1893 e 1919), mas também de vida efémera. Temos ainda a Cooperativa popular, com estatutos de 6 de março de 1919, mas que só abriu as portas a 8 de abril de 1920.

Criada em 1892, a Cooperativa da Guarnição Militar do Funchal funcionou, inicialmente para os seus sócios e mais tarde para toda a comunidade, ao longo de 100 anos – até encerrar definitivamente as suas portas nos inícios do séc. XXI, como sociedade de Consumo, Crédito e Previdência. Considerada desde a sua fundação como uma instituição de utilidade pública, a Cooperativa da Guarnição Militar do Funchal, sociedade Cooperativa de Responsabilidade Limitada, de número de sócios indeterminado e duração ilimitada, foi fundada – segundo os seus estatutos, aprovados em assembleia geral em sessão de 27 de outubro de 1947 – em 1 de fevereiro de 1892, com a designação sociedade Cooperativa dos Oficiais do Regimento de Caçadores n.º 12, funcionando como sociedade de Consumo, Crédito e Previdência; este Regimento chegara à Madeira a 28 de julho de 1864 e era composto por 10 oficiais e 72 praças, os quais foram aquartelados no Funchal. Note-se que a partir de 9 de outubro de 1899, ao abrigo do dec. de 14 de setembro do mesmo ano, volvidos que eram 35 anos após início de estacionamento na Madeira, este Regimento passou a chamar-se Regimento de Infantaria n.º 27. De acordo com os estatutos da dita cooperativa militar funchalense, esta dispunha de uma direção composta por um presidente, um tesoureiro e um secretário, e tinha como principal objetivo fornecer aos sócios, sempre nas melhores condições de preço e qualidade, géneros alimentícios, artigos de capelista e papelaria, vestuário, calçado, utensílios domésticos e tabacos; servir de caixa económica aos sócios, capitalizando-lhes as quantias que depositassem e facilitando-lhes empréstimos; bem como prestar ao Estado, aos organismos oficiais e a instituições de beneficência pública os serviços compatíveis com os seus recursos e índole social; e ainda organizar conferências sobre assuntos económicos e outros de interesse geral.

Era também missão da Cooperativa proporcionar aos oficiais do Regimento crédito na compra de géneros de primeira necessidade ou empréstimos à taxa de juro de 6 %; neste último caso, funcionava como caixa de crédito para os seus associados. De acordo com os estatutos, era uma sociedade de consumo, crédito e previdência, uma figura comum à época. Exemplo semelhante sucedeu com a cooperativa criada em 1875.

No princípio, só eram admitidos como sócios os oficiais do Regimento, mas a pequena dimensão deste grupo e a solicitação dos demais oficiais das forças militares da Ilha conduziram a que fosse alargado o quadro dos sócios. Deste modo, foi criada a situação de sócio extraordinário, a que ficaram submetidos. No ano de 1892, entraram a fazer parte da mesma 18 oficiais, sendo 3 reformados. Posteriormente, alargou-se o grupo de sócios a todos os militares no ativo ou na reforma, pelo que a cooperativa passou a chamar-se Cooperativa da Guarnição militar do Funchal. Mais tarde, voltou a ampliar-se o leque dos sócios, passando a existir dois grupos: sócios efetivos: oficiais, sargentos e praças dos diversos aquartelamentos militares da Ilha; e sócios eventuais: sócios da liga dos combatentes e de outras cooperativas militares, e funcionários civis. Os últimos anos foram definidos por algumas alterações que marcaram o destino da cooperativa: a 29 de julho de 1982, foi integrada no sector cooperativo com a designação de Coomilmadeira – Cooperativa Militar da Madeira, Cooperativa de Responsabilidade Limitada; e por escritura de 12 de maio de 1986, como Cooperativa de Consumo Pro Militar da Madeira. CRL.

Na déc. de 30 do séc. XX, teve lugar a reorganização do sector leiteiro, com a criação de cooperativas de agricultores para fabrico de manteiga e queijo. A 30 de junho de 1930, surgiu a Cooperativa de Lacticínios de São Jorge e em 1932 as Cooperativas de Lacticínios dos Canhas e do Norte, esta última com sede em São Vicente, a Cooperativa Agrícola dos Lavradores do Santo da Serra, a Cooperativa Agrícola dos Lacticínios do Porto da Cruz, e a Cooperativa Agrícola dos Produtores de Leite do Funchal. A de São Vicente, com a fábrica no Saramago, vendia a sua manteiga para o Funchal; dispunha de uma casa de espetáculos no sítio das Feiteiras, o Teatro Gil Vicente, que foi um polo de animação e divulgação cultural na freguesia, nos anos 30 do séc. XX.

A União das Cooperativas Agrícolas de Lacticínios e Produtores de leite da Ilha da Madeira surgiu em 1960, para agregar todas as cooperativas do sector leiteiro, revelando uma estratégia concentracionista forçada pelo regime político, que interveio no sector cooperativo, convertendo-o ao corporativismo. Com efeito, o dec. 43.418, de 21 de dezembro de 1960, que determinou a reorganização da indústria de laticínios da ilha da Madeira, considera que esta decisão é importante para o sector. Foi o segundo momento de intervenção do Estado, no sentido da adaptação corporativa das cooperativas, que conceituou todo o pensamento negativo das populações rurais ao sector cooperativo. Depois, a lei 48.593, de 26 de setembro de 1968 estabeleceu a reorganização da indústria de laticínios da ilha da Madeira, procedendo à concentração das fábricas existentes numa só unidade, que será instalada e explorada por uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada, em cujo capital social terão participação as empresas industriais de produção de laticínios existentes na Ilha, a lavoura afeta à produção e industrialização do leite, representada pelo Grémio da Lavoura do Funchal, pela União das Cooperativas Agrícolas de Lacticínios e de Produtores de Leite da Ilha da Madeira e pelas cooperativas agrícolas de lacticínios, e a Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal.

Note-se ainda as tentativas estaduais no sentido de criação, na déc. de 30, de idênticas cooperativas no sector do vinho, que se ficaram pelas experiências-piloto das adegas do porto santo e de Câmara de Lobos. Em 1957, fala-se da criação de uma cooperativa de viticultores e exportadores de vinho. A Junta Geral tenta transformar o sector cooperativo de acordo com as orientações políticas do corporativismo do Estado Novo; esta intervenção torna-se evidente nos sectores produtivos, nomeadamente a agricultura, o sector leiteiro e a produção de banana.

Em 1957, no quarto curso de férias para os agricultores, uma das conferências foi subordinado a este tema. Em 1969, um grupo de cidadãos, em carta ao governador, apela à criação de cooperativas-piloto, como forma de divulgar e afirmar o movimento cooperativo.

Neste sector ainda deveremos ter em conta as cooperativas dos criadores de gado da serra, que surgiram no Funchal, em Santa Cruz e na Calheta. Destas, podemos salientar a Cooperativa dos Tratadores de Gado do Concelho de Santa Cruz, a Cooperativa dos Criadores de Ovinos nas Serras dos Concelhos do Oeste da Ilha da Madeira, e a Cooperativa Agropecuária do porto santo. Temos, ainda, a Cooperativa de Criadores de Gado da Fajã da Ovelha, que surgiu a 20 de setembro de 1986.

As cooperativas de consumo foram a principal aposta da república, mas o Estado Novo favoreceu o sector do comércio retalhista em detrimento destas. O 25 de abril de 1974 foi um momento favorável à sua afirmação, nomeadamente a partir de 1976. A criação, nesse ano, do Instituto António Sérgio do Sector Cooperativo foi um forte incentivo. Desta forma, criou-se em todo o país uma diversidade de cooperativas, sendo de salientar que esta forma de cooperação chegou também à Cultura e ensino.

Na Madeira, a principal aposta destas iniciativas, promovidas por grupos de cidadãos e forças políticas, continuou a ser no sector do consumo; só depois teremos a sua presença em sectores produtivos, como os vimes, o bordado e as pescas. Sabemos que funcionou na Camacha a Cooperativa popular de Consumo Esperança no Futuro, CRL; e no Jardim da Serra a CAL - Cooperativa de Produção e Consumo Liberdade, SCRL. Em 1975 são de referir as iniciativas cooperativas ligadas à União Democrática popular, que surgiram no Funchal, em Câmara de Lobos, no Caniçal e em Machico.

No sector produtivo agrícola e das pescas, as cooperativas assumem um papel de relevo a partir dos anos 50 do séc. XX, a começar pela Cooperativa Agrícola do Funchal, criada em 2 de abril de 1951 como importante mecanismo institucional de apoio aos agricultores da Madeira, e passando pela Coopobama - Cooperativa de Produtores de Banana da Madeira, CRL.

No sector da habitação, surgiram, também, diversas iniciativas de cooperativas. A 12 de dezembro de 1901, nasceu a sociedade Cooperativa Construção Predial do Funchal, cujos estatutos haviam sido aprovados em 23 de setembro de 1900. Na déc. de 50, já funcionava a sociedade Cooperativa a Nossa Casa, que apostava na promoção da habitação social aos associados do concelho do Funchal. Neste sector surgiram ainda a CORTEL - Cooperativa de Habitação dos correios e Telecomunicações da Madeira, CRL; a COOLOBOS - Cooperativa de Habitação Social de Câmara de Lobos, CRL; e a COOHAFAL - Cooperativa de Habitação Económica do Funchal, CRL.

Os problemas do artesanato, dos vimes e do bordado obrigaram a gizar soluções para esses setores. Após o 25 de Abril de 1974, surgiram as seguintes cooperativas: Cooperativa das Bordadeiras da Ribeira Brava, Cooperativa Rural de São João na Ribeira Brava, Cooperativa dos Trabalhadores de Tricot e Crochet do Arquipélago da Madeira (São Jorge). No sector das pescas, nasceu a Coopescamadeira - Cooperativa de pesca do Arquipélago da Madeira.

O fracasso de muitas destas iniciativas, por força da intervenção corporativa do Estado desde a déc. de 50, impediu que o ideal cooperativista tivesse uma adesão significativa da população madeirense. De um modo geral, as cooperativas tiveram vida efémera. Apenas a cooperativa militar, talvez por ser uma estrutura assente num grupo socioprofissional, conseguiu manter-se viva, sendo a mais antiga do arquipélago. A Madeira é uma das regiões do país onde o setor apresenta menor importância e onde o número de cooperativas foi decrescendo. Assim, em 1992 assinalam-se 62 cooperativas, que nas estatísticas de 2002 foram reduzidas para 51.

 

 

Alberto Vieira

(atualizado a 28.02.2017)

 

 

 

 

 

Bibliog.: ALMEIDA, Bruno José Machado de, “O sector cooperativo em Portugal: aspectos económicos", Rev & Emprego, n.º 28, 2005,pp. 58-63; BARROS, Carlos Pestana, “Cooperativismo e economia social em Portugal – caracterização e análise” in BARROS, Carlos Pestana, e SANTOS, J. C. Gomes (org.), Cooperativismo, Emprego e Economia Social, Lisboa, Vulgata, 1999, pp. 39-48; COSTA, Fernando Ferreira da, As Cooperativas na Legislação Portuguesa, Lisboa, Livaria Petrony, 1976;CORREIA, J., “O sector cooperativo português”, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 196, 1970, pp. 60-68; Estatutos da Cooperativa da Guarnição Militar do Funchal, Funchal, s.n., 1948; PEREIRA, Jaime A. de Azevedo, Aspectos Actuais do Cooperativismo Agrícola em Portugal, Lisboa, Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas, 1962; SILVA, António Ribeiro Marques da, O Lugar de S. Jorge na ilha da Madeira, Séculos XVII a XIX, Funchal, DRAC, 2014; SILVA, Fernando Augusto da, e MENESES, Carlos Azevedo de, Elucidário Madeirense, 2.ª ed., vol. ii, Funchal, Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal, 1945; SILVA, H., “As cooperativas no Estado Democrático Português (1974-91)”, Informação Cooperativa, n.º 7/8, 1991; SOUSA E SILVA, António Augusto de, Relatorio da Inspecção ás Obras Publicas do Distrito do Funchal no Anno de 1891, Lisboa, Imprensa Nacional, 1893; VIEIRA, Alberto, A Cooperativa Militar da Madeira - Um Século de Existência. Notas para a sua História, Funchal, Cooperativa Militar da Madeira, 1992

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