quartos / quintos do açúcar

07 Oct 2020 por "Alberto Vieira"
História Económica e Social

Direito estabelecido em 1467, que recai sobre a produção de açúcar, na ilha da Madeira, sendo de 25 % do total dos açúcares de diversas qualidades produzido nos engenhos. Até então, a tributação sobre o açúcar equivalia a um terço da produção, passando nesta data para um quarto, daí a designação do imposto. As dificuldades da produção açucareira, na Ilha, a partir de finais da déc. de 50 do séc. XVI, obrigaram a Coroa a ser menos rigorosa nas penalizações aos agricultores faltosos no pagamento deste imposto. Assim, em 1559, foram suspensas, por um ano, as execuções das fazendas dos agricultores devedores. Em 1561, esta medida foi renovada por mais quatro anos. Foi extinto em 1688 para dar lugar ao oitavo.

Palavras-chave: Açúcar, direitos, oitavo, quarto, quinto.

O quarto é um direito estabelecido em 1467, na ilha da Madeira, que recaía sobre a produção de açúcar, mais especificamente sobre 25 % do total dos açúcares de diversas qualidades produzidos nos engenhos. Até então, a tributação sobre o açúcar equivalia apenas a 1/3 da produção, passando nesta data para 1/4, daí a designação do imposto.

Os direitos sobre a produção do açúcar – que eram a fatia mais avultada da fiscalidade – sofreram várias alterações. No início, uma vez que só o infante D. Henrique tinha direito a fabricá-lo, todos os produtores deixavam, no seu engenho, metade do açúcar. Posteriormente, com a autorização para o uso de engenhos particulares, o valor passou para 1/3 e, em 1467, como referido, para 1/4 sobre a colheita.

A arrecadação deste direito fazia-se a partir da avaliação antecipada da colheita, que estava a cargo do almoxarife e de dois estimadores escolhidos pela vereação de entre a lista de homens-bons do concelho, confirmados pelo senhor da Ilha, por um período de três anos; recebida a confirmação, os estimadores deveriam prestar juramento na Câmara, na presença do contador. Cabia-lhes proceder à estimativa ou avaliação da produção dos canaviais para, sobre a mesma, ser lançado o tributo. O ofício foi criado em 1467, existindo, de acordo com o estimo de 1494 um representante do povo e outro do duque; a partir de 1495, a indicação passou a ser feita, por sorteio, com o método dos pelouros. Os eleitos eram residentes na localidade onde deveriam proceder ao estimo e atuavam em conjunto com o almoxarife e seu escrivão. Em casos em que estes fossem suspeitos de favorecer alguns dos agricultores, o almoxarife podia substituí-los. O ofício foi extinto em 1515, com a reforma do sistema de tributação que levou a que a cobrança do quinto do açúcar deixasse de estar baseada no estimo.

Em 1498, D. Manuel estabeleceu outra forma de avaliação do quarto do açúcar, determinado a partir da quota atribuída a cada produtor. Em caso de situação anormal passível de pôr em causa a produção, o lavrador poderia solicitar ao almoxarife uma reavaliação da produção, que seria conferida no engenho, aquando da lavra do açúcar. No entanto, esta medida foi considerada gravosa, pelo que se determinou no ano seguinte o regresso ao sistema dos estimos. Este sistema, porém, gerou inúmeras críticas dos produtores, pelo que, em 1507, se procedeu a um estudo sobre a melhor forma de lançar e arrecadar o referido direito. Como corolário desse processo, sobreveio uma nova estrutura fiscal, com a criação da Provedoria da Fazenda (1508) e um novo imposto, com vigência prevista a partir de 1516. O imposto passou a ser sobre 1/5 da produção e a sua recolha a ser feita por uma nova estrutura institucional, o Almoxarifado do açúcar, subdividido em diversas comarcas. Assim, existiram dois Almoxarifados (Funchal e Machico) e quatro comarcas (Funchal, Ribeira Brava, Ponta de Sol e Calheta). Esta situação perdurou até 1522, altura em que este Almoxarifado se juntou ao da Alfândega, formando uma estrutura única.

O quinto foi a designação generalizada do imposto da Coroa sobre diversas produções ou sobre a exploração de recursos nos domínios imperiais. Assim, temos o quinto do ouro, da urzela, do comércio dos escravos e das presas em alto-mar aos piratas.

A escrituração do imposto, por sua vez, fez-se de distintas formas: até ao séc. XVI, fazia-se apenas num único livro, passando então a ser feito em dois, um para os estimos e outro para a receita e despesa; a partir de 1508, cada comarca (Funchal, Ribeira Brava, Calheta e Ponta de Sol) dispunha de um livro de arrecadação do imposto, dividido nas classes de qualidade de açúcar, por um lado, e produtores, por outro, sendo, em cada título, lançada a quantidade paga à Fazenda e a quantidade vendida aos mercadores. Nos sécs. XV e XVI, os direitos lançados sobre o açúcar foram a principal fonte de rendimento da Coroa, na Ilha, utilizados para custear as despesas com a manutenção das praças africanas e da Casa Real; este elevado quantitativo de açúcar era comercializado pela Coroa por meio de contratos específicos com os mercadores, na sua maioria genoveses.

A arrecadação do quinto foi regulamentada em dois momentos distintos, nomeadamente pelo Foral de 1515 e pelo Regimento de 12 de junho de 1550. Já em 1507 o Monarca havia proposto a possibilidade de reduzir o direito para este valor, solicitando que fosse nomeada uma comissão para analisar o possível impacto desta medida, composta de seis homens-bons mais dois de entre os procuradores dos mesteres.

O imposto recaía sobre todos os tipos de açúcar fabricados na Ilha (branco, meles, mascavado, escumas, rescumas e meles mascavados) e deveria ser cobrado, no local de produção, pelo almoxarife que aí se deslocava com o escrivão dos quintos, para proceder ao rateio e à arrecadação do mesmo. Após esta coleta, os agricultores poderiam dispor como entendessem do seu açúcar. Para obviar a que qualquer agricultor se furtasse ao pagamento deste direito, ficou determinado que, no ato da venda, o agricultor deveria apresentar ao almoxarife e ao recebedor as certidões comprovativas do pagamento do imposto. Por outro lado, o embarque do açúcar era delimitado a determinados portos locais, onde passaram a estar instalados postos de controlo fiscal, com um escrivão que assentava todo o açúcar carregado e fazia a conferência das certidões de pagamento do imposto. As fugas constantes ao tributo levaram a Coroa a estabelecer, em 1550, um regimento específico para a sua arrecadação (nomeadamente o referido Regimento de 12 de junho).

De acordo com este regimento, o provedor da Fazenda deveria supervisionar a sua coleta através de uma vigilância sobre os lavradores e purgadores dos engenhos. Assim, cada purgador recebia anualmente um livro onde deveria assentar todas as tarefas executadas no engenho, nomeadamente o registo da quantidade e qualidade do açúcar produzido e a respetiva data. Concluída a colheita, este convocava o quintador e o seu escrivão para procederem à coleta do produto, que era feita na sua presença. Competia ao quintador passar os comprovativos de pagamento pelos lavradores; este documento permitia a saída do açúcar do engenho e era apresentado na Alfândega no momento de saída, ficando arquivado na Casa dos Contos. A sua consulta era limitada ao provedor da Fazenda, ao almoxarife e ao feitor da Alfândega. Por outro lado, competia ao escrivão do Almoxarifado – funcionário subalterno que auxiliava o almoxarife em todas as operações do expediente – fazer o registo de todo o movimento financeiro e das provisões régias que determinavam os pagamentos nos livros de receita e despesa, bem como passar os conhecimentos de quitação dos pagamentos realizados; no Almoxarifado de Machico, o escrivão acumulava as funções de escrivão da Alfândega, situação que se manteve até 1540. Retirada a coleta, o lavrador poderia proceder à sua venda, ficando o purgador com o encargo de fazer o registo das vendas, com indicação das datas, qualidades e quantidades do açúcar e do comprador, devendo, quer o lavrador, quer o quintador colocar a respetiva assinatura. Concluído o processo, os livros em questão eram entregues ao provedor da Fazenda, que os devia conferir com os Livros dos Quintos e das saídas. No caso de ser verificada qualquer diferença, o lavrador era obrigado a pagar o equivalente a duas vezes o que era devido ao quinto.

Em 1557, o corregedor devassou e mandou prender o purgador Miguel Gonçalves pela sonegação aos direitos de 305 arrobas de açúcar. As dificuldades da produção açucareira, na Ilha, a partir de finais da déc. de 50 do séc. XVI, obrigaram a Coroa a ser menos rigorosa nas penalizações aos agricultores faltosos no pagamento deste imposto. Assim, em 1559, foram suspensas, por um ano, as execuções das fazendas dos agricultores devedores. Em 1561, esta medida foi renovada por mais quatro anos. O imposto foi extinto em 1688 para dar lugar ao oitavo.

Este quinto não deve ser confundido com o quinto/oitavo cobrado aos colonos pelos senhorios na ilha do porto santo, estabelecido por decreto de 13 de outubro de 1770, nem com o usufruto do quinto dos bens da Coroa pelos donatários, que foi extinto por lei de 11 de setembro de 1861.

 

Alberto Vieira

(atualizado a 16.12.2017)

Bibliog: GOUVEIA, David Ferreira de, “O açúcar da Madeira. A manufactura açucareira madeirense. O açúcar e a economia madeirense (1420-1550). Produção e acumulação”, Atlântico, n.º 16, 1988, pp. 262-283; Id., “O açúcar e a economia madeirense (1420-1550). Consumo de excedentes”, Islenha, n.º 8, 199l, pp. 11-22; Id., “A manufactura açucareira madeirense (1420-1450). Influência madeirense na expansão e transmissão da tecnologia açucareira, Atlântico, n.º 10, 1987, pp. 115-131; Id., ”Açúcar confeitado na Madeira”, Islenha, n.º 11, 1992, pp. 35-52; Id., “Gente d’engenho”, Islenha, n.º 13, 1993, pp. 81-95; Id., História do Açúcar – Fiscalidade, Metrologia, Vida Material e Património, Funchal, CEHA, 2006; Id., História do Açúcar: Rotas e Mercados, Funchal, CEHA, 2002; PEREIRA, Fernando Jasmins. Estudos sobre História da Madeira, Funchal, CEHA, 1991; Id., “O açúcar madeirense de 1500 a 1537. Produção e preços”, Estudos Políticos e Sociais, vol. vii, n.º’ 1, 2 e 3, 1969, separata; VERÍSSIMO, Nelson, “A extinção dos ofícios de quintadores do açúcar e seus escrivães. Uma petição dos moradores e beneficiados de Câmara de Lobos”, Girão, n.º 8, 1992, pp. 379-382; VIEIRA, Alberto, Dicionário de Impostos. Contribuições, Direitos, Impostos, Rendas e Tributos, Funchal, CEHA, 2014; Id., Dicionário de Finanças Públicas. Conceitos, Instituições, Funcionários, Funchal, CEHA, 2014; Id., Cronologia. A História das Instituições, Finanças e Impostos, Funchal, CEHA, 2014; Id. (org.), O Comércio Inter-insular nos Séculos XV e XVI, Funchal, CEHA, 1987; Id., Canaviais, Açúcar e Aguardente na Madeira: Séculos XV a XX, Funchal, CEHA, 2004; Id., O Açúcar, Funchal, Edicarte, 1998.

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