Mais Recentes

estatuto provisório da ram

A existência de um estatuto expressamente qualificado como provisório para a RAM merece uma referência própria, não só pela sua longa duração, que contrastava com a aludida vocação de provisoriedade, mas também porque serviu de guia para o futuro Estatuto Político Administrativo. Segundo resulta do disposto no n.º 2 do art. 6.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), a existência de regiões autónomas consubstancia-se, por um lado, na existência de órgãos de governo próprio, mas sobretudo na existência de estatutos político-administrativos. Na criação do estatuto provisório, terão sido tidas em consideração propostas oriundas da Madeira; mas, segundo é voz corrente, o mesmo teria nascido de um jato, por responsabilidade de alguns deputados da Assembleia Constituinte, sendo vários os nomes que reclamam a sua paternidade. Independentemente dos seus autores, é patente neste estatuto a influência do modelo italiano, baseado no estatuto da Sicília, até porque, à data, não existiam muitos outros paralelismos que pudessem ser considerados. Ou talvez seja mais correto afirmar que a inspiração italiana esteve na base do texto constitucional, então acabado de aprovar, sendo a Constituição italiana de 1948 apontada como a sua matriz “quanto à autonomia regional” (CANOTILHO e MOREIRA, 1978, 6); por sua vez, a redação do estatuto seguiu, por vezes de forma literal, as normas da CRP. Acresce que, do acervo das normas transitórias aprovadas em 25 de abril de 1976, fazia parte o art. 302, n.º 2, que exigia a rápida aprovação dos estatutos provisórios e das leis eleitorais para as Regiões Autónomas; até por essa razão, seria difícil haver normas inovadoras relativamente ao texto constitucional. Em 30 de abril de 1976, foi publicado o DL n.º 318-D/76, que dava corpo ao estatuto; mas, logo a 1 de junho desse ano, o DL n.º 427/76 introduzia alterações, reforçando os poderes e as competências da Região, nomeadamente através da dignificação do papel do orçamento regional (arts. 33, al. d) e art. 60), bem como da autonomização do orçamento regional face ao plano e orçamento do estatuto (arts. 33, al. g) e art. 50), princípios essenciais para a consagração da autonomia. O texto manteve-se em vigor sem alterações, apesar das modificações que resultaram das revisões constitucionais de 1982 e de 1989, até ao surgimento da lei n.º 13/91 de 5 de junho. Na sequência destas mudanças, em 1991, foram significativamente ampliados os poderes do Parlamento regional, regulamentadas as relações entre os órgãos de soberania e os órgãos regionais, clarificados e desenvolvidos os poderes tributários da RAM e, ainda, definidos os bens que lhe pertencem, entre outros aspetos de menor alcance, entre os quais se pode referir uma definição de “matérias de interesse específico regional” que acabou por ficar reduzida a um nível meramente programático pela jurisprudência do Tribunal Constitucional e boa parte da doutrina. No entanto, foi mantido o núcleo essencial, relativamente ao funcionamento dos órgãos autonómicos, que já constava do estatuto provisório, como seja a composição do Parlamento regional, incluindo o método de eleição, e o essencial do estatuto dos deputados, da constituição e do funcionamento do Governo Regional da Madeira (GRM). Realce-se, neste aspeto, e apesar da diferença de redações, a exigência de colegialidade, uma constante do art. 34, n.º 1, “A orientação geral … do Governo Regional”, ao invés do que sucede na República, em que o art. 201, n.º 1 da CRP atribui competências específicas ao primeiro-ministro. Destaque-se, também, a criação da figura do delegado do GRM para a ilha do Porto Santo (art. 38) que, apesar de ter posteriormente perdido dignidade estatutária, continua a ser mantida, sendo certo que, em todo o percurso estatutário, foi esta a única vez que se referiu especificamente a ilha do Porto Santo, para além da norma genérica que figura inicialmente quanto ao território da Região. Face ao exposto, e em breve conclusão, torna-se inteiramente razoável considerar que o Estatuto Provisório veio a ser complementado pelo Estatuto Político-Administrativo mas, no essencial, não foi contraditado pelas alterações posteriormente surgidas. Bibliog.: CANOTILHO, J. Gomes e MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa anotada, Coimbra, Coimbra Editora, 1978. João Lizardo (atualizado a 08.07.2016)

estatuto do distrito autónomo do funchal

Cumpre começar por assinalar a precedência de idênticas medidas legislativas relativamente ao arquipélago dos Açores, dada a prevalência nos quadros superiores da corte de Lisboa de elementos açorianos, o que acontecia desde o início da época liberal, e após a Regeneração, com o protagonismo dos comendadores António José de Ávila (1806-1881), sucessivamente conde de Ávila e duque de Ávila e Bolama, e Ernesto Rodolfo Hintze Ribeiro (1846-1907). Com efeito, as aspirações autonomistas dos dois arquipélagos encontraram uma primeira tradução no dec. de 02/03/1895, ratificado pela carta de lei de 14/02/1896, destinada a ser aplicada apenas nos Açores e aos distritos que aderissem à sua disciplina, o que levou a que, durante algum tempo, apenas fosse aplicado nos então distritos de Ponta Delgada e Angra do Heroísmo, dado que o distrito da Horta se manteve à margem até 1938. Aliás, a sua aplicação a Ponta Delgada foi reconhecida pelo dec. de 18/11/1895 e a sua ampliação ao distrito de Angra apenas ocorreu três anos depois, por dec. de 06/08/1898. Entretanto, o regime previsto em 02/03/1895 foi estendido ao arquipélago da Madeira pela carta de lei de 12/06/1901, coincidindo com a visita régia de D. Carlos e de D. Amélia aos arquipélagos insulares nesse mês de junho. O regime republicano aprovou seguidamente a lei n.º 88, de 07/08/1913, cujo regime foi revogado pelo Estado Novo, que aprovou o dec. n.º 15035, de 16/02/1928, rapidamente alterado pelo dec. n.º 15085, de 31/07/1928, a que se seguiu a lei n.º 1967, de 30/04/1938 e, finalmente, o Estatuto dos Distritos Autónomos das Ilhas Adjacentes, de 31/12/1940, revisto pelo dec.-lei (DL) n.º 36453, de 04/08/1947, que se manteve em vigor até às mudanças saídas de 25 de Abril de 1974. No essencial, eram quase insignificantes as diferenças entre estes diplomas legais. Inicialmente, existia uma Junta Geral, composta por procuradores eleitos pelos concelhos, mas, a partir de 1928, foi eliminada a eleição, passando os procuradores a ser escolhidos pelos órgãos do Estado Novo; ou seja, em sete membros, três deles resultavam do próprio exercício de cargos na administração do Estado e os restantes quatro eram escolhidos pelas câmaras municipais e organismos corporativos. Contudo, apesar de os membros da Junta serem escolhidos entre os mais fiéis apoiantes do regime, a eles se sobrepunha o governador do distrito autónomo, a quem, tal como aos demais governadores civis, cabiam, entre outros, poderes respeitantes à manutenção da chamada “ordem pública”, que implicavam a sua colaboração com as diversas polícias e forças repressivas, e, embora dispusessem de poderes próprios, como o de elaborar regulamentos legislativos, não deixavam de ser meros representantes do poder central. Apesar desta configuração orgânica, os estatutos post 1928 qualificavam os distritos das ilhas como “pessoas morais de direito público” e declaravam atribuir-lhes autonomia administrativa e financeira e um órgão de “administração própria”, a dita Junta Geral, dotada da composição atrás referida. Face a este panorama, não será difícil tirar conclusões quanto à inexistência de isenção face ao poder central dos membros deste órgão “autonómico”, apenas sendo de relevar na sua atividade alguns trabalhos teóricos no âmbito do chamado “plano de desenvolvimento regional”. Não pode igualmente ser esquecido que os meios financeiros ao seu dispor pouco excediam os que cabiam aos demais distritos do país, sucedendo que às receitas próprias correspondiam também despesas que não eram suportadas pelo poder central, pelo que o desenvolvimento de ações regionais sempre estaria inviabilizado pela falta de meios. Com as alterações decorrentes de 25 de abril de 1974, foram criadas a Junta de Planeamento, pelo DL n.º 339-A/75, de 02/07, e, posteriormente, a Junta Administrativa e de Desenvolvimento Regional, pelo DL n.º 101/76, de 03/02, tratando-se logicamente de regimes de transição a quem, no último caso, se cometia expressamente a tarefa de elaborar um projeto de estatuto político-administrativo para o arquipélago. João Lizardo (atualizado a 11.07.2016)

encarregado dos negócios da guerra

A designação de “superintendente das coisas da guerra em ambas as capitanias” ou “encarregado dos negócios da guerra” foi o termo utilizado desde o início da união ibérica, no reinado de Filipe II de Espanha, até à nomeação de um “cabo-de-guerra”, que passou a ser recrutado nos quadros da corte, conforme os interesses pontualmente em causa, como governador e capitão-geral ou capitão-general de ambas as capitanias. Por essa altura, instituiu-se igualmente a existência de uma força militar regular na ilha, também sedeada em São Lourenço. Com a vigência de Filipe II de Espanha no trono de Portugal e as conjunturas interna e externa que se seguiram, acrescidas das posições e dificuldades experimentadas pelas casas dos Câmara e dos Vimioso, a direção geral e superior da defesa da ilha da Madeira foi de imediato entregue a um elemento da confiança pessoal do novo rei. A primeira opção recaiu sobre um corregedor, o desembargador João Leitão, que já havia tido funções militares em 1572, na comarca de Portalegre, onde “fez adestrar a gente que se levantou na dita comarca para a jornada de África”, providenciando depois o recrutamento de homens para as fronteiras de Ceuta, Tânger e Mazagão. Em seguida, integrou o grupo do duque de Alba quando este entrou em Portugal, tendo-lhe sido cometida, por provisão de Filipe II, a prisão de D. António, prior do Crato, como escreveria o seu filho mais velho, Sebastião Leitão, a 7 de dezembro de 1602 (AGS, Secretarias Proviciales, leg. 1463, fl. 138). O corregedor João Leitão foi para a Madeira, com provisões de 2 e 5 de janeiro de 1582, encarregado de julgar casos de justiça (ARM, Câmara..., Tombo velho, fl. 193) como os dos dois partidários de D. António presos no Funchal: o franciscano Fr. João do Espírito Santo e o comerciante francês Randuela. João Leitão foi, sucessivamente, provedor da Fazenda e provedor das Obras dos Órfãos e Capelas (ANTT, Provedoria..., 963, fls. 134, 138-139v). Tendo-se oferecido, entretanto, o conde de Lanzarote, D. Agostinho de Herrera y Rojas (1537-1598), para avançar para a Madeira com forças das Canárias e da Andaluzia, entregou-lhe o governo (ARM, Câmara..., Docs. avulsos, 219). Regressado a Lanzarote, seis meses depois, mas não sem primeiro se deslocar a Madrid, onde recebeu o título de marquês, em 1585, voltou o corregedor a superintender sobre os assuntos da guerra, tendo como assessor o capitão do presídio castelhano, Juan de Aranda. A denominação já aparece alterada com Tristão Vaz da Veiga (1537-1604), em 1585, que surge com a designação de “capitão-geral da ilha” (ARM, Câmara..., Tombo 3, fls. 162v.-163; ANTT, Provedoria..., liv. 963, fl. 176) e acompanhado de um corregedor para os assuntos de justiça, sob sua direta superintendência. Bibliog.: manuscrita: AGS, Secretarias Provinciales, leg. 1462; ANTT, Provedoria da Junta da Real Fazenda do Funchal, liv. 963; ARM, Câmara Municipal do Funchal, Docs. avulsos, 219; Câmara Municipal do Funchal, Tombo 3; Câmara Municipal do Funchal, Tombo velho; impressa: ARMAS, Antonio Rumeo de, “El Conde de Lanzarote, Capitán General de la Isla de la Madera (1582-1583)”, Anuario de Estudios Atlanticos, n.º 30, 1984, pp. 393-492; CARITA, Rui, História da Madeira, vols. 2 e 3, Funchal, SRE, 1991 e 1992; VERÍSSIMO, Nelson, Relações de Poder na Sociedade Madeirense do Século XVII, Funchal, SRTC, 2000. Rui Carita (atualizado a 11.07.2016)

colégio dos jesuítas

O conjunto edificado do Colégio dos Jesuítas do Funchal sofreu, ao longo dos seus mais de 400 anos de existência, inúmeras obras e adaptações, infelizmente muito pouco documentadas. A apreensão e desbarato de toda a documentação do estabelecimento, encaixotada em 1760, na altura da expulsão dos Jesuítas de Portugal (Jesuítas), e da qual não se conhece, até ao momento, mais do que um impresso e dois códices manuscritos, têm dificultado muito os estudos sobre este importante imóvel, que é, no entanto, o maior conjunto edificado regional até aos finais do séc. XX. No início, foi colégio, depois, passou a escola militar, seminário, quartel e escola regimental, escola secundária, escola superior de educação e reitoria da UMa. À exceção das visitas esporádicas de alguns Jesuítas a caminho das Índias ou do Brasil, os primeiros padres da Companhia a deslocarem-se à Madeira foram Francisco Varga, Francisco Gonçalves e Simão Tavares (FRUTUOSO, 1968, 388; LEITE, 1949, 93). Chegaram com o futuro capitão donatário do Funchal, João Gonçalves da Câmara (1541-1580), na armada de socorro enviada após o saque perpetrado por corsários franceses em 1566, como homens sempre e tradicionalmente prontos para a ação, onde quer que houvesse perigos e necessitados. Estes piedosos sacerdotes demoraram-se cerca de um ano no Funchal, acompanhando a população naqueles difíceis momentos e aproveitando para pregar as suas ideias. O momento não poderia ter sido mais propício para a primeira apresentação da Companhia na ilha. Com o assinalável êxito da estadia dos Jesuítas que acompanharam a armada de socorro, estavam criadas as condições para a criação de um colégio na cidade do Funchal. As diretivas gerais da Companhia em Roma não iam nesse sentido, mas a ação desenvolvida pelos quadros máximos da congregação em Portugal, os irmãos Luís (1518-1575) e Martim Gonçalves Câmara (c. 1539-1613) e o P.e Leão Henriques (c. 1520-1589), que tinham pedido autorização (negada) para embarcar na armada de socorro, em conjunto com a vontade expressa várias vezes pelo jovem D. Sebastião e pelo cardeal infante D. Henrique, permitiram que se desse imediatamente início às formalidades da montagem de um colégio, sendo a carta régia de fundação assinada a 20 de agosto de 1569 (BNP, Index Geral..., fls. 77v-80; AZEVEDO, 1875, 738 e ss.; SILVA e MENESES, 1998, II, 187). O grupo destacado para a fundação do colégio na Madeira, tendo como superior o P.e Manuel de Sequeira (1533-1595), chegou à ilha em março de 1570, depois de ter sido retido em Lisboa por um surto de peste que ali grassava e que acabou por impedir a entrada imediata no Funchal, ficando de quarentena fora da cidade, em casas oferecidas pelo fidalgo Fernão Favila (1536-1601), nas imediações da capela de N. S.ª da Ajuda. Tendo passado os dias de isolamento obrigatórios afastados da cidade, acabaram por se demorar ali alguns meses, antes de se instalarem nas casas da câmara municipal, anexas à capela de S. Sebastião, também da administração do senado camarário e onde funcionou provisoriamente o colégio. As aulas abriram com certo aparato, a 6 de maio de 1570, dia em que se evocava o martírio de S. João Evangelista, que passou a ser o patrono do estabelecimento. Não se encontravam bem localizadas, estas casas “a São Sebastião”, primeira residência dos Jesuítas no Funchal. Como primeira hipótese, seriam casas da câmara municipal, a que pertencia a capela de S. Sebastião, padroeiro secundário do Funchal, embora o cronista Henrique Henriques de Noronha (1667-1730), em 1722, tenha sugerido que se situavam num quarteirão mais acima, correspondente ao atual palácio Torre Bela, da família do próprio, onde chegou a viver. Salvo melhor opinião, se eram “a São Sebastião”, eram no quarteirão anexo ao largo da antiga capela, hoje Lg. do Chafariz, e não quase dois quarteirões acima. O colégio funcionou assim no improvisado espaço de S. Sebastião, por cerca de dois anos, tendo passado, em janeiro de 1572, para uma pequena albergaria na atual R. dos Ferreiros, no lugar ocupado hoje pelo Ateneu do Funchal. Até então, provavelmente, a ideia dos Jesuítas ou a que lhes terá sido imposta era a de adquirir o quarteirão a norte da R. dos Netos, como consta na planta do Funchal da BNB, no Rio de Janeiro, onde se indica a dita área como: “Este sítio pedem os Padres da Companhia” (BNB, Cartografia, 1090203). Por esta altura, tomaram outra opção sobre o terreno para a edificação do futuro colégio, passando para o quarteirão entre as ruas dos Netos, do Castanheiro, dos Ferreiros (então R. Direita) e a pequena R. do Ouvidor, para onde viria a dar a cerca e os jardins do paço episcopal, construído por volta de 1600. Em maio de 1574, o reitor Manuel de Sequeira anunciava para Roma a localização desse quarteirão, no outro lado da R. Direita e mais para o centro da cidade, como o ideal para a edificação do colégio. Reunia o local as condições necessárias de sossego, de afastamento do reboliço do centro do Funchal, muita água e bons ares, situando-se, ao mesmo tempo, no que então se entendia ser o “meio da cidade”, logo com fácil acesso da população e escolares à futura igreja e colégio (ARSI, Lusitânia, LXVI, fl. 140). Resta acrescentar que deve datar dessa época, entre 1578 e 1590, a primeira obra verdadeiramente perene do futuro conjunto: a torre do colégio. Esta ainda apresenta internamente o compartimento superior, o chamado “andar dos sinos”, coberto por abóbada de nervuras, ao gosto dos meados e finais do séc. XVI. A obra integra-se mal na atual igreja, iniciada somente em 1629, provavelmente segundo traça, entretanto ampliada, de Mateus Fernandes (c. 1540-c. 1597), pois que era o mestre das obras reais, realizada entre 1578 e 1595, interpretando o título do livro das Escrituras das Várias Compras de Cazas q Estavão no Citio deste Collegio (APEF, 1577-1627), que refere que as casas que se compraram já estavam levantadas, “salvo a torre que está debaixo da igreja”, deduzindo-se que a torre foi levantada depois de feitas essas compras. Os arquitetos romanos da Companhia tentaram estabelecer uma planta-tipo que respondesse às principais necessidades de um colégio, assunto que chegou a ser colocado na 3.ª Congregação Geral dos Jesuítas, em 1573, pela província de Nápoles. O arquiteto jesuíta Giuseppe Valeriano (1542-1596) terá mesmo composto um trabalho, infelizmente perdido, sobre as construções da Companhia e, em sequência, o geral Everardo Mercuriano (1514-1580), francamente favorável do projeto “planta-tipo”, enviou ao provincial de Aragão, a 1 de janeiro de 1580, umas instruções detalhadas sobre o uso destas plantas (traças comunes) feitas em Roma (VALLERY-RADOT e LAMALLE, 1960, 8). Todavia, a morte súbita de Everardo naquele ano e a consecutiva nomeação do novo geral, Cláudio Aquaviva (1543-1615), que não era favorável ao intento, fez gorar a iniciativa. O próprio colégio do Funchal, p. ex., não obedeceu a um planeamento rígido, tendo havido alterações nas várias campanhas de obras, e nos arquivos da Companhia não encontrámos qualquer referência a pedidos de alterações. Com efeito, o colégio foi inicialmente previsto com um pátio e tem hoje dois, de campanhas de obras diferentes; a capela-mor da igreja entra francamente num dos corredores do colégio, sinal de ter havido dificuldades de articulação geral do espaço; a torre da igreja não se integra nem com a mesma nem com o colégio, parecendo, pelos pormenores de construção, ser anterior a todo o conjunto; etc. No mesmo sentido, um ou dois dos visitadores mandaram iniciar as obras sem que houvesse aprovação para tal do geral da Companhia, em Roma, alegando que a autorização viria depois. O célebre P.e Pedro da Fonseca (1528-1599), um dos mais habilitados professores da Companhia, na sua qualidade de visitador, deslocou-se ao colégio do Funchal, em fevereiro de 1592, conforme nos informa o P.e Fernão Guerreiro (1550-1617), em carta do mês seguinte (ARSI, Lusitânia, LXIX, fls. 1-2). Infelizmente, a informação é bastante sumária, pois a principal intenção deste religioso é queixar-se para Roma do então reitor do colégio, lamentando que o visitador não o tivesse mudado. Devemos ao P.e Pedro da Fonseca o envio para Roma de nova versão da planta do colégio e, inclusivamente, uma emenda, embora não saibamos se a emenda diz respeito à planta anterior, de 1575, ou à outra versão, pois é o único exemplar que conhecemos (BNF, Col. Bailli de Bretueil). Dado só se conhecer a planta do primeiro piso, pouco mais se poderá afirmar sobre o colégio propriamente dito. Esta previa somente a zona de serviços do estabelecimento, com arrecadações, entradas e respetivos controlos, as portarias, refeitórios e anexos (as cozinhas deveriam ser exteriores), e pouco mais. No piso superior, deveriam ficar as celas dos religiosos, a biblioteca e as salas de aulas. A planta da igreja é muito simples: apresenta ainda três naves, marcadas no desenho por cinco pares de colunas, tem três portas na fachada, não tem capela-mor definida e é sem transepto ou com transepto inscrito. Na verdade, na planta, o transepto está sugerido por um ponteado entre os dois últimos pares de colunas, talvez indicando uma alteração do tipo de cobertura, e a capela-mor está assinalada pelo desenho dos altares, um mor e dois colaterais. Não existem outros altares ou capelas nas naves. Para o lado da R. dos Ferreiros, marcaram-se janelas e, para o pátio, as portas. É provável que um esquema muito semelhante a este tenha sido iniciado e, depois, com o tempo, ampliado, resultando nos edifícios que temos hoje. Com as diretivas do Concílio de Trento, de que foram fiéis executores os membros da Companhia, foram eliminados de base os luxos e as decorações, tentando-se a máxima simplicidade e eficiência nos edifícios religiosos. No entanto, primeiro por influência dos doadores e protetores da igreja, depois por determinadas necessidades do próprio culto, as construções jesuítas acabaram por atingir dimensões, escalas e empolamentos decorativos até então nunca executados. Nesse quadro, quando em 1629 se iniciaram as obras da igreja do colégio, dedicada a S. João Evangelista, o espaço inicialmente destinado era exíguo (TOMÁS, 1635), tomando a construção uma ala do pátio que lhe ficava anexo, assim como as salas para norte e acabando, inclusivamente, por o próprio camarim do altar-mor ficar saliente no atual corredor das antigas capela e biblioteca. Este planeamento previa somente um conjunto de edifícios à volta de um pátio, depois “pátio dos padres”, com uma igreja simples. Com o empolamento excecional da igreja, uma das construções mais notáveis que existe na ilha, terá vindo a edificação do segundo pátio, a norte, o “pátio dos estudantes”, contemporâneo ou até anterior à construção da igreja (1629), uma vez que o portão das aulas, que com certeza ficava anexo ao conjunto edificado, dando para a cerca e R. dos Ferreiros, tem a data de 1619. Até ao momento, não foram encontrados documentos que esclareçam o encadeamento correto das várias campanhas de obras do colégio durante os sécs. XVII e XVIII. Até nós, chegou notícia do início das obras, de a torre ter sido levantada de 1578 a 1590 e de ala do Castanheiro ter sido executada entre 1595 e 1599, ano em que se escreveu que estava quase pronta (ARSI, Lusitânia, LXXXV, fl. 123v), embora num esquema muito simplificado em relação ao que vemos hoje. Conhecemos ainda uma ou outra descrição sucinta do colégio, mas já do séc. XVIII e também os inventários oficiais, realizados quando da extinção da Companhia e portanto datados do início da segunda metade da mesma centúria. No entanto, estes inventários debruçaram-se principalmente sobre o espólio da igreja de S. João Evangelista e limitam-se a dar o inventário da capela interior do colégio, não constando neles, estranhamente, p. ex., qualquer mobiliário do mesmo colégio, incluindo o das celas dos padres ou o das salas de aulas. Até 1599, todas as cartas referem que o edifício não estava ainda construído, queixando-se mesmo o P.e Lopo de Castanheta, em janeiro de 1592, que o “colégio, ainda que velho no material, por o novo se não ter principiado”, no espiritual estava bem (ibid., LXXI, fls. 22-23). No relatório de 1599, já refere que os padres “estavam até agora muito mal agasalhados, com casas que foram de homens seculares, pequenas, e ruins. Este ano de 99 se começou o edifício novo e já está feito um pedaço em o qual se começou e se fazem sete câmaras” (ibid., LXXXV, fl. 123v). Sabemos que os padres do colégio do Funchal enviavam, p. ex., para outros colégios, pães de açúcar, por certo, “casquinha” (conserva de fruta em calda), a principal exportação dos meados do séc. XVII até aos inícios do XVIII e também, com certeza, vinho malvasia, de que possuíam a mais célebre fazenda produtora: a Fajã dos Padres. Gozando de várias quintas, o colégio tinha certamente arrecadações, embora o vinho devesse ser feito fora. Em 1669, no relatório do reitor Sebastião de Lima, descreve-se que os padres da Companhia haviam feito uma parceria com o comerciante inglês Richard Pickford, pois “para o bom serviço do Colégio era necessário um barco, o qual se fez de novo e se tem de meias [...] servindo a ele e ao Colégio”. Descreve-se ainda que se tinham feito “outras obrazinhas, que se não dizem, para mor comodidade do colégio e suas oficinas” e que “em todos os cubículos do colégio que estavam sem reparo algum às inclemências do tempo, se puseram vidraças muito boas, e com as suas almofadas à roda para melhor resguardo e conservação delas” (ANTT, Cartório..., 34-24). Este documento é muito interessante por descrever a comida servida no colégio nestes anos: “No que toca ao sustento dos religiosos se procurou que se melhorasse o pão, como em efeito se melhorou, se deu sempre à comunidade o vinho mais escolhido que havia em casa, havendo muito bom, a carne sempre se procurou que fosse a melhor que se cortava na terra” e “no peixe houve grande vigilância para se dar bom e fresco, e se se podia descobrir se dava” (ibid.). O pescado sempre foi um problema grave no Funchal, dada a não existência de baixios à volta da ilha, pelo que a maior parte do peixe que se encontrava à venda era arenque importado pelos comerciantes britânicos e, muitas vezes, em mau estado de conservação. Um dos problemas que sempre afetou a ilha foi o da carne, sujeita a forte restrição estatal e com pesados impostos. Assim, um dos primeiros privilégios obtidos pelos Jesuítas foi o de poderem adquirir a carne que necessitassem no açougue municipal, bem como o de poderem abater e cortar carne nas suas próprias instalações (ARM, Câmara..., tombo 2, fl. 39). Aliás, este era um privilégio usufruído pelo cabido da sé, pelas freiras de S.ta Clara, etc. O açougue do Funchal situava-se então, por volta de 1570, junto à foz da ribeira de Santa Luzia, num pequeno largo que é hoje ocupado pelas instalações da alfândega nova e onde vinham dar as duas pequenas ruas que nasciam no poço novo e que mais tarde viriam a ter a designação de “Tanoeiros de Baixo” e “Tanoeiros de Cima”, esta última hoje denominada R. 5 de Outubro. Descreve o antigo reitor que “nos dias mais solenes dos nossos santos e nas Páscoas se dava de jantar com grande largueza nos limites religiosos, e todos os dias que se convidava o senhor governador se dava na mesma forma de jantar à comunidade, e nos mais dias em casa como na quinta, os anti pastos sempre foram de galinha, ou peru, ou frangos, ou leitões, ou coelhos, ou cabritos, e nunca na quinta se faltou com o pospasto [sobremesa] de doce à comunidade”. Assim se tinha feito provimento de passas e, mandando “a lista prover com 4 arrobas, nos primeiros 2 anos se proveu com 10 arrobas, e no 3.º com 14, com que o colégio teve abundantemente gastos, e mais não faltou abundância de fruta, e de queijos, assim de Alentejo, como flamengos”. Acrescenta ainda que “no tempo da carne de porco houve desta abundância, e no outro tempo para as festas houve presuntos, mandados pelo padre reitor do reino, e quando estes não haviam, se compravam” (ANTT, Cartório..., 34-24). Voltando ao edifício propriamente dito, a primeira ala a ser construída foi a que corre sobre a R. do Castanheiro e de que ficaram inúmeros pormenores dos finais do séc. XVI e, provavelmente, também elementos que podem ser anteriores e que foram reaproveitados, como a pequena janela de molduras de cantaria chanfrada, hoje nas escadarias que ligavam os corredores à antiga capela interior e no piso térreo da rua citada. Em toda essa ala ficaram pormenores, no piso térreo, de ombreiras de portas, provavelmente desse ano de 1599 ou de poucos anos depois. O andar superior, no entanto, deve ser já do séc. XVII e, provavelmente, pode ter sido alteado ao longo dessa centúria ou mesmo nos inícios de Setecentos. Uma das campanhas mais interessantes envolveu a fachada ao pátio dos estudantes, que, nitidamente, foi desmanchada e remontada 2 m para dentro do pátio, tendo o piso térreo, do séc. XVI/XVII, ficado semi-emparedado. O andar intermédio manteve a mesma escala intimista e, nessa altura, talvez nos inícios do séc. XVIII, o conjunto terá sido dotado com mais um andar. Em 1722, Henrique Henriques de Noronha, nas suas Memórias Seculares e Eclesiásticas, ao referir-se à capela de S. Bartolomeu, diz que “daí continuaram a fábrica do seu colégio, na mesma rua, a qual se foi dispondo com o tempo, em tal forma, que hoje é das mais vistosas casas da sua religião, não só nas largas oficinas e corredores que tem em dois formosos claustros [termo que os padres da Companhia não utilizavam, preferindo “pátio”], como na grande extensão da sua cerca. A sua ordinária residência é de 18 ou 20 religiosos, para o que têm suficiente renda” (NORONHA, 1996, 247). Um manuscrito da BPMP descreve o Colégio de S. João Evangelista, por volta de 1751, mas também de forma muito sumária: “Todo o edifício do colégio consta de cinco corredores, e toda a obra está disposta numa magnífica quadra, na qual entra também a igreja. O corredor da portaria tem o comprimento de 94 palmos, o que no colégio chamam grande, trezentos e cinquenta, o da livraria e capela interior do colégio, duzentos e vinte e oito, o corredor que se intitula O Eirado, cento e sessenta e dois, o do lavatório, duzentos e quarenta e seis; em todos eles é a largura igual a dezasseis palmos e meio e a altura de vinte e meio” (BPMP, mss. 142). A descrição corresponde assim ao edifício que temos hoje, sinal de que, depois dos Jesuítas, os militares que ali estiveram, ao longo de quase 200 anos, não alteraram significativamente as estruturas e linhas gerais do imóvel. A fachada ao longo do atual Lg. do Município mantém também as linhas gerais, com o corredor da portaria, com um piso térreo e um intermédio, que deve ter sido construído por volta de 1665, ainda havendo um outro superior. Teve um remate em frontão sobre o final do chamado “corredor grande”, que percorre todo o edifício ao longo da R. do Castanheiro, mas que desapareceu nos finais do séc. XIX, restando apenas algumas fotografias. Teve igualmente um alpendre, no acesso à portaria, coberto por coruchéu, como existe em quase todos os restantes colégios portugueses e de que ficou uma gravura inglesa dos inícios do séc. XIX (ARM, Arquivos particulares). Esse alpendre terá desaparecido com as obras de 1835, quando também desapareceu a ampla escadaria, a pedido da CMF, para ampliar a então R. do Ouvidor (ARM, Câmara..., tombo 17, fls. 300v-302). Ao longo da atual R. dos Ferreiros, antiga R. do Estudo, estende-se o “corredor do eirado”, advindo de obras efetuadas, por certo, nos inícios do séc. XIX, dada a amplidão e escala das salas. Nos finais de Setecentos, o governador da Madeira informava da progressiva degradação das estruturas do colégio, nomeadamente no referido corredor, “para onde davam os dormitórios”, salientando-se “que fica para a parte da Rua dos Estudos com as asnas podres” (AHU, Madeira, 1767). Esta informação aponta a existência de “dormitórios” sobre a atual R. dos Ferreiros, o que quer dizer que o colégio do Funchal teria tido internato, informação que não conseguimos confirmar por mais nenhuma fonte. Este corredor deverá o seu nome a um eirado existente a norte, do qual ficaram alguns degraus de uma escada de acesso, assim como outros pormenores de cantaria, inclusivamente, ao gosto do séc. XVI. Parece ser assim uma das estruturas mais antigas de todo o colégio, com uma janela de cariz quase militar, aparentando ser das primeiras obras dos jesuítas, aquelas que foram feitas entre 1587 e 1590, sob orientação do já mencionado Mateus Fernandes, na mesma altura em que se levantou a torre, depois integrada na igreja. Nesta fachada sobre a R. dos Ferreiros subsiste o antigo “portão das aulas”, o elemento datado mais antigo do colégio (1619) e que está dotado das armas reais portuguesas, e também ainda subsiste o antigo campanário das aulas, a rematar este corredor. Os dois corredores perpendiculares (o da livraria e da capela e o dos lavatórios) são realçados na fachada da R. dos Ferreiros, em relação ao corredor do eirado, por frontões rematados com pináculos e que, pela sua elegância, nos parecem mesmo de meados desse séc. XVIII. Interiormente, ainda mantêm as conversadeiras, com bancos de encosto de madeira, o mesmo acontecendo ao longo desse corredor em algumas das salas voltadas para a R. dos Ferreiros e para o pátio dos estudantes, do corredor dos lavabos, mas mais pequenos e sem os encostos de madeira. A fachada sobre a atual R. dos Ferreiros deve ter conhecido pelo menos três campanhas de obras. A primeira terá decorrido no séc. XVII e dela, em princípio, somente restam, no interior do edifício, junto à fachada norte desta ala, hoje no pátio dos estudantes, vestígios de portas e janelas, deixadas ficar nas obras de reabilitação de 2000 e 2001 como elementos de memória, e também uma janela no piso superior, geminada, que se afasta muito de todo o restante conjunto. Entre os finais do séc. XVII e os primeiros anos do XVIII deve-se ter reconstruído este corpo, dotado de três portas, no piso térreo de um conjunto monumental, que devem ter sido muito afetadas pelo terramoto de 1748. Depois do terramoto, todo o conjunto deve ter tido obras, reformulando-se as grandes janelas do final dos corredores, rematadas à R. dos Ferreiros por frontão triangular e pináculos, com o emblema da Companhia em estuque relevado, infelizmente só reconhecível pela cartela. Pelas evidências nas cantarias das antigas portas, os panos laterais do conjunto terão tido grades de ferro fixas e, o central, móveis, sem portadas de madeira. Como nos restantes colégios, terão tido, com certeza, alpendre. Dariam assim acesso a um vestíbulo que ainda aparece desenhado por António Pedro de Azevedo, em 1862 e em 1865, com a indicação de “Antiga Entrada do Quartel”, tendo ao lado a “Antiga Casa da Guarda” (DSIE, 5558-1A-12A-16 e 1333-2-22A-109), e que dava acesso ao pátio por um amplo arco de cantaria, encimado à direita por campanário. Todo o lintel do conjunto era formado por dupla fiada de cantaria rija insular e sofreu, entretanto, um grande desastre, pelo que desapareceram os tramos centrais das cantarias e toda a estrutura ficou desaprumada. Tudo leva a crer ter sido no grande tremor de terra do dia 31 de março de 1748 que os lintéis caíram e a estrutura cedeu. Não havendo então possibilidades de repor os lintéis, toda a estrutura foi entaipada. No tempo dos Jesuítas, ainda teria havido uma entrada central e uma pequena porta no vão sul, de que ficou o lintel e evidências no aparelho de enchimento. Estas portas terão sido totalmente entaipadas, por volta de 1847, por motivos de segurança, quando António Pedro de Azevedo executou a nova entrada pela R. do Castanheiro, dotada de aparatoso portão neoclássico, em 1865, como se pode ver pelas plantas militares. Até então, a R. do Castanheiro era quase uma azinhaga, muito apertada, tendo a câmara do Funchal pedido a sua ampliação à custa da cerca do colégio, em 1842. A autorização militar veio em 1847, transferindo-se depois a casa da guarda para aquele lado. Mais tarde, em 1865, seria igualmente transferida a prisão do quartel do antigo pátio dos estudantes para aquela área, ficando anexa à casa do sargento da guarda. O conjunto de salas do antigo vestíbulo, interiormente, parece também ter tido problemas na estrutura, havendo reforços para oeste em todos os arcos intermédios de alvenaria, que se mantiveram, na generalidade, nas obras executadas em 2000 e 2001 (CARITA, 2001). Não se tomou essa opção nas impostas do arco principal, frente à entrada, dado ser em cantaria, libertando-as assim visualmente, bem como ao campanário superior, novamente dotado de um pequeno sino. Para sul, este vestíbulo devia comunicar com o corredor da portaria da igreja, de que ficou amplo arco de cantaria entaipado. Nesta área, repôs-se ainda a antiga porta de ligação às escadas de acesso ao piso superior, entretanto entaipada, e que já não é indicada nas plantas militares, cuja articulação inicial não é percetível, repondo-se um lanço de escadaria para acesso em cantaria aparente. O corredor da livraria e da capela liga a R. dos Ferreiros à do Castanheiro, onde ficava antigamente a biblioteca, que pensamos ter sido na atual sala do conselho geral ou na sala grande que fica nas instalações da diocese, para sul. Este corredor dá acesso à escadaria da antiga capela, onde se mantém ainda o que parece ser uma janela dos finais do séc. XVI, base do que teria sido um corrimão de que só ficou a pilastra superior, arcarias dos sécs. XVII e XVIII, portas com ombreiras de cantaria ao gosto dos inícios ou meados do XVII, de cariz maneirista e, no piso térreo, portadas de madeira dos meados do XVIII, das poucas que ainda restam. Paralelo a este corredor e fechando o edifício do colégio a norte, fica o corredor dos lavabos, onde deveriam ficar essas instalações do tempo dos Jesuítas, mas das quais se não compreende já o que possa restar. Na articulação com o corredor grande, existe um armário de parede com arco de tijolo de burro que pode ser o que ficou dos citados lavabos. Subsiste ainda, neste corredor, o teto de caixotão de madeira dos sécs. XVII e XVIII que, nos restantes corredores, foi substituído por estuque, ao tempo da ocupação militar. Restam igualmente nas suas pequenas salas o que parecem ter sido cubículos dos antigos padres da Companhia, que se repetem também no corredor grande, sobre a R. do Castanheiro, com um armário de parede, janelas com assento individual e portada com banco de cantaria; também permanecem alguns dos tetos de madeira de Seiscentos e de Setecentos. As janelas de todos estes corredores que dão para o pátio dos estudantes apresentam grande escala e bancos duplos de assento de pedra, as chamadas “conversadeiras”, que pela escala devem ser produto da campanha de obras dos inícios do séc. XVIII. Para a cerca, a norte e para a R. do Castanheiro, subsistem bancos idênticos, mas individuais, no espaço que teria sido das celas dos padres, algumas ainda dotadas de armários embutidos na parede, numa grande austeridade formal. As primeiras dificuldades do colégio começaram a ocorrer no episcopado de D. Fr. Manuel Coutinho (1673-1742), quando a Madeira foi autenticamente varrida pela tempestade rigorista da jacobeia. O tardio jansenismo em Portugal tem sido mais ou menos ignorado pela historiografia oficial, parte da qual de raiz eclesiástica, chegando o Elucidário Madeirense a mencionar ingenuamente que “nas crónicas insulares que nos foi possível consultar, poucas referências encontrámos à sua [de D. frei Manuel Coutinho] ação episcopal” (SILVA e MENEZES, 1998, I, 329). Com um episcopado de quinze anos, onde se chegou a mandar prender toda a vereação camarária do Funchal, tendo a porta da câmara sido arrombada à força de machado, e em que vários eclesiásticos se tentaram suicidar e as freiras da Encarnação abandonaram intempestivamente a clausura, avançando de cruz alçada para o centro da cidade numa atitude ímpar na história insular, não nos parece haver “poucas referências” à sua ação episcopal. A preparação da operação de encerramento do colégio da Madeira iniciou-se com o afastamento da ilha do então governador Manuel Saldanha da Gama (1712-1771) e a apresentação do novo bispo diocesano, D. Gaspar Afonso da Costa Brandão (c. 1720-1784), o qual, segundo as leis de então, assumiu o lugar de governador interino (AHU, Madeira, cx. 130). A preparação teria sido meticulosa, pois só perto de dois anos depois chegava o novo governador. Não teria sido corretamente avaliada a situação em que se encontrava a Companhia, nem pelos Jesuítas da Madeira, nem pelos do continente, quando tudo apontava para um conflito iminente. A prisão dos padres da Companhia na Madeira foi toda preparada em Lisboa, pois tendo a nomeação do governador José Correia de Sá ocorrido a 17 de maio de 1758, este apenas se apresentou no Funchal a 27 de maio de 1759, mais de um ano depois, já com todas as instruções na sua posse, recebendo então o governo do bispo referido (ibid., cx. 161). Transmitidas as instruções que trazia de Lisboa (ARM, Governo..., 985), dois dias depois, a 29 de maio de 1759, as instalações do colégio eram cercadas por forças militares às ordens do governador, perante a surpresa geral. Os padres ficariam presos no seu próprio colégio ao longo de quase um ano, só embarcando para Lisboa a 16 de julho de 1760. Durante o ano de prisão dos Jesuítas no edifício, foram confiscados todos os documentos aí existentes e a biblioteca; nas várias residências destes padres na Madeira, tudo foi retirado. Simultaneamente, foram inventariados os seus bens, em especial os das três quintas, que foram vendidas pela PJRFF alguns anos depois, num processo complexo. O espólio religioso do antigo colégio foi, entretanto, transferido para outras igrejas, dando-nos disso testemunho os sucessivos inventários (ANTT, Tribunal..., 1760; JPRFF, 1767 e 1788; etc.). Em 1768, o colégio foi utilizado para servir de aula militar e, dez anos depois, doado para seminário, tomando a diocese posse do mesmo a 22 de setembro de 1787 (AHU, Madeira, cx. 42). Mas com a invasão inglesa de 1801 e a utilização do colégio para aquartelamento, o edifício não voltou à posse da diocese. Ali seria instalado o batalhão de artilharia, em 1802; em seguida, entre 1808 e 1814, as novas tropas inglesas de ocupação; após a saída das mesmas, o batalhão de infantaria do Funchal, que somente viria a sair dali para as novas acomodações em São Martinho, estas inauguradas a 31 de outubro de 1970. No entanto, até ao final da déc. de 1980, ficariam ainda a funcionar nas instalações do antigo quartel do colégio a cooperativa militar e a banda militar, mesmo depois da aquisição do edifício pela JGDAF, em 1970, para aí instalar a Escola Preparatória João Gonçalves Zarco, a que se seguiu a Escola do Magistério Primário, a Escola Superior de Educação e, no início da déc. de 90, a UMa. Com a transferência dos departamentos da universidade para o novo complexo da Penteada, em 1991, o edifício passou a sede da reitoria, iniciando-se progressivamente um vasto programa de recuperação do conjunto edificado e funcionando o antigo colégio, de certa forma, como uma “sala de receção” para as visitas de Estado à RAM. Bibliog.: manuscrita: AHU, Madeira, cxs. 42, 130, 161, 1767; ANTT, Cartório dos Jesuítas, 34-24; Junta da Provedoria da Real Fazenda do Funchal, 1767 e 1788; Tribunal da Inconfidência, 1760; APEF, Escrituras das Várias Compras de Cazas q Estavão no Citio deste Collegio, 1577-1627; ARM, Arquivos particulares, Rui Carita, gravura de Locker, jul. 1805; Câmara Municipal do Funchal, Registo Geral, tombos 2 e 17; Governo Civil, 985; ARSI, Lusitânia, 86 vols.; BNB, Cartografia, 1090203, Mateus Fernandes, Planta da Cidade do Funchal, 1567-1570; BNF, Col. Bailli de Breteuil; BNP, Index Geral do Registo da Real Fazenda do Funchal, 1775; BPMP, Sylvio Mondanio (org.), Crónica dos PP. Jesuítas de Portugal. Década 2.ª, c. 1721, mss. 162; DSIE, GEAEM, 5558-1A-12A-16, António Pedro de Azevedo, Plantas do Quartel do Colégio, 1863; 1333-2-22A-109, 1865; impressa: AZEVEDO, Álvaro Rodrigues de, Notas às Saudades da Terra, 1875, ed. fac-simile, Funchal, Empresa Municipal “Funchal 500 Anos”, 2008; BOTELHO, João e VICENTE, Ramiro, Uma Viagem ao Passado pelas Unidades da Madeira. Regimento de Guarnição n.º 3, das Origens à Actualidade (1864-2008), Funchal, s.n., 2008; CABRAL, Jorge e et al., Relacam Geral das Festas que Fez a Religião da Companhia de Jesus na Prouincia de Portugal, na Canonização dos Gloriosos Sancto Ignacio de Loyola... & S. Francisco Xavier... no ano de 1622, Lisboa, Pedro Craesbeeck, 1623; CARITA, Rui, Colégio dos Jesuítas do Funchal: Memória Histórica, Funchal, Associação Académica da UMa, 2013; id., Madeira: Roteiros Republicanos, Matosinhos, QuidNovi, 2010; id., História da Madeira, 7 vols., Funchal, SRE, 1989 a 2008; id., O Colégio dos Jesuítas do Funchal, 2 vols., Funchal, SRE, 1987; CARITA, Rui et al., “O Pátio dos Estudantes do Colégio dos Jesuítas do Funchal. A Nova Entrada da Universidade da Madeira”, Funchal, Lourenço, Simões & Reis, 2001; CARITA, Rui e SAINZ-TRUEVA, José Manuel de (coord.), Funchal: Roteiro Histórico Turístico da Cidade, Funchal, CMF, 1997; COSTA, José Manuel Nunes Castanheira da e BRANCO, Maria Alexandra de Freitas, O Desafio de Decidir o Futuro. Desenho Estratégico da Universidade da Madeira para o Futuro, Aproveitando as suas Potencialidades e as Possibilidades da RAM, para que a UMa se Configure como um Autêntico Elemento Dinamizador da Madeira do Séc. XXI, Funchal, UMa, 2000; ERGMANN, Raoul, “La Collection Inédite du Bailli de Breteuil”, Connaissance des Arts, n.º 413/414, ago. 1986, pp. 70 a 75; FERNANDES, Ana Teresa Catarino Pereira, Reabilitação do Colégio dos Jesuítas do Funchal, Dissertação de Licenciatura em Arquitetura apresentada à UC, texto policopiado, 2001; FRANCO, José Eduardo, O Mito dos Jesuítas em Portugal, no Brasil e no Oriente, 2 vols., Lisboa, Gradiva, 2006; FRUTUOSO, Gaspar, Livro Segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1968; GONÇALVES, Marcos, Igreja do Colégio. Evangelização, Devoção e Património Cultural, Funchal, Igreja do Colégio dos Jesuítas, Arciprestado do Funchal, Diocese do Funchal, 2010; GUERRA, Maria Luísa, A Universidade de Évora, Mestres e Discípulos Notáveis (Séc. XVI-Séc. XVII), Évora, Universidade, 2005; LAMALLE, Edmond, “L’Archivo di un Grande Ordine Religioso. L’Archivo General della Compagnia di Gesu”, Archiva Ecclesiae, XXIV-XXV, 1981-1982, pp. 89-120; LEITE, Jerónimo Dias, História do Descobrimento da Ilha da Madeira e Discurso da Vida e Feitos dos Capitães da Dita Ilha, Coimbra, FL, 1949; NORONHA, Henrique Henriques de, Memórias Seculares e Eclesiásticas para a Composição da História da Diocese do Funchal na Ilha da Madeira, Funchal, CEHA, 1996; OLIVEIRA, Francisco Manuel de, Orações que pela feliz inauguração do Seminário da Cidade do Funchal na Ilha da Madeira Compoz e Recitou [...], Lisboa, Na Regia Officina Typografica, 1789; Ratio Atque Institutio Studiorum Societatis Jesu, Nápoles, Collegio Societatis Jésu, 1598, 1599 e seguintes; RODRIGUES, Francisco, História da Companhia de Jesus na Assistência de Portugal, 4 ts., Porto, Apostolado da Imprensa, 1931-1950; RODRIGUES, Paulo Miguel, A Política e as Questões Militares na Madeira. O Período das Guerras Napoleónicas, Funchal, CEHA, 1999; Id., A Madeira entre 1820 e 1842: Relações de Poder e Influência Britânica, Funchal, Empresa Municipal “Funchal 500 Anos”, 2008; SILVA, Fernando Augusto da, Colégio e Igreja de S. João Evangelista do Funchal: Breve Monografia Histórica, [Funchal], [Tip. Minerva], 1947; SILVA, Fernando Augusto da, e MENEZES, Carlos Azevedo de, Elucidário Madeirense, 3 vols., Funchal, SRTC, 1998; TELES, Baltasar, Chronica da Companhia de Jesu, na Provincia de Portugal [...], 2 ts., Lisboa, Paulo Craesbeeck, 1645; TELES, Baltasar e ALMEIDA, Manuel de, Historia Geral de Ethiopia a Alta, ou Preste Joam, e do que nella Obraram os Padres da Companhia de Jesus [...], Coimbra, Na officina de Manoel Dias, 1660; TOMÁS, Manuel, Insvlana de Manoel Thomas, Amberes, Em Caza de Ioam Mevrsio, 1635; TRINDADE, Ana Cristina Machado, ‘Plantar Nova Christandade’: um Desígnio Jacobeu para a Diocese do Funchal. D. Frei Manuel Coutinho, 1725-1741, Funchal, DRAC, 2012; TRINDADE, Ana Cristina Machado e TEIXEIRA, Dulce Manuela Maia R., O Auditório Eclesiástico da Diocese do Funchal. Regimento e Espólio Documental do Século XVII, Funchal, Instituto Superior de Administração e Línguas, 2003; VALLERY-RADOT, Jean e LAMALLE, Edmond, Le Recueil de Plans d’Édifices de La Compagnie de Jésus Conservé a La Bibliothèque Nationale de Paris (Suivi de L’Inventaire du Recueil de Quimper per J. V. R. et de l’Inventaire des Plans des Archives Romaines de La Compagnie, par E. L. S. J.), Rome, Institutum Historicum, 1960; VERÍSSIMO, Nelson, Relações de Poder na Sociedade Madeirense do Século XVII, Funchal, SRTC, 2000. Rui Carita (atualizado a 11.07.2016)

cemitérios

Os enterramentos dos povoadores iniciais da Madeira não devem ter ocorrido em igrejas e capelas, que ainda as não havia em condições para tal, mas talvez esta prática já se verificasse duas décadas depois, embora só haja registos que a comprovem a partir de meados do séc. XVI. A organização efetiva das freguesias deve datar apenas das últimas décadas do séc. XV, especialmente a partir da colocação de Fr. Nuno Cão (c. 1470-1530) no Funchal, quando se começou a equacionar a construção da “igreja grande” e a sua transformação em sé de diocese. A organização do futuro bispado parece ter sido discutida ao longo de 1512, com a presença do bacharel Rui Pires, o primeiro juiz de fora do Funchal, na Madeira; ela está de alguma forma patente na correspondência de D. Manuel sobre os enterramentos, datada do final desse ano, esclarecendo que a “esmola” em dinheiro das “covas em que se sepultavam” os fregueses deveria reverter para as fábricas das igrejas. O juiz de fora do Funchal teria comunicado que os vigários e capelães se apropriavam de metade do dinheiro das covas e entendiam tal como um direito, o que lhe havia suscitado dúvidas (Arquivo Histórico da Madeira, XVIII, 552-553). O assunto dos enterramentos foi logo objeto de alvará do então vigário de Tomar, D. Diogo Pinheiro (c. 1450-1525), a 5 de janeiro de 1513, um diploma dirigido a todos os vigários, capelães e curas para que o dinheiro dos enterramentos passasse a reverter por inteiro para as fábricas das igrejas. O vigário de Tomar determinou ainda que se escolhesse um “homem bom”, eleito pelos fregueses, para arrecadar esse dinheiro juntamente com um escrivão, distribuindo-o depois, por acordo com os mesmos fregueses, mas “com o parecer dos vigários e curas” de cada freguesia (ib.). A dúvida colocada pelo juiz de fora do Funchal sobre as verbas cobradas nos enterramentos envolvia a questão do pagamento do corpo da igreja, pois que sendo pago pelos fregueses, tal implicaria, em princípio, o direito de ali serem sepultados. O assunto, extensivo a todas as igrejas matrizes, foi por certo abordado com a instalação da nova igreja matriz do Funchal e a cativação de espaço para os enterramentos pelas famílias mais importantes da cidade. Henrique Henriques de Noronha (1667-1730) escreveu, a este respeito, que o rei consultou então o vigário de Tomar e “resolveu que todas pertenciam à fábrica de cada uma das tais igrejas, cujo corpo, dizia, era obrigado o povo a sustentar”, acrescentando o cronista “o que por ora não discutimos”, parecendo que não concordava com a decisão, o que também poderá justificar a utilização do eufemismo “esmola” nos documentos (NORONHA, 1997, 316). [caption id="attachment_5070" align="alignright" width="197"] Cemitério Municipal de Machico.[/caption] Este dinheiro passou a ser um dos principais suportes das fábricas das igrejas matrizes, ou seja, do conjunto de verbas que suportavam as obras de manutenção do edifício e o culto, para o que passou a haver escrituração e, na generalidade, uma comissão de fregueses, a chamada “comissão fabriqueira”, à frente da qual estava quase sempre o vigário. A dotação inicial das fábricas das igrejas da Madeira foi logo estabelecida em 1488, por D. Manuel, ainda como duque, fixando-se no valor de cinco mil réis anuais para cada igreja matriz de freguesia, verba sucessivamente ajustada ao longo dos anos seguintes e de acordo com o número de fregueses, o peso económico da mesma freguesia, etc. O assunto dos enterramentos nas igrejas surgiu mais tarde, com a ocorrência de uma epidemia na Madeira, nos inícios de 1768, devida a um surto de sarampo que afetou a cidade e os campos, matando um elevado número de pessoas. Segundo viria a explicar depois o governador João António de Sá Pereira (1719-1804), o surto ficou a dever-se, em parte, à falta de assistência médica e a maior parte dos óbitos ocorreu em crianças e pobres. Infelizmente, com a chegada do verão, os madeirenses sofreram um novo surto epidémico, então de “disenteria de sangue”, manifestamente mais grave do que o anterior e de que resultou um maior número de mortes, principalmente no campo. Pelo mesmo governador, sabemos que os sacerdotes, preocupados com a “encomendação das almas dos seus paroquianos” e esquecendo a debilidade dos enfermos, os faziam “conduzir em redes e lençóis para dentro das igrejas”, onde quase todos faleciam por falta de cuidados, de assistência médica e medicamentosa, mais fácil de conseguir nos domicílios do que nos templos. A agravar a situação terá estado ainda o consumo de inhame, base alimentar da população rural madeirense e que se crê ser contraindicado nestes casos. Calcula-se que terão morrido cerca de 2000 pessoas com esta epidemia. Nessa altura, o governador informou ter enviado para as zonas mais atingidas cirurgiões instruídos por um médico inglês radicado na ilha, juntamente com provisões e remédios, o que permitiu aos doentes “com algumas forças, escaparem”. O médico em causa, o Dr. Thomas Heberden (1703-1769), membro da Royal Society de Londres, foi largamente elogiado por João António de Sá Pereira, que referiu que o mesmo “tem feito maravilhas”. O governador oficiou ainda a todos os párocos das zonas rurais mais atingidas, ordenando a observância de rigorosas medidas com os enterramentos, proibindo-os no interior das igrejas e exigindo a desinfeção das mesmas, dos seus adros e locais contíguos. Assim, não podemos deixar de sublinhar a ação do governador José António de Sá Pereira e, principalmente, a sua carta aos párocos das freguesias rurais, a 10 de julho de 1768, sobre os enterramentos nas igrejas. Salienta-se, então, “a pouca cautela no enterramento dos corpos”, que ficavam a “corromper os ares, com infecionados vapores dos mesmos corpos”, determinando-se os enterramentos fora das igrejas. Para os enterramentos já efetuados no interior, dever-se-iam colocar novamente “os pavimentos e calcar bem a terra, abrir continuadamente as janelas, ou vidraças das portas, perfumá-la e borrifá-la de vinagre e fazer com que só fora e nos lugares bentos, se continuassem os enterros”. Além disso, acrescentou: “E quando ainda assim se não extinguir o mau cheiro, Vossa Mercê logo me avisará, para que eu mande a cal que for bastante para cobrir o dito pavimento, ou as sepulturas que precisarem” (ARM, Governo..., 526, fls. 31-32, 147-147v, 149v-151; ib., 530, fls. 41v-48; AHU, Madeira, 340-342). Saliente-se, no entanto, que o médico Thomas Heberden, que faleceu no ano seguinte, foi enterrado segundo os antigos costumes, no interior de igreja, por vontade expressa no seu testamento, em frente ao antigo altar de S. José, na sé do Funchal, por certo, por interferência da “Ilustríssima Senhora Dona” Guiomar de Vilhena (1705-1789), então juiz dessa confraria. Segundo uma carta enviada pelo comerciante Robert Bisset ao seu correspondente em Filadélfia, datada de 2 de junho de 1769, o corpo do médico inglês foi acompanhado pelos juízes camarários e pela melhor sociedade funchalense, demonstrando assim a alta estima em que era tido (RIBEIRO, 1993, 393). [caption id="attachment_5067" align="alignleft" width="300"] Ossário do Cemitério Municipal de Machico.[/caption] Parece que, ao longo do séc. XVIII, quase não se utilizou o caixão; baseamos a nossa opinião na falta de referências a artífices desta área e no facto de os registos da sé, p. ex., só possuírem referência a uma estrangeira, em 1743, a ser enterrada em caixão: “sepultura de uma inglesa, ama de Diogo Gordon, em caixão”, o que levou a uma doação de 1$000 réis (ANTT, Cabido..., liv. 10, fl. 56v). Tal suposição parece ser confirmada por Maria Ridell, em 1788, que descreve os funerais portugueses como decorrendo com o cadáver transportado em rede, sem caixão, sendo, depois de partidos os ossos, depositado numa cova na igreja, em seguida coberta com pedras. Mais tarde, segundo o autor do Traveller's Guide, de 1819, os corpos eram lançados em covas, “sem cerimónias”, cobertos de cal e sobre a sepultura era colocada uma grande laje. No entanto, no mesmo ano, o autor de An Historical Sketch, referindo, por certo, alguma cerimónia a que assistiu no novo cemitério da SCM do Funchal, construído dois anos antes no sítio das Angústias, mostra “o acompanhamento de frades e mendigos, com tochas” (apud SILVA, 1994, 160). O assunto dos enterramentos dentro das igrejas não foi ultrapassado de imediato na Madeira com as determinações de 1768, embora uma parte dos sepultamentos deva ter passado a realizar-se nos adros, pois em escavações pontuais de emergência no adro da sé do Funchal, ocorridas em meados de 2004, p. ex., quando se procedia à abertura de valas para nova cablagem elétrica, detetaram-se vários enterramentos. O primeiro cemitério da Madeira fora das áreas das igrejas e capelas foi o da SCM do Funchal (Cemitério das Angústias), projetado em 1817 pelo major Paulo Dias de Almeida (c. 1778-1832), por determinação do bispo de Meliapor, D. Fr. Joaquim de Meneses e Ataíde (1765-1828), então administrador apostólico da diocese e provedor da misericórdia; situava-se na área abaixo da antiga Qt. das Angústias, onde hoje se encontra o Prq. de Santa Catarina e foi ampliado a partir de 1836 para servir toda a freguesia da Sé e de São Pedro. Por essa data já estava levantado o cemitério da freguesia de São Roque, o primeiro iniciado mesmo antes da ampliação do das Angústias, embora tenha sido desativado pouco depois e o serviço transferido para o de São Gonçalo. Construíram-se, de seguida, o de Santa Luzia, em 1840, levantado na que veio a ser a Trav. da Saudade, onde mais tarde a CMF construiu um armazém para o serviço de camionagem (CALDEIRA, 1964, 56), e o cemitério de São Gonçalo, em 1841, no Funchal; em 1838; também já se encontrava a funcionar o do Porto Santo. Em 1840, o tenente engenheiro Tibério Augusto Blanc (c. 1810-1875) foi encarregado de vistoriar os cemitérios de Machico, Água de Pena, Santo António da Serra e Caniçal, certificando-se de que estavam de acordo com as determinações dos decretos de 21 de setembro e de 8 de outubro de 1835, vindo, no final desse ano de 1840, a vistoriar ainda um terreno em Machico, no sentido de avaliar se tinha condições para servir de cemitério àquela vila, embora a sua autorização para ser destacado para o serviço do governo civil só tivesse chegado no ano seguinte (ARM, Governo, 111, fls. 22-23v; ib., 6, fls. 3-3v). [caption id="attachment_5063" align="alignleft" width="300"] Cemitério Municipal de Machico.[/caption] O assunto dos enterramentos fora das igrejas e em cemitérios independentes, muitos dos quais depois levantados quase anexos às matrizes das freguesias, como ainda hoje se mantêm, arrastou-se pelos anos seguintes. O governador José Silvestre Ribeiro (1807-1891), p. ex., em ofícios de 19 de agosto e de 26 de outubro de 1850 para as câmaras municipais rurais, voltava a recomendar a construção de cemitérios, visto existir em muitos pontos do distrito “a prática supersticiosa de enterrar os mortos dentro dos templos” (SILVA e MENEZES, 1998, I, 266). Os cemitérios da costa norte foram mais tardios, posteriores a 22 de março de 1861, em princípio, pois é dessa data o ofício do governador civil Joaquim Pedro Quintela (1823-1882), 2.º conde de Farrobo, para o administrador do concelho de Santana, interrogando se “os enterramentos dos finados no concelho têm lugar no cemitério” (ARM, Governo..., 9, fl. 1v). Além disso, em 1862, um jornal da época referia que as freguesias de São Jorge e do Arco de São Jorge ainda não possuíam “recintos destinados à inumação dos cadáveres” (SILVA e MENEZES, 1998, I, 266). Bibliog.: manuscrita: AHU, Madeira, 340-342; ANTT, Cabido da Sé do Funchal, liv. 10; ARM, Governo Civil, 6, 9, 111 e 526; impressa: Arquivo Histórico da Madeira, vol. XVIII, Funchal, Junta Geral, 1974; CALDEIRA, Abel Marques, O Funchal no Primeiro Quartel do Século XX, 1900-1925, 3.ª ed., Funchal, Eco do Funchal, 2007; CARITA, Rui, História da Madeira, vols. 5 e 7, Funchal, SRE, 1999 e 2008; MENEZES, Sérvulo Drummond de, Collecção de Documentos Relativos à Construção da Ponte do Ribeiro Sêcco na Ilha da Madeira, Funchal, Typ. L. Vianna Junior, 1848; id., Uma Epoca Administrativa da Madeira e Porto Santo, a Contar do dia 7 de Outubro de 1846, 3 vols., Funchal, Typ. Nacional, 1849-1852; NORONHA, Henrique Henriques, Memórias Seculares e Eclesiásticas para a Composição da História da Diocese do Funchal na Ilha da Madeira, Funchal, CEHA, 1996; RIBEIRO, Jorge Martins, “Alguns Aspectos do Comércio da Madeira com a América do Norte na Segunda Metade do Século XVIII”, III Colóquio Internacional de História da Madeira. Atas, Funchal, SRTC, CEHA, 1993, pp. 389-401; SANTOS, Rui, “Um Capitão de Engenheiros”, Jornal da Madeira, 25 dez 1991 e 5 jan. 1992; SILVA, António Ribeiro Marques da, Apontamentos sobre o Quotidiano Madeirense (1750-1900), Lisboa, Caminho, 1994; SILVA, Fernando Augusto da e MENEZES, Carlos Azevedo de, Elucidário Madeirense, 3 vols., ed. fac-simile, Funchal, SRTC, 1998. Rui Carita (atualizado a 11.07.2016)

cemitério judaico

A presença dos comerciantes judaicos na Madeira só se registou na época contemporânea, assumidamente nos finais da déc. de 40 do séc. XIX, não existindo até então possibilidades políticas e religiosas para que fosse de maneira diferente (Judeus na Madeira; Judeus e limpeza de sangue). Somente com a restauração da Carta Constitucional, em 1842, houve alguma possibilidade de instalação de judeus na Madeira e, mesmo assim, com um certo recato, atendendo ao alvoroço provocado pela perseguição ao reverendo metodista Robert Reid Kalley (1809-1888), entre 1843 e 1846, a qual deve ter constituído uma referência. Desde a publicação da Constituição de 1822 que se advogava o princípio da liberdade religiosa, mantendo a Carta Constitucional esse princípio, mas também definindo o catolicismo como a religião de Estado, voltando a especificar que todas as outras religiões eram permitidas aos estrangeiros, com o seu culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, mas sem a forma exterior de templo. Tal vinha de muito antes, tendo os anglicanos cemitério próprio desde 1765 (Cemitério britânico), mas só construindo a sua igreja entre 1819 e 1820, sem “frontispício de templo”, nem “torre, nem sino, que anunciem a sua Religião”, como escreveu o governador, a 19 de agosto de 1819, quando enviou nova planta do templo para o Rio de Janeiro (ARM, Governo..., 202, fl. 123). Os primeiros elementos da comunidade judaica devem ter ido para o Funchal na sequência da vaga do turismo terapêutico; a eles se terão juntado os judeus envolvidos na série de relações económicas estabelecidas com as comunidades comerciais das principais cidades marroquinas e das ilhas atlânticas, pois uma boa parte dos mesmos era natural de Marrocos, embora circulando por Gibraltar, Lisboa e Londres. Encontrando uma cidade cosmopolita e com boas oportunidades de negócio, foram-se fixando, embora nunca tenham constituído um grupo numeroso. No entanto, uma boa parte destes comerciantes, como Jacob Abudarham (1844-1903), já nascido no Funchal, ou Willy Schnitzer (1869-1930), de origem alemã, rapidamente se notabilizaram no meio comercial, integrando as direções da Associação Comercial do Funchal. O estudo do cemitério judaico do Funchal foi realizado por Rui Santos (1921-2014) e publicado na revista Islenha, em 1992 (SANTOS, 1992). Para a leitura das inscrições e recolha de dados sobre quase todos os elementos ali sepultados, o investigador recorreu, inclusivamente, aos descendentes da comunidade judaica funchalense, grande parte já fora da ilha, e aos membros da comunidade judaica de Lisboa. Não podendo ir muito mais longe, vamos limitar-nos a seguir sumariamente as informações desse autor. Os terrenos para o cemitério foram adquiridos por Judah Allof e Isaac Esnaty (1810-1894), em 19 de dezembro de 1850, pela importância de 40$100 réis, tendo arrematado os mesmos Jacob Pallace e Elias Benaim, segundo escritura que depois Samuel Esnaty, filho de Isaac, entregou ao Comité Israelita de Lisboa, a 21 de março de 1906. O terreno havia sido penhorado por Apolónia Alexandrina Marques, viúva do capitão José Marques Lino, por recurso que lhe movera a abadessa do convento da Encarnação do Funchal, Maria Emília do Empíreo. O valor da aludida penhora era de 922$240 réis, montante muito elevado para a época, tendo a arrematação sido um bom negócio (ibid., 128-129). A localização era ideal para o cemitério, que se fixou fora da cidade, tendo como limite o Lg. da Forca, pois sendo a pena morte somente determinada por ordem régia, tinha de ser executada no exterior da cidade, embora não tenhamos qualquer informação sobre a sua realização ali no Funchal. O terreno encontrava-se ao longo do caminho do Lazareto, já na freguesia de São Gonçalo e sob a arriba do Toco. O primeiro enterramento parece só ter ocorrido entre 1850 e 1851, quando houve autorização governamental para a construção do cemitério (ibid., 128). Segundo o Elucidário Madeirense, na entrada do mesmo existia uma sugestiva inscrição em hebraico, significando, em português, “habitação da vida” (SILVA e MENEZES, 1998, I, 266). A primeira descrição que existe do cemitério judaico deve-se a Isabella de França (1795-1880), uma atenta e informada inglesa casada com o comerciante de origem madeirense José Henrique de França (1802-1886), nascido em Londres; o casal esteve na Madeira em 1853 para vender as propriedades que o morgado ainda mantinha na ilha. No seu Jornal de uma Visita à Madeira, a atenta inglesa refere que, no dia em que tinha ido à Camacha, passara ao lado de um precipício rochoso coberto de babosas e catos. Na parte mais árida do caminho, avultava “um muro alto e espesso que cerca o cemitério dos judeus”. Escreve a autora que era “o sítio do velho mundo de aparência mais triste e sombria” que jamais vira, “a própria morada da desolação”. No entanto, acrescenta que era “um monumento ao grande progresso da tolerância”, pois cinquenta anos antes não se permitia a nenhum judeu viver na ilha, quanto mais ali ser sepultado (FRANÇA, 1970, 143). A data que encima o portão é 5611, ano de 1852 da era cristã, e indica que o cemitério foi construído no governo de José Silvestre Ribeiro (Ribeiro, José Silvestre), em funções entre outubro de 1846 e novembro de 1852, mas não se conseguiu localizar, até ao momento, qualquer processo de obras referente ao mesmo na CMF ou no Governo Civil. Os cemitérios mereceram particular atenção deste governador, até por ter estado suspenso de funções na Madeira na sequência da revolta da Maria da Fonte, ocorrida nos inícios de 1846, cujos ecos, a Patuleia e a implantação de juntas governativas pelo país, chegaram à ilha apenas no final do ano. Efetivamente, a Maria da Fonte tinha tido, entre outros motivos, a proibição dos enterramentos nas igrejas. O cemitério deve ter registado cerca de 38 enterramentos, o primeiro dos quais, em princípio, entre fevereiro e março de 1854, de Reina Pariente Abudarham, mãe do comerciante José Abudarham (1807-1869), que publicou em A Ordem, em março de 1854, um agradecimento às pessoas que haviam tido “a bondade de acompanhar o funeral da sua muito presada Mãe” (apud SANTOS, 1992, 134). Regista Rui Santos que os israelitas seriam muito fechados e, nos meados do séc. XIX, por certo, temerosos e desconfiados em relação a qualquer abertura ao exterior. Pelo que, só depois de 1868, inclusivamente, apareceram inscrições em português, sendo as restantes em hebraico, como também muitas das seguintes (ibid., 133-134). O cemitério ainda registou enterramentos durante a Segunda Guerra Mundial, quando se fixou uma grande comunidade de gibraltinos no Funchal, alguns dos quais israelitas. Calcula-se que tenham sido enterrados então nove indivíduos, quatro dos quais depois transladados para Gibraltar, mas a não existência de registos dificulta outras conclusões (ibid., 136). O último enterramento registado neste cemitério foi o de Joana Abudarham da Câmara (1880-1976), viúva do tenente-coronel António Bettencourt da Câmara (1879-1927), falecida na Qt. de S. Roque. [caption id="attachment_5059" align="alignleft" width="300"] Portal do Cemitério Judaico.[/caption] Quando do trabalho de Rui Santos já o cemitério apresentava algum abandono, tendo sido o mesmo e alguns amigos, como o fotógrafo Duarte Gomes, que andaram a recolher os fragmentos das lápides sepulcrais para as fotografar e depois enviar para Lisboa para serem lidas. Uma das sepulturas já tinha sido arrastada falésia abaixo, não tendo resistido o canto sudeste do cemitério ao terramoto ocorrido a 26 de maio de 1975. Desde a sua construção que o cemitério esteve sempre a cargo de elementos da comunidade judaica do Funchal, principalmente da família Abudarham. Tendo sido D. Lisbeth Brendle, D. Vera Abudarham da Câmara Araújo e D. Isabel Vieira de Castro Câmara as últimas pessoas que possuíram a chave e zelaram pelo local. O cemitério dos judeus, face ao abalizado trabalho de Rui Santos, foi classificado, em 1993, como Património Cultural da Região Autónoma da Madeira, mas a antiga comunidade judaica, entretanto, extinguiu-se no arquipélago. Desde 2004 que ocorrem alertas na comunicação social, inclusivamente, noticiando as visitas dos sucessivos embaixadores de Israel em Lisboa, em 2006, 2008 e 2014, após as quais foram sempre anunciadas medidas para a resolução da situação a breve trecho. Todavia, ainda não foi encontrada uma solução definitiva para o caso, que passa obrigatoriamente pela exumação das sepulturas face à instabilidade da arriba. Em 2008, a CMF disponibilizou um terreno anexo ao cemitério das Angústias, em São Martinho, que ficaria murado em relação ao existente, mas, em 2012, a comunidade israelita, logicamente demarcou-se dessa solução. Bibliog.: manuscrita: ARM, Governo Civil, 202; impressa: CARITA, Rui e MELO, Luís Francisco de Sousa, Associação Comercial e Industrial do Funchal / Câmara de Comércio da Madeira. Esboço Histórico (1836-1933), Funchal, Edicarte, 2002; Agência Lusa, “Cemitério no Funchal em Ruínas Devido ao Desinteresse da Comunidade Judaica e Embaixada de Israel”, Diário de Notícias, Funchal, 3 mar. 2012; ib., “Cemitério Judaico à Espera da Embaixada de Israel”, Diário de Notícias, Funchal, 7 nov. 2012; FRANÇA, Isabella de, Jornal de Uma Visita à Madeira e a Portugal, 1853-1854, Funchal, JGDAF, 1970; SANTOS, Rui, “O Cemitério Israelita do Funchal”, Islenha, n.º 10, jan.-jun. 1992, pp. 125-164; ibid., “A Família Abudarham do Funchal”, Islenha, n.º 12, jan.-jun. 1993, pp. 106-139; SILVA, Fernando Augusto da, e MENEZES, Carlos Azevedo de, Elucidário Madeirense, 3 vols., ed. fac-simile, Funchal, SRTC. 1998; VERÍSSIMO, Nelson, “O Cemitério dos Judeus do Funchal”, Diário de Notícias. Revista, Funchal, 28 mar. 2004. Rui Carita (atualizado a 11.07.2016)