transportes
Na Madeira, o mar foi, durante mais de 500 anos, a via de contacto mais utilizada (e a mais vantajosa), estabelecendo a ponte entre o exterior e as diversas localidades, maioritariamente com assentamento ribeirinho. Em terra, as estradas e veredas estabeleciam as ligações entre os casais e as terras de Cultura que subiam as encostas. No entanto, a própria Ilha não oferecia condições à implementação de qualquer meio de transporte, pelo que a circulação de pessoas e de mercadorias na Ilha era um problema: as vias de acesso aos portos costeiros ou de comunicação interna das freguesias eram muito complicadas e difíceis, dado que as condições orográficas tornavam difícil a construção de caminhos, fazendo depender a circulação das mercadorias da capacidade de carga de homens e de animais. Tardou, assim, a definição de uma rede viária adequada às necessidades das populações e à circulação dos produtos da terra, nomeadamente dos destinados à exportação, como o açúcar e o vinho.
De facto, só na segunda metade do séc. XX, com o delineamento de um plano de estradas e com o incremento da viação motorizada, se assiste à hegemonia das vias terrestres sobre as marítimas. O processo autonómico acelerou a afirmação da rede viária, esbatendo as distâncias e aproximando o mundo rural da cidade do Funchal. Foi também nessa altura que se construíram portos e desembarcadouros em Machico, Santa Cruz, Porto Novo, Caniço, Câmara de Lobos, Ribeira Brava, Ponta do Sol, porto moniz, Calheta, Paul do Mar, Seixal, São Vicente, Ponta Delgada, São Jorge, Faial e Porto da Cruz. Em finais do séc. XIX, ocorreram mudanças significativas na navegação de cabotagem, com o aparecimento dos serviços da Casa Blandy Bros & C.º e da Empreza Funchalense de Cabotagem.
Em 1777, George Forster registava as diversas formas de transporte existentes na Madeira, valorizando a destreza dos animais: “Os cavalos são pequenos mas seguros, subindo com agilidade as muitas veredas que são os únicos meios de comunicação no campo. Não existem carruagens, mas na cidade usam uma espécie de zorra ou trenó, formado por duas pranchas juntas por travessas de madeira que forma, à frente, um ângulo agudo; são puxadas por bois e usadas para o transporte de vasilhame para o vinho e outras mercadorias pesadas, destinadas ou provenientes de armazéns” (FORSTER, 1986, 75). Na Ilha existiram também carros de bois de rodados, certamente desde o início da sua ocupação, cuja utilização, embora limitada no espaço, está documentada, sendo conhecidos como carros chiões ou carros de vacas.
Em 1813, o Gov. Luís Beltrão de Gouveia, em ofício ao conde das Galveias, referia que a falta de estradas tinha contribuído para o entorpecimento da política de relançamento agrícola e de desenvolvimento da Ilha; tornava-se premente o incremento da rede viária e a reparação das pontes e das estradas molestadas pelo único meio de transporte usado – a carroça –, financiada por meio de uma taxa imposta sobre os carreiros. No entanto, o problema não foi resolvido e a situação da rede viária perdurou, pelo que, em 1824, o Gov. D. Manuel de Portugal e Castro testemunhava, de novo, o estado miserável da viação madeirense, notando que sem estradas que comuniquem e facilitem as conduções não pode haver comércio. Em 1827, o deputado Lourenço José de moniz, num discurso na sessão de 5 de março, lamentava que “a Madeira nada tem custado ao Tesouro da metrópole, nem mesmo nas mais extraordinárias ocasiões de calamidades, como em 1803, em que uma espantosa aluvião engoliu grande número de seus habitantes, e grande parte do Funchal, e destruiu as obras de encanamento das águas, com as pontes, estradas e outras de utilidade pública, cuja reedificação há de vir a montar a alguns milhões” (VIEIRA, 2014, 31).
De facto, só no séc. XIX se nota algum interesse das autoridades pela realidade viária da Ilha. Recorde-se que, a partir de 1821, o binómio levadas-estradas é uma presença constante nos debates em torno da crise da agricultura madeirense, os quais se contam entre as páginas do Patriota Funchalense: reclamam-se obras e mais atenção à realidade madeirense (as respostas, porém, tardavam em chegar). A partir desse ano, a intervenção sobre a rede viária passa a estar a cargo da Inspeção de Agricultura e Estradas. Em 1823, José Maria da Fonseca, inspetor-geral de agricultura da Madeira, dá conta de que o segredo para o problema agrícola está na abertura de estradas convenientes e no aproveitamento das águas para o regadio (disso se ocuparam diversas autoridades). O ofício de mestre pedreiro das Obras Reais, Estradas e Caminhos, existente na Ilha, era acumulado pelo inspetor das estradas e caminhos.
Em 1824, a Câmara do Funchal diz ter pedido um empréstimo à Junta Geral, no valor de 1600$000. Em 1836, é instalada, por iniciativa do governador civil, uma comissão encarregada das estradas da Madeira, com o intuito de coordenar os esforços dos madeirenses na reparação dos caminhos existentes e na definição de uma adequada rede viária. Um tributo sobre as estufas, cuja receita foi avaliada em quatro contos, foi aplicado à construção e à reparação de estradas. As condições da Ilha exigiam a tomada destas medidas: as aluviões tornavam intransitáveis os caminhos e as capacidades económicas dos madeirenses não permitiam acudir a tantas carências.
A capacidade de intervenção da Junta Geral estava limitada por causa do seu orçamento: as únicas fontes de receita eram o imposto sobre as estufas de vinho, criado em 1806, e a contribuição anual de cinco dias de trabalho ou de 1000 réis para as obras de construção e reparo dos caminhos. A isto juntavam-se algumas dádivas particulares e o lançamento de fintas entre todos os moradores. Em reunião de 11 de agosto de 1840, a Junta Geral decidiu ampliar a obrigação da finta a todos os estrangeiros residentes na Ilha há mais de um ano. Para o efeito, uma comissão dos melhoramentos das estradas (Comissão Encarregada das Estradas e Caminhos), criada por alvará de 13 de maio de 1837, superintendia tanto as obras como o serviço braçal dos fregueses. Esta Comissão era eleita no início do biénio, tal como viria a preceituar a lei de 6 de junho de 1864. Segundo o relatório do ano de 1838, contou com uma verba de 9927$938 réis, sendo 67 % do montante proveniente do imposto sobre as estufas e o restante da contribuição de trabalho. Contudo, esta verba era insuficiente para acudir às diversas despesas envolvidas na reparação das estradas, nomeadamente em épocas de aluvião. Assim, em 1846, a dívida era superior a 3000 réis. Além disso, a partir de 1856, a Junta deixou de poder contar com o imposto das estufas, que entretanto fora extinto. Por outro lado, a Comissão quase só tinha capacidade de proceder a pequenas reparações, devendo socorrer-se de subscrições públicas para a realização de grandes obras, como a ponte do Ribeiro Seco e a estrada entre o Funchal e Câmara de Lobos.
As populações viviam isoladas e a ida ao Funchal era um acontecimento ocasional e de grande comemoração, tal como refere, em 1739, Acúrcio Garcia Ramos, que diz “de alguns camponeses nunca terem saído do vale onde nasceram”, e de outros regista “como um dia de felicidade jamais esquecido aquele em que fazem a primeira excursão à cidade do Funchal” (NEPOMUCENO, 2000, 47). Para muitos visitantes, o conhecimento da Ilha limitava-se ao Funchal, pois como afirmava, em 1869, Júlio Dinis, “passeios a pé são impraticáveis graças às pavorosas subidas que por toda a parte se encontram. A rede não é tão cómoda como parece; e os carros em rodas não podem vencer todos os caminhos” (Id., 2008, 28).
Desde o primeiro quartel do séc. XIX que os madeirenses reclamam a intervenção do Estado na Madeira no domínio das obras públicas (abertura de caminhos, levadas e canalização das ribeiras). A crise agrícola e comercial faz despertar o olhar crítico de muitos madeirenses e amplia a imagem de uma terra abandonada à sua sorte, sem ninguém que a acuda. A este propósito, convém lembrar a intervenção do deputado madeirense Manuel José Vieira em 1884: “preciso que não se pense que, quando se fala em levadas, nós, madeirenses, estamos simplesmente á espera que o governo as faça; nós temos feito muitas levadas à nossa custa, que representam centenas e até milhares de contos de réis, e para as quais não solicitamos nem um real dos governos. Não estejamos por consequência a falar de leve em levadas, parecendo que nada temos feito” (VIEIRA, 1884, 138). Recorde-se que, para o ano económico de 1884-1885, o Ministério dos Negócios das Obras Públicas, Comércio e Indústria irá reservar, para a rubrica de obras públicas, um valor de 30.000$000, de um total de despesa em portos que ascende aos 1.026.000$000 (sendo que o porto de Leixões usufrui de 55 % desse montante).
Em meados do séc. XIX, a necessidade de investimento torna-se cada vez mais premente, quer na metrópole, quer na Ilha; a solução para atender a esta necessidade passa por mais contribuições, tanto sob a forma de acrescento a impostos já instituídos (como a décima), como na modalidade de novas contribuições. A reforma tributária de 1843 já dava particular a atenção a este aspeto; de facto, durante as décs. de 40 e 50 da centúria oitocentista, o fomento das estradas passa por novas contribuições.
A década de 40 do séc. XIX foi marcada pela fome, recebendo a Ilha auxílio do exterior (é de salientar a dádiva norte-americana de milho que, depois, foi distribuído pela população como moeda de troca). Da ajuda norte-americana resultou a construção da ponte no Ribeiro do Moinho, na Ponta do Pargo, que estabeleceu a ligação entre os sítios do Pedregal e de Salão. Como memória, ficou registada numa pedra a seguinte inscrição: “Esta Pedra é de Memória Por ser oferta estrangeira / América! Tens a Glória / de Socorrer a Madeira”.
Será igualmente na déc. de 40 que o plano de obras públicas em torno da construção de pontes e estradas terá o seu arranque definitivo, mercê da intervenção do Gov. civil José Silvestre Ribeiro (1807-1891). Este governador teve um papel de destaque na valorização da Madeira nas décs. de 40 e 50. No período de 1846-1852 desenvolveu um conjunto de iniciativas em ordem à valorização socioeconómica da Ilha, com diversas obras de construção e reparação de pontes, de estradas, de edifícios e de muralhas de encanamento das ribeiras das principais vilas; reestabeleceu o velho contributo da roda de caminho (a partir de 1843, institucionalizou-se como taxa, que recaía sobre os madeirenses, em favor das obras públicas, das quais o Estado se demitiu). Efetivamente, por este tempo, os acessos ao interior da Ilha eram extremamente difíceis: qualquer povoação distava muito da cidade e as ligações, por via terrestre e mesmo marítima, eram difíceis e morosas (quando Isabella de França, casada com um aristocrata madeirense, foi à descoberta da Ilha, em 1850, ficou estupefacta com o facto de as populações se anicharem em sítios distantes do Funchal, como a Calheta, onde o marido tinha parentes e interesses fundiários).
A ponte do Ribeiro Seco, com o custo de 5799$000 réis, foi construída em 1848 com subscrições populares e com diversos apoios. As dificuldades da Ilha, nos anos de 1852 e de 1853, levaram José Silvestre Ribeiro a solicitar os apoios da comunidade de mercadores do Funchal e de entidades estrangeiras, que prontamente responderam à iniciativa e constituíram, para o efeito, a Comissão de Socorros Públicos dos Países Estrangeiros, que recolheu a quantia de 37.482$324 réis. Parte desta receita foi usada nas obras de construção da chamada estrada Monumental, que ligará o Funchal a Câmara de Lobos. Em 1854, foram distribuídos 2410$973 réis para obras das estradas Monumental, do Monte e de Palheiro Ferreiro.
Habitualmente, os governadores insistiam, nos seus relatórios, na necessidade de atenção ao sector agrícola, através do alargamento da área de regadio, com a construção de levadas e de caminhos de acesso, ou do melhoramento dos já existentes. Políticos e escribas de ocasião aproveitam as múltiplas tribunas de expressão do pensamento – sejam os jornais, seja a Câmara dos Deputados (no caso em que aí tenham assento) – para reivindicar. Em 1856, o Gov. civil António R. G. Couceiro refere que “são em grande abundância as águas que de muitos pontos da Ilha correm para o mar, sem utilidade alguma para a agricultura, ao passo que esta, por falta desse elemento indispensável, não pode desenvolver-se em grande escala, perdendo-se deste modo as grandes vantagens que oferece um terreno fértil e próprio para quase todas as culturas” (Relatórios sobre o Estado…, 1857, 379).
A partir de meados do séc. XIX, o Estado intervém, de forma direta, na definição de uma rede de transportes e comunicações, com a construção de estradas, de caminho de ferro e de portos. Desta forma, em 1852 surge o Ministério dos Negócios das Obras Públicas, Comércio e Indústria, revelador da importância deste sector na estrutura institucional, o qual começara a ser definido em 1836, com as divisões de Obras Públicas do Ministério do Reino.
Em 1868, com a reforma dos serviços do Ministério, subdividiu-se o serviço técnico das Obras Públicas em divisões de serviço, uma das quais no Funchal. Sobre estas divisões pendiam várias funções, entre as quais a fiscalização de estradas e de pontes. Na Madeira, a autonomia administrativa de 1901 transferiu estes serviços para a Junta Geral.
Com a lei de 6 de junho de 1864, os encargos com as estradas e com os caminhos de terceira ordem passaram para a administração municipal, existindo uma comissão municipal de viação que superintendia e autorizava as obras. Em 1863, havia-se elaborado um plano para a rede de estradas reais da Ilha, de que constavam duas estradas litorais e duas transversais, que estabeleciam a ligação entre as duas primeiras. Esta situação foi considerada favorável ao desenvolvimento viário da Ilha. Em 1872, a superintendência do plano de viação estaria a cargo da Repartição Distrital de Obras Públicas, que funcionava no âmbito da Junta e era coordenada por um diretor de Obras Públicas.
Em março de 1878, o Gov. civil Afonso de Castro afirmava: “Não tem o distrito caminhos de ferro, não tem estradas carroçáveis, não há aqui pontes monumentais, longos canais, soberbas construções urbanas, e, portanto, não é muito que peça, que inste por uma pequena doca no porto do Funchal, onde não há o mais pequeno melhoramento. Mas quem o ouvirá, para além dos delegados da Junta que aprovaram o seu relatório?” (VIEIRA, 2014, 501). Em 1902, a Junta Geral começou a empreender vários melhoramentos públicos. Com a implantação da República, redobra a capacidade de intervenção dos madeirenses, por intermédio do visconde da Ribeira Brava. Nesta altura, a política de apoio à construção das levadas é continuada. Para o ano económico de 1910-1911, a Madeira dispõe de 4276$540, num total de obras públicas orçamentadas no valor de 27.437$360. A Junta Geral intervém com apenas 1200$000, com a finalidade de abrir estradas de ligação entre o Funchal e Machico e São Vicente. A criação da Junta Agrícola, em 1911, foi importante na definição da política de desenvolvimento integrado do espaço rural: note-se que o art. 3.° da lei de 31 de agosto de 1915 passou para a Junta Agrícola a administração, a conservação e a reparação das levadas do Estado.
O turismo será o grande impulsionador da aposta na rede viária, não as necessidades sentidas nos sectores agrícola e industrial. De facto, o plano de estradas andará sempre ligado ao turismo, inclusivamente em termos de estrutura administrativa. Por outro lado, o desenvolvimento do transporte automóvel irá obrigar à redefinição da política de estradas e caminhos. Em 1921, surge a Administração Geral das Estradas e turismo que, em 1927, dá lugar à Junta Autónoma das Estradas (JAE) e à Direção Geral de Estradas. O madeirense Francisco Maria Henriques (1879-1942), que havia sido chefe de Gabinete de Sidónio Pais entre 1911-1912, foi vice-presidente da JAE.
A construção da já mencionada ponte do Ribeiro Seco, a partir de 1848, foi o ponto de partida para o delineamento de uma adequada rede viária que diminuísse as distâncias e que aproximasse os diversos núcleos populacionais e os espaços agrícolas do Funchal, centro administrativo e de comércio de importação e de exportação. Subsistiam, no entanto, dúvidas sobre se as estradas seriam viáveis, designadamente porque o decreto de 31 de julho de 1928, o primeiro com a assinatura de Oliveira Salazar, veio sobrecarregar a Junta Geral com novos e pesados encargos, sem os necessários meios compensadores para a sua satisfação, asfixiando-a financeiramente (através deste decreto, procedeu-se à descentralização, para a Junta, de serviços de diversos ministérios).
Além disso, do plano de construção de 936 km de estrada, apresentado em 1883, só foram realizados 10 km, nesse mesmo ano, e 166 km, no ano seguinte. As vozes em prol de um plano viário para a Madeira não esmorecem, na medida em que a qualidade da rede viária é tida como fundamental para a valorização da agricultura e para a animação do comércio. Nesse sentido, Manuel Teixeira Gomes escreve, em 1913, sobre a falta de obras públicas: “Nesta Ilha abençoada não há porto, não há estradas… e chamaremos infames aos ingleses se nos derem o que nos falta só a troco de uma substituição de bandeira?” (GOMES, 2010, 230). Além disso, vários governadores civis insistem na precariedade do sistema viário da Ilha e na necessidade do seu melhoramento; em 1856, o Gov. António R. G. Couceiro é claro, ao exprimir que “as estradas e caminhos que existem são quase todos de muito difícil trânsito, e nem um só deles permite o uso de carros nem de outros meios de transporte, sem o que a indústria prospere neste país” (Relatório sobre o Estado…, 1857, 379).
O séc. XX será o momento da aposta na rede viária, prenunciado pela chegada do primeiro automóvel ao Funchal, em 1904. O automóvel viria a ser o meio de transporte mais importante, obrigando as autoridades a um esforço redobrado para abrir novas estradas e para alargar as estradas reais e as ruas da cidade. No entanto, o desenvolvimento de uma rede de circulação viária apropriada à circulação automóvel foi muito demorado. D. João da Câmara Leme apresentou um plano revolucionário para os transportes na Ilha, baseado na ideia dos cabos aéreos de transporte.
Por decreto de 2 de setembro de 1915, foi permitido à Junta Agrícola contratar, com a Caixa Geral dos Depósitos, um empréstimo de 100.000$00 em ordem à construção de estradas e de hotéis. Através de uma sindicância feita em 1917, sabe-se que, até 1916, a Junta gastou a quantia de 97.301$93 em estudos para a realização de estradas e na sua concretização. Durante esta época, por impulso do visconde da Ribeira Brava e de Vasco Gonçalves Marques, presidente da Comissão Executiva da Junta Geral desde 1914, deu-se um impulso significativo na construção de estradas; assinalem-se os percursos Funchal-Machico, Câmara de Lobos-Ribeira Brava, e Encumeada-São Vicente (este último teve abertura oficial em 1916).
Em 1907, constitui-se a primeira empresa de transportes coletivos, a Empresa Madeirense de Automóveis. Em 1913, surge a Empresa Funchalense de Automóveis e, com ela, o agendamento de uma carreira de transporte para Câmara de Lobos. Em 1914, surge na Ribeira Brava uma companhia que estabelecia ligações regulares com o Funchal. A existência de uma estrada até Câmara de Lobos irá despertar o interesse pela exploração de carreiras regulares, para o que foi criada, em 1925, a Empresa Câmara-Lobense de Automóveis. Posteriormente, em 1933, é formada uma outra companhia de transportes, a qual virá a dar origem à transportadora Rodoeste, em 1967.
No entanto, apesar do desenvolvimento das ligações viárias, a acessibilidade à totalidade do espaço geográfico da Ilha estaria reservada para uma época posterior.
O mar, que poderia ter sido o meio mais fácil para a circulação dos madeirenses, tendo em conta a orografia da Ilha, não parecia ser senão um obstáculo. O Funchal não apresentava grandes condições de apoio à navegação. A cidade estava situada numa enseada pouco abrigada dos ventos que sopravam do quadrante sul, ficando os navios ancorados na baía constantemente sob o perigo de naufrágio (só em 1876 foram registados 10 naufrágios).
Desde 1750 que se fazia sentir a necessidade de algumas obras na baía do Funchal, no sentido de facilitar a ancoragem de embarcações, mas só em 1755 se procedeu aos primeiros estudos, ficando assente a necessidade de estabelecer um molhe acostável até ao ilhéu onde estava implantado o forte de N.a Sr.a da Conceição. Do plano estabelecido, apenas foi possível concretizar a ligação ao ilhéu onde estava o forte de S. José. Paulatinamente, este espaço da Pontinha adquiriu o estatuto de ancoradouro principal do porto, tornando-se imprescindível assegurar as ligações entre ele e a Alfândega, pelo que a Coroa ordenou, em 1782, a construção de um caminho.
A necessidade de construção de um porto de abrigo no Funchal era desde há muito sentida (sendo premente no último quartel do séc. XIX, altura da concorrência com o portos das ilhas Canárias); porque foram tardando os meios técnicos e financeiros, só na segunda metade do séc. XX é que veio a concretizar-se esse projeto, coincidindo com uma época em que a navegação aérea começava a afirmar-se (o que conduziria à paulatina desvalorização do transporte marítimo).
Na realidade, já desde o séc. XVII era insistente a preocupação com a segurança de passageiros e de embarcações na baía do Funchal; em meados do séc. XVIII, a ideia de um porto artificial de abrigo começa a ganhar importância. Nos séculos seguintes, o desenvolvimento do turismo agudizou o problema das condições portuárias.
Tendo em vista a construção deste porto de abrigo, equacionou-se a possibilidade de ligação à terra dos dois ilhéus da zona oeste da baía. Todavia, surgiu uma possibilidade alternativa de um porto de abrigo no extremo este, junto à fortaleza de S. Tiago. Em 1817, Paulo Dias de Almeida apresentou um projeto para um cais e molhe nesta área da baía, divergindo assim da ideia dominante (que defendia a construção do porto na zona oposta), devido ao impacto do entulho trazido pela ribeira de São Paulo. Para além disso, sugeria que o porto se situasse na praia Formosa ou na praia da Ribeira dos Socorridos. Mas acabaram por ser usados de forma distinta, surgindo na praia Formosa os depósitos da Shell e na Ribeira dos Socorridos os silos do grupo Cimentos Madeira (1984).
O extremo oeste da baía foi tido pelos técnicos como o local mais apropriado à construção do porto, de acordo com a ideia surgida em meados do séc. XVIII. Vão neste sentido os projetos apresentados pelos Eng.os Francisco António Raposo (1823), Henrique Lima e Cunha (1880), Mariano Augusto Machado de Faria e Maia (1884) e Adriano Trigo (1910).
As obras portuárias prosseguem a um ritmo lento; a conclusão do molhe até ao segundo ilhéu tardou muito (só em 1910 se apresentava em condições de servir de porto comercial).
Entretanto, desde 1824 que se havia apontado a necessidade de construção de um cais em frente da cidade, nas proximidades da fortaleza de S. Lourenço, mas só em 1843 a Câmara do Funchal faz uma tentativa nesse sentido, de resto mal sucedida (a construção foi destruída pelo mar), em que se gastaram 20.390$000 réis.
Além disso, o porto oceânico do Funchal, por se situar numa baía ampla, necessitava de obras que propiciassem as necessárias condições de apoio à navegação. Um dos principais problemas da Madeira, desde os inícios da sua ocupação, relacionava-se com as difíceis condições de abordagem da vertente sul, por estar sujeita, em algumas épocas do ano, aos perigosos ventos do Sul, do Leste e do Oeste. A vertente norte apresentava espaços abrigados do embate do mar e da influência dos ventos, sendo mais propícia às abordagens. Face a esta situação, houve sugestões no sentido de transferir o principal porto para a encosta norte. O conde Canavial avançou com o projeto de um porto em porto moniz, fazendo a ligação ao Funchal por cabo aéreo (em 1928, foi criada uma comissão para estudar esta proposta, de que se desconhecem os resultados).
As reivindicações dos madeirenses, no decurso dos sécs. XIX e XX, insistiram na situação anteriormente descrita, de modo a fazer sentir às autoridades a necessidade de avançar com uma solução para o porto do Funchal. João de Ornellas, reportando-se à luta entre a Madeira e as Canárias pelo domínio da navegação atlântica, diz que o vapor Sakarah, da companhia Cosmos de Hamburgo, fizera experiências de atracagem na Madeira, nas Canárias e em Cabo Verde, de modo a definir o porto de escala, recaindo a escolha em Tenerife, “porque não tem o nosso porto condições de segurança para as embarcações, nem sequer se torna fácil a comunicação com a terra”. E remata: “O porto do Funchal é de levante, arriscado. Em vez de segurança encontram os navios na estação invernosa perigos certos, naufrágios, perdas de vida e de fazenda”. Na mesma linha se insere o discurso de Manuel José Vieira à Câmara dos Deputados, a 7 de maio de 1883, em resposta ao ministro das Obras Públicas: “Em construções marítimas, portos de mar, cais ou docas o nosso estado é o mais miserável que pode imaginar-se. […] O Funchal tem apenas um surgidouro duma costa pouco desenvolvida e aberta, em grande parte inacessível, exposta a todos os ventos do Sul, Leste e Oeste, e a tudo isso acresce não ter ela um lugar onde se possa saltar, não digo já comodamente, mas sem perigo de pessoa e de fazenda” (VIEIRA, 1884, 24). Ninguém consegue entender os constantes adiamentos da obra do porto do Funchal; segundo Adolpho Loureiro, “tudo está ainda por fazer. E, contudo, parece poder afirmar-se que os encargos destas obras serão largamente remunerados, tanto pecuniariamente, como em abono do bom nome da formosa Ilha e da comunidade dos seus visitantes” (LOUREIRO, 1910, 112).
A necessidade de realizar obras na baía, no sentido de dotar o porto de um molhe de proteção e de um cais de acostagem, foi sentida desde o início do assentamento dos primeiros povoadores na encosta do Funchal, e sobretudo a partir de 1750. No entanto, durante muito tempo, a aspiração de um embarque e de um desembarque em total segurança e com comodidade não passou de um sonho que os meios técnicos disponíveis não permitiram concretizar. Designadamente durante o período áureo do comércio do açúcar, nos sécs. XV e XVI, esta deveria ser uma grande necessidade, tendo em conta os especiais cuidados a ser tidos com o produto para que não se molhasse no processo de transbordo ou de embarque (o mesmo não acontecia com o vinho, pois bastava rolar as pipas no calhau e conduzi-las a nado até às embarcações).
Durante algum tempo, a existência de um porto não pareceu tão imprescindível. Entretanto, o fenómeno turístico, acompanhado do incómodo de içar os visitantes em cadeirinhas, trasladando-os dos veleiros para os barcos de transbordo, levou a que se voltasse a insistir na necessidade de um cais e de um molhe de abrigo para os momentos de tempestade. De facto, a passagem cada vez mais frequente de personalidades pela Madeira e o volume de passageiros em trânsito na Ilha, ou tendo-a como destino, obrigavam a repensar a forma tradicional de desembarque. Daí advieram a construção do molhe e da escada da Pontinha, na segunda metade do séc. XVIII (ficando para épocas posteriores a aposta no fornecimento de maiores comodidades e a adequação do porto às necessidades da navegação atlântica, nomeadamente com o uso regular da máquina a vapor, na segunda metade de Oitocentos).
Só em 1755 se procedeu aos primeiros estudos em ordem à realização de obras na baía do Funchal, ficando assente a necessidade de estabelecer um molhe acostável até ao ilhéu onde estava implantado o forte de N.ª Sr.ª da Conceição. De acordo com a proposta do Sarg.-mor Ayres Telles de Menezes e Alencastre, a obra seria custeada pelos dinheiros usados para a fortificação da Ilha, pela taxa de ancoragem das embarcações, pelas comparticipações em dinheiro e pelas dádivas de trabalho braçal direto do povo. Do plano estabelecido, apenas foi concretizada, entre 1757 e 1762, a ligação ao ilhéu onde estava o forte de São José, de acordo com um projeto do Eng.º Francisco Tossi Columbina.
No ano de 1757, um temporal danificou esta estrutura, tornando-se imperioso realizar novas obras, para as quais só se obteve autorização em 1782, altura em que se teria estabelecido a ligação à Alfândega por meio de um caminho e de uma ponte na ribeira de São João. Esta informação, unanimemente veiculada, é todavia controversa: se dermos atenção a algumas imagens de princípios do séc. XVIII, veremos que a ligação entre o ilhéu e a terra – que, na maré baixa, se podia fazer a pé enxuto – já existia.
Paulatinamente, este espaço da Pontinha tornou-se no ancoradouro principal do porto, tornando-se imprescindível assegurar as ligações até à Alfândega, pelo que a Coroa ordenou, em 1782, a construção de um caminho, concluído só em 1895; mas a finalização do molhe até ao ilhéu atrasou significativamente a sua construção.
No contexto da evolução dos transportes marítimos, os madeirenses solicitavam remodelações portuárias, sobretudo quando confrontados com as obras dos portos das Canárias ou com a tomada de medidas por parte do Ministério das Obras Públicas, desde 1860, em ordem ao arranque das obras dos portos de Ponta Delgada e da Horta, já que a Madeira apenas tinha uma comissão nomeada ad hoc para proceder ao estudo do problema. Foi apresentada uma proposta que aliava a junção dos dois ilhéus (o da Pontinha e o ilhéu propriamente dito) a um prolongamento de 400 m. Quanto à construção, apostava-se numa concessão do direito de exploração por 99 anos, aliada a 20 anos dos direitos cobrados. Todavia, só em 1884 os madeirenses ganham alguma confiança, ao ver que o Governo destinara, para o ano económico de 1884-1885, uma verba de 30.000$000 réis para as obras do porto do Funchal.
A intervenção do Estado começara a fazer-se sentir em 1879, ano em que uma portaria de 17 de setembro determinava a realização de um estudo para a construção do cais, de que foi encarregado Henrique de Lima e Cunha. O projeto, aprovado pelo Conselho Superior de Obras Públicas e Minas a 17 de junho de 1881, só foi retomado em 1886, tendo as obras começado em 1889. A cidade ficou servida de um cais para desembarque de passageiros somente a 27 de abril de 1892, o qual foi ampliado para 80 m em 1932.
Este cais terá sido o fator determinante no desenvolvimento de uma rede costeira de navegação, juntamente com a construção, pela Junta Geral, de cais acostáveis na Ponta do Sol (1850), em Santa Cruz (1845, 1875, 1909), no ilhéu de Fora (1870), em Lazareto (1874), em Machico (1874, 1905), no Faial (1903, 1905), no porto santo (1902), em Câmara de Lobos (1876, 1903), no ilhéu de Cima (1902), em Porto da Cruz (1903), na Ponta Gorda, em São Jorge (1904), em Porto Novo (1905, 1908), na Baía de Abra (1905), na Ribeira Brava (1904-1908), no Campanário (1908), na Ponta da Oliveira e no Caniço (1909), em Ponta da Cruz e em São Jorge (1910), no porto moniz e no Seixal (1916).
O litoral oeste da baía do Funchal foi sendo cada vez mais valorizado, pois permitia o fechamento do espaço, ao ligar os dois ilhéus à terra. Todavia, o molhe tinha começado por ser uma ligação da terra somente ao ilhéu da Pontinha. Tornava-se também necessário construir a estrada de ligação à Alfândega, o que ocorreu entre 1872 e 1895 e que ascendeu ao montante de 133.744$215 réis.
Os barcos a vapor obrigaram os portos atlânticos a adaptar-se às novas exigências, caso quisessem continuar a manter ativo o movimento de embarcações. Até então, o Funchal levava vantagem sobre os demais portos, tanto pela disponibilidade como pela qualidade dos seus produtos (o açúcar, o vinho); perdia-a, agora, por falta de condições e pela imposição de dispendiosos tributos. A resposta ao problema estava na construção de um porto artificial e na desoneração dos tributos, com a criação do porto franco. As autoridades competentes demoraram a entender a necessidade de reformulação da sua política portuária neste aspeto, acabando por ceder algumas vantagens a portos concorrentes como os das Canárias. Aí rapidamente se avançou com a construção de infraestruturas portuárias e a criação de melhores condições fiscais ao movimento de embarcações e mercadorias. Em 1852, surgiu o porto franco e, em 1884, o primitivo varadouro de santelmo de 1811 foi substituído pela primeira fase do molhe de La Luz.
A partir do séc. XVIII, a Pontinha tornou-se num espaço privilegiado da cidade. Ali se acorria em romaria para ver o mar, nomeadamente para observar o efeito das ondas alterosas (foi este espetáculo que presenciou Isabella de França, em 1853). Para além disso, a Pontinha era o local em que as mulheres se dedicavam à pesca nas tardes do mês de julho. Muitos estrangeiros aplaudiram o novo jardim na Est. da Pontinha, à Pç. da Rainha, que funcionava como um autêntico cartão de visita da cidade.
O primeiro projeto relativo a um cais no porto do Funchal foi materializado no ilhéu de São José em meados do séc. XVIII. O cônsul francês fala da construção de um cais em 1750; em 1755, iniciam-se os trabalhos de ligação do litoral ao ilhéu. Em 1766, constrói-se uma escada de madeira para o desembarque, que ainda existia em 1817, mas que teve pouca utilidade, uma vez que a Câmara teve que mandar construir outra por ocasião do desembarque da princesa Carolina leopoldina da Áustria.
A dificuldade de comunicação entre este local da Pontinha e o centro da cidade devia-se à falta de uma estrada que cobrisse a distância que os separava, urgindo encontrar outro local para o cais. Acabou por se construir a chamada estrada da Pontinha, cuja utilização não era permanente. Assim, o molhe da Pontinha seria utilizado só na impossibilidade de sê-lo o cais do Funchal. De facto, fala-se, desde 1823, da necessidade de um novo cais para a cidade, a construir na área próxima da fortaleza de Santiago ou na praça da Rainha. Com este propósito, o Brig. António Raposo faz alguns estudos na zona baixa da praia de Santiago; a conceção do projeto é de Paulo Dias de Almeida, tenente-coronel do Real Corpo de Engenheiros. No entanto, porque o mar destruiu o trabalho realizado, a Câmara do Funchal decidiu, a 22 de abril de 1843, avançar com a obra noutro local, próximo da fortaleza de S. Lourenço. As obras do cais foram então projetadas pelo Ten.-Cor. Manuel José Júlio Guerra (que, em 1847, com a insurreição da Maria da Fonte na Madeira, assumiu a chefia da Junta); com o fim da revolta, teria de regressar ao continente e as obras ficariam por acabar. Já em 1846 o mar tinha voltado a destruir parte significativa do trabalho realizado, pelo que se gastaram 5220$248 réis sem qualquer proveito – deste primitivo cais fala-nos Isabella de França, referindo que dele apenas existiam alguns vestígios e que o processo de desembarque havia retornado ao sistema antigo (na praia ou, então, pelo cais do ilhéu da Pontinha).
O movimento de passageiros, nomeadamente de personalidades ilustres da aristocracia europeia, não se compadecia das condições do porto do Funchal, sendo o Gov. José Silvestre Ribeiro obrigado a improvisar um cais de passageiros na Pontinha para acolher a Rainha de Inglaterra e o príncipe Alexandre dos Países Baixos, sendo esse o único ponto de embarque e desembarque existente na cidade do Funchal e em toda a costa da Ilha. Este foi o primeiro cais de desembarque da Ilha e é também considerado o primeiro de Portugal (em 1850, o cais ficou mais seguro, ao ser talhado na rocha). Foi nele que, em 1852, o Gov. civil José Silvestre Ribeiro acolheu a Imperatriz do Brasil D. M.ª Amélia e a sua filha doente.
Sabe-se que, em 1867, se projetavam um novo cais na Pontinha e a ligação por estrada à Alfândega, avaliados em 48.623$360 réis; o orçamento da Junta Geral para o ano económico de 1875-1876 previa uma despesa de 3080$00 com o referido cais. Por portaria do Governo de 17 de setembro de 1879, encarregou-se o oficial de artilharia Henrique de Lima e Cunha de preparar um novo projeto de cais e molhe para a Pontinha, bem como a estrada de ligação entre o porto e a Alfândega, com o custo total de 142.000$00 réis. O projeto foi apresentado em 1881, mas só em 1886 se avançaram com as alterações ao projeto inicial pelo Eng.º José Bernardo Lopes de Andrade (pelo que a receção a Capelo e Ivens, em 1885, não seria feita nas melhores condições se a Câmara não tivesse improvisado um cais de madeira); a obra não chegaria a ser adjudicada, por falta de licitantes.
Em 1888, o Eng.º Lima e Cunha apresentou um novo projeto que, depois de posto a concurso, foi adjudicado a 18 de janeiro de 1889 aos engenheiros franceses Combemale, Michelon e Maurie pelo valor de 87.000$000 réis. A obra realizada encontrava-se, em 1891, em estado de ruína, pois o muro fora desmoronado pelo temporal de fevereiro de 1890, acabando por ser completamente destruída por um segundo temporal, em 28 de fevereiro de 1892, sendo necessário novo projeto, desta vez do Eng.º João Henrique von Hage. A obra iniciou-se em 1895 e custou 15.044$000 réis. Ficava, assim, concluída a segunda fase do porto de abrigo do Funchal, tendo sido as obras terminadas pelo engenheiro suíço René Masset, com o custo total de 539.759$815 réis. Contudo, em 1909 o molhe encontrava-se em mau estado, sendo urgente proceder a novas reparações. O cais da Pontinha continuou a ser usado no desembarque, quando as condições do mar não propiciassem o uso do cais localizado defronte da cidade. Não obstante ter sido sempre considerado um cais muito mau, foi aqui que desembarcaram ilustres personalidades, como a Imperatriz Zita, em 1921, Gago Coutinho e Sacadura Cabral e o Presidente da República António José de Almeida, em 1922, para além das anteriormente referidas.
Já a 27 de abril de 1892 o Funchal ficara finalmente servido de um cais, cifrando-se a despesa total da obra em 92.005$515 réis. Este cais tornou-se rapidamente na “porta de entrada” da cidade, no local onde se acolhiam, à sua chegada, as grandes personalidades (por aqui passou, designadamente, o Rei D. Carlos em 1901).
Várias vozes – de visitantes e mesmo das próprias autoridades locais – testemunham a situação de falta de atenção prestada à Madeira no domínio das obras públicas. Em 1939, o Gov. José Nosolini, num relatório sobre a situação da Ilha enviado ao ministro do Interior, dava conta do abandono a que a Madeira estava sujeita; assim, constatava que, até dezembro de 1936, o Estado gastara 943.369 contos em estradas no continente e, na Madeira, nada. O dec. 28.592, de 14 de abril de 1938, estabelecera um plano de construção de estradas até 1949, no valor 44.000 contos, de acordo com o qual o Estado assumiria 75 % do financiamento. O governador apontava o dedo ao Estado, acusando-o de favorecer outras regiões em detrimento da Madeira, e dava o exemplo dos portos: o Estado apoiara, através de empréstimos, as obras dos portos de Viana do Castelo, de Aveiro, de Setúbal, do Douro e de Leixões, enquanto todas as obras realizadas no porto do Funchal haviam sido custeadas pela Junta.
Em meados do séc. XX, estava muito por fazer quanto à rede viária e eram necessários investimentos para que a Ilha se desenvolvesse neste aspeto. O incremento do plano viário da Ilha foi um processo muito moroso, dificultado pela orografia, sendo que as estradas foram construídas com elevadas despesas para a Junta Geral. De facto, a Junta dispunha, desde 1928, da receita dos impostos sobre as transações e sobre a aplicação de capitais, consignada à construção e à reforma de estradas. Em 1938, foi definido um plano de construção de estradas pelo período de 11 anos, com o custo de 44.000 contos, competindo ao Governo o financiamento de 75 % e o restante à Junta, para o que a Junta solicitou um empréstimo no valor de 3750 contos; esta proporção manteve-se em 1967, ano em que a participação do Estado foi de 33.750 contos e a da Junta Geral de 11.250 contos. É de referir o papel de Abel Rodrigues da Silva Vieira (1898-1972), responsável pelo departamento de obras públicas da Junta Geral, na definição deste plano viário do Estado Novo.
Ao longo deste século, tudo o que se relacionava com a expansão da rede viária foi sendo motivo ora de reivindicação, ora de comemoração. A construção das estradas (com a definição do seu traçado sinuoso), das pontes e de alguns túneis (poucos) implicou um redobrado esforço da engenharia e da capacidade humana, assim como um dispêndio avultado de verbas. No final do séc. XX, a tecnologia alivia o esforço humano e possibilita a substituição da terraplanagem por viadutos, pontes e túneis; deste modo, encurtam-se os trajetos, que anteriormente se faziam pelo rendilhado das encostas, e permite-se uma circulação mais rápida e mais eficaz, o que resulta na aproximação dos diversos núcleos populacionais; como consequência, o recurso às vias terrestres ultrapassa o recurso às vias marítimas.
A rede viária na déc. de 30 era já bastante razoável e tornava-se motivo de elogios, contrastando notoriamente com a realidade da centúria anterior. Alguns visitantes reconhecem o labor da Junta Geral: “vamos olhando as terras da Junta Geral e vendo o cuidado com que são tratadas as estradas madeirenses, limpas, calcetadas, sem poeira, debruadas por flores tenras que dentro de anos as emoldurarão ricamente” (MONTÊS, 1938, 190). E dizem ainda: “preparámo-nos para desembarcar no Funchal, capital dum arquipélago feliz, que tem esplêndidas estradas, sem poeira, construídas em terreno dificílimo, que são frequentemente verdadeiras obras de arte […] com a eletrificação rural mais adiantada do país, […] além de possuir já um ótimo porto de mar, com o abastecimento dos combustíveis líquidos à navegação e uma rede hoteleira das mais modernas e confortáveis. Finalmente tem em porto santo um aeródromo de categoria internacional, e vai dispor, dentro em breve, na própria ilha da Madeira, da pista de Santa Catarina. Por todos estes melhoramentos, que a administração nacional realizou e por todas aquelas excelências que Deus Nosso Senhor lhe deu, a ilha da Madeira poderia considerar-se entre as mais felizes das suas congéneres” (COUTINHO, 1962, 183).
Esta obra de engenharia, que demorou a ganhar expressão em toda a Ilha, não se fez à custa dos apoios do Governo central, que eram insuficientes, mas resultou antes da integração de Portugal na então Comunidade Económica Europeia, no seio da qual foi estabelecida, de forma definitiva, uma situação particular para a política de desenvolvimento local, a qual contemplaria elevados investimentos nas redes viária, portuária e aeroportuária.
A Comissão Administrativa da Junta Geral, presidida por João Figueira de Freitas, apostou no desenvolvimento da rede de estradas da Madeira. Para isso, solicitou ao Governo Nacional autorização para contrair um empréstimo de 15.000 contos. Em janeiro de 1931, para atenuar a grave crise de trabalho por que passava a Madeira, pediu ao presidente do Ministério e aos três ministros do Interior, do Comércio e das Finanças que aprovassem de imediato a adjudicação da empreitada das obras do cais do Funchal. A estas, seguiram-se outras obras. O Governo enviou à Madeira uma comissão técnica que estudou e estabeleceu um plano para a construção das novas estradas e para a conclusão de outras, concedendo à Junta Geral um empréstimo de 33.000 contos; esta colocou, dos seus cofres, mais 11.000 contos, perfazendo, assim, 44.000 contos, com que concluiu as ditas estradas. Em 14 de abril de 1938, é publicado o decreto-lei n.º 28.592, que estabelecia o novo plano complementar da rede de estradas da Madeira, o qual previa o período de 10 anos para conclusão das obras. No plano das construções, o Governo deu seguimento à realização do plano complementar da rede de estradas da Madeira, para o que foi necessário o montante de 78.000 contos, assumindo o Estado 75 % e a Junta Geral 25 % do valor total. Em 1955, a Junta conseguiu do Governo um reforço desse plano, com uma verba de 50.000 contos. Foi sob a alçada do Governo que se construíram as estradas Ribeira da Janela-Seixal e Boaventura-Arco de S. Jorge (com o respetivo túnel, denominado túnel Eng.º Duarte Pacheco), a ponte da Ribeira da Janela, e as estradas de acesso ao curral das Freiras e ao Pico do Areeiro.
No séc. XXI, a Madeira apresenta-se diferente: graças aos meios financeiros propiciados pela União Europeia, abriram-se estradas e vias rápidas, acabando-se com as barreiras orográficas, aparentemente inultrapassáveis. Além disso, a construção de portos, cais e embarcadouros, iniciada em épocas anteriores, acabou por garantir condições de circulação de pessoas e produtos, mecanismo eficaz de animação da agricultura e do mercado, estimulado pela existência de condições de apoio à navegação livre de taxas tributárias no porto do Funchal.
Alberto Vieira
Emanuel Janes
(atualizado a 05.01.2017)
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