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igrejas neopentecostais

As igrejas neopentecostais resultam de um desdobramento da tradição pentecostal encetada no início do séc. XX. Trata-se de manifestações cristãs contemporâneas que creem na atualidade dos dons do Espírito Santo concedidos aos apóstolos no Pentecostes e, em consequência disso, proclamam a restauração ou renovação da experiência carismática. Porém, não raramente são percecionadas como igrejas pós-pentecostais (SIEPIERSKI, 1997) isi-pentecostais ou pseudo-pentecostais (CAVALCANTI, 2008). Não se pretendendo neste âmbito discutir e definir os conceitos e as fronteiras diferenciadoras das «gerações» e teologias pentecostais, a designação «igrejas neopentecostais» pretende tão-só nomear uma «nova via» do cristianismo pentecostal. Neste sentido, lembramos aqui, sumariamente, as origens, as semelhanças e algumas divergências que geraram roturas com os grupos predecessores. O movimento pentecostal começou por surgir entre as comunidades metodistas americanas do chamado «movimento de santidade», que proclamava a regeneração e o despertamento dos crentes. Em 1906, na cidade de Los Angeles, pelo testemunho de um pequeno grupo acerca do batismo no Espírito Santo mediante a experiência da glossolalia (prática de falar línguas desconhecidas e estranhas), o movimento prosperou, expandiu-se mundialmente e foi popularizado pelo Avivamento da Rua Azusa (SYNAN, 2009). No entanto, alguns também vêm nele um protesto contra o racionalismo moderno, a formalidade e a apatia espiritual das igrejas históricas (REIS, 2006). Do mesmo modo, as novas comunidades pentecostais emergem de um processo de avivamento espiritual onde, em resposta ao menor fervor dos pioneiros pentecostais, o apelo, tanto à renovação e aprofundamento da experiência carismática (HINN, 1990), como ao uso do poder que existe em proferir a Palavra de Deus (HAGIN, 2000), assume um lugar privilegiado. Concomitantemente às congéneres pentecostais, as igrejas neopentecostais caracterizam-se por uma forte ênfase na celebração do Pentecostes. Além da proclamação da experiência dos apóstolos descrita no livro dos Atos dos Apóstolos, estas igrejas creem que este evento e as profecias contidas nos livros de Isaías e de Joel e do testemunho de João Batista nos Evangelhos cumprem-se em nossos dias. Se, por um lado, partilham a matriz cristã protestante na contestação do papel da autoridade doutrinal da Tradição na Igreja Católica, da infabilidade papal e do dogma mariano. Em contrapartida, o seu pentecostalismo não deixa de ser entendido como uma adaptação à cosmovisão do cristianismo católico mediante “uma sacramentalidade de substituição, cheia de atos rituais e simbólicos” (SANTOS, 2000, 54). As igrejas neopentecostais também herdam das igrejas pentecostais uma interpretação comum da atualidade da ação do Espirito Santo (pneumatologia) traduzida em experiências de línguas, profecias, visões e sonhos. Em contraponto, esta relação individual tem sido contestada, tanto pelo perigo das orientações extra bíblicas (VIEIRA, 1995), como pelo facto de a Bíblia deixar de ser a única regra de fé e prática. Todavia, embora doutrinariamente estejam mais próximas do cristianismo pentecostal no que respeita à relação direta e pessoal do crente com Deus, em matéria eclesiástica, e ao contrário do regime de governo congregacional (não hierárquico) típico dos pentecostais, a forma de organização neopentecostal está mais próxima do governo episcopal (hierárquico). Um outro aspeto de diferenciação a sublinhar é o facto de as igrejas neopentecostais serem frequentemente conhecidas pelas ênfases na doutrina da prosperidade (HAGIN, 2001; TADEU 2008) e nas práticas de exorcismo e cura exorcistas e taumatúrgicas (TADEU, 2001; Id., 2014). Para além da discussão doutrinária, o neopentecostalismo trata de entender a fé como uma atitude positiva que visa responder aos dilemas do sofrimento humano, nomeadamente a pobreza e a doença. Em consequência do fluxo de imigração sentido na Madeira desde o final do séc. XX, nomeadamente de origem brasileira, assistiu-se à profusão de novas comunidades cristãs carismáticas. Entre as igrejas neopentecostais estabelecidas na Região identificámos, não necessariamente por ordem cronológica, a Igreja Universal do Reino de Deus, a Igreja Mundial do Poder de Deus, a Igreja Evangélica Assembleia de Deus Pentecostal, a Igreja Comunidade Evangélica da Ilha da Madeira, a Igreja Cristãos do Evangelho Pleno, a Igreja Nova Apostólica, a Congregação Cristã e ainda comunidades de carácter nacional tais como a Igreja Maná, a Catedral de Vida e a Associação Cristã do Renovo (inicialmente fundada na ilha da Madeira sob a designação Igreja Zoe). Tendo em conta a escassez de fontes de arquivo e historiográficas, bem como a ausência de uma instituição ou entidade agregadora e representativa, cremos que o número de comunidades existentes possa ser substancialmente superior às 11 supracitadas. É ainda de referir que o crescimento numérico das comunidades neopentecostais caracteriza-se por ser rápido mas irregular. Embora possamos aferir um número significativo de igrejas e a facilidade com que são fundadas novas comunidades a partir da fragmentação de outras, verifica-se, por outro lado, a falta de consistência de alguns grupos que rapidamente se dissolvem. Todavia, trata-se de um desfecho que não pode deixar de ser compreendido à luz da partida de muitos imigrantes brasileiros devido à escassez de trabalho na ilha e da abertura de novas comunidades similares e consequente «transferência» de membros. Apesar da realidade neopentecostal insular revelar uma pluralidade de igrejas várias e distintas, essa multiplicidade caracteriza-se pela recorrência a um tema comum: a afirmação da sua identidade e a legitimação da sua experiência cristã num dos dogmas fundadores do paleocristianismo, o Pentecostes. Como sublinhámos, pese embora as dificuldades impostas pela escassez de fontes para a elaboração de uma reflexão que substancie as várias realidades enumeradas, sublinhamos a necessidade de futuras investigações que terão de suplantar este desafio metodológico. Bibliog.: CAVALCANTI, R., «Pseudo-Pentecostais: Nem Evangélicos, Nem Protestantes», Revista Ultimato, n.º 314, set.-out. 2008 [ed. online: http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/314/pseudo-pentecostais-nem-evangelicos-nem-protestantes]; HAGIN, Kenneth E.,  A Palavra de Deus, um Remédio Infalível, Rio de Janeiro, Graça Editorial, 2000; Id., Chaves Bíblicas para a Prosperidade Financeira, Rio de Janeiro, Graça Editorial, 2001; Id., A Autoridade do Crente, Rio de Janeiro, Graça Editorial, 2002; HINN, Benny, Bom dia Espírito Santo, São Paulo, Bompastor, 1990; SANTOS, Luís Aguiar, «O Protestantismo em Portugal (Sécs. XIX-XX): Linhas de Força da sua História e Historiografia», Lusitânia Sacra, Lisboa, Centro de Estudos de História Religiosa – Universidade Católica Portuguesa, 2.ª Série, n.º 12, 2000, pp. 37-64; SIEPIERSKI, Paulo, «Pós-Pentecostalismo e Política no Brasil», Estudos Teológicos, vol. 37, 1997, pp. 47-61; SYNAN, V.,  O Século do Espirito Santo, São Paulo, Editora Vida, 2009; REIS, Luís, «1.º Centenário do Movimento Pentecostal Moderno», Novas de Alegria, n.º 759, abr. 2006, pp 32-33; TADEU, Jorge, Cura Divina: Como Receber e Manter, Lisboa, Publicações Maná, 2001; Id., Acerca de Finanças, Lisboa, Publicações Maná, 2008; Id., Como Lutar Contra o Diabo, Lisboa, Publicações Maná, 2014; VIEIRA, Jaime Torres, O Mito da Saúde e Prosperidade, Lisboa, NIFRA, 1995. Simão Daniel Cristóvão Fonseca (atualizado a 27.11.2015)

igrejas britânicas

A presença de comunidades estrangeiras organizadas e reconhecidas pelos poderes públicos está identificada em Portugal desde a Idade Média, sendo que o problema da sua liberdade religiosa só se colocou depois da separação entre católicos e protestantes, na sequência da Reforma do séc. XVI. De entre essas comunidades, as de súbditos britânicos eram as mais numerosas desde a Idade Moderna, dada a sua maior relevância económica, sendo também as que maior influência cultural e religiosa tiveram em Portugal. A possibilidade de os Britânicos não católicos residentes em Portugal usufruírem de liberdade de culto doméstico parece remontar, pelo menos, à Paz de 1604 entre a monarquia hispânica e as potências protestantes do norte da Europa. As garantias então concedidas não permitiam cultos públicos, e muito menos o proselitismo, e também não evitaram a ação do Santo Ofício contra Britânicos e outros estrangeiros não católicos acusados de desrespeito ao culto ou às doutrinas católicas. Na sequência da Restauração da Independência (1640) e da Paz de Vestefália (1648), estabeleceram-se tratados de amizade entre Portugal e Inglaterra em 1642 e 1656, que asseguravam, numa base de reciprocidade, a liberdade de consciência aos Ingleses anglicanos e aos protestantes residentes no território português, ou nele em trânsito, e o direito à posse de Bíblias (no caso do segundo tratado). A presença de capelães foi inicialmente restringida às comitivas de embaixadores, mas foi sendo aceite na segunda metade do séc. XVII, mesmo quando em Lisboa só residiam os cônsules. Este facto explica que no Porto, junto do respetivo consulado, existissem também capelães anglicanos desde 1671, embora a sua presença em ambas as cidades não fosse contínua antes de 1693, no caso de Lisboa, e 1709, no caso do Porto, devido tanto a vicissitudes internas às comunidades britânicas como a conflitos com o Santo Ofício. Na Madeira, o primeiro cônsul britânico foi nomeado em 1658, sendo provável que a ocorrência de serviços religiosos e a presença de capelães ocasionais remonte a essa época. Na segunda metade do séc. XVIII, sobretudo depois da sua desvinculação a Roma e neutralização operadas pelos estatutos de 1774, o tribunal português do Santo Ofício deixou de ser o poderoso elemento de pressão e vigilância sobre a vida religiosa dos estrangeiros, que até condicionava a ação da coroa na negociação dos privilégios a conceder às comunidades radicadas no reino com as outras cortes. Assim, aquando das Invasões Francesas (1807-1811) e do tratado luso-britânico de 1810 (celebrado no Rio de Janeiro), havia já mais de um século de presença de capelanias anglicanas em Portugal e de proteção legal da liberdade de consciência e de culto dos súbditos britânicos não católicos (incluindo já os escoceses, após o Ato de União de 1707) e algumas décadas de distensão entre a sociedade católica portuguesa e as comunidades não católicas de estrangeiros residentes. Foi nesse contexto que a edificação e consagração de cemitérios e de edifícios dedicados ao culto (capelas e igrejas) se puderam estabelecer e consolidar, aceleradas pela presença militar britânica em Portugal no contexto da Guerra Peninsular, para não mais voltarem a ser postas em causa. A única ocasião em que a autonomia das igrejas britânicas veio a ser posta em causa no ordenamento jurídico-político português foi aquando da publicação da Lei de Separação do Estado das Igrejas, de 20 de abril de 1911, sendo intenção do governo revolucionário então estabelecido de a estender às capelanias estrangeiras; a exigência, nomeadamente do Governo britânico (sob o que este fazia depender o reconhecimento do novo regime republicano), de um regresso ao status quo ante das garantias asseguradas no tempo da Monarquia acabou por ser aceite, isentando as capelanias estrangeiras do disposto na lei. Aliás, todo este acquis de tolerância, estabelecido na sua forma completa sob a regência do futuro D. João VI – e que se tornou então também extensível aos Judeus –, virá a ser consagrado constitucionalmente na Carta outorgada por D. Pedro IV em 1826. Esta, no seu art. 6.º, garantia aos estrangeiros, não só o culto doméstico da respetiva religião, mas também o culto “particular, em casas para isso destinadas”, isto é em templos próprios. Os cultos, anteriormente realizados nas instalações da embaixada e dos consulados ou nas casas particulares de alguns residentes, puderam passar a realizar-se em templos construídos para o efeito, a partir do período da Guerra Peninsular – em Lisboa, o edifício já em uso pelos Britânicos, em 1815, foi substituído por outro edificado de raiz em 1822 e, no Porto, uma igreja foi inaugurada em 1818 e ampliada em 1867 (altura em que a comunidade de Lisboa construiu o atual edifício da Igreja de São Jorge). Outro aspeto importante da vida religiosa das comunidades estrangeiras não católicas prendia-se com o enterro dos seus mortos e a maior ou menor dignidade que lhes era permitido colocar nesses atos. Até ao séc. XVIII, o enterro de residentes não católicos fazia-se em terrenos não consagrados ou em areias junto ao curso de rios, sendo por vezes os corpos deitados ao mar, como ocorria na Madeira. O primeiro cemitério britânico foi permitido em Lisboa só no fim do primeiro quartel de setecentos, tendo o primeiro funeral sido realizado em 1724; no Porto, só em 1787 se estabeleceu um cemitério britânico. Ambos os cemitérios passaram a receber protestantes de outras nacionalidades. Na Madeira, foi estabelecido um primeiro cemitério em 1767, no Funchal, e, dada a presença militar britânica entre 1807 e 1814, foi criado em 1808, junto a ele, um segundo cemitério, inicialmente militar e várias vezes ampliado, que passou também a receber civis e para o qual foram trasladadas as sepulturas do primeiro cemitério, desativado em 1890. Em 1808 foi também decidido, numa reunião do cônsul com a comunidade, a construção de uma igreja, que o tratado de 1810 veio facilitar. O terreno adquirido para esse efeito na rua do Quebra Costas era próximo dos cemitérios e o projeto foi entregue ao escocês Henry Veitch, cônsul-geral desde 1813 e arquiteto amador. A igreja só foi inaugurada em março de 1822 e o seu estilo neoclássico puro deveu-se mais aos gostos da época do que a qualquer intenção de lhe retirar a aparência de templo. A presença dos militares britânicos na Madeira fez-se acompanhar de um capelão anglicano, o Rev. W. G. Cautley, que chegou a ser convidado pela comunidade local e pelo cônsul a permanecer na Ilha após a retirada das tropas aliadas. Era a comunidade britânica de comerciantes e seus familiares que assegurava a remuneração do capelão e a manutenção do cemitério, tal como acontecia em geral nas comunidades britânicas semelhantes espalhadas pelo Mundo, que tinham um nível notável de auto-organização e autossustentação. Embora um regulamento interno da Igreja da Inglaterra, de 1633, concedesse ao bispo de Londres jurisdição eclesiástica sobre as comunidades anglicanas no estrangeiro, o elevado grau de autonomia económica das comunidades, a ligação direta aos cônsules e embaixadores (dependentes do Governo através do Ministério dos Negócios Estrangeiros) e a diversidade de sensibilidades religiosas representadas entre os Britânicos expatriados levava-os a tomar em mãos a sua organização religiosa e a provisão dos capelães. A liturgia seguida era a do Book of Common Prayer da Igreja Anglicana, uma vez que a maioria dos expatriados pertencia à igreja de Estado inglesa, mas o governo eclesiástico da comunidade era na prática congregacional (independente) e a tendência teológica e pastoral notoriamente de cunho evangélico ou protestante (low church, dentro do anglicanismo), de forma a incluir mais facilmente, quer Ingleses não conformistas, quer os próprios presbiterianos escoceses. O diferendo do cônsul-geral Veitch com o Rev. Henry Leeves, capelão entre 1815 e 1817, sobre assuntos relativos à vida eclesiástica, demonstra o quanto a liderança pertencia aos principais comerciantes e ao cônsul, que entendiam o papel do capelão como pouco mais do que o de um funcionário encarregado da liturgia. A mesma atitude existiu em relação a tentativas de interferência de bispos anglicanos na vida da capelania (casos dos bispos de Barbados e de Calcutá), o que explica que a jurisdição do bispo de Londres também não fosse tida em grande consideração, mesmo antes da lei dos consulados aprovada pelo Parlamento britânico em 1825; esta lei limitou um pouco a autonomia das comunidades de expatriados na administração das capelanias, pois a nomeação e demissão do capelão passou a caber, depois de indicação do bispo de Londres, ao Governo, que, em nome do soberano, enviaria um subsídio anual para pagar metade do salário do ministro (a outra metade seria assegurada pela comunidade). As opções quanto ao governo da capelania deveriam ser tomadas numa reunião anual de todos os contribuintes da comunidade (que pagavam 40 libras de inscrição e 3 anualmente) dirigida pelo cônsul-geral, na qual seriam eleitos os três membros que, juntamente com o capelão, administrariam a igreja ao longo do ano. Estas medidas foram aplicadas na Madeira a partir de 1831 e, dois anos depois, após a resignação do Rev. W. W. Deacon, foi nomeado um novo capelão, o Rev. R. T. Lowe. No entanto, a partir de 1836, estalou um conflito entre o novo capelão e o cônsul-geral que iria durar décadas e dividir a comunidade britânica da Madeira. Lowe tinha uma posição high church, mais ritualista, e tendia a agir com um protagonismo que Veitch e outros membros da comunidade não estavam dispostos a aceitar. Um dos assuntos que causou polémica foi a recusa de Lowe em celebrar casamentos no consulado, escudando-se, para tanto, na lei inglesa dos casamentos (aliás revogada em 1836), mas contradizendo os hábitos da comunidade. Invocando alegadas falhas no comportamento moral do cônsul-geral (que, por outro lado, se opunha ferozmente às pretensões proselitistas do capelão), Lowe conseguiu que o bispo de Londres apoiasse a sua posição e o Governo britânico acabaria por suspender Veitch do seu cargo, que passou para George Stoddart. No entanto, anos depois, as práticas litúrgicas do capelão haviam de tal modo instalado um ritualismo estranho aos membros da comunidade residente na Madeira (embora fossem do agrado de alguns visitantes) que, na reunião anual de 1847, foi votada uma petição do cônsul à rainha Vitória para a substituição do capelão. Tendo o Governo acedido ao pedido da maioria da comunidade e à nomeação de um novo capelão, o Rev. T. K. Brown, criou-se tanto um conflito com o bispo de Londres (que não aceitava a substituição) como uma divisão entre os anglicanos da Ilha, pois Lowe manteve-se na Madeira e abriu a chamada “capela do beco”, para onde o seguiram algumas dezenas de fiéis. Com o regresso de Lowe a Inglaterra em março de 1852 (embora voltasse à Madeira meia dúzia de vezes), a capela deixou de ser reconhecida pelo bispo de Londres e acabou por encerrar os serviços regulares, fechando definitivamente em 1892. Por motivos a que não fora alheio o pastorado de Lowe, vários residentes abandonaram a capelania anglicana para se juntarem à capelania escocesa, que iniciara os seus serviços religiosos na Ilha em 1840. De facto, desde 1838, um ministro presbiteriano, Mr. Barrie, passara a oficiar serviços numa ampla sala alugada na travessa do Surdo para aqueles (sobretudo escoceses e também alguns ingleses) que, como ele, não aceitavam as opções litúrgicas de Lowe. Desde 1840, a nova igreja ligara-se ao presbiterianismo escocês, assumindo-se como nova capelania e registando, dois anos depois, no auge da sua vida como congregação, 72 membros comungantes. Em 1843, este grupo decidiu aderir à Igreja Livre da Escócia (que se separara da Igreja da Escócia), o que denota a sua forte identidade evangélica, impossibilitando qualquer acesso a subsídios oficiais e levando alguns escoceses (como o ex-cônsul Veitch) a afastar-se. Reunidos os fundos necessários, em 1857, a igreja presbiteriana da Madeira decidiu construir um templo de raiz, para o que adquiriu um terreno no Funchal, na rua do Conselheiro. Inaugurada na primavera de 1861, a igreja pôde ser construída com forma exterior de templo apesar de visível da via pública. Esta data, no entanto, coincidiu com o declínio da congregação, uma vez que a crise no comércio vinícola levou a um êxodo de residentes britânicos, fazendo o número de comungantes cair para pouco mais de 40. Em 1862, o capelão resignou, alegando a quebra de membros e a baixa remuneração, havendo um hiato de nove anos até que novo capelão fosse nomeado (Rev. Alexander Paterson). Nesse período, um português chamado Manuel Melim ficara encarregado de acompanhar os convertidos portugueses reunidos nesta igreja. Esta presença de nativos denota uma diferença fundamental entre as duas capelanias: enquanto a anglicana evitara promover e envolver-se em ações de proselitismo (com a preocupação explícita de não ofender as autoridades católicas locais), a presbiteriana (sobretudo depois da sua ligação à Igreja Livre) arriscou fazer um trabalho missionário junto dos Portugueses no período imediatamente posterior à perseguição de que foram alvo os convertidos do Dr. Robert R. Kalley, alguns dos quais permaneceram na Ilha. Aliás, o trabalho de Kalley começara de forma independente e a Igreja Livre aceitara associar-se-lhe depois de iniciado e expandido sem o seu auxílio; é, no entanto, indubitável que entre os membros desta igreja na Madeira existia uma predisposição para o proselitismo que explica o auxílio aos convertidos remanescentes de Kalley após 1846. Por contraste, pode notar-se numa petição enviada pela capelania anglicana ao Foreign Office em agosto de 1861 a preocupação oposta. Tendo o Rev. T. K. Brown sido nomeado para Lisboa, os residentes reunidos pediam a Londres, “unanimemente”, um pastor que evitasse “ofender os preconceitos da comunidade católica romana deste país” (NEWELL, 1973, 30-31). Alguns anos depois, esta posição, que caracterizou sempre a igreja anglicana da Madeira, estava em claro contraste com o que se passava em Lisboa após 1864, com a chegada do capelão Thomas G. P. Pope. Tal como os seus homólogos presbiterianos de Lisboa e do Funchal, Pope apostou no proselitismo e promoveu um projeto eclesial (neste caso, de feição episcopal) completamente virado para os Portugueses. Pastoreando a igreja escocesa, mas valorizando o trabalho evangélico junto dos madeirenses, o Rev. Paterson permaneceu 33 anos na Madeira. Após o interregno que sucedeu a sua demissão, a igreja presbiteriana passou a cooperar, por volta de 1913, com uma missão norte-americana, desenvolvendo um trabalho cada vez mais voltado para os naturais da Ilha. Mantiveram-se serviços mensais em inglês para o número cada vez mais reduzido de Britânicos residentes e para visitantes, mas o próprio Scottish Colonial Comittee (órgão missionário da Igreja da Escócia, a que se reuniu a Igreja Livre em 1929) reconheceu, em 1950, que a sua ajuda à manutenção do pastor se devia à obra missionária em prol dos Portugueses. Em 1952, esta igreja, já só nominalmente escocesa, foi incorporada na recém-formada Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal. Em 1954, com a morte do último ministro escocês residente, o Rev. J. Calderwood, grande parte dos membros escoceses da igreja passou para a capelania anglicana. Assim, a capelania escocesa, tornada missão herdeira do trabalho de Kalley, naturalizou-se progressivamente até ao ponto de se tornar igreja portuguesa e ser absorvida por um projeto eclesial mais amplo, de projeção nacional. Esta evolução contrastou com a da capelania escocesa de Lisboa, associada desde o início à Igreja Livre da Escócia em 1866. O capelão Robert Stewart acolheu um grupo de fiéis de língua portuguesa, mas Britânicos e Portugueses mantiveram cultos separados até que, mais tarde, condicionados pelas restrições impostas pela Lei de Separação de 1911, as duas comunidades seguiram caminhos distintos. Quanto à capelania anglicana, ocorrera em 1873 uma mudança importante: o anúncio da revogação pelo Parlamento britânico da ajuda do Governo ao pagamento dos capelães (com efeito a partir de 1875), que passava a ser novamente da integral responsabilidade das comunidades. A mudança foi bem acolhida pelos membros da comunidade da Madeira, uma vez que lhes devolvia a autonomia plena na gestão financeira da capelania e do cemitério. De acordo com a nova legislação aprovada em Westminster, constituiu-se então o Church of England Chapel and British Cemeteries Trust for Madeira, com uma direção constituída por três membros eleitos anualmente, que acumulavam a função de gestores dos assuntos administrativos da capelania. O estatuto legal do Trust foi aprovado, no lado português, por decreto de 18 de janeiro de 1876. O novo regulamento foi assinado por George H. Hayward, presidente, e por John B. Blandy, Chris Donaldson e Leland C. Cossart. O capelão passava a ser escolhido por um período determinado e o presidente do Trust (ou Establishment) deveria ser o bispo anglicano que exercesse autoridade espiritual sobre a Madeira. Desde 1875, coube ao bispo de Gibraltar essa incumbência, transferida em 1886 para o bispo de Serra Leoa (para facilitar as visitas episcopais); em 1932, esta Diocese foi dividida e a Madeira ficou na parte norte, a nova diocese do Norte de África; em 1949, a Madeira regressou à diocese de Gibraltar. A velha capelania anglicana deixou, tal como as suas congéneres do continente, de ser igreja consular para se tornar igreja da comunidade de crentes residentes na Madeira, espiritualmente dependente de uma Diocese da Igreja da Inglaterra ou da Comunhão Anglicana, embora com autonomia administrativa e de escolha do capelão. Desde então, foi adotada a denominação de Igreja da Santa e Indivisível Trindade. Esta organização manteve-se, com pequenas alterações, nos tempos subsequentes. Em 25 de maio de 1926, a qualidade de membro e eleitor das reuniões anuais foi alargada a todos os membros residentes contribuintes com pelo menos um guinéu (1,05 libra) por ano, o que denota o enfraquecimento económico da comunidade e a diminuição de membros empenhados na vida da igreja na Madeira. Nos começos do séc. XXI, a igreja recebia sobretudo turistas em trânsito pela Madeira (nem todos Britânicos), variando a assistência nos cultos dominicais entre 70 e 150 pessoas ao longo do ano. Apesar da diminuição da comunidade de anglicanos residentes (cerca de 700 em 1822, 185 em 1931 e 70 em 2015), a igreja manteve médias de assistência ao culto superiores à da sua congénere lisboeta. Bibliog.: GREGORY, Desmond, The Beneficent Usurpers: A History of the British in Madeira, Londres, Associated University Presses, 1989; HAMPTON, John D. [revisto por Rev. E. N. Staines], History of the Lisbon Chaplaincy, S.l., [Capelania Anglicana de São Jorge, Lisboa], 1989; MATOS, Luís Salgado de, A Separação do Estado e da Igreja: Concórdia e Conflito entre a Primeira República e o Catolicismo, Alfragide, D. Quixote, 2010; NEWELL, H. A., The English Church In Madeira, Now The Church of the Holy And Undivided Trinity: A History, Oxford, The University Press, 1931 (reed. 1973); ORDERS, D’Arcy, St. Andrew’s Presbyterian Church, Lisbon, Portugal, Founded 1866: A History, Parede, St. Andrew’s Church, 1990; PINNINGTON, John E., “Anglican Chaplaincies in Post-Napoleonic Europe: A Strange Variation on the Pax Britannica”, Church History, vol. 39, n.º 3, set. 1970, pp. 327-344; RIBEIRO, Jorge Martins, “O Anglicanismo em Portugal do Século XVII ao XIX”, in RAMOS, Luís A. de Oliveira et al. (org.), Estudos em Homenagem a João Francisco Marques, Porto, Faculdade de Letras, 2001, pp. 339-353; SANTOS, Luís Aguiar, “A Primeira Geração da Igreja Lusitana Católica Apostólica Evangélica (1876-1902)”, Lusitania Sacra, 2.ª série, n.º 8, 1996-1997, pp. 299-360. Luís Aguiar Santos (atualizado a 04.02.2017)

igreja anglicana

[caption id="attachment_3421" align="alignleft" width="178"] Armas da Igreja Inglesa da Madeira[/caption] A ideia de levantar um templo anglicano devia datar dos finais do séc. XVII, a avaliar pelas queixas do reverendo John Ovington (1653-1731), na sua “Voyage to Surrat in the year 1689”, que a igreja católica perseguia os protestantes (ARAGÃO, 1982, 205), mas o isolamento da comunidade dos comerciantes britânicos e o pormenor de muito poucos acabarem os seus dias na ilha, foi adiando o assunto. Com o aumento da comunidade ao longo do séc. XVIII o assunto teria voltado a equacionar-se, mas não foi além de conseguirem adquirir um terreno para a construção do seu cemitério  e, o que é mais interessante, através do padre José Joaquim Teixeira, do Estreito de Câmara de Lobos (ARM, CMF, T11, 113-122v.). Com as ocupações inglesas, especialmente a de 1808 a 1814, tendo as forças militares permanecido no Funchal todos aqueles anos e, nos últimos, com forças de veteranos e com as respetivas famílias, o assunto voltou à ordem do dia. As forças britânicas foram aquarteladas no antigo edifício do colégio dos jesuítas e no convento da Encarnação, vindo a celebrar ali os seus serviços religiosos e que, tendo entretanto a soberania sobre a Madeira sido devolvida à coroa portuguesa, houve que legalizar a situação. Foi nessa sequência que a comunidade anglicana voltou a solicitar a construção de uma igreja específica para as suas celebrações, apresentando em 1813 uma proposta, cujo “risco” seguiu para o Rio de Janeiro em abril desse ano, “para ser aprovada pelo nosso Adorado Soberano”, como refere o governador (ARM, GC, 516, 79 e 198, 91; AHU, Madeira, 12405-12408). [caption id="attachment_3397" align="alignright" width="300"] Igreja Inglesa[/caption] A feitoria inglesa já adquirira um terreno à Rua da Bela Vista em 1810, às freiras de Santa Clara, por 5.435 dólares (SILVA e MENESES, II, 1998, 136) e ainda haveria de adquirir mais uma parcela, então por 840, pelo que a autorização da corte no Brasil, datada de 20 de junho desse ano, para a “construção do edifício para a Nação Britânica fazer os seus ritos” foi quase imediata, censurando-se, inclusivamente que tal “já deveria ter sido outorgado, não se devendo ter colocado os entraves que se colocaram”. Em outro ofício da mesma data, a corte do Rio de Janeiro, enquanto se não fizesse a citada construção, autorizava a concessão do coro de baixo do convento da Encarnação para os Ingleses fazerem os seus ritos “como o falecido bispo já autorizara” (ARM, 200, 5-6) e, pelos vistos já deveria ocorrer desde que ali estavam. Também na mesma data, o então bispo vigário apostólico, D. Fr. Joaquim de Meneses e Ataíde (1765-1828) autorizava que os ingleses celebrassem o seu culto na igreja do Colégio (AHU, ib., 12420-1247), o que igualmente, por certo já acontecia. Devem ter surgido dificuldades várias com a construção e, em 19 de agosto de 1819, o governador Sebastião Xavier Botelho (1768-1840) logo nos primeiros dias do seu governo enviava para o Rio de Janeiro novamente outra planta da igreja anglicana, informando que já se encontrava em construção. Acrescenta o governador que o “frontispício não é de templo” como se usa no rito católico e não tem torre, nem sino, que anunciem a sua Religião. Mandei tirar a planta que envio” (ARM, 200, 5-6), embora não conste em nenhum arquivo português, ao que saibamos, qualquer planta. A primeira pedra teria assim sido lançada em 1819, constando na tradição que nas fundações foram lançadas as moedas de ouro que o ex-imperador Napoleão Bonaparte enviara da nau "Northumberland", como retribuição, a 23 de agosto de 1815, ao cônsul britânico Henry Gordon Veitch (1782-1857), pela oferta de livros, frutas e de uma pipa de vinho. O edifício encontrava-se pronto, em linhas gerais, em março de 1822, data da primeira missa ali celebrada. Contribuíram depois para a construção para além do cônsul Henry Veitch, o rei Jorge III, o duque de Wellington, lord Nelson, duque de Bedford e depois ainda o rei Leopoldo I da Bélgica. O edifício levantado, depois sagrado como igreja da Santíssima Trindade, “The Holy and Undivided Trinity”, apresenta planta quadrada, centralizada, coberta por telhado de 4 águas de telha de canudo e zimbório, ligeiramente avançado para oeste, assente em tambor, rasgado por 8 janelas em meia laranja, com grade envidraçada em forma de leque e cobertura em "folha-de-flandres", de domo bastante abatido. As fachadas são rebocadas e percorridas por embasamento pintado a vermelho, rematadas por friso denteado, cornija pintada de vermelho, interrompida regularmente por gárgulas em carrancas, e platibanda com friso superior também pintado a vermelho. A fachada principal apresenta 3 corpos, com o corpo central em galilé, acedida por 3 degraus de cantaria cinzenta, suportada por pilastras laterais e duplas colunas jónicas, com arquitrave também em cantaria do Porto Santo. Trata-se assim do primeiro edifício perfeito e assumidamente neoclássico levantado na ilha da Madeira. Segundo escreveu o cônsul Veitch, o aspeto exterior do templo, mais parecendo uma biblioteca ou uma câmara, foi devido ao conselho de um dos advogados do Funchal, no sentido de não ferir suscetibilidades à população católica. Também segundo o mesmo, o desenho da igreja foi feito pelo próprio, inspirando-se no templo do Santo Sepulcro de Jerusalém, o que não resiste a qualquer análise, pois ninguém sabe como era o mítico de Jerusalém. Trata-se de um projeto, por certo enviado de Inglaterra, da autoria de um arquiteto da época e que foi seguido à risca no Funchal, pois pelos edifícios dirigidos pelo cônsul Henry Veitch: quer o da Quinta do Calaça, hoje sede do Clube Naval, da quinta do Jardim da Serra ou quer o da sua última residência, hoje sede do Instituto do Vinho da Madeira, o cônsul não tinha conhecimentos de arquitetura para o que ali foi construído. A primeira representação iconográfica que conhecemos é do pintor William Samuel Pitt Springett (1818-1870) (ìPitt-Springett), editada em 1843 e dedicada à irmã, Geo Stoddart, esposa do então cônsul britânico (PITT-SPRINGETT, 1843, XVI), que se limita a informar que era então padre da mesma o reverendo Richard Thomas Lowe (1802-1874), depois um dos mais célebres naturalistas do seu tempo. O reverendo Lowe seria afastado pouco tempo depois da igreja anglicana, em 1848, envolvido num cisma relacionado com uma certa aproximação ao culto católico e de que faz eco a atenta inglesa Isabella de França, sendo substituído pelo reverendo Thomas Kenworth Brown e montando então os seus serviços religiosos no Beco dos Aranhas, no célebre solar de D. Mécia (Arquitetura senhorial). Isabella de França refere mesmo ter assistido a um funeral a sair da capela do Beco dos Aranhas, em que o reverendo anglicano, “de sobrepeliz branca e barrete como o dos católicos, ia adiante do caixão numa espécie de passo de dança, e levava um livro com uma cruz grande e dourada na capa, que ele ostensivamente exibia, segurando-o com ambas as mãos junto do peito”. Refere ainda a escritora que nessa ocasião estava com ela e o marido um “cavalheiro português educado em Inglaterra”, que exclamara: “Ora aí têm uma paródia ao papismo” (FRANÇA, 1970, 60-61). O interior da igreja terá passado por várias campanhas de obras, mas que não devem ter alterado especialmente o projeto inicial, onde o vão central foi dotado de uma galeria, assente em 16 pilastras, embebidas na parede e colunas jónicas pintadas a marmoreado muito suave, que transforma o espaço quadrangular em circular, ressalvando a capela-mor, com duplo arco de volta perfeita, ladeada por púlpito em madeira e atril de águia. A cobertura é em cúpula apoiada sobre trompas de ângulo, com tambor com trabalhos de estuque, pintura a marmoreado e moldura dos vãos em denteados. A cúpula é pintada em "tromp l'oeil", com flores inseridas em molduras geométricas, que lhe conferem grande profundidade e, ao centro, símbolo da Santíssima Trindade, como “o olho de Deus”, “que tudo vê”, igualmente um símbolo maçónico. As paredes encontram-se pintadas com palmeiras sobre fundo dourado, neorrenascentista, que pensamos já datar dos finais do séc. XIX, dentro do ao gosto pré-rafaelista. A igreja encontra-se assim decorada dentro da austeridade anglicana, preenchida por bancos corridos com pequeno apontamento de talha para o corredor central e dotada de uma importante coleção de pequenas almofadas de ajoelhar bordadas. As paredes apresentam-se preenchidas com várias lápides e placas evocativas da passagem pelo templo de vários dignatários anglicanos. Também na entrada existe uma listagem dos presbíteros anglicanos que passaram pela Madeira desde a ocupação inglesa dos inícios do Séc. 19, em 2 quadros negros colocados sobre as portas laterais da galilé. A igreja tem sido alvo de inúmeras doações e aquisições, como devem ser o caso das 3 belas cadeiras ao gosto "Queen Anne", com espaldar de couro lavrado com as armas da família Ornelas e Vasconcelos, por certo adquiridas na década de 50 do séc. XX, quando do leilão de parte do espólio desta família e onde igualmente o governo civil adquiriu diverso mobiliário (Palácio e fortaleza de S. Lourenço). A 8 de novembro de 1939, por exemplo, George Walter ofereceu à igreja um órgão executado em Borwicks, Londres, em 1889, por encomenda do seu pai Michael Grabham (1866-1938 ). Em 1974, também foi oferecido à igreja pelo marido e pelo irmão o piano de Mrs. Gwendoline Rae Short, organista do templo, falecida a 17 de novembro desse ano. O parque arbóreo que rodei a igreja anglicana da Santíssima Trindade é de grande qualidade (VIEIRA e PESSOA, 1966 e 1984, nº 92) e tem merecido um muito especial cuidado, aliás patente na colocação de uma placa de homenagem à entrada, "to the glory of God", ao jardineiro João de Almada, M.B.E., responsável pelo cemitério e igreja desde 1949 e falecido a 6 de julho de 1997. Nos inícios do séc. XX fez-se reformulação da casa do presbítero e, em 1973, foi ali inaugurado um busto da rainha D. Filipa de Lancastre (1373-1415), mandado executar a pedido da comunidade britânica local para comemorar o sexto centenário da Aliança Luso-Britânica (1373-1973), escultura do mestre Pedro Augusto Franco dos Anjos Teixeira (1908-1997) (VERÍSSIMO e SAINZ-TRUEVA, 1996, 28). Bibliog. manuscritos: Arquivo Histórico Ultramarino, Madeira e Porto, 12405-12408 e 12420-1247; Arquivo Regional da Madeira, Governo Civil, 198, 200 e 516; Câmara Municipal do Funchal, Registo Geral, tomo 11; impressa: ARAGÃO, António, A Madeira vista por Estrangeiros (coord. e notas), Funchal, DRAC, 1982; CANNE, Ellen e Florence du, The Flowers and Gardens of Madeira, Londres, 1904 e 1909; CARITA, Rui, História da Madeira, 7.º vol., O longo século XIX (1834-1910), Funchal, SREC e Universidade da Madeira, projeto CHRONOS, 2008; CARITA, Rui e TRUEVA-SAINZ, José Manuel de, Roteiro Histórico e Cultural da Cidade, Funchal, 1997; FRANÇA, Isabella de, Jornal de uma visita à Madeira e a Portugal, 1853-1854, com notas de Cabral do Nascimento e João dos Santos Simões, Funchal, Junta Geral do Distrito, 1970; NEWELL, Lieut.-coronel Herbert Andrews, The English Church in Madeira now The Churck of The Holy and Undivided Trinity, Oxford, University Press, 1931; OVINGTON, John, Voyage to Surrat in the year 1689, Londres, Jacb Tonson, 1696; SILVA, Padre Fernando Augusto da e MENESES, Carlos Azevedo de, Elucidário Madeirense, 4ª ed., vol. II, Funchal, SREC, 1978; PITT-SPRINGETT, William Samuel, Reccollection of Madeira, Dedicated to Mrs. Geo Stoddart, litografias de Thomas Picken, Londres (1843); VIEIRA, Rui e PESSOA, Fernando, Inquérito aos espaços verdes e exemplares botânicos notáveis do Funchal, Nov. 1966 e 1984 ( nº 92 ); VERÍSSIMO, Nelson e SAINZ-TRUEVA, José Manuel de, Inventário das Esculturas da Região Autónoma da Madeira, Funchal, DRAC, 1996, p. 28; Rui Carita (atualizado a 23.09.2015)

igreja adventista

A primeira presença registada de um adventista na Madeira é a de Warren E. Howell (1869-1943), que visita a ilha em agosto de 1922 com a intenção explícita de desenvolver ação missionária nesta parte do território português. Howell era na época secretário, o que equivalia ao principal responsável do Departamento de Educação da Conferência Geral dos Adventistas. Antes disso, porém, tinha desenvolvido trabalho missionário no Havai e na Grécia. Embora não haja evidências de que, durante a sua curta estadia no arquipélago, Howell tenha anunciado a “mensagem adventista”, a verdade é que esta experiência não deixaria de ter seguimento anos mais tarde. O movimento adventista devidamente estruturado em torno de uma doutrina sistematizada e de organização própria havia surgido menos de um século antes, nos Estados Unidos da América, datando de maio de 1863 a constituição da Conferência Geral dos Adventistas do Sétimo Dia. Todavia, tanto no continente americano como no europeu, era já de há algumas décadas a preocupação de alguns cristãos pelo estudo da Bíblia com uma forte ênfase em temas relacionados com a profecia bíblica, particularmente com base nos textos dos livros bíblicos de Daniel (Antigo Testamento) e do Apocalipse (Novo Testamento). Assente nos princípios comummente partilhados pela ortodoxia cristã expressa no credo niceno e historicamente enraizada na tradição protestante (evidenciada pela presença de batistas, metodistas e membros de outras igrejas nos grupos precursores deste movimento), a Igreja Adventista desenvolveu alguns distintivos como a guarda do sábado, a doutrina do santuário celeste, a não imortalidade da alma, o aniquilamento dos ímpios e, entre outros, a importância da temperança, com grande ênfase em questões de saúde e alimentares. Ellen G. White (1827-1915) viria a ser considerada pelos adventistas como profetisa e é certamente a personalidade que maior influência teve na formulação da doutrina deste movimento, através dos seus muitos escritos que ainda hoje continuam a ser minuciosamente estudados. Numa das suas mais conhecidas obras, White não só faz uma abordagem histórica do cristianismo, como apresenta o que garante ser a solução para o género humano, com base no texto bíblico. No território continental português a Igreja Adventista estava implantada desde 1905, por ação do pastor norte-americano Clarence E. Rentfro (1877-1951), que permaneceria em Portugal entre 1904 e 1917. Tal como na maior parte dos ramos do protestantismo português, a expansão territorial dos primórdios do adventismo português deu-se muito mais por razões conjunturais do que pelo delineamento de uma estratégia planeada e criteriosamente executada. Não havendo uma estrutura de apoio no terreno, a já referida visita de Howell à Madeira em 1922 não teve sequência imediata, mas o apelo que deixou e materializou na imprensa adventista da época acabou por ter impacto num “filho da terra”, o madeirense Joaquim Gomes da Silva (1868-1957), da comunidade portuguesa de Honolulu, onde Howell tinha antes exercido a sua missão. A viagem de Gomes da Silva à Madeira em 1929 seria efetivamente o lastro para o trabalho que até hoje a Igreja Adventista desenvolve no arquipélago. O trabalho de Gomes da Silva consistiu fundamentalmente no estabelecimento de contactos pessoais, estudos bíblicos, bem como distribuição de folhetos e livros, que explicitavam as doutrinas fundamentais do adventismo. É de referir que esta ação metódica, apesar da contestação que gerou em meios ainda não completamente adaptados à pluralidade religiosa, suscitou interesse tanto de católicos como também de alguns membros de igrejas protestantes que, mesmo tendo pouca expressão numérica, tinham forte implantação na ilha desde meados do séc. XIX. [caption id="attachment_7027" align="aligncenter" width="1920"] Joaquim Gomes da Silva, natural da Madeira, emigrado no Havai; visitou a sua terra natal em 1925 e 1946 Fonte: Arautos de Boas Novas, de Ernesto Ferreira, p. 324.[/caption] Após o regresso de Joaquim Gomes da Silva, o acompanhamento aos convertidos adventistas na Madeira fica confiado ao trabalho episódico de Jerónimo Falcão e Julio Miñán, até à chegada, logo no princípio de 1931, do primeiro missionário que passaria a residir no Funchal com a sua família, o pastor Ernest P. Mansell (1889-1974), cuja adaptação não foi muito difícil, uma vez que já conhecia a língua devido ao seu trabalho missionário anterior no Brasil. Apesar da curta permanência da família Mansell na Madeira (em 1934 já estavam de saída para iniciar a ação missionária adventista nos Açores), foi durante esta época que se estruturou a Igreja Adventista na Madeira. Assim, a 29 de julho de 1932 foram efetuados os primeiros batismos adventistas e no dia seguinte foi formalmente organizada a igreja. É de salientar que os batismos da Igreja Adventista são realizados por imersão e aplicados apenas a pessoas adultas, como é prática de muitas das denominações protestantes. Um outro aspeto digno de nota é que nesta primeira cerimónia batismal dos adventistas na Madeira foram imersas 12 mulheres e apenas dois homens, o que representa um aspeto muito característico da prática religiosa em Portugal. [caption id="attachment_7033" align="aligncenter" width="1240"] Os 14 membros batizados no primeiro serviço batismal realizado na Madeira pela Igreja Adventista, em 1932. Na foto estão também o casal Mansell e Neumann. Fonte: Arautos de Boas Novas, de Ernesto Ferreira, p. 327[/caption] Só 10 anos depois da chegada de Ernest P. Mansell à Madeira é que a designada Missão da Madeira (cuja primeira direção foi constituída a 18 de maio de 1934) passou a ter um presidente português, o pastor Alberto F. Raposo, que permaneceu no arquipélago apenas por dois anos. Desde então passaram pela Madeira mais de 20 pastores, permanecendo cada um em média por três ou quatro anos. Ao longo dos anos, nem sempre foi fácil enviar pessoas com a vocação e as competências necessárias para o exercício da liderança eclesiástica das diferentes comunidades, particularmente quando, a partir do final dos anos 30 do séc. XX, a Igreja Adventista nacional assumiu também o desafio de providenciar liderança às congregações que se iam formando nas então colónias de África. Para além disso, os adventistas foram neste período alvo de forte contestação tanto por parte da igreja hegemónica como mesmo por parte das igrejas protestantes já estabelecidas na ilha, que os chegaram a acusar na sua imprensa de “anti-católicos” mas também de “anti-protestantes” (QUEIRÓS, 1936, 2). Por razões estratégicas, foi decidido dissolver a Missão da Madeira no final de 1971, a qual tinha sido criada 37 anos antes para supervisionar as comunidades que se fossem formando no arquipélago. A partir daí as igrejas adventistas da Madeira e seus locais de pregação passaram a depender diretamente da União Portuguesa dos Adventistas do Sétimo Dia. É de salientar que a Igreja Adventista adota uma estrutura eclesiástica congregacionalista, em que cada grupo local dispõe de um corpo de liderança própria, mas em que as estruturas nacionais, continentais e internacionais têm também grande influência na gestão e estratégia das igrejas. O crescimento numérico da comunidade adventista na Madeira tem sido lento mas consistente, existindo no final de 2013 um total de 370 membros registados em toda a Região, não só na igreja do Funchal e dos seus grupos integrantes, Machico e Porto Santo, como também na igreja do Caniço. Quando Mansell deixou a ilha em 1934 havia cerca de 40 membros adventistas batizados, mas em 1945 já eram mais de 100. Nesta época o incremento no número de membros era considerado superior às expetativas, embora se assinalassem alguns obstáculos a um crescimento mais expressivo, nomeadamente “a emigração, a morte, a apostasia” (GOMES, 1950, 4). De facto, a expansão do trabalho adventista para outras partes do arquipélago também contribuiu para este crescimento. No final dos anos 40 do séc. XX registam-se as primeiras experiências missionárias adventistas fora do Funchal, “tendo sido aberta uma sala de reuniões na vila de Santa Cruz e um início no Caniço” (RIBEIRO, 1949, 5). O trabalho adventista em Santa Cruz viria a ser deslocalizado para o Machico em 1952 e a igreja no Caniço só viria a ser formalmente organizada em 1969 (FERREIRA, 2008, 701). Na ilha do Porto Santo foi iniciada uma comunidade adventista em 1980, que tem crescido de forma paulatina. [caption id="attachment_7030" align="aligncenter" width="1520"] Membros da Igreja Adventista do Funchal em 1941 Fonte: Arautos de Boas Novas, de Ernesto Ferreira, p. 331[/caption] Uma das preocupações mais evidentes no desenvolvimento do trabalho adventista em qualquer lugar em que seja exercida a sua atividade missionária é a construção ou adaptação de infraestruturas, para apoio não só das atividades inerentes à prática religiosa como também de serviço à comunidade em que os seus grupos estão inseridos. No entanto, o contexto político, religioso e mesmo social que se vivia então em Portugal não era muito favorável a uma grande exposição pública de expressões de fé que não coincidissem com a prática religiosa maioritária. Apesar de o dispositivo constitucional que impedia a prática religiosa diferente da católica romana a nacionais e a construção de edifícios com “forma exterior de Templo”, segundo o artigo 6.º da Carta Constitucional de 1826, há muito ter sido abolida, a verdade é que as práticas administrativas dos representantes do Estado não se tinham alterado assim tanto. A Igreja Adventista na Madeira foi também vítima desta expressão de intolerância religiosa por diversas vezes. Não só foi negada a possibilidade de o edifício adquirido em 1940 ter uma fachada de templo confinante com o espaço público, como tais instalações viriam mesmo a ser expropriadas em 1953 pela Junta Geral da Madeira. Depois de obras de adaptação de um edifício já existente na rua Conde Carvalhal, no Funchal, a comunidade transferiu-se para este espaço a 2 de julho de 1955. No Caniço, a comunidade local construiu o seu próprio templo, que foi inaugurado a 24 de maio de 1969. Também no Machico e em Porto Santo as comunidades adventistas começaram a usar espaços destinados ao culto religioso e restantes atividades. A preocupação pela educação e assistência social são muito evidentes na ação dos adventistas um pouco por todo o mundo. Não é pois de estranhar que, para além da missionação e dos atos inerentes à manifestação da fé, os adventistas na Madeira tenham procurado desde muito cedo atender a outro tipo de necessidades. Logo em 1936 começou a funcionar a escola primária adventista do Funchal, tendo como primeira professora Capitolina Brazão. Teria, todavia, que esperar até 1949 para que lhe fosse outorgado alvará, equiparando-a assim ao ensino oficial. No diploma era referido que o funcionamento da escola era permitido, não podendo ter mais de “trinta e duas alunas”, de onde se conclui que nesta época se lecionava apenas a meninas (FERREIRA, 2008, 483). No entanto, a frequência média cifrou-se nos 16 estudantes (Revista Adventista, nov. 1949, 11). No início da segunda metade do século passado, a Igreja Adventista considerava, pois, dar um bom contributo na formação das crianças madeirenses, e a escola era tida como fulcral para o crescimento da comunidade no Funchal. O funcionamento da escola foi interrompido durante um largo período que vai de 1954 a 1981, ano em que o ensino foi retomado. No final de 2013, a escola recebeu a designação de Externato Adventista do Funchal, contando com 69 alunos matriculados – cerca de 80% dos quais não eram membros nem oriundos de famílias adventistas – e servindo o pré-escolar e o primeiro ciclo do ensino básico em regime de paralelismo pedagógico. No final dos anos 80 do século passado, os adventistas criaram, na Madeira, um Lar Adventista para Pessoas Idosas, o LAPI do Funchal, uma das expressões mais visíveis da sua preocupação com grupos específicos da população. No entanto, devido à escassez de recursos financeiros e a alguns entraves burocráticos, a infraestrutura de apoio a esta instituição, um edifício construído de raiz numa das encostas do Funchal, só foi concluído em 2000, tendo sido inaugurado a 29 de maio desse ano, com a presença do presidente do Governo Regional e outras individualidades. A direção do LAPI passou a trabalhar em estreita colaboração com a Segurança Social da Madeira para disponibilizar diversas valências aos utentes deste equipamento social, servindo ainda muitas outras pessoas idosas através do seu Centro de Dia. O primeiro diretor do Lar foi o pastor adventista Daniel Martins, que na época da sua fundação era o dirigente da igreja no Funchal. Bibliog. impressa: CERIBE, José Ricardo, “Porto Santo: 2.º Batismo em Porto Santo no Ano de 1999”, Revista Adventista, fev. 2000, p. 20; DIETER, M. E., “Adventismo”, in ELWELL, Walter A. (ed.), Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, I, São Paulo, Vida Nova, 1988, pp. 25-26; FERREIRA, Ernesto, Arautos de Boas Novas, Lisboa, União Portuguesa dos Adventistas do Sétimo Dia, 2008; GOMES, A. Dias, “Visita à Missão da Madeira”, Revista Adventista, jan., 1950, p. 4; MARTINS, Daniel, “Inauguração do LAPI do Funchal”, Revista Adventista, jul., 2000, pp. 29-30; QUEIRÓS, J., “É o Sabatismo um Ramo do Protestantismo?”, Voz da Madeira, n.º 1, fev., 1936, pp. 2-3; RIBEIRO, Pedro, “Relatório da Missão Madeirense 1948”, Revista Adventista, nov., 1949, p. 5; RIBEIRO, Pedro, “Relatório da Missão Madeirense 1949”, Revista Adventista, jan., 1950, pp. 5-6; UNIÃO PORTUGUESA DOS ADVENTISTAS DO SÉTIMO DIA, Relatórios 2013; WHITE, Ellen G., O Grande Conflito: No Fim o Bem Vencerá, Sabugo: Publicadora Servir, 2012; “Departamento de Educação: Relatório Geral Apresentado às Assembleias da União”, Revista Adventista, nov., 1949, p. 11; “Na Madeira”, Revista Adventista, jan., 1949, p. 10; digital: “Contactos – LAPI Madeira”: http://asa.org.pt/lapimadeira/contactos (acedido a 6 fev. 2014); “Rede Escolar ASD”: http://www.adventistas.org.pt/recursos/educacao (acedido a 6 fev. 2014). Timóteo Cavaco (atualizado a 30.12.2015)