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gentílicos e alcunhas coletivas

Como se faz o uso dos gentílicos e das alcunhas coletivas no arquipélago da Madeira? Como se constrói uma imagem das comunidades através de designadores rígidos que concorrem para uma sua classificação e identificação sociocultural? São as perguntas a que vamos tentar responder, reunindo informação até então dispersa relativa ao assunto. Por “gentílico”, entende-se o nome ou o adjetivo que estabelece, regra geral, uma relação com o coletivo que habita numa localidade: pode funcionar como o nome de habitante de um determinado lugar, bem como o adjetivo relativo àquele lugar ou aos habitantes desse lugar. No tocante aos gentílicos, o uso fazia a regra. Atualmente, procura-se disciplinar a sua utilização, através de ponderação dos valores semânticos das formas possíveis. Por “alcunha coletiva”, entende-se todo o estereótipo atribuído a uma comunidade associada a um lugar, um nome alternativo e informal que é, tradicionalmente, dado aos habitantes das comunidades vizinhas. Não falta imaginação à malícia popular para caricaturar, verbalmente, um traço, um defeito ou um hábito característico dos visados. Como a alcunha serve, regra geral, para apoucar o vizinho, nem sempre é do agrado dos apelidados. Não havendo um código regulamentar para definir a sua forma e o seu uso, os gentílicos que derivaram dos topónimos podem ficar a dever-se a um emprego generalizado pela população, a uma autoridade intelectual nativa (por exemplo, um padre, um historiador amador, um publicista ou um escritor) ou à administração local. Relativamente a esse património imaterial, não codificado, coloca-se, então, o problema da legitimidade: quem pode cunhar um gentílico e, de seguida, oficializá-lo? Atualmente, algumas juntas de freguesia da RAM indicam o ou os gentílico(s) disponíve(is) da localidade que lhes diz respeito, oficializando-o(s); outras, optam por não se adiantar por verificarem que não há unanimidade sobre a sua escolha ou porque, simplesmente, não foi ainda criado. A maioria dos gentílicos oficiais do arquipélago da Madeira é de origem recente; alguns datam do séc. XIX e, sobretudo, do séc. XX, aquando da uniformização da língua portuguesa na vida administrativa do país e à medida que as vilas e os concelhos foram ganhando dimensão político-económica. Muitos deles convivem com gentílicos informais, de feição popular, como atestam textos publicados na imprensa madeirense em meados do séc. XIX, a exemplo de Uma Viagem ao Rabaçal (texto redigido por volta de 1861-62 [1998]) de João de Nóbrega Soares (1831-1890), em que ocorrem “calheteira”, “pargueiro” e “pauleiros”. De um ponto de vista ideal, seria útil registar a data das suas criações para se poder perspetivar cada caso. Como tal estudo está por fazer, se é que há condições para um dia ser feito, resta-nos conjeturar a respeito desta matéria com base em informação que data dos anos 30 aos anos 70 do século passado, cruzada com dados, atualmente, ativos. Essa informação deriva, pois, da consulta de dicionários, glossários, vocabulários, obras literárias de autores da Madeira, bem como da imprensa regional. Cruzamos essa coleta de dados com observação direta aleatória (falando com habitantes de vários lugares) e com os resultados obtidos através de um inquérito junto de alunos do Centro de Competência de Artes e Humanidades (CCAH) da Universidade da Madeira (universo de 125 informantes), em 2012. Pesquisámos, também, em sítios da internet o que deu alguns resultados interessantes para apreciar a vitalidade de alguns termos e validar alguns casos duvidosos; visitámos, finalmente, o PLP (Dicionário de Topónimos e Gentílicos, ILTEC) e sites oficiais das Juntas de Freguesia. Como acontece com vários nomes de lugar do mundo, nem todos os locais possuem um gentílico associado. Nesses casos, determina-se por formação analítica, utilizando a expressão “o habitante/o natural + de + o nome do lugar”. Para indicar populações de certos lugares, a exemplo da paróquia do Rosário ou da pequena cidade da Vila Baleira, dir-se-á, então, “os habitantes da Vila Baleira” ou, simplesmente, “os do Rosário”. Esta condição ocorre, sobretudo, com povoações pequenas, vulgo “sítios”. Embora a tendência atual consista em recorrer à junção do topónimo (ou à sua forma latinizada) com o sufixo -ense, existem vários processos de construção de gentílicos. Por isso, não se pode estabelecer um padrão fixo para a sua criação, porque esta depende não só da morfologia da língua, mas também da tradição e do uso de estruturas que se fixaram ao longo do tempo. A esse respeito, Paiva Boléo nota que “É interessante observar que, por via de regra, os nomes étnico-geográficos derivados de povoações não são de uso corrente, embora venham registados nos dicionários e apareçam na linguagem jornalística e administrativa, ou ainda em tabuletas de estabelecimentos comerciais, em nomes de empresas e de clubes, em títulos de jornais, etc” (BOLÉO, 1956, 5-6). Acrescenta, ainda, “Quando um português indica a terra da naturalidade (…)[,] responde geralmente com o nome da terra precedido da preposição designativa de origem: «sou de» Aveiro, do Porto, de Coimbra, (…). [J]á o mesmo se não verifica com o nome provincial ou regional” (BOLÉO, 1956, 5-6). Na verdade, a não ser por gracejo, dificilmente, alguém dirá “sou vicentino” ou “sou calhetense”, optando antes pela construção: “Sou de S. Vicente” ou “Sou da Calheta”. Contudo, com naturalidade e até orgulho, anunciará “Sou madeirense”. À luz dos dados, até agora, apurados e dos contextos observados, podemos adiantar o seguinte: na expressão oral, corrente e informal, tende-se a usar um gentílico de feição popular, quando existe; na linguagem culta, formal, escrita ou oral, empregar-se-á o gentílico de formação erudita ou oficializado. Tal ilação afigurou-se-nos plausível à leitura de Nas Margens da Madeira: Vilões, Barões e Tubarões (2011) de Luís Calisto, uma reconstituição histórica bem documentada que encena, entre outros episódios, a guerra picrocolina que opôs uma elite da capital do arquipélago a duas figuras poderosas de Santa Cruz no último quartel do séc. XIX. Nesse confronto, o narrador vai, num registo vivo e guindado, perpassado de ironia, referir espaços da cidade (“a baixa funchalense” e “as freguesias funchalenses”), aludir a um título da imprensa (“órgão católico funchalense”) e indicar grupos ou figuras sociais (“as donzelas funchalenses” e “a ‘súcia funchalense’”). Do lado oposto, está “a comarca santa-cruzense”, liderada por “cidadãos santa-cruzenses”; o texto narrativo menciona ainda a “vida santa-cruzense” e até a “mentalidade santa-cruzense”. Deste modo, os adjetivos “funchalense” ou “santa-cruzense”, patentes nas locuções respigadas, não devem ser compreendidos apenas em seu aspeto gentílico, mas também como um genitivo que expressa territórios e poderes políticos antagónicos na Madeira. No entanto, quando o narrador dá a palavra a uma personagem, esta dirá, naturalmente, “os caniceiros”, ao referir-se aos habitantes da freguesia (então rural) do Caniço. Com efeito, no português falado na Madeira, os gentílicos podem criar-se espontaneamente. De uso efémero e particular, são constituídos, preferencialmente, com o sufixo -eiro (p. ex.: “lombadeiro”, “calheteiro”). Assim, no meio dos homens ligados a atividades da economia do mar, conceberam-se alguns gentílicos: havia o “deserteiro”, nome que se dava ao “barco grande destinado à pesca no mar das Desertas” (PESTANA, 1970), assim como aos homens que o tripulavam (SILVA, 1950). No romance Canga, de Horácio Bento de Gouveia, lê-se num passo em que a voz do texto se funde na voz de um popular: “– Deve ser o barco fajoneiro!” (GOUVEIA, 2008, 222), adjetivo alusivo aos pescadores de Fajã da Areia. Ainda inerente ao meio marítimo, há memória de uma lancha chamada “Machiqueira” que fazia a ligação Funchal-Machico nos anos 40 do século passado. No remate de uma das suas Crónicas da Beira-Mar dedicada à referida embarcação, Victor Caires observa com alguma ironia: “Atualmente, os naturais ou residentes em Machico são mais conhecidos por machiquenses. Assim, se a famosa ‘Machiqueira’ regressasse à nossa ilha, possivelmente, teria o seu nome alterado para ‘Machiquense’” (CAIRES, 2008, 79). Pelo viés deste comentário, sugere-se o deslocamento de uma pejoratividade para uma suposta positividade. Ver-se-á, mais adiante, que o sufixo -eiro pode voltar à positividade original. No arquipélago da Madeira, os processos morfológicos mais recorrentes são a afixação e a conversão. No que toca ao processo da afixação, dois sufixos predominam: emprega-se o sufixo -ense, forma primitiva mas restabelecida nos derivados modernos, para designar cidades recentes e vilas antigas, como “santanense” e “ponta-solense”. Ainda muito produtivo, o sufixo -eiro, que indica, principalmente, “ofício” (→Antroponímia Primitiva), “procedência” ou “noção coletiva” (CUNHA E CINTRA, 1986, 96), parece indicar freguesias ou sítios antigos, conotados com a ruralidade e a tradicionalidade, p. ex.: “canheiro”, “seixaleiro”. Como observam Alexandre Ferrari e Vanise Medeiros (2012) a propósito da fixação do gentílico “brasileiro” (então em compita com “brasiliano” e “brasiliense”), os sufixos em causa constituem duas posições discursivas em concorrência, potenciando um jogo de modalidade expressiva (variação diafásica): o sufixo -ense parece assumir a posição erudita de instituição e o sufixo -eiro o registo da comunicação oral em alternativa. Mais raros: empregam-se os sufixos -ino, um tanto erudito, em “vicentino” (de S. vicente), -ês, mais antigo, à semelhança de “gaulês” (de Gaula), e -ista, pouco habitual em formações gentílicas, mas de uso popular, como no caso “paulista” (referente ao habitante da Serra d’Água, por alusão ao Paul da Serra). Modo, igualmente, ativo é o processo de conversão do topónimo, quer em nome gentílico, a exemplo da forma popular e oficial “madaleno”, tirado do nome de lugar Madalena, e da forma popular, não oficial, “ribeiro-bravo”, procedente de Ribeira Brava, quer em adjetivo gentílico, como ilustra a designação “pera caniça” (malus domestica, Borkh), uma categoria de pera muito cultivada no Caniço (do mesmo modo que se fala em “pessegueiro inglês”). A título de informação, repare-se na passagem do romance Torna-viagem, de Horário Bento de Gouveia, que ilustra e sintetiza os processos de indicação da procedência dominantes na Madeira, através da enumeração de moradores de microtopónimos da freguesia da Boaventura: “Lembrou-se do sítio da Igreja, mais afreguesado, porque mais populoso com a igreja a atrair os crentes de todos os lugares, desde os mais adjacentes aos mais alongados da freguesia: os do Pastel, os pomarenses, os serrões, os da Ribeira do Moinho, os rocenses, os levadeiros, os do Lombo do Urzal, e demais povoados” (GOUVEIA, 1979, 38). Estas formações – não reproduzidas na tabela referente ao concelho de São Vicente por economia de espaço – correspondem respetivamente aos nomes dos sítios: Pastel, Pomar, Serrão, Ribeira do Moinho, Roçada, Levada, Lombo do Urzal. Vão, efetivamente, da formação analógica (“os de…”) à sufixação em -ense e em -eiro, passando pela conversão (“serrões”). Embora se considere, hoje, a preferência pela concordância do gentílico com o género da pessoa como uma manifestação de plebeísmo, sublinhar a marca de género, masculino ou feminino, é prática antiga, sempre em uso no meio popular (p. ex. “maloeiro” / “maloeira” e “gaulês” / “gaulesa”), mesmo quando coexistem com a sua forma latinizada em -ense, portadora de duplo género (p. ex.: “estreiteiro”/“estreiteira” /“estreitense”). Para os topónimos com aparência de plural, como Canhas e Achadas da Cruz, o gentílico forma-se do singular hipotético, resultando, respetivamente, em “canheiro / canhense” e “achadeiro / achadense”. Para os topónimos compostos, como Porto Moniz, Fajã da Ovelha, Câmara de Lobos ou até para os topónimos correntes iniciados por S., Santo ou Santa, a exemplo de Santa Cruz, verifica-se uma regularidade na sua formação: “porto-monicense”, “fajã-ovelhense”, “câmara-lobense” e “santa-cruzense”. Como a palavra composta hifenizada é vista como um todo, sem hierarquias internas entre os elementos que a compõem, só se põe o segundo termo no plural. No caso de São Vicente, a administração local aponta para a forma “são-vicentino” em consonância com o modelo aplicado nos gentílicos de formação idêntica na Madeira, quando o Dicionário de Topónimos e Gentílicos (PLP, ILTEC, autoridade científica) preconiza a forma reduzida “vicentino”. O P.e Fernando Augusto da Silva (1950) regista “portacruzense” para designar o morador do Porto da Cruz; a forma, porém, surpreende por não se perceber na palavra composta a passagem de “porto” para “porta”. Note-se, finalmente, que as grafias desusadas “ribeirabravense”, “sãojorgense”, “pontassolense” ocorrem, ainda, com frequência em textos literários ou jornalísticos. Contudo, a regra a aplicar, atualmente e de acordo com vários prontuários recentes, é a seguinte: no caso dos compostos onomásticos, os nomes gentílicos levam sempre hífen, ou seja, deve grafar-se: “ribeira-bravense”, “são-jorgense” e “ponta-solense”. A escolha e o uso de um gentílico traduzem a orientação cultural e ética daqueles que o entronaram. Além da força da tradição, a oficialização de um gentílico pode decorrer da vontade política, motivada pela busca de uma forma que reenvie uma imagem positiva ou, então, isenta de qualquer juízo de valor. Por exemplo, é compreensível a preferência do escritor Horácio Bento de Gouveia (em crónicas publicadas nos anos 1979 e 1980 [1994]) ao atribuir aos naturais das Lombadas (na freguesia de Ponta Delgada) (→Toponímia) ou a um conhecido seu de Boaventura, as respetivas designações “lombadenses” e “boaventurense” através de formas, ditas, cultas, ainda que não atestadas ou dicionarizadas. Como se viu no binómio “machiquense”/“machiqueira”, ambos os sufixos podem entrar em conflito, uma vez que o primeiro se apresenta como a forma oficial, de valor neutro ou meliorativo, remetendo para um presente inscrito na modernidade, e o segundo como uma designação informal, reenviando para um passado inscrito na rusticidade. Mas não só: esse passado parece ser, ainda, assumido como afirmação de um bairrismo salutar, que incentiva a autoestima, por muitos naturais de Machico, como ilustra o seguinte enunciado mediado pela secção “Cartas do leitor” no Diário de Notícias da Madeira: “escrevo esta carta na qualidade de machiqueiro e de militante do PSD” (8-10-2012, 8). Quer isto dizer que o gentílico de formação popular pode aparecer como marcação de prestígio social e, consequentemente, apresentar vitalidade. Na verdade, são vários os gentílicos de sabor popular em uso na Madeira que se prestam a cambiantes, podendo ir desde o afetuoso e bem-humorado ao depreciativo, conforme a voz e a intenção de quem o emprega. A título exemplificativo, podem enunciar-se alguns casos que problematizam, devidamente, essa questão. Note-se que a historiografia insular registou a “revolta dos curraleiros”, ocorrida em 1924, quando a população do Curral das Freiras se levantou contra a aplicação do imposto ad valorem sobre produtos vendidos para fora do concelho. No entanto, não temos conhecimento de documentos emanados da Junta de Freguesia do Curral que ratificassem essa designação. Se bem que a designação “camacheiras” possa reenviar para essas floristas que projetaram no mundo a imagem de uma mulher madeirense desenvolta e bonita, e que a personalidade do “machiqueiro” tenha inspirado, como evoca Francisco Fernandes, nas suas Memórias com Mar, as “anedotas de machiqueiros espertos” (FERNANDES, 2002, 23) que o avô lhe contava, o certo é que estes gentílicos foram preteridos pelos derivados modernos “camachense” e “machiquense” de uso oficial. Convém, pois, ter em atenção a maneira como os habitantes de um lugar são chamados e se designam a si próprios. Alguns, por respeito à tradição oral, afirmam a sua origem popular, como é o caso da Freguesia do Seixal que preferiu denominar-se, oficialmente, “seixaleiro”, em vez de “seixalense”; outros, conciliam a tradição e a tendência atual, aceitando as duas possibilidades: “tabuense” e “tabueiro”. Em muitas freguesias da RAM continua o debate em aberto. Para muitas localidades, existe um apodo coletivo ao lado do gentílico, quer oficial, quase sempre neutro, quer informal, de valor cambiante. Essa alcunha, como repara José Teixeira no seu estudo sobre “Metonímias e Metáforas no Processo de Referência por Alcunhas do Norte de Portugal”, não se resume a um instrumento de referenciação: “A alcunha é o nome do outro quando dialogam o eu e o tu. É o terceiro, a não-pessoa da interação linguística, por princípio ausente da cumplicidade que a relação eu-tu impõe. O referir o outro depreciativamente faz colocar explicitamente o tu (e o eu) num plano de superioridade social, o que cria laços de empatia e reforça o prazer da interação linguística” (TEIXEIRA, 2007, 209). Para ilustrar tal observação, veja-se o dito popular referente às alcunhas coletivas atribuídas às freguesias do concelho de Santana que o P.e Silvério Aníbal de Matos transcreveu na sua monografia: “Os de São Jorge são os caiados, / E os de Santana os bragados; / Os do Arco são os chicharreiros, / Os do Faial lhe chamam labregos; / E para completar o Concelho, / Com tantos e iguais mimos / Os de São Roque são tabaqueiros / E os da Ilha são os primos” (MATOS, 2000, 101). Se as freguesias estão, devidamente, “apelidadas”, nada se diz, todavia, sobre a motivação ou a origem de tais batismos, ficando esta lacuna por preencher. Regra geral, a alcunha (Antroponímia primitiva) serve para depreciar os habitantes da aglomeração vizinha, da zona antípoda ou do meio socioeconómico diferenciado. No arquipélago em apreço, é usual distinguir a Madeira do Porto Santo, as freguesias do Norte das bandas do Sul, as pessoas do Funchal das gentes do campo, os habitantes das zonas altas dos da beira-mar, os homens das mulheres (ver, neste último caso, a “viloa”, a “teca”, a “quitéria” e a “gardadeira”). Atribui-se-lhes, num modo lúdico, um traço saliente caraterizador, defeitos ou desventuras, sublinhando, eventualmente, a sua inadaptação às circunstâncias que, por regra, o(s) autor(es) da denominação controla(m). Associada a vários estigmas sociais, também não será por acaso que a localidade que inspirou mais apodos é Câmara de Lobos, com especial destaque para “a classe piscatória” (FREITAS, s. d.), como observa Manuel Pedro Freitas, “uma vez que é sobre ela que recaem todas as alcunhas conhecidas, ainda que as pessoas tentem generalizá-las, não só a toda a freguesia como a todo o concelho” (FREITAS, s.d.). Se os indivíduos da cidade cunharam termos genéricos e depreciativos que significam “rústico, incivil ou bisonho”, tais como “labrego”, “vilão” e “borquilho” – este último também usado, segundo Eduardo Antonino Pestana (1970), para apontar “habitantes de qualquer das outras freguesias do Norte da Ilha”, à semelhança de “norteiro”, como averbou o P.e Fernando Augusto da Silva (1950) –, não admira que fossem pagos na mesma moeda. Os habitantes dos meios rurais fizeram circular designações gerais, igualmente, depreciativas, como “casaca”, “manata” (de “magnata”), alusivos a “figura bem-apessoada do Funchal”, e “fidalgo”, referente a “pessoa da vila”, sendo que todos eles significam o “citadino, altaneiro e aperaltado”. Aos do “campo”, é provável que lhes tenha ocorrido criar neologismos de sabor popular, como “funchaleiro”, “cidadense” e “cidadeiro”, para designar o indivíduo da capital madeirense, como afirmou um aluno universitário que diz tê-los ouvido da boca da avó. As alcunhas podem, portanto, assentar num hibridismo da palavra ou num barbarismo em cuja formação entram elementos de registos diferentes (culto e popular). Nos exemplos acima apresentados, é fácil observar que a plasticidade sugestiva que os determina traduz um juízo de valor implícito, envolto em ironia. Apelidados de “profetas” pelos habitantes da ilha vizinha, os porto-santenses terão passado a alcunhar os madeirenses de “semilhas” ou “pretos”, pois não usam o termo emprestado do castelhano para referir as “batatas”, nem costumam dedicar as férias a demorados banhos de sol na sua extensa praia de areia dourada. Provavelmente, por motivos de uma antiga reorganização administrativa, Santa Cruz e Machico tornaram-se rivais, daí ter resultado uma troca de “apelidos” de qualificação pejorativa: para os primeiros, os vizinhos são “ladrões” ou “marroquinos”; para os de Machico, aqueles são “soviéticos” ou “judeus”. Estes apodos coletivos apresentam-se, na verdade, como remoques ou até insultos e funcionam como um modo de verbalizar disputas intercomunidades que opõem grupos territoriais ou grupos sociais (MORAIS, 2006, 165). Por isso, não admira que a recente e atual imprensa satírica regional (nomeadamente, Garajau e Quebra-Costas) recorra aos termos marcados, “o xavelha”, “os vilões”, “os borquilhas” e “os cubanos”, bem como aos derivados com sufixos de valor ou de intenção depreciativa, “o calheteiro”, “o santaneiro”, “o machiqueiro” e a “viloada”, para ridicularizar certas figuras ou massas humanas do microcosmo madeirense. Embora o senso comum tenda a menosprezar o tema das alcunhas coletivas, convém notar que assessores de comunicação aconselham os candidatos em campanha eleitoral, sobretudo, em zonas rurais, a usarem-nas com tato nos seus discursos como força identificadora, isto é, como estratégia válida para incentivar o “bairrismo” e suscitar a simpatia da maioria dos apoiantes em comício. Com base no trabalho de Manuel Paiva Boléo, podemos ensaiar uma classificação, por categorias, das alcunhas coletivas no arquipélago da Madeira. Ainda que nem sempre transparentes, alguns motivos desses qualificativos são fáceis de explicar: uns referem atividades representativas, a exemplo de “cabreiros” (pastorícia), “lapeiros” (apanha de lapas), outros indicam a situação geográfica do local de origem, como “chadeiro”, que habita numa achada, “lombadeiro”, que mora numa lombada, “picadeiro”, que se acha num pico, ou “ponteiro”, que vive numa ponta, sendo estes apodos comuns a várias freguesias, como indicam os quadros-síntese. A esse propósito, consta que, para os lados da Ponta do Sol, os habitantes que vivem na baixa da vila ou no sopé das encostas se referem aos que moram nas zonas altas, usando o termo “serreiros” (“serra” + -eiro). Ainda neste âmbito, vale a pena registar que Eduardo Antonino Pestana averbou a alcunha “nevoeiro” atribuída ao “habitante do Estreito”, embora não soubesse “se do Estreito da Calheta, se do Estreito de Câmara de Lobos” (PESTANA, 1970). Outros “apelidos” podem designar a condição social (“fidalgo”, “vilões”, “labregos”) ou sublinhar o caráter físico ou moral (“borquilhos”, “tabanez”, “bravio”). São ainda fontes de inspiração para as alcunhas alguns ofícios (“leiteiros”, “barqueiro”) ou costumes, como “faquistas” e “tasquinhas”. A alcunha pode associar os visados com algo que os identifica, à semelhança de “xavelha” e “casaca”, ou derivar da predominância de certas plantas ou animais, nos tempos de hoje ou outrora (“saramagueiros” ou “lagartixeiros”. Apodos há que remetem para o nome de uma família (“carotos” ou “guizos”) ou, como explica P.e Eduardo Nunes Pereira, citado por Manuel Pedro Freitas (s./d.), para um traço linguístico que particularize um determinado grupo de falantes, como sucede com “charnota” ou “chernota” (diminutivo de “cherne”, na fala desses pescadores). O estereótipo pode derivar de um facto histórico, como acontece com “os profetas” (devido ao conhecido episódio de Fernão Bravo que se fez passar por profeta no Porto Santo nos idos de 1533), “os enjeitados” da Sé (alusivo ao problema do abandono de crianças, com grande incidência na sociedade funchalense dos sécs. XVIII-XIX) e “os cativos” da Lombada da Ponta do Sol (termo relativo aos camponeses tidos como descendentes de escravos e servos submissos dos proprietários das terras que tratavam), ou ainda da devoção religiosa, relacionado, por exemplo, com o padroeiro da freguesia: à mulher da Boaventura, dava-se o nome de “Quitéria”, porque, nessa freguesia, se venera S.ta Quitéria. O quadro não ficaria completo se não se referisse as alcunhas coletivas que os madeirenses atribuíram àqueles que embarcaram, aos que visitam o Arquipélago ou que na Madeira passaram a residir. Lê-se nos glossários existentes que se apelidava de “rachado” (SILVA, 1950) ou de “rabstolim” (PESTANA, 1970) ao “madeirense que esteve em Demerara’” atual Guiana inglesa, e que “os naturais de Demerara” eram designados como “os canecos” (PESTANA, 1970), termo referente às ilhas ditas Canecas e, pelos vistos, revelador de alguma confusão geográfica. A literatura de ambientação madeirense dá conta de várias alcunhas coletivas que se confundem com o gentílico étnico referente ao país recetor. Àquele que voltava bem-sucedido da Guiana inglesa dava-se o nome de “demerarista”, como prova a peça de teatro A Família do Demerarista (1859), de Rodrigues de Azevedo. Aos madeirenses que viveram algum tempo no Brasil, nos Estados Unidos ou na Venezuela atribuía-se-lhes, respetivamente, o designativo de “brasileiro”, “americano” e “venezuelano”, como ilustra a obra literária de Horácio Bento de Gouveia. No seu livro A Festa, Lídio Araújo refere os “cabistas” (ARAÚJO, 2002, 57), madeirenses radicados na Cidade do Cabo (África do Sul) que vêm, de vez em quando, estanciar na terra de origem, variante da forma “cabeiros”, respigada por Eduardo Antonino Pestana (PESTANA, 1970) na freguesia da Calheta. Ficou gravada na memória e na literatura da Madeira a vinda de 2500 “gibraltinos” para o Funchal no início da Segunda Guerra Mundial. Estes refugiados, na sua maioria mulheres e crianças, integraram-se sem dificuldades na sociedade funchalense, criando laços de amizade e até matrimoniais entre “gibraltinas” e madeirenses. Note-se, a título de curiosidade, que o termo “gibraltino/a” tem cunho regional, já que o gentílico dicionarizado é “gibraltarino/a”. Se os continentais, de meados do século passado, chamavam, com alguma displicência, “ilhéus” aos “habitantes dos Açores e da Madeira” (BOLÉO, 1956), alcunha de caráter geral que inspirou a Horácio Bento o título para o seu primeiro romance (Ilhéus, posteriormente rebatizado Canga), no pós-25 de abril, madeirenses passaram a designar como “cubanos” os indivíduos do continente. A semântica desse termo parece derivar de várias motivações e conceções. Sem esgotar a questão dos seus vários sentidos, podemos ensaiar uma primeira aproximação: por um lado, coincide com o facto de muitos madeirenses discordarem com o rumo político que Portugal estava, na altura, a tomar, sem deixar de aludir ao papel dos cubanos no processo de descolonização de Angola; por outro, a ilha confrontava-se com o inabitual perfil do turista nacional que começava a visitá-la. De então para cá, o termo foi conceptualizado por políticos madeirenses para indicar todo o continental que, como sói dizer-se na Ilha, “não tem a Madeira no coração”. Na passagem dos modos de vida de tipo rural para a atual sociabilidade urbana, muitas das alcunhas aqui referidas, de tão antigas, pouco ou nada dizem aos contemporâneos: algumas caíram em desuso; outras continuam vivas e são reivindicadas como símbolo de pertença ou até de orgulho, nomeadamente, através da designação de coletividades socioculturais. Veja-se, por exemplo, o nome da revista Por Terras Tabaqueiras, lançada a 10 de dezembro de 2009, pela Casa do Povo de S. Roque do Faial, os grupos desportivos, tais como “Os Xavelhas”, de Câmara de Lobos, e “Os Profetas”, do Porto Santo, ou aquele restaurante snack-bar, em Santana, autodenominado “Bragados”. Ainda no tocante ao universo das equipas de futebol, vale a pena registar que o apodo coletivo é assumido como símbolo da identidade do clube, por exemplo, os “viscondes”, do Clube Desportivo da Ribeira Brava, em homenagem ao histórico visconde dessa terra, os “camacheiros”, da Associação Desportiva da Camacha e os “manitos” da Associação Desportiva de Machico. Outros sobrenomes sofreram um processo de atualização: os “faquistas” do Estreito de Câmara de Lobos tornaram-se “navalhistas”. Os “camones” substituíram os “americanos” e os “miras”, os “venezuelanos”. Outra denominação, mais genérica e importada do continente, vem suprir os “manatas” e os “fidalgos”: são os “betinhos” ou “queques”, os meninos bonitos de um centro urbano. Na parte inferior da escada social, está o “xavelha”, alcunha que sofreu uma evolução semântica, porque já não se restringe ao habitante dos bairros desfavorecidos de Câmara de Lobos. Atualmente, falantes adolescentes aplicam esse termo para designar todo o jovem pouco escolarizado, mal vestido, sem modos e sem dinheiro. Todavia, como é fácil de perceber, a função da alcunha não é bem igual à do gentílico, mesmo se, por vezes, o substitui. O gentílico mantém a sua importância na referenciação de alguém ou algo relativo a um determinado lugar. Quanto à alcunha coletiva criada, habitualmente, para intimidar aquele que pertence a território vizinho e a estrato inferior, vale, sobretudo, pela representação que faz do outro, ao configurar-lhe uma caraterística, raramente, abonatória. Pode depreender-se, assim, que no gentílico “russiano”, variante antiga na Madeira para o atual “russo”, prevalece a denotação, ao passo que na alcunha “bife”, cada vez menos usada, para designar qualquer cidadão inglês, é atribuído valor conotativo. Chegado ao fim deste percurso, fica o possível balanço de factos linguísticos que participavam ou participam do quotidiano dos madeirenses, da imprensa regional, bem como da literatura ambientada no arquipélago da Madeira, representando claras manifestações socioculturais, quer na definição das relações intercomunidades e interpessoais, quer na afirmação das identidades locais. Seguem-se os quadros que dão a ler os gentílicos e apodos coletivos apurados e a respetiva distribuição pelas localidades do arquipélago da Madeira. Além do que já foi dito sobre o assunto, e não esgotando as possíveis interpretações dos dados apresentados, impõem-se umas breves considerações sobre algumas situações observadas. O estatuto do aglomerado urbano (consoante o grau de autonomia político-administrativa, se elevada ou baixa) pode motivar ou desmotivar o surgimento de um gentílico. Neste sentido, não admira que o Funchal (a capital do arquipélago) e o Porto Santo/Vila Baleira (enquanto poder local centrado em si mesmo) se singularizem das demais localidades pela ausência de gentílicos de formação popular com o sufixo -eiro, tradicionalmente ligado ao meio rural. Na mesma linha de pensamento, note-se que são, sobretudo, as povoações situadas na serra e no interior da ilha da Madeira, designadamente, Prazeres, Campanário, Santo da Serra, Jardim da Serra, Ribeira da Janela, Serra de Água, Água da Pena, Ilha e São Roque do Faial, que não consignam termo gentílico correspondente. Tal se deve, provavelmente, ao facto de se tratar de aglomerados com pouca expressão ao nível da administração local. No entanto, em freguesias que se urbanizaram a olhos vistos nestes últimos anos, como Prazeres e Campanário, vozes locais exemplificam, através de documentos acessíveis ao público, a necessidade de se criar um gentílico (“prazerense”? “campanarense”?). No tocante à formação do gentílico, não podemos deixar de sublinhar a relação de concorrência entre o sufixo -ense e o sufixo -eiro, sendo que muitos resistam ao gentílico de formação popular e mais antiga. Tirando as freguesias dos Canhas e do Seixal que optaram, oficialmente, pelas formas em -eiro (“canheiro” e “seixaleiro”, respetivamente), a preferência vai para um gentílico cunhado com o morfema -ense, normalmente percecionado como isento de caráter pejorativo. Repare-se, ainda, no facto de não se ter criado um gentílico relativo ao topónimo “Ponta Delgada”, uma freguesia de S. Vicente, quando este seria fácil de conceber. Essa inexistência resulta, provavelmente, da preocupação em não ser confundido com o gentílico correspondente à capital do arquipélago dos Açores. Por fim, a leitura de alcunhas coletivas no arquipélago da Madeira indiciam uma imagem estigmatizada de grupos socialmente marcados que o senso comum cultivou ou ainda cultiva. Com exceção dos emigrantes e dos turistas já evocados, excluindo-os das tabelas abaixo apresentadas por razões de clareza, sobressaem camponeses rústicos, criadores de gado, serranos, famílias que se confundem com a história de sítios habitados (suspeita de consanguinidade?), marítimos, pescadores, habitantes de povoações litorâneas, as mulheres pertencentes a determinados locais e/ou a grupos socioprofissionais e os senhores aperaltados. Ao viés desses quadros, podemos delinear uma radiografia de uma estratificação social do arquipélago da Madeira da segunda metade do século passado. Algumas localidades, tais como Câmara de Lobos, Estreito de Câmara de Lobos, Machico, Santa Cruz, Monte e Funchal, apresentam uma notável abundância de alcunhas coletivas. Além de se tratar de aglomerados com uma significativa densidade populacional, tendo em conta a sua diversidade sociocultural, o certo é que os habitantes desses lugares têm chamado, de algum modo, a atenção das populações vizinhas. Gentílicos e Alcunhas Coletivas no Arquipélago da Madeira   Concelho da Calheta Freguesias Gentílico de formação erudita Gentílico de formação popular Alcunha(s) coletiva(s)  Obs. Arco da Calheta “arqueiro” (FAS) Calheta “calhetense” (oficial) “calheteiro” (EAP, AMC) ‘a designação de calheteiro, [era] aplicada, indistintamente, às três freguesias com aquele nome’ (RS) Estreito da Calheta “saramagueiros” (EAP) Jardim do Mar “jardineiro” (oficial) Prazeres [“prazerense”, ocorre num documento referente a um projeto educativo da Escola Básica da Fajã da Ovelha, on-line] “capão” (EAP) Fajã da Ovelha   “fajã-ovelhense” (oficial)   Maloeira “maloeiro” (DM) Raposeira “raposeiro” (DM) Paul do Mar “paulense” “pauleiro” (AMC) “teca” (EAP) ‘mulher do Paul do Mar’ (EAP).Na imprensa regional de meados do século XX, um jornalista dá conta da atuação conseguida do Orfeão do Paul do Mar. Apelida os seus executantes de “simpáticos pauleiros”, sem qualquer ironia. Ponta do Pargo “ponta-parguenses” (in Diário de Notícias) “pargueiro” (RS) “carotos” (RS) Concelho de Câmara de Lobos   Freguesia Gentílico de formação erudita Gentílico de formação popular Alcunha(s) coletiva(s)  Obs. Câmara de Lobos “câmara-lobense” (oficial) “charnotas” ou “chernotas” (DBM, AFG, RS, MPF)“chavelhas” ou “xavelhas” (RS, MPF)   “pesquitos” (DBM, AMC, P)     “tangerinos” (MPF)       “camalatas” (EAP)     “tasquinhas” (EAP, MCNP)       “gardadeira”       ‘habitante fora da «vila»’ (NV)     ‘habitante da «vila» da freguesia de Câmara de Lobos’ (EAP)   ‘quererá traduzir a relação entre os traços fisionómicos de alguns pescadores locais e os habitantes de Tânger, ou do Norte de África’. (MPF)   ‘os habitantes da vila de Câmara de Lobos’ (EAP)   ‘Alcunha dos habitantes de Câmara de Lobos, dada pelos do Paul do Mar’ (MCNP)   ‘nome atribuído a mulher de baixa extração social, típica de Câmara de Lobos’ (ocorre em anedotas que circulam na net) Curral das Freiras “curralense” “curraleiro” (FAS, AMC, RS) “cabreiros” (MPF) Há notícia de uma Tuna Curralense, criada em 1939.O “termo curraleiro era sempre referido depreciativamente, o que hoje não se verifica” (RS) Estreito de Câmara de Lobos     “estreitense” (oficial)   “estreiteiro” “faquistas” (MPF)“fumeiro” (EAP, MPF)   “navalhistas”   “vilhão, viloa” A explicação ‘poderá estar relacionada com o frequente nevoeiro que noutros tempos assolava esta localidade, ainda que haja quem defenda que tal epíteto se ficasse a dever à atividade de carvoaria.’ (MPF) Jardim da Serra Quinta Grande “quinteiros” Assim designados por habitantes do Campanário.   Concelho do Funchal   Concelho Freguesia Gentílico de formação erudita Gentílico de formação popular Alcunha(s) coletiva(s)  Obs. Funchal “funchalense” (oficial)[“funchalino”] Numa nota biográfica sobre o escritor João França, o jornalista José Abel Caldeira ensaiou, em 1997, a locução “as agremiações funchalinas”, sendo até à data a única ocorrência desta forma de que temos conhecimento. “manatas” (EAP)“casaca” (FAS)   “meninos / gente / os da cidade”   “lanchas” ‘habitante da cidade’ (FAS)   A designação terá sido motivada pelo facto de, num tempo não muito distante, os funchalenses se deslocarem até às outras localidades, como o Paul do Mar, a Calheta ou a Ribeira Brava, de lancha ou de barco.   Imaculado   Monte “montense” (oficial) “labregos” (DBM, RS, NV)“frangoleiros” (AFG)   “leiteiros” (RS)   “caganiteiros” (RS)   Santa Luzia “alforrecas” (RS)   Santa Maria Maior   Santo António “galinheiros” (AFG)“faquista” (RS, DBM)   “São conhecidos por esta designação os naturais da freguesia de Santo António e isto porque em qualquer rixa, procura[va]m defender-se usando faca.” (DBM)   São Gonçalo “lapeiro” (AFG, RS)   São Martinho “rabicho” (EAP, MCNP)“carapeteiros” (AFG, MCNP, AMC)   São Pedro “fidalgos” (RS)   São Roque O jornalismo desportivo regional designa os atletas do Clube Desportivo de São Roque como “são-roquinos”.   Sé “enjeitados” (RS)   Concelho de Machico   Freguesias Gentílico de formação erudita Gentílico de formação popular Alcunha(s) coletiva(s)  Obs. Água de Pena “cabreiros” (de cima) (RS)“lapeiros” (de baixo) (RS) Caniçal “caniçalense” (oficial) “caniçaleiro” (FAS) “burreiros” (AMC, MCNP) ou “borreiros”(FAS, AFG) ou“berreiros”   “ponteiros” (RS)       “Denominação advinda [provavelmente] da proximidade com a Ponta de S. Lourenço.” (RS) Machico “machiquense” (oficial) “machiqueiro” (RS) “marroquinos”                                         “lardões”                 “engenheiro” Nome com que santa-cruzences designam os de Machico. Sobre a motivação etiológica desta alcunha, consta que tal apodo surgiu na sequência de um governante do partido do poder se ter referido, em declarações públicas, ao concelho de Machico (então administrado por um partido da oposição), comparando-o, com uma intenção depreciativa, a Marrocos.“Nome com que os habitantes da freguesia de Santa Cruz designam os de Machico” (EAP). Provável deturpação de “ladrões”. Essa alcunha coletiva deve ter que ver com a seguinte anotação que Fernando Aguiar (1951: 91-92, em nota de rodapé) registou em Cousas da Madeira: “De Machico, dizia-se, com grande insulto e grave zanga tomada nos naturais, como sentença célebre, onde se compara a riqueza do inhame com a maior abundância de larápios, que, em Machico cada folha de inhame abriga sete ladrões e meio.”   Com base no dito popular, de rima fá--cil: “Onde está um machiqueiro, está um engenheiro.”   Banda d’Além “barqueiro” (RS) Porto da Cruz “portacruzense” (FAS) “broquilhos” (AFG, AMC)“borquilha”   “tabanez”     “Génio tabanez têm-no os do Porto da Cruz de «antes quebrar que torcer».” (AMS)   Maiata  “os maiatos” (NV) Santo (António ) da Serra “cabreiros” (DBM, EAP)“ “Designação por que os habitantes da Vila de Santa Cruz conhecem os da vizinha freguesia serrana do Santo da Serra.” (EAP)         Concelho da Ponta do Sol   Freguesias Gentílico de formação erudita Gentílico de formação popular Alcunha(s) coletiva(s)  Obs. Canhas “canhense”, (GJP) “canheiro” (oficial) Madalena do Mar “madaleno” (oficial)“madeleiros” Ponta do Sol   “ponta-solense” (oficial) “fidalgos” (RS)   Lombada “lombadeiros” “cativos” (EAP) Lugar de Baixo “manicas” Significa ‘cavala miúda’.   Concelho do Porto Moniz   Freguesias Gentílico de formação erudita Gentílico de formação popular Alcunha(s) coletiva(s)  Obs.   Achadas da Cruz “achadense” (FAS) “achadeiro” (FAS)“chadeiros” Porto Moniz “porto-monicense” (oficial) “vilão” (RS)“barqueiro”       “norteiros”     Habitante da «vila» do Porto Moniz.Denominação que os habitantes das Achadas da Cruz atribuem aos vizinhos do Porto Moniz.   Santa e Lamaceiros “labregos” (RS) Ribeira da Janela “lapeiro” (DM)“rabichado” (RS) Seixal “seixalense” (FAS) “seixaleiro” (oficial)   Concelho do Porto Santo   Concelho  Gentílico de formação erudita Gentílico de formação popular Alcunha(s) coletiva(s)  Obs. Porto Santo “porto-santense” (oficial) “profetas”“jericos”   Serra de Dentro   “descidos” (EAP)“sarranhos” (EAP)   Provável deturpação de ‘serranos’.   Concelho da Ribeira Brava   Freguesias Gentílico de formação erudita Gentílico de formação popular Alcunha(s) coletiva(s)  Obs. Campanário [“campanarense” ocorrência no blog Eco23 Campanário, abril 2011, publicado pelo Cónego João J. G. Andrade] “tabanez” (EAP) “lapeiros” (DM)   “Corpulento, falando-se de gente”. (EAP)Habitantes do sítio da Lapa, zona baixa e litorânea da freguesia. Ribeira Brava “ribeira-bravense” (oficial) “ribeiro-bravo” (EAP) “vilão”“guizos”   Designação por que os habitantes do Campanário conhecem os do sítio de São João, na Ribeira Brava. Serra de Água os “serra-d’água” (NV) “paulista” (EAP) “Paulista”: talvez derive de o facto da Serra d’Água ficar a caminho do Paul da Serra? Tabua “tabuense” (oficial) “tabueiro” (oficial)“os tabuas” (NV) Concelho de Santa Cruz   Freguesias Gentílico de formação erudita Gentílico de formação popular Alcunha(s) coletiva(s) Obs. Camacha  “camachense” (oficial) “camacheiro” (EAP, FAS, AMC, RS)   Rochão (sítio do) “rochoeiro” O termo é muitas vezes usado por “camacheiros” ou percecionado pelos visados como depreciativo. Caniço “canicense” (oficial) “caniceiro” (EAP, FAS, AMC) “cebolas” (RS) ou “ceboleiros” (DBM, AFG, AMC) No seu estudo, J.A. David Morais regista que o apodo «çaboleiros» ou «ceboleiros» identifica os habitantes de uma aldeia no concelho de Borba. Esta denominação lúdica deve-se igualmente ao facto de abundar nessa terra a cebola. Gaula “gaulês, gaulesa” (oficial)“gauleiro” (FAS) “chadeiros”ou “picadeiros” (de cima) (RS) “lapeiros” (de baixo) (RS) “Gauleses são grande gente no tempo da bela amora”, enuncia Manuel Gonçalves, mais conhecido como o Feiticeiro do Norte, na sua literatura de cordel intitulada “A Madeira” (V. Versos de Manuel Gonçalves (Feiticeiro do Norte), apresentação e notas de F. Alberto Gomes, Funchal, s./n., 1959). Jaime Câmara (1932: 32) acrescenta o seguinte apontamento: “– Sou de Gaula: si que se importa? – é uma filauciosa expressão atribuída à espontaneidade dos gauleses, quando as amoreiras de cerne rijo e largas e verdes folhas, se apresentam pontuadas de soroses negras, de sabor muito doce”. Santa Cruz “santa-cruzense” (oficial) “judeus” (FAS, RS)“vilãos” (RS)   “cabreiros” (AMC)   “soviéticos”       “espanhóis” (MCNP) Nome com que machiquenses designam atualmente os de Santa Cruz’. Deve-se, provavelmente, à causticidade de crisma subsequente ao 25 de abril. “Alcunha dos habitantes de Santa Cruz, dada pelos do Porto da Cruz. Nas outras regiões desconhecem.” (MCNP) Santo (António ) da Serra “cabreiros” (DBM, EAP)“ “Designação por que os habitantes da Vila de Santa Cruz conhecem os da vizinha freguesia serrana do Santo da Serra”. (EAP)   Concelho de Santana   Freguesias Gentílico de formação erudita Gentílico de formação popular Alcunha(s) coletiva(s) Obs. Arco de São Jorge “arqueiro” (FAS) “caiados” (AFG, EAP, RS)“chicharreiros” (EAP) ou “peixeiros”   “lagartixeiros” (EAP, FAS) ‘Armadilha para apanhar lagartixas; Lugar quente; Coisa pouco limpa’. (FAS) Faial “faialense” (oficial) “fanheiros” (AFG, EAP, AMC)“labregos”   Lombo Galego “labregos” (EAP) Ilha “bravios” (EAP)“primos” Santana “santanense” (oficial) “santaneiro” (FAS) “bragados” (DBM, FAS, AFG, RS) São Jorge “são-jorgense” “caiados” (RS) Há notícia de uma “Filarmónica Sanjorgense” fundada por volta de 1874. São Roque do Faial “tabaqueiros” (AFG, EAP, AMC) A alcunha era há poucos anos ainda percecionada pelos visados como desprestigiante; hoje, já é usado como motivo de orgulho e marca identitária. Termo provavelmente cunhado por faialenses que não aceitaram de bom grado o desmembramento de São Roque da freguesia do Faial.   Concelho de São Vicente   Freguesias Gentílico de formação erudita Gentílico de formação popular Alcunha(s) coletiva(s) Obs. Boaventura “boaventurense” (HBG) “labregos” (EAP)“caitanos” (AFG, EAP)   “quitéria” (EAP) Leia-se ‘caetanos’.   Mulher da freguesia de Boaventura. Maliciosamente, o termo “quitérias” designava também os seios da mulher. (EAP) Ponta Delgada “lapeiros” (RS) “Resultante de uma velha tradição de “ir às lapas”, nas marés baixas (…), os naturais da Ponta Delgada [são] conhecidos, praticamente em toda a Madeira, por “lapeiros””. (DM)   Lombada (1ª, 2ª e 3ª) “os lombadenses” (HBG) “lombadeiro” São Vicente “vicentino” (ILTEC)“são-vicentino” (V. verbete Wikipédia) “vilhões”“labregos” Ditos populares: “De São Vicente, nem burro nem gente; só o Santo e o vinho”; De São Vicente, nem é burro, nem é gente”. Provável resposta dos vicentinos às freguesias vizinhas: “Boaventura, há burros de fartura”; “Ponta Delgada, há burros à pancada”.   Fajã da Areia “fajoneiro” (HBG)   Bibliog. impressa: ARAÚJO, Lídio, A Festa, Madeira, edição do autor, 2002; AGUIAR, Fernando, Cousas da Madeira: Lendas de Outrora e de Sempre, 2.ª ed. (revista e acrescentada), Lisboa, Mar-Lago, 1951; BOLÉO, Manuel de Paiva, “Os nomes étnicos-geográficos e as alcunhas colectivas: Seu interesse linguístico, histórico e psicológico”, s. n., sep. 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(MPF), “Câmara de Lobos: Dicionário Corográfico”, Câmara de Lobos, suas gentes, história e cultura” (s./d.), consultado em 21 de março de 2012, em: http://www.concelhodecamaradelobos.com/index.html. Fonte oral: VERÍSSIMO, Nelson (NV), informante e consultor. Thierry Proença (atualizado a 16.08.2016)

periódicos literários ( sécs. xix e xx)

Entende-se por periódicos os jornais, diários, folhas e gazetas de frequência diária, bissemanal, semanal, quinzenal e mensal, contendo folhetins, páginas, colunas, secções ou folhas literárias ou de crónica. São poucos os periódicos exclusivamente literários na Madeira, sendo que a grande maioria se dedica, em determinado momento, a estudos científicos e a notícias de acontecimentos do quotidiano nacional ou estrangeiro. Os periódicos madeirenses, do séc. XIX até à primeira metade do XX, que versam o campo literário dividem-se em cinco categorias: literários, políticos, religiosos, recreativos/instrução e noticiosos. Para além dos periódicos literários, em menor número, os periódicos recreativos e de instrução são, por motivos óbvios, os que mais exploram a literatura. Importa ressaltar que os periódicos literários, para além da parte literária, constituída por folhetins contendo poesia, contos e romances, também têm na sua composição artigos sobre acontecimentos da história e crónicas sobre a instrução pública, religião e os progressos da ciência na época. Todavia, segundo João Augusto de Ornelas, os periódicos literários madeirenses padecem, fatalmente, de uma longevidade reduzida e de “dificuldades insuperáveis, a fim de empreender a publicação de uma folha exclusivamente literária” (ORNELAS, O Crepúsculo, 15 maio 1865, 52-53). As dificuldades monetárias, o desinteresse público, o isolamento geográfico inerente à insularidade face aos grandes centros culturais como Lisboa, Porto e Coimbra, o desprezo, a impassibilidade e a ignorância pelas coisas do foro intelectual são as razões apontadas por diversos periódicos madeirenses para justificar o curto período da sua existência. Uma das críticas acérrimas a esta conjuntura encontra-se no texto introdutório do primeiro número do Archivo Litterario: “E nós, ainda que fora da ação do impulso literário […] afastados cá para longe sobre este precioso torrão esquecido no meio do oceano […] em quanto o espírito engradece e dilata os seus domínios além mar, aqui, nesta ilha da Madeira, a ação propriamente literária é quase nula […] por causa que todos deploram, a apatia, se não o retrocesso, é o planeta que domina no nosso horizonte literário” (Archivo Litterario, 15 abr. 1863, 1). O mesmo argumento é apresentado pelo periódico literário O Beija-Flor, que realça a indiferença com que as letras são tratadas na ilha da Madeira e, por esse motivo, apresenta-se a ele mesmo como um protesto contra o esquecimento e desprezo pela cultura e literatura. Escrever folhetins com poesia, contos, romances ou crónicas sobre literatura (géneros literários ou o estado da literatura) aproximaria, pela leitura e reflexão, a ilha da Madeira aos grandes centros intelectuais de Portugal continental, para além de cultivar a mente e o espírito. No entanto, também o periódico O Crepúsculo destaca, de forma dicotómica, a fertilidade da terra e o desamor, a apatia face às letras e a falta do cultivo intelectual, pois, segundo José de Bettencourt da Câmara e Menezes, “nem um só jornal de literatura se encontra aqui: a política só ocupava os prelos!” (MENEZES, O Crepúsculo, 15 fev. 1865, 1). Um dos pontos de complexidade no estudo, quer dos periódicos literários, quer dos não literários, é a identificação da autoria das composições. Alguns jornalistas, escritores e intelectuais da época utilizam o nome próprio e apelido, no entanto, muitos outros optam pelo uso de pseudónimos, pelo anonimato ou pela utilização de iniciais correspondentes ao seu nome completo ou outras impossíveis de deslindar. Nos periódicos literários, muitas das composições publicadas são dedicadas a personalidades madeirenses da época, que se correspondem através da publicação de poemas, sendo que, em determinado momento, entre um e outro poema dedicado, a identidade acaba por ser revelada. No que diz respeito aos periódicos literários, é absolutamente relevante destacar alguns dos títulos que fizeram história na imprensa literária regional, nomeadamente O Beija-Flor; A Aurora do Domingo: Literatura, Poesia, Variedades, Photographias; Archivo Litterario; O Crepúsculo; O Monóculo: Semanário Litterario e Humorístico; Semana Illustrada; Revista Madeirense: para a Litteratura, Commercio, Agricultura e Industria – Vulgarisação de Conhecimentos Úteis e A Pátria: Hebdomadario Litterario. O Beija-Flor foi um periódico literário de frequência semanal, publicado entre os meses de abril e setembro de 1842. Este periódico contou com 26 números e foi dirigido por Sérvulo de Paula Medina e Vasconcelos, filho do conhecido Francisco de Paula Medina e Vasconcelos, autor do poema épico Zargueida. O estabelecimento tipográfico, localizado na Rua das Pretas, no Funchal, do periódico O Defensor foi responsável pela sua impressão. O periódico literário O Beija-Flor assume-se como um protesto contra a indiferença perante a cultura, dividindo-se em secções, “Conhecimentos Úteis” e “Variedades”, nas quais se publicam inúmeras notícias e transcrições de outros periódicos nacionais e internacionais, como é o exemplo da Revista Universal Lisbonense e do Correio das Damas, entre outros. Neste periódico estão publicados artigos sobre a vaidade e o amor fraternal e as composições “Carta de um Desembargador a um Seu Filho elevado á Béca”, “D. Filippa, Raynha de Portugal, mulher de D. João I”, “Raças de Homens”, “Bahia do Rio de Janeiro”, “Quadro Histórico da Economia Nacional”, “O Abuso da Religião”, “O Ateísmo”, “Os Correios no Japão”, um conjunto de textos intitulado “Deveres Civis dos Parochos”, “Descobrimento da Ilha da Madeira”, a crónica escocesa “O Castello de Dunstan”, “Divertimentos de Luíz XVIII”, “Breve Notícia do Império do Brasil, por um Emigrado”, da autoria do pseudónimo “C.”, “Methodo para Tornar Legíveis as Escripturas Antigas”, “Modo de Destruir as Hervas Parasitas”, “Uma Vingança”, texto da autoria do pseudónimo “V.”, “A Cabeça da Valida (fantasia turca)”, de Pitre Chevalier, e “Última Embaixada dos Portugueses à China”. A Aurora do Domingo foi um periódico literário de frequência semanal, publicado entre os meses de janeiro e março de 1862. A sua existência na imprensa madeirense limitou-se apenas a 12 números. A sede da administração, redação e tipografia situou-se na Rua da Queimada, n.º 22, no Funchal. O seu objetivo primordial, segundo o seu diretor Diogo Berenguer Júnior, era “dar outra direção à literatura na nossa terra, abrir-lhe novas estradas, trilhos quase virgens até aqui […] dar aos nossos leitores romances, poesia, variedade e vistas fotográficas” (JÚNIOR, A Aurora do Domingo, 5 jan. 1862, 2-3). A Aurora do Domingo reúne diversas produções de João Augusto de Ornelas (como os poemas “Que pensas?” e “Á Virgem”), de João de Lemos (os poemas “O Túmulo de Nero” e “O Festim de Balthazar”), de E. Lemoine (“Um bom filho” e “A Perola d’Héristal”), de Casimiro Abreu (“Lembras-te?”), de Alípio Augusto Ferreira (“Um Sacrilégio”), de H. de Kock (“Jeronymo”), de Frédéric Soulié (“Carolina”), de Tomás António Ribeiro (o poema “Remorso”), de Anaïs Ségalas (“Tia e Sobrinha”). Para além das composições literárias, n’ A Aurora do Domingo estão publicados também, em vários capítulos, estudos sobre literatura da autoria do diretor Diogo Berenguer Júnior. O Archivo Litterario foi um periódico literário de frequência semanal, publicado entre os meses de abril e novembro de 1863. A sua existência na imprensa madeirense restringiu-se a 11 números, repletos de composições em prosa e poesia. Neste periódico, existem composições de personalidades ilustres do panorama cultural e literário português, nomeadamente o poema “Martyrio e Rosa”, de Mendes de Faria, e inúmeras composições poéticas de João de Nóbrega Soares, algumas delas recitadas no Teatro Esperança, em 1863, como “No Natalício de Sra. Majestade a Sra. Rainha Dnª Maria de Saboya” e “No Fausto Nascimento do Herdeiro de Portugal”. João de Nóbrega Soares foi um dos principais redatores do Archivo Litterario, detentor de uma pena proficiente, tendo publicado diversos poemas, contos e romances no periódico, designadamente “No Fausto Natalício de Sua Majestade El-Rei o Sr. D. Fernando”, “No fausto Natalício de Sua Majestade El-Rei ó Sr. D. Luiz”, as comédias teatrais em um ato “Brites d’Almeida”, “Pedrinho” e “Perdeu-se a Patente”, as prosas “A Filha dos Trabalhos”, “A Harpa do Crente”, “Flores e Diamantes” e os contos “Os Piratas”, “Os Prophetas”, “Júbilos de Natal”, “Na Floresta” (conto fantástico) e “Simples Vaidade: a História de uma Toutinegra” (conto moral). Para além de João de Nóbrega Soares, no Archivo Litterario encontram-se publicadas composições poéticas e crónicas do madeirense João Augusto de Ornelas (os poemas “A Arrependida” e “Deus” e crónicas sobre literatura), de Alípio Augusto Ferreira (o poema “Ao aniversário Natalício de Sua Majestade El-Rei Sr. D. Luiz” e “Romance em Seis Capítulos”), de Luciano Cordeiro (a prosa “O Marinheiro”, dedicada ao seu amigo e escritor Matias Figueira), de Matias Figueira (o poema “O Soldado” e as crónicas “A Oração”, “O Amor da Pátria”, “O Homem”, “As Crusadas” e “Pena de Morte”), crónicas sobre a mulher da autoria de Júlia Henriqueta de Freitas Esmeraldo, de Matilde de Santana e Vasconcelos, Viscondessa das Nogueiras (a crónica “Maio: Sôbre os Fastos de Ovidio”), de José de Bettencourt da Câmara e Menezes (as crónicas “Ilha da Madeira: Curiosidades Históricas” e “A Calúmnia”) e textos sobre a obra de José António Monteiro Teixeira, da pena de Jaime Constantino Moniz. O Crepúsculo foi um periódico literário de frequência quinzenal, publicado entre os meses de fevereiro e julho de 1865. A sua existência na imprensa madeirense limitou-se apenas a 12 números. José de Bettencourt da Câmara e Menezes foi o diretor dessa publicação, também ele colaborador noutros periódicos literários como o Archivo Litterario. O estabelecimento tipográfico Noticioso foi responsável pela impressão deste periódico, localizado na Ponte do Cidrão, n.º 1, no Funchal. N’ O Crepúsculo, encontram-se publicados inúmeros poemas e textos científicos de intelectuais incontornáveis que marcaram a cultura madeirense na segunda metade do séc. XIX. O poema “Os Sinos do Mosteiro”, da autoria do P.e Carlos Castelo Branco Acciaioli Ferraz de Noronha, encontra-se publicado na íntegra e remete o leitor para o período em que a corrente do romantismo vigorava em Portugal. De facto, a condenação do que é mundano e puramente físico está presente no poema, para além de este reenviar o leitor para a ideia de que o amor verdadeiro não é o terreno. A vida espiritual e a crença no divino são o único escape para as frustrações e ilusões da vida terrena da donzela do P.e Carlos Acciaioli, que se refugia num mosteiro: “Adeus, amigas, que me perdi na terra / o que ela encerra de ilusões, de amor, / E vou no claustro terminar os meus dias / com agonias, aflições e dor! / […] Fui condenada por amar somente!” (ACCIAIOLI, O Crepúsculo, 15 fev. 1865, 2). Da sua autoria, também se encontram publicados, neste periódico, os poemas “A uma flor”, dedicado à sua prima Josefina de Ornelas Castelo Branco, “Os Meus Amores” e a crónica informativa “O Pico Ruivo”. N’ O Crepúsculo estão publicadas igualmente composições de Luciano Cordeiro (os poemas “Revezes da Vida”, dedicado ao seu irmão Francisco Cordeiro, “No Mar”, dedicado ao seu amigo Carlos de Afonseca, “Amor”, “Ouro! Muito Ouro!” e “Sonhos d’Infância”, dedicado a Cândida de Oliveira Amaral, e os apontamentos “Revezes da Vida: Estudos para a Introdução Provável de um Futuro Romance”, dedicado igualmente ao seu irmão Francisco Cordeiro de Sousa), de Maurício Castelo Branco Manoel (o poema “O Meu Anjo” e a narrativa “História de uma Poesia”, que combina a prosa e a poesia, introduzindo o poema “A Ceifeira no Rio”), de João Augusto de Ornelas (o poema romântico “Num Álbum”), de João José Vieira (o poema “No Album de Dª Cândida de Oliveira Amaral”), de José Leite Monteiro (o poema “Soneto à Saudosa Memória do meu Bom Irmão João Leite Monteiro”) e de João de Deus (o poema “Alma”). Também com contribuições no periódico Archivo Litterario, Alípio Augusto Ferreira escreve, para O Crepúsculo, os poemas “Ella” e “Carta”. Para além dos escritos deste autor, também se encontram publicados, no periódico, um poema dedicado à benemérita Sociedade Humanitária do Funchal, intitulado “O Naufrágio”, escrito por Januário Justiniano de Nóbrega, diretor do Semanário Official, autor com obras publicadas e sobrinho de Francisco Álvares de Nóbrega, conhecido como “Camões Pequeno”. Como periódico literário, O Crepúsculo não publicou exclusivamente poesia, tendo sido igualmente publicados artigos de opinião, crónicas e notícias sobre literatura. Exemplo disso foram os textos de José de Bettencourt da Câmara e Menezes, diretor do periódico, que escreveu sobre a possível criação de um Grémio Literário, considerando ser um projeto civilizador e um “seguro esteio das ciências e das artes” (MENEZES, O Crepúsculo, 28 fev. 1865, 9). Nas páginas deste periódico encontram-se outros textos que abordam temas como a Inquisição, a Escola Médico-Cirúrgica do Funchal, Gil Vicente, a importância da imprensa, a utilidade da instrução, a Santa Isabel, rainha de Portugal, a educação da mulher, a instrução pública na Madeira no ano letivo de 1864-1865, o infante D. Henrique, entre outros. O Monóculo foi um periódico literário e humorístico de frequência semanal, publicado entre os meses de abril de 1889 e junho de 1890. A sua existência na imprensa madeirense restringiu-se a nove números. O estabelecimento tipográfico Esperança foi responsável pela impressão deste periódico literário, localizado na Rua dos Ferreiros, n.º 177, no Funchal. A secção ou página literária d’O Monóculo intitula-se “Salão Nobre” e reúne diversas produções poéticas, nomeadamente de Guerra Junqueiro (os poemas “Ruínas”, “A Escola Portugueza”, “Divan”), de Alberto Pimentel (“Animaes e Vegetaes”), de Mateus Peres (o poema “Arias do Amor: Perguntas”), de Gonçalves Crespo (os poemas “Alguem”, “A Noiva”, “Dulce”, “Em Coimbra: no Theatro Academico”, “Transfiguração”), de Luciano Cordeiro (o ensaio literário da coluna “Perfis Literários” do periódico, intitulado “Camillo Castello Branco”), de Camilo Castelo Branco (“Do Cancioneiro Alegre”: Guilherme d’Azevedo e Francisco Moniz Barreto), de Cyrillo Machado (o poema “Bianco Vestita”), de Garcia Monteiro (o poema “A Viuva Boim”), de Lorjó Tavares (“Contos Pequeninos”), Josephe Benoliel (o poema “A João de Deus”), de João de Deus (o poema “Theatro de Lisboa”), de João Penha (o poema “Vão-se os Deuses”), de Fernando Caldeira (o poema “Uns Pesinhos”), de Augusto da Fonseca (o poema “Miragem”) e Augusto de Lacerda (o poema “Pela Bocca Morre o Peixe”). A Semana Illustrada foi um periódico literário de frequência semanal, publicado entre os meses de abril de 1898 e fevereiro de 1900. Este periódico é composto por 85 números. A sede de administração e redação situou-se na Rua dos Ferreiros, no Funchal, sendo o seu editor João Rodrigues Figueira. A capa dos números do periódico da Semana Illustrada exibe, tal como o periódico A Pátria, gravuras que ilustram locais ou personalidades madeirenses e nacionais ilustres, tais como o coronel Eduardo Castelo Branco, o conde do Canavial, o bispo do Funchal, D. Manuel Agostinho Barreto, o Dr. José António de Almada, a imperatriz de Áustria, Almeida Garrett e Carlos Maria Vasconcelos Sobral, diretor da Alfândega, a capela de S. Vicente, o farol de S. Lourenço, a igreja de Nossa Senhora do Monte, o túmulo da Rainha Santa Isabel, no velho Mosteiro de Santa Clara, e o Hospital da Princesa D. Maria Amélia. Na Semana Illustrada, a secção dedicada às produções literárias intitula-se “Secção Literária” e reúne composições de Carlos Pinto de Almeida (o romance histórico A Filha do Emir, dividido em folhetins publicados ao longo da existência do periódico), de Augusta Negrão (o poema “Anjinho”), de Jaime de Sá (as prosas “Sarah”, dedicada a José Moreira do Valle, “O Mendigo”, dedicada a João Marinho de Nóbrega e o poema “N’um Album”), de João de Deus (os poemas “O Dinheiro”, “Amélia”, “Adeus”, “Adoração”, “Flores do Campo”, “Aos Annos de um Rapaz”, “Ego Dormio et Cor Meum Vigilat”, “Illusões”), de Filomena Serpa (o poema sobre a infância “Intima”), do brasileiro Luís José Junqueira Freire (o poema “Invocação”), de Manoel Ribeiro (o poema “Aspiração”), do brasileiro Gonçalves Dias (os poemas “A Infância”, “A Concha e a Virgem”), de Pedro Vidoeira (o poema “Olhos verdes!... Olhos verdes!...”), de Antero de Quental (os poemas “A tocadora de guitarra”, “Escrínio – A Senda do Calvario”), de Augusto Lima (o poema “O Barco”), de Eduardo de Aguiar (o poema “Porque canto?”), de Júlio Cesar Machado (o poema “Esperança”), de José Moreira do Vale (as prosas “A Mosca”, dedicado a Jaime de Sá, “A Ondina e o Filho da Terra”, “A Triste Viuvinha!”), de Fagundes Varela (o poema “A Serenata”), de Guerra Junqueiro (o poema “A Lagrima”), de Gil Braz (o poema em prosa “Isaura!”), de Alvares de Azevedo (o poema “A Virgem Adormecida”), de Casimiro de Abreu (o poema “Tres Cantos”), da brasileira Emília da Maia (o poema “Canção do Exilio”), de João Dantas de Sousa (o poema “A Pobre”), do Conde de Casal Ribeiro (o poema “No Jardim da Infância”), de Álvaro de Castelões (o poema “Canto da Manhã”), de Cristóvão Aires (“Ave, Regina!”), de Júlio da Silva Carvalho (o poema “Lyras”), de Raposo de Oliveira (o poema “Camponeza”), de Machado de Assis (o poema “O Verme”), de Arnaldo Damasceno Vieira (o poema “Luz e Sombra”, dedicado a Joaquim Pestana), de José Maria Adrião (o ensaio “As Pastorinhas”), de Luísa Amélia (o poema “A Rameira”), do P.e Manuel Nunes (o poema “A Esmola”), de Jorge Luis de Nóbrega (o poema “Recordação”) e de Celestino Soares (o poema “O Natal”). Na Semana Illustrada também estão publicadas composições de Augusto Forjaz (os poemas “Salve!”, dedicado a Teresa de Carvalhal, condessa de Ribeiro Real, “No Ilheu”, dedicado a Filomena Bettencourt Atouguia Brandão de Noronha, condessa de Torre Bela, e “Adamastor”), de Guy de Maupassant (a narrativa traduzida “Uma História Verídica”), de Victor Hugo (a narrativa traduzida “A Consciência”), de Alphonse Daudet (a narrativa traduzida “O Turco: Episódio da Communa”), de Valentim Machado (o poema “Hymno da Madrugada”), de António Nobre (o poema “Para as Raparigas de Coimbra”), de Henrique Murger (o conto “O Colar de Lágrimas”), do P.e Serafim Gomes (o poema “Escrínio – Amar a Dor”), de Alfredo Gallis (os poemas “O dia de Ámanhà”, “Mar da Vida”, “Saudades”, “Rindo”, “Último desejo”, “Probresito!” e “Alma Angelica”), de Alexandre Herculano (o poema “Gloria Laus Et Honor”), de João Baptista de Almeida (o poema “O Redemptor”), de Gomes Leal (o poema “Trevas”), de Neves Barreto (o conto “O Telegrapho”), de Fernando Gomes de Amorim (o poema “Oração”), de Eugénio Muniz (o conto “Uma História Verdadeira”), de Bulhão Pato (os poemas “Psalmo”, “Ave-Maria”), de Raymundo Motta (o poema “As Nuvens”), de François Coppée (o conto “Escravo de sua Palavra”), de Amélia Janny (o poema “Um Sonho”), de Paul Féval (o conto “A Família”), de José Eduardo Abrantes Silva (o poema “Viuvez”), de Manuel de Almeida Henriques (o poema “A Orphã”), de António Mendes (o poema “Não me Acreditas?”), de Pereira Bravo (o poema “O Mar”), de Camilo Castelo Branco (o poema “S. João Baptista”), de Gonçalves Crespo (os poemas “Suas Mãos”, “Na Roça”), de Affonso Gayo (o poema “Aos Anos de uma Rapariga”), de Júlio Brandão (os poemas “Madrigaes”, “Retrato”, “Cantares”), de Júlio de Castilho (o poema “A Serra”), do P.e Senna Freitas (a narrativa “A Minha Ilha”), de Guilhermino de Barros (o poema “Consolação Mútua”), de Vidal Oudinot (o poema “O Teu Cabelo”), de Lucinda Guimarães (o poema “No Campo”), de Ana de Castro Osório (“Contos”), de Aires de Ornelas (o conto histórico “A Guerra na África do Sul”), de Júlia de Almeida Bahia (o poema “Prometter e Não Dar”), de Casimiro de Abreu (o poema “O Que é Sympatia?”), de Mendes Leal (o poema “Dae!”), entre outros. A Revista Madeirense foi um periódico semanal que servia a diferentes sectores da sociedade, com o objetivo de difundir e trivializar o conhecimento, abarcando áreas como a literatura, comércio, agricultura e indústria. Este periódico foi publicado entre junho de 1901 e julho de 1902. A sede de redação e administração situou-se na Rua da Sé, sendo o seu diretor e proprietário Jaime de Campos Ramalho e o editor João Nunes Viveiros. A Revista Madeirense é composta por 84 números e teve como colaboradores fixos António Pinto Correia, o regente florestal António Schiappa d’Azevedo, Augusto Coutinho Gorjão, o tenente Cândido Álvaro da Câmara, o professor Cândido Pereira, o Dr. Carlos Leite Monteiro, o Dr. João Câmara Leme Homem de Vasconcelos (conde do Canavial), o P.e Fernando Augusto da Silva, Guilherme Teles de Menezes, o Dr. Jardim d’Oliveira, o Eng.º João H. von Hafe, o P.e João Maurício Henriques, João dos Reis Gomes, o tenente-médico José Agostinho Rodrigues, o médico veterinário José Correia Mendes, o Eng.º José Maria Melo de Matos, o capitão Júlio Acciaioli, Azevedo Ramos, o Dr. Nuno Silvestre Teixeira e o Eng.º Victorino José dos Santos. A secção ou página literária desta publicação denomina-se “Artes & Lettras” e reúne diversas produções de autores madeirenses e nacionais, nomeadamente de Alexandre Herculano (a narrativa “Um Dia Santo”), de Cândido Álvaro da Câmara (os poemas “Rustica: Quem?”, “Ruinas: O Moinho Velho”, “Santelmo”, “Joeiras”, “Retábulo”, “Espírito Gentil”, “A Morte do Clarim”), de Alice Lencastre (“Escolha de Maridos”), de João de Deus (o poma “Boas Noites”), de Emilio Castellar (“O Homem”), de Camilo Castelo Branco (“O Coração e as Lagrimas: Segundo a Sciencia”), de Alfredo de Morais Pinto (o poema “Proverbio”), de Alberto Bramão (o poema “A Raposa, a Mosca e o Ouriço”), de Gervásio Rosa (o poema “Deveneio e Supplica”), de Ricardo de Sousa (o poema “Versos à Lua”), de Ernesto Amaral (o poema “Devaneio”), de Matilde Sauvayre da Câmara (o poema “Homenagem a sua Majestade A Rainha Senhora D. Maria Amélia”, por ocasião da visita régia de D. Carlos I e D. Maria Amélia à Madeira, em 1901), de João Gouveia (os poemas “Ave-Marias”, “A meu Pae”, “Do outro Lado do Oceano”). Na Revista Madeirense também estão publicadas composições de Gonçalves Crespo (o poema “A Sésta”), de Augusto Carlos Escórcio (o poema “O Boieiro Namorado”), de Curvo Semedo (o poema “O Corvo e a Raposa”), de João de Lemos (o poema “Ella por Ella”), de Silva Gonçalves (o poema “Balsamo”), de Augusto Barreto (o poema “A Vida”), de João Viana (o poema “Dantes e Agora”), de Luís Alexandre Ribeiro de Mendonça (Barão de Uzel), de Francisco Augusto da Silveira (o poema “A Madeira: Num Álbum”, que retrata a Madeira como um destino terapêutico e um belo jardim em flor, suspenso no oceano), de João José de Macedo Júnior (o poema “Canto Nocturno”), de Alfredo França (os poemas “O Exilado”, dedicado a Costa Dias, “Lágrima Ingénua” e “Bravo”), de Simões Dias (o poema “O Teu Lenço”), de Mário Florival (o poema “Rosas Brancas: Origem d’uma Flor”), de Júlio Brandão (o poema “Canção das Águas”), de Ruy Barbo (o poema “Hymno do Descanso”), de Albino Bastos (o poema “Amor Amor”), de Arnaldo Pereira (o poema “Ella!”), de Manoel Lopes Maia (o poema “O Beijo”), de Israel Ivope (o poema “As Moças da minha Terra”), de Modesto Sanzio (o poema “A Voz do Coração”) e de Luís de Ornelas Pinto Coelho (o poema “Dias de Maio”). Na Revista Madeirense estão publicadas igualmente composições de Antero de Quental (o poema “Perdão!”), de Henrique Rosa (o poema “Liberdade”), de Latino Coelho (“A Gruta de Camões”), de Júlio Brandão, (o poema “Fonte dos Amores”), de Guerra Junqueiro (“A Alma” e “Os Três Véos de Maria”), de Luís de Ornelas Pinto Coelho (o poema “A Luz Crepuscular”), de Jorge de Lucena (o poema “Madrigal”, imitação de Belegner), de Alice Costa (o poema “Os Cinco Sentidos”), do Dr. Paulino de Brito (o poema “Enterro e Noivado”), do P.e António Vieira (“Apologia das Árvores”), de Luís Cebola (o poema “Pombas d’Arminho”), de Raul de Castro (o poema “Janeiro”), de João de Lemos (o poema “Missa do Gallo”), de Alda Rego (o poema “Primavera”), de Aníbal Amorim (o poema “Dama Regia”), de Guilheminio Sotto Mayor (o poema “A uns Olhos”), de Celestino Soares (o poema “Sol de Inverno”), de Ana de Castro Osório (a crónica “O Feminismo”), de Arnaldo Damasceno Vieira (o poema “Os Cinco Sentidos”), de Leite Brandão (o poema “Aos Vencedores d’Africa”), de António Nobre (o poema “Enterro de Ophelia”), de Ana de Assis (a prosa “Deus”) e de Ibrantina Cardona (o poema “Teus Olhos”), entre outros. Para além da secção “Artes & Lettras”, a Revista Madeirense detém uma secção intitulada "Lyra Madeirense”, com trabalhos de Luís de Ornelas Pinto Coelho, de António Feliciano Rodrigues, conhecido por Castilho, de Luís Alexandre Ribeiro de Mendonça, barão de Uzel (o poema “O Sonho do Marinheiro”), de Francisco Vieira, de Arsénia de Bettencourt Miranda (o poema “Vida e Morte”), de Cândido Álvaro da Câmara (o poema “A Apanha da Canna”), de Júlio da Silva Carvalho (o poema “Um Beijo”), de João Fortunato de Oliveira (o poema “No Pico Ruivo”). Publicou-se, somente em alguns números, folhetins literários com produções de Alphonse Lamartine (“A Marselheza”, de Ruy Barbo (o poema “Para Sempre”), de Joaquim Dicento (“O Ninho de Pardaes”), de Lev Tolstói (“De Onde Vem o Mal”), de Emílio Ferrari (“À Folga dos Pecados”), de Dionísio Péres (“Bodas de Fomes”), de Guerra Junqueiro (sobre “Victor Hugo”), de Vicente Blasco Ibañez (“O Luxo”), de Fialho de Almeida (“A Dor”) e de Justino de Montalvão (“O Tio San-Pedro”). Tal como outros periódicos, a Revista Madeirense não publicou exclusivamente poesia, tendo sido igualmente publicados artigos de opinião, crónicas e notícias. Nas páginas deste periódico existem textos ou notas históricas que abordam temas como a arquitetura, a estética, a viticultura, a carestia da vida, a climatologia, o comércio, as finanças, a horticultura, as cidades da Madeira, a visita régia de D. Carlos I e D. Maria Amélia à Madeira, em 1901, a instrução na ilha, os costumes madeirenses, igrejas e capelas e o analfabetismo. A Pátria: Hebdomadario Litterario foi um periódico literário de frequência semanal, publicado entre abril de 1906 e maio de 1907. Este periódico é composto por 37 números publicados e a sua sede de redação e administração situou-se na Rua de São Francisco, no Funchal, tendo sido seu administrador João de Oliveira, editor Ernesto Wenceslau de Sousa e redator Oswaldo da Câmara Andrade. As capas dos números do periódico A Pátria exibem biografias ou estudos sobre factos históricos e gravuras de ilustres personalidades madeirenses e nacionais, tais como do escritor Camilo Castelo Branco, da atriz Palmira Bastos, do conselheiro José Leite Monteiro, do comendador João Barbosa de Matos e Câmara, do Dr. Maurício Augusto Sequeira, de João de Deus, de Almeida Garrett, do conde da Calçada, da atriz Carolina Falco, do conselheiro Silvano de Freitas Branco, dos aniversários régios de D. Carlos I e D. Maria Amélia, dos escritores Eça de Queirós, Alexandre Herculano, Guerra Junqueiro, António Feliciano de Castilho e Luciano Cordeiro, do desenhador, pintor, entalhador e escultor Vicente Gomes da Silva, de Afonso XIII, o cônsul da Áustria e Hungria, do comendador Carlo de Bianchi, da atriz Maria Falcão e do Dr. João Augusto Teixeira, bem como artigos sobre a descoberta da Índia e o Convento de S. Bernardino, em Câmara de Lobos. O periódico literário A Pátria reúne produções de Vellouso da Costa (o poema “Mendigo”), de Ricardo de Sousa (“Se eu Fosse o Luar”), de João de Deus (“Graça”, “Marina”), de Noé Lomelino (“Em Sonhos”), de Maria Amália Vaz de Carvalho (o poema “Peccadora”), de Joaquim Pestana (os poemas “Ao Luar”, dedicado ao poeta Ernesto Rebelo, “Conselho”, “Noite”, “No Campo”, “Nas Trindades”), de Albino Menezes (as prosas “Reminiscências”, dedicada a Palmira de Sousa, “Fatalidade”, dedicado a Cruz Baptista Santos, “Meditação”, “A Pastorinha”, “Discorrendo” e o conto “A Dor Suave”), de Palmira de Sousa (a prosa “Tristezas”), de Júlio Dinis (o poema “A Esmola do Pobre”), de Ernesto Rebelo (o poema “O Fio de Perolas”), de Domitilia de Carvalho (“Deus te Pague”), de Rosa da Soledade (a prosa “Santo António”, dedicada a Palmira de Sousa), de Sousa Cordeiro (o poema “Linda”), de Francis Coppée (“O Despertar de uma Consciência”, traduzido por Jorge de Mendonça), de José Raul Lopes Rodrigues (“A uma Rosa”), de Eduardo de Aguilar (“Amae, Amae que Amar é Sofrer”), de Gonçalves Crespo (o poema “Um Numero de Intermezzo”) e de José Edgardo (as prosas “A Viúva Inconsolável”, Surprehendidos no Alto Mar”, “O Anoitecer n’Aldeia”). No que diz respeito aos periódicos de instrução e recreativos, destacamos a existência de alguns dos títulos que fizeram história na imprensa literária regional, por conterem secções, páginas ou colunas literárias em maior número e se dedicarem, largamente, a assuntos literários. Destacam-se: A Academia: Folha de Estudantes (1900-1901), A Aurora Liberal: Semanário Litterario, Órgão do Grémio Litterario Madeirense (1875-1876), A Grinalda Madeirense: Jornal Litterario, Noticioso e Recreativo (1880-1881), A Onda: Jornal de Instrução e Recreio (1871), A Penumbra Litteraria: Publicação Quinzenal dos Alumnos do Lyceu (1877), A Tribuna Académica: Órgão dos Estudantes (1897), A Vida Académica: Órgão Mensal da Academia Funchalense (1914), Alma Nova: Órgão da Caixa Escolar do Liceu do Funchal (1913-1914), Atlante / Os Novos: Quinzenário Académico (1920), Estrella Académica: Periódico de Instrução e Recreio (1875), Estrella Litteraria: Semanário do Recreio Académico (1874), Gente Nova: Número Único Comemorativo do Primeiro Aniversário da Caixa Escolar do Liceu do Funchal (1913), Gente Nova: Quinzenário Académico (1919-1920), O Académico: Órgão da Associação Académica Funchalense (1884-1887), O Estudante: Órgão dos Alumnos do Lyceu do Funchal (1890) e O Recreio: Periódico Litterario dos Alumnos do Lyceu do Funchal (1863-1864). Realce para o periódico O Recreio, publicação quinzenal dos alunos do Liceu do Funchal, publicado entre os meses de maio de 1863 e julho de 1864, sendo composto por 25 números. Todos os periódicos de instrução e recreio afirmam que a criação de um periódico recreativo surge da necessidade de estudar a literatura, iniciando os alunos através de esboços, exercícios e ensaios literários. Por conseguinte, a criação de periódicos recreativos e de instrução “tem por fim incitar os talentos em gérmen, tímidos, a fazê-los desenvolver, acostumá-los a manifestarem-se em público” (A Grinalda Madeirense, 14 mar. 1880, 1). O Recreio reúne produções literárias de José de Bettencourt da Câmara e Menezes (a crónica “O Rico”), do P.e Júlio César Pereira da Silva (as prosas “Um Bom Cristão”, “O Exílio”, “Fragmento”, “O Poeta” e a crónica “O Suicídio”), de Emília Acciaioly Rego (a crónica “A Edade”, os poemas “Meditação”, “Aos Anos de meu Irmão”), de João José Vieira (a crónica “A Ociosidade”, a narrativa “O Guarda-Floresta”), do P.e Carlos Acciaioli Ferraz de Noronha (a crónica “A Viagem do Berço para o Trono”, os poemas “Meditação”, “Salve, Ferias!”, “O Passado”, “Ao Fausto Natalício de S. M. El-Rei o sr. D. Luiz I”, “Illusão”, “O Árabe Errante”), de Damasceno Vieira (a narrativa “Lição de Grammatica”), de Maurício Castelo Branco (os poemas “Revivi”, “Saudade”, “A Minha Mãe”) e de Luciano Cordeiro (os poemas “Saudades”, “Cinismo”). A Onda, periódico de instrução e recreio, de frequência semanal, foi publicado entre os meses de setembro e dezembro de 1871. O estabelecimento tipográfico responsável pela impressão d’ A Onda localizou-se na Ponte do Cidrão, n.º 3, no Funchal. A sua existência na imprensa madeirense restringiu-se a 12 números, sendo o seu administrador Eduardo Luís Viana e o seu redator principal João de Nóbrega Soares. Este periódico reúne inúmeras produções de João de Nóbrega Soares (os poemas “Deus”, dedicado a Platão de Waxel, “Recordação”, “Sim: a um Amor Perfeito Amarelo”, “Imagem Celeste”, “Voou!”, “A uma Madresilva”, “Tu”, “Linda de Chamounix”, “O Retrato”, “Não Creio”, “A uma Malta Encarnada”, “Noites Tristes”, “Saudade: no Tumulo de seu Irmão”, “Longe da Pátria”, o romance “Amor do Trabalho” e as crónicas “Da Magia do Amor”, “O Theatro”, “A Literatura e a Sociedade”), de Francisco Vieira (os poemas “A Ave do Cemitério”, “O Inverno”, “Adeus”) e de Luiz d’Ornellas Pinto Coelho (os poemas “A Morte duma Menina”, Impressões duma Doença”, “Orphan”, “Canção”, “Ouve!”, “Poesias”, “A Um Retrato Photographado”). Destaque também para A Aurora Liberal, órgão do grémio literário madeirense da sociedade de estudantes do Liceu do Funchal, de frequência semanal, publicado entre os meses de fevereiro de 1875 e fevereiro de 1876. A sua existência na imprensa madeirense limitou-se a oito números. O estabelecimento tipográfico Funchalense foi responsável pela impressão deste periódico literário, sendo a sede da direção do periódico situada na Rua da Carreira, n.º 238, no Funchal. A Aurora Liberal surge da necessidade de “desenvolver por meio de conferências literárias o gosto da leitura e do estudo” (A Aurora Liberal, 1 dez. 1875, 1). A sua secção ou página literária intitula-se “Secção Poética” e reúne produções literárias de Ciríaco de Brito Nóbrega (as crónicas “A Vida do Campo”, “A Pena de Morte”, “Á memória de José António d’Abreu”, “A Morte Prematura”, “O Mar”, “A Instrucção Popular”), autor que utilizou o pseudónimo de Alberto Didot nas composições literárias que publicou no Diário da Madeira, de Guimarães Fonseca (a crónica “O Amor da Família”), de António Fernandes de Figueiredo Ferrer Farol (a crónica “A liberdade e a Escravidão”) e de Luís de Ornelas Pinto Coelho (o poema “A uns Olhos”). A Grinalda Madeirense, periódico literário, noticioso e recreativo de frequência semanal, foi publicado entre os meses de março de 1880 e março de 1881. A sua existência na imprensa madeirense foi de 46 números, sendo o seu diretor João Jovita dos Santos O estabelecimento tipográfico Funchalense foi responsável pela impressão deste periódico, localizado na Rua de João Gago, n.º 12, no Funchal. A sua secção ou página literária intitula-se “Secção Poética” e reúne diversas produções, nomeadamente de Francisco Vieira (o poema “Saudades”, dedicado ao seu amigo Ângelo Hermenegildo dos Santos, “A Irmã da Caridade”, “Portugal”, “O Palácio dos Nobres”), de João Caires (“O Soldado”, dedicado ao seu amigo Henrique Luís Monteiro, “Insomnias”, dedicado ao seu amigo João Jovita dos Santos, “A Vista d’uma Mulher”), de José Maria do Casal Ribeiro (“o poema “Nunca Mais”) e de Tomás Ribeiro (o poema “Foge!”), entre outros. O periódico O Académico foi o órgão da Associação Académica Funchalense, de frequência quinzenal, publicado entre os meses de dezembro 1884 e fevereiro de 1885, ressurgindo novamente entre os meses de maio de 1886 e dezembro de 1887. O estabelecimento tipográfico Funchalense foi responsável pela impressão deste periódico recreativo, localizado na Rua de João Gago, n.º 12 e na Rua da Sé, n.ºs 31 e 32, no Funchal. O Académico defendia que a educação do Homem era contínua, na medida em que as ciências e as artes o cultivavam e animavam. O seu principal objetivo era a instrução, pelo que a existência deste órgão oficioso visava preencher a lacuna da indiferença pelo conhecimento, afastar o Homem das trevas da ignorância e promover a instrução como meio que revoluciona o intelecto (O Académico, 1 dez. 1884, 1-2). Este periódico é constituído por secções históricas, literárias e científicas, que reúnem textos sobre o aparecimento da imprensa, a história e o estudo das línguas, as invasões bárbaras, o feudalismo, botânica, os aluviões, reformas da instrução secundária, a vida académica e o estado do ensino. Esta publicação reúne composições de Francisco Vieira, de Gomes Leal, de João José de Macedo Júnior, de Nabucodonosor (pseud. do autor António Augusto Teixeira de Vasconcelos), de Cândido Gomes, de Casimiro de Abreu, de Luís Osório, de Alberto Pimentel, Li-li (pseud.) e Nemo (pseud.). O periódico Gente Nova foi publicado em fevereiro de 1913, um número único comemorativo do Primeiro Aniversário da Caixa Escolar do Liceu do Funchal, sendo o seu diretor Nóbrega Quintal. Sendo propriedade da Caixa Escolar do Liceu do Funchal, esta publicação reúne produções de Nóbrega Quintal (“As Senhoras”, soneto recitado no Sarau, no dia 3 de fevereiro de 1913, pelo estudante e amigo Álvaro Ladislau de Freitas), de Eugénia Rego Pereira (“Recuerdos”), de Jaime Câmara (“Águias Feridas”), de Manuel Ribeiro (“Os Livros”, dedicado à Academia Funchalense) e de João Cabral do Nascimento (“Um Engano”). O periódico Alma Nova, de frequência quinzenal, publicado entre os meses de dezembro de 1913 e fevereiro de 1914, sendo os seus diretores Damião António Peres e Alexandre da Cunha Teles, o administrador António Trigo e os redatores Luís Vieira de Castro e José de Ornelas Monteiro. A sua existência na imprensa madeirense limitou-se a seis números. As secções dedicadas à literatura intitulam-se “Secção Literária” e “Página Literária” e reúnem produções de Horácio Pinheiro (o poema “A Mocidade”), de João Cabral do Nascimento (o poema “Incógnita”, “Valências do Sim”, “O Consocio da Lua”, excerto de um poemeto, e “O Tango”), de João Soares da Cruz (“Idílio”, dedicado ao seu amigo João Barata), de Osório Fernandes (“Avé-Maria”, “À Noite”), de Osório Alves de Araújo (“Bertha”, “Rosa”) e de Nóbrega Quintal (“Excerto dum Poemeto”, do seu Livro do Sonho). Gente Nova, periódico académico de frequência quinzenal, foi publicado entre os meses de outubro de 1919 e março de 1920, com uma segunda série em fevereiro de 1921. A sede de redação e administração deste periódico situou-se na Rua Dr. Vieira (Rua da Carreira), sendo redator e administrador Henrique José da Sousa Machado, editor José Lino e redator Jaime de Oliveira. Este periódico reúne composições de João Reis (o poema “Balada da Saudade”, “A Sonhar”, “Lembranças da Velha Aldeia”, “Rústico”, “Um Beijo”), de José Duro (o poema “Cego”), de Álvaro Manso (“Soneto”, “Rondas”, “O meu Palácio Branco”), de António Vaz (“Soneto”, “Quem te manda?”), de Daniel da Costa (“Soneto”, “Os teus Cabelos”, “Bom Pagamento”, “A Ilha dos Intrusos”, “Ao Novo Ano”, “O Fim do Mundo”), de António Nobre (“Soneto”), de Horácio Bento (“Impressões Coloridas”) e de Manuel F. Rosa (“História em Páginas Soltas”). O periódico Atlante (antigo periódico Os Novos) foi uma publicação académica de frequência quinzenal, publicada em maio e dezembro de 1920, sendo seus diretores António Beirão, Horácio Bento, Álvaro Favila e Octávio Marialva, editor José Maria da Conceição Carvalho e redatores os professores Manuel F. Rosa e Carlos N. Lopes. O Atlante afirma-se como um periódico que luta pela liberdade intelectual e pela verdade contra a inferioridade moral, assumindo-se como um jornal combativo e apolítico. Neste sentido, impõe-se como “um grito formidável e vivificante de independência e de verdade, de sinceridade e de altivez, neste ambiente torpe, maléfico e hipócrita […] um caminho de crítica, de verdade e de honra” (Atlante, 1 maio 1920, 1). O Atlante reúne composições de diversas personalidades que fazem parte do panorama cultural madeirense, desde Álvaro Manso (“Soneto”, “Milagre da Água”, “Halali da Loucura” e “Rondas”, dedicado a Albino de Menezes), Horácio Bento (“Aquela Brasileirita”, “Da minha Janela”, “Entardecer Agónico”, “Reminiscência: Inverno Trágico”, as crónicas “No Montado”, dedicada a António J. Barros de Freitas e “O Parque Encantado”), José Muralha, Daniel da Costa (“Métromania”, “Sonhando Verdades”, “Não tinha Nada”), Manuel F. Rosa (“Videntes da Beleza”, dedicado a Eduardo de Ascenção, e o soneto “A Azenha Abandonada”, a carta “À Morena dos meus Encantos”, “Sonho Romântico”, “Sonho Pagão”, “Bem-dição”, “O Jovem Rei-Senhor”), Antero de Quental (sonetos), Octávio Marialva (“Primavera Paga Veni Electa Mea”, “Depois da minha Morte”, “Em Louvor da Beleza: Virgo Fidelis”, “Perfume-Luz”, “Barcarola Estival da Beira-Mar”, dedicado a Horácio Bento), José Duro (“Neo-Mazeppa”), Gomes Leal (sonetos), Julieta B. de Mendonça (“Lygia”), Carlos Penalva (“Autos Profanos: Dulce”), Carlos Marinho Lopes (“Confidências”, “Antonieta”), Emília Costa Marques (a novela “Ilusões Perdidas”) e José Máximo (“Cavalgata dos Anões”). Excluídos dos periódicos literários, estão os periódicos políticos, religiosos e noticiosos, por não tratarem com maior incidência a literatura. No entanto, é relevante salientar que a maioria dos periódicos madeirenses, do séc. XIX e primeira metade do séc. XX, têm na sua constituição alguns folhetins, pequenas secções ou colunas literárias. Dos periódicos políticos destacam-se: A Flor do Oceano: Jornal Político, Litterario e Religioso (1860-1866), A Fusão: Jornal Político, Litterario e Commercial (1868), A Razão: Jornal Politico, Litterario e Religioso (1867-1874), O Amigo do Povo (1850-1853), O Debate: Liberal, Político, Manhoso, Religioso e Noticioso (1902), O Direito (1857-1911), O Fixe: Folha Mensal Literária, Humorística e Combativa (1928-1929), O Tempo: Órgão da União Republicana (1912-1913/1918), entre outros. Dos periódicos religiosos destacam-se: A Cruz: Semanário Catholico (1901-1902), A Esperança: Órgão Catholico (1914), A Luz da Madrugada: Semanário Religioso, Noticioso e Litterario (1902), O Rebáte: Liberal Anti-Jesuítico, Religioso, Politico, Litterario, Scientifico, Noticioso, Commercial e Humorístico (1901-1902), Religião e Progresso: Jornal Religioso, Litterario, Político e Scientifico (1879-1880), entre outros. Dos periódicos noticiosos e de anúncios destacam-se: A Atalaia: Folha Literária, Crítica, Económica, Artística e Política (1892-1893), A Aurora: Semanário Commercial, Agricola, Industrial, Scientifico e Litterario (1911), A Espora (1891-1892), A Imprensa (1862-1863), A Lucta (1896), Athenista: Órgão dos Empregados do Commercio (1913-1914), Brado d’Oeste (1909-1918), Diário da Madeira (1880-1940), Diário da Tarde: Folha Noticiosa, Commercial, Litteraria, Industrial e Agrícola (1881-1882), Diário de Notícias, Gazeta da Madeira: Publicação Política, Litteraria, Artística e Commercial (1866-1869), Heraldo da Madeira (1904-1915), O Funchalense (1859-1861/1886), O Paquete (1874-1876), O Réclame: Jornal de Anúncios (1889-1891), entre outros. Bibliog.: A Grinalda Madeirense, 14 mar. 1880, p. 1; ACCIAIOLI, Carlos, “Os Sinos do Mosteiro”, O Crepúsculo, 15 fev. 1865, p. 2; Archivo Litterario, 15 abr. 1863, p. 1; Atlante, 1 maio 1920, p. 1; JÚNIOR, Diogo Berenguer, “Introdução”, A Aurora do Domingo, 5 jan. 1862, pp. 2-3; MENEZES, José de Bettencourt da Câmara e, “Introdução”, O Crepúsculo, 15 fev. 1865, p. 1; Id., “Um Grémio Litterario”, O Crepúsculo, 28 fev. 1865, p. 9; O Académico, 1 dez. 1884, pp. 1-2; O Recreio, 1 maio 1863, p. 1; ORNELAS, José Augusto, “Carta aos Directores do Crepúsculo”, O Crepúsculo, 15 maio 1865, pp. 52-53.  Fernanda de Castro (atualizado a 11.08.2016)

diarística

A palavra diário deriva da palavra grega “ephemerides” que vem de hêmera - dia. Em latim, a palavra “diarium”, proveniente de dies, significa o mesmo. Consideramos, então, diarística, a prática ou o ato de escrever um diário. A definição de diário além de ser ambígua não é consensual. Optamos pela definição de Philipe Lejeune para quem o diário é um relato fracionado, escrito retrospetivamente, mas com um curto espetro de tempo entre o acontecido e o registo, em que um “eu”, com vida extratextual comprovada ou não, anota periodicamente, com o amparo das datas, um conteúdo muito variável, mas que singulariza e revela, por escolhas particulares, um eu-narrador sempre muito próximo dos factos. Na realidade, nesta espécie de “pensamento em voz alta escrito num papel” (Yipner y Clark, 1988,176, Angulo V. 1988,201), o diarista vai registando os factos à medida que vão acontecendo, mas também retrospetivamente, criando uma ilusão de espontaneidade, por meio de fragmentações e elipses. Ao registar o quotidiano, anotando factos, pensamentos e procurando conter a passagem do tempo, o diarista organiza, a priori, o que não é subordinável, pelo que se entende que a base do género diarístico é a tentativa de racionalização das experiências de vidas. Não podemos deixar de notar que os géneros confessionais, nos quais se incluem as memórias e os diários são tão antigos no universo literário quanto o desejo humano de preservar a sua existência e/ou escapar à morte. No sentido etimológico, confessar significa desvelar, manifestar e/ou dar a conhecer. Durante muito tempo, estas narrativas escritas na primeira pessoa foram consideradas menores, estando, por conseguinte, excluídas do cânone literário. Todavia, já na Antiguidade, surgem vários exemplos de exames de consciência, assim como das várias técnicas para aperfeiçoar o diálogo consigo mesmo. Não estamos ainda perante um diário, embora estas técnicas tenham evoluído ao longo do tempo, para aquilo que, a partir do século XVI, ficou conhecido como o diário espiritual. Na verdade, esta forma de diário espiritual, de exame de consciência, pode ser considerada a primeira forma de diário íntimo, já que o diarista dialoga com Deus e consigo mesmo, em segredo. Trata-se de uma prática difundida desde os tempos da Contra-Reforma e largamente promovida pela Companhia de Jesus. A par destes diários espirituais/ religiosos, temos notícia dos registos de conta e, já no século XIV, dos chamados livros de família, nos quais os mercadores registavam as compras e as vendas, organizando e fazendo um balanço diário. Importa notar que se tratam essencialmente de documentos coletivos que perduram durante a Antiguidade e toda a Idade Média, mas que, dada a sua fragilidade, acabaram por se perder. Em Roma, as famílias mais abastadas mantinham dois registos, um de contas e outro de crónicas. Estes “livros de razão” mantidos pelas famílias serviam sobretudo para assegurar a continuidade. Sem regras definidas, reuniam dados pessoais e familiares mas incluíam informações relativas ao local e as regiões. Sem preocupação em manter a regularidade, selecionavam e registavam o que devia ficar para a memória. Eram, regra geral, escritos por homens e foram, durante largos anos, desconhecidos do público em geral. No entanto, esta prática foi amplamente promovida pelo puritanismo inglês e pelo pietismo alemão, durante os séculos XVII e XVIII respetivamente. Estamos, ainda, perante um registo de caráter coletivo. No final do século XVIII, a diarística surge como prática educativa, como elemento de formação moral, conceito divulgado na obra Essai sur l’emploi du temps (1810) de Marc-Antoine Julien. Aliás, na França e durante o século XIX, promoveu-se a escrita de diários que eram controlados por tutores e professores. Só a partir da Renascença, se poderá falar em diário íntimo, hábito largamente difundido graças à chegada do papel. Todavia, só a partir do século XIX, se generalizou o uso de cadernos prontos a serem usados. Por outro lado, importa notar que a proliferação da escrita diarística, ocorrida entre o final da Idade Média e o século XVIII, está intimamente ligada à invenção do relógio, do calendário e da agenda, já que, só a partir de então, a noção de tempo se aproxima daquilo que hoje conhecemos. A partir do momento em que o tempo se tornou mensurável, tornou-se, consequentemente, precioso e irreversível (e digno de registo). A literatura íntima começa a fortalecer-se a partir do estabelecimento da sociedade burguesa e da difusão da noção de individuo, ou seja, quando, no Ocidente, o homem adquire a convicção histórica da sua própria existência. Textos centrados no sujeito sempre houve; porém, somente a partir do século XVIII, se pode pensar em género confessional ou em literatura íntima. Note-se que, na Antiguidade, não existiam fronteiras absolutas entre as formas ficcionais e as formas de apresentação do “eu”. Na era medieval, e segundo Costa Lima, “a observação e a descrição do mundo externo desapareceram por completo atrás da representação de factos” (COSTA, 1986, 250). Segundo Alain Girard, antes da ideia de indivíduo não é correto falar neste género e o diário é uma consequência a exaltação dos sentimentos e da moda das confissões que assolaram a Europa durante o romantismo. Tal como sustenta Witold Rybczynski ,“foi com a aparição, precisamente, do mundo interno do individuo, do eu e da família, que as pessoas começaram a considerar o lar como um contexto adequado para acolher essa vida interior” (Witold, 1991, 50). Além do aumento da população, da maior acessibilidade ao papel com custos mais reduzidos, o facto da religião perder força e da ciência não responder a todos os anseios do homem, abriram campo para o desenvolvimento da subjetividade e para a descoberta do “eu”. A burguesia desencantada parte, então, em busca de tudo o que possa esclarecer este “novo mundo” interior. Para Sheila Maciel, o século XIX assistiu à afirmação da diarística e dos “escritos dos prisioneiros do eu” (neuróticos, obsessivos e mulheres) uma vez que um número considerável de leitores com apetite voyeur se alimentava de detalhes secretos e alheios, acreditando penetrar, assim, na intimidade do autor. Estava, supostamente, garantido o sucesso destas publicações e, talvez deste modo se explique a proliferação de diários de adolescentes, sobretudo do sexo feminino. Se, até ao século XIX, o diário tinha objetivos utilitários, sendo tido como uma espécie de confessionário, um alívio do sofrimento, um contributo para a autoformação e, eventualmente, uma catarse feita “entre portas”, a partir do século XIX, o público começa a interessar-se por este género, enquanto manifestação literária. Na realidade, a partir de certo momento, uma série de escritores cedem ao apelo da diarística e do mercado, e começa a tornar público os seus escritos íntimos. Já no século XX, a diarística apresenta-se como género literário através do qual um sujeito dialoga consigo mesmo ou com outrem (real ou imaginário) e temos exemplos de escritores que, através do diário, foram refletindo sobre o (seu) mundo, os acontecimentos e as gentes: É o caso de Miguel Torga que, entre 1941 e 1993, publicou dezasseis volumes do seu Diário; Sebastião da Gama, cujo Diário apenas seria publicado em 1958, após a morte do autor e José Saramago que, entre 1994 e 1998, publicou cinco volumes dos Cadernos de Lanzarote. Não parece haver dúvidas de que o século XX foi o século das memórias, onde se assistiu a uma profusão de relatos na primeira pessoa plasmados de incertezas e de interrogações. Hoje, a diarística é entendida como uma escrita paradoxal que procura conciliar a divulgação com o intimismo. Na realidade e segundo Luana Soares de Sousa, nos nossos dias, os diários interessam à humanidade pois “a escrita do eu pode ser definida como uma forma de salvação do homem dos nossos dias em um mundo que já descre de projectos de salvação colectiva” (SOUSA, 1997, 126). Por outro lado, não podemos negar que o diário expõe amplamente o problema dos limites da arte e da escrita, construída entre o facto e o artefacto, ao justapor composições literárias e não literárias. Se um texto genuinamente literário é aquele que toca a essência humana, não há dúvida de que a diarística, voltada para a condição humana e para o sentido da vida se enquadra neste panorama (FREIXAS, 1996, 12). O diário é lido como um texto para que cheguemos ao homem, é uma espécie de testemunho pessoal. Assim, e de forma incontornável, o leitor envolve-se num diálogo de si consigo próprio e porque se desenvolve tendencialmente fora dos territórios, muitas vezes definidos como pertencentes à literatura, é tido como o género mais delicado e o mais maldito, sendo, por isso, esquecido [e menosprezado] pela crítica. Todavia, manter um diálogo consigo através das folhas de um diário poder ser uma espécie de resposta à solidão que ronda o ser humano nestas últimas décadas. Nesse sentido, Antonello Morea alerta que escrever uma confissão pode ser um ato próximo do comportamento mítico, já que ao descrever-se, o diarista luta contra o tempo cronológico que passa. A página em branco - um amigo, um confidente a quem tudo se pode confiar -permite fugir à pressão social e acaba por contribuir para a paz social e para o equilíbrio do indivíduo. Por outro lado, o papel [em branco] funciona como um espelho onde o diarista se projeta e se revê, sendo, simultaneamente, o lugar da construção de uma imagem positiva, mas também o lugar de exame e de introspeção: um verdadeiro laboratório - uma viagem. Dar voz aos diferentes “eus” contribui para fomentar a coragem e a ação e até mesmo a criatividade, contrariando a eventual passividade, erradamente atribuída ao diário. A escrita de si, porque introspetiva, propicia a uma autorreflexão que se volta não tanto para a busca de um certo “universal” do homem, mas para a exploração da natureza fragmentária e contingente da condição humana, traduzida na particularidade de cada experiência individual. Regra geral, assume-se que tudo o que está registado foi o que aconteceu, ou seja, de que estamos perante um relato verídico. A impossibilidade de conferir os factos relatados leva o leitor a aceitar tudo o que está escrito. Porém, jamais se poderá confundir sinceridade do diarista com veracidade do que está escrito. Sheila Maciel alerta para o facto de que embora o diário possa ser um registo com pretensão de verdade, uma busca de si mesmo, uma escrita narcisística, um texto hermético e uma ficção, não deixa de ser, jamais, uma prática de escrita e leitura que compartilha com os leitores uma pulsão da vida, pelo “eu e pela sua permanência”. Aliás, Blanchot (1971) defende que ali se narra o que não se pode confidenciar, o que é real demais, mas não necessariamente a verdade. Como testemunho biográfico que é, o diário gravita entre a categoria de ficção e não ficção, sendo, por isso, uma prática de escrita e leitura, e sobretudo, um exercício de estar no mundo. Na escrita diarística, poderá existir uma grande afinidade entre o texto e o leitor, já que este, ao ler, vai relembrando, revivendo e refletindo sobre as suas próprias experiências. Além do mais, o diário cria a ilusão de que o autor se desnuda, aproximando-se, portanto, do leitor e da verdade. Todavia, e tal como qualquer discurso, o diário é uma produção humana entrecortada de ficção. Segundo Rosa Montero, a adesão a este género depende do jogo de expetativas coletivas que afeta públicos variados. Na realidade, o número de diários íntimos publicados aumentou, ou porque o público busca um conhecimento íntimo sobre quem escreve ou porque os autores deixaram de temer a partilha de intimidades. No entender de Leyla Perrone Moisés, o gosto mudou e, nesse sentido, pode-se considerar o diário um acréscimo dentro do panorama literário da pós-modernidade. Não é fácil traçar o perfil de um diarista, todavia tem em comum o gosto pela escrita. Nos tempos atuais, podemos dizer que manter um diário corresponde a uma certa noção de poder que cada indivíduo tem de se administrar a si mesmo. Outra questão pertinente prende-se com os fatores que terão influenciado o desenvolvimento da diarística. Numa primeira linha, há que ter em consideração as mudanças ocorridas no sistema educativo, bem como as várias reformas levadas a cabo ao longo dos tempos e que aumentaram significativamente a taxa de alfabetização. A invenção da folha de papel e uma maior acessibilidade a materiais de escrita foram igualmente decisivos, assim como a Reforma Protestante e o subsequente aumento da consciência individual. Para Beatrice Didier, a regra do diário é a periodicidade, já que é preciso que o diário contenha um caminhar apoiado no calendário. Na realidade, o primeiro gesto do diarista é escrever a data. É ela que marca a entrada dos textos e, apesar da prática diarística permitir toda uma liberdade de formas e conteúdos, o diário tem de obedecer ao passar do tempo. Ao organizar os dias, o diário empresta uma identidade narrativa ao quotidiano e sendo uma construção memorialista, obedece apenas a duas formalidades: a fragmentação e a repetição. O caderno de registo poderá conter imagens, fotos, recortes ou esboços já que cada um imprime um toque pessoal ao seu documento. Nesse sentido, e tal como uma obra de arte, o diário é uma obra-prima; um exemplar único. Philipe Lejeune apurou que os primeiros diários foram escritos por homens, tendo igualmente concluído que a escrita de um diário se inicia numa fase de infância, sobretudo no caso das raparigas. No que diz respeito aos motivos pelos quais se inicia a escrita de um diário, estes podem ser uma crise, uma doença, um episódio marcante, uma viagem. Sabemos que, recorrentemente, a diarística tem sido recomendada como acompanhamento de terapias, atuando, de forma eficaz, sobretudo perante cenários traumáticos. Lejeune acrescenta que este hábito raramente dura a vida toda, pois, com alguma frequência, os manuscritos são destruídos. Se, por um lado, os diários masculinos servem essencialmente para tomar notas dos acontecimentos mais marcantes, sejam eles ligados aos negócios, à política ou a família, por seu turno, os diários das mulheres são vistos como “conversas” com a família e os amigos, servindo para manter toda a gente informada, para relembrar momentos felizes ou infelizes, para contar histórias e, essencialmente, para fortalecer laços. E porque seguem o padrão do discurso oral, são igualmente narrativas interrompidas que rapidamente mudam de tópico e de tom. Porém, e porque dão sentido à vida, ajudam a construir a própria identidade. Na tentativa de sistematizar as caraterísticas dos diários, sugerimos uma espécie de coreografia: Atividade discreta ou secreta; Acessível a qualquer pessoa; Hábito passageiro; Escrito periodicamente e de forma irregular; Pressupõe uma ordem cronológica de eventos; Narrador na primeira pessoa; Narrativa debruça-se sobre si e sobre o mundo; Revelam sentimentos e estados de espírito; Narrativa fragmentária e repetitiva; Narrativa monotemática e descontextualizada; Não visa a publicação; Desvaloriza os erros gramaticais e outros e exige uma leitura “entre linhas”; uma apreensão dos não-ditos. Se não é fácil caracterizar o perfil do diarista, também não é tarefa fácil chegar a consenso quanto à importância do género. Em boa verdade, os próprios diaristas questionam o valor daquilo que escrevem. Já Roland Barthes se havia questionado sobre este assunto. Esta dúvida está ligada ao facto destes escritos estarem carregados de subjetividade e de serem introspetivos, assentando, por conseguinte, na assunção de que quanto mais íntimo, pessoal e trivial, menor interesse suscitará. Efetivamente, Allain Girard defende que a interioridade acaba por diminuir o valor do diário, acreditando, por oposição, que um texto que comporta uma perspetiva mais abrangente de mundo e de pensamento, terá maior numero de leitores. Por seu turno, Maurice Blanchot critica ferozmente a escrita diarística sustentando que “Há no diário como que uma feliz compensação de uma dupla nulidade. Quem não faz nada na vida, escreve que não faz nada e pronto, é como se houvesse feito alguma coisa. Quem se deixa desviar da escrita pelas futilidades de seu dia, recorre a esses nadas para contá-los, denunciá-los ou se comprazer e, pronto, mais um dia cheio... Finalmente, portanto, não se viveu nada, nem se escreveu, duplo fracasso a partir do qual o diário encontra sua tensão e sua gravidade” (Blanchot apud Lejeune, 2008, 266). Na realidade, o diário é essencialmente tido como um processo de libertação, um método através do qual uma pessoa liberta a suas angústias e frustrações. Por outro lado, está igualmente associado à procura de um caminho, de uma orientação, pressupondo, assim, que quem escreve se encontra à deriva. Alguns críticos insistem pois na ideia de que antes de ser um texto, um diário é sim uma prática, sugerindo que a diarística é um modo de vida. Tudo isto justifica, eventualmente, o pouco interesse que estas narrativas suscitam em termos de publicação. Além do mais, estes textos fazem parte, geralmente, de arquivos familiares e, se por um lado, são documentos de difícil acesso, por outro, comportam a questão da autenticidade, e até mesmo, a dúvida em relação à revisão e edição do texto, alertando assim para os retoques que os manuscritos sofrem antes de virem a público. No que concerne ao valor literário destes textos, Jeremy D. Popkin and Julie Rak admitem que tal questão é completamente irrelevante, já que o diário não é um texto literário. A escrita de um diário não visa a publicação e os ataques de que esta forma de escrita são alvo prendem-se essencialmente com questões relativas ao desconhecimento da mais-valia que estas narrativas poderão trazer às mais variadas áreas do saber. No que diz respeito à Ilha da Madeira, estamos em crer que o hábito de escrever um diário, embora pouco enraizado, terá seduzido as adolescentes das várias gerações. Todavia, estes manuscritos ficaram quase sempre resguardados do público e são, regra geral, mantidos em gavetas bem fechadas ou destruídos num momento de “viragem” da vida. Consequentemente, a tarefa de resgatar estes textos não foi tarefa fácil. A nossa base de trabalho foram os catálogos disponíveis na Biblioteca Pública Regional, na Biblioteca Municipal do Funchal e na rede internet. Donald Silva elaborou, em 1987, um catálogo intitulado A Bibliography on Madeira Islands, ao qual recorremos no intuito de completar a nossa listagem. Sem surpresa, o maior número de publicações são diários de viagem embora tenham surgido alguns diários pessoais, pertencentes a coleções particulares e , por conseguinte, não disponíveis ao público. No que concerne aos diários de viagem, temos a referir seguintes obras: Great Niece’s Journal: Being Extracts from the Journals of Fanny Anne Burney From 1830-1842 e editado por Margaret S. Rolt, em 1926. Foi dado à estampa em Boston e é composto por 359 páginas; Journal of na excursion around the Island of Madeira de Charles J. Cossart e de J. Starkie Gardner e que se reporta a uma viagem realizada entre 29 de maio e 9 de setembro de 1880; Journal of the late Embassy to China de Henry Ellis, publicado em Londres, em 1817; Journal of an African Cruise (by an officer of the US Navy) editado por N. Hawthorne em Londres de 1845 e composto por 179 páginas e A trip to Madeira, being the jornal of Edward Watkinson Wells presented to the English Rooms by Mr. James Hayden Wells  e que relata uma estada no Funchal entre outubro de 1836 e junho de 1837 e que pertence à coleção da família Cossart. No que diz respeito a diários íntimos, salientamos, o diário de Stephen Gaselee que se reporta a outubro 1848 (manuscrito entregue a Harry Cossart); o diário 1863, da autoria de Joseph Habasham, publicado pela King Spencer Bidnell em 1958; Notebooks de George Harvey Hayaward, composto por 4 volumes e que abarca os anos de 1849 a 1894; e o diário de Elisabeth Phelps 1836-37 que faz parte da coleção Cossart. Tal como já referimos, os diários de viagem, sobretudo escritos por estrangeiros que passaram ou ficaram alojados no Funchal durante a época de oitocentos, são os mais representativos. Note-se que os diários de bordo precederam os diários de viagem. Os Fenícios foram os primeiros a descreveram as suas peripécias e, mais tarde, durante os séculos XII e XVI, os navegadores foram-nos aperfeiçoando. No que diz respeito à Madeira, foi, durante o século XIX, que se assistiu a um maior número de publicações. O Journal of the Voyage to the Niger, editado por William Jackson Hooker (1785-1865), relata, e tal como o nome indica, uma viagem, mas enumera as plantas recolhidas pelo Dr. Theodore Vogel, botânico que acompanhou a primeira expedição britânica ao rio Niger realizada em 1841 e comandada pelo Capitão H. D. Trotter. Está incluído na coleção C.B.A.M. William Jackson Hooker  (Norwich, 6 de julho de 1785 — Londres, 12 de agosto de 1865), sócio da Royal Society de Londres, foi um botânico  especialista em micologia e em criptogâmicas, que se celebrizou como diretor dos Royal Gardens de Kew, instituição que dirigiu na fase decisiva do seu desenvolvimento inicial, de 1841 até ao seu falecimento em 1865. A ele se deve o alargamento do Jardim, a sua abertura ao público e a construção da famosa Palm House, durante muitas décadas a maior estufa do Mundo. Foi professor de botânica da Universidade de Glasgow (1820 a 1841), e supervisor do Jardim Botânico daquela cidade. Editou diversas publicações científicas, entre as quais o mensário Botanical Magazine (1826 a 1865), o qual ilustrou entre 1826 e 1834, ano em que Walter Hood Fitch (1817-1892) gradualmente assumiu essa responsabilidade. Apesar de não ter formação académica em botânica, foi um dos principais naturalistas do seu tempo, tendo publicado mais de duas dezenas de obras de grande fôlego e valor científico, as quais trouxeram significativos avanços no conhecimento dos fetos, algas, líquenes e fungos, bem como das plantas superiores. O jornal de Emily Shore datado de 1831-39 foi escrito pela jovem britânica Emily Shore (1819-1839) que se recolheu no Funchal com intuito de melhorar o seu estado de saúde. A jovem Shore era filha de Thomas e Juliana Shore e tinha duas irmãs, Arabella e Louisa e um irmão, Richard. Emily viveu essencialmente “entre-portas”, privando com os seus familiares e com a comunidade britânica. O diário está dividido em 12 volumes e inicia-se a 5 de julho de 1831 e termina a 24 de junho de 1839, dias antes de a jovem falecer. A média de páginas por volume é de 150. Inclui desenhos e esboços feitos pela própria, assim como poemas, vários fragmentos, a história de Roma e ainda 3 contos. A preparação da obra para publicar esteve a cargo das irmãs, Louisa e Arabella, em 1891, ou seja, mais de 50 anos após a sua morte. O relato inicia com a descrição da família e a localização e descrição da residência. A restante narrativa vai se desenvolvendo por vários lugares em Inglaterra tais como Casterton, Woodbury, Exeter, onde a jovem vai dando conta da sua rotina, ao mesmo tempo que partilha as suas emoções, os seus medos, as suas angústias e peripécias. O capítulo 13 inclui a preparação e partida para a Ilha da Madeira, onde a jovem, por recomendação médica, veio restabelecer-se. As páginas que se seguem contam da vivência insular e sobretudo da tentativa de apreciar a beleza natural da ilha, da força, da energia que contrasta fortemente com a condição física da jovem que, contudo, se esforça por plasmar o deslumbramento. Todavia, a saudade de casa nunca a abandona e, à medida que a jovem sente as forças diminuírem, aumenta o desejo de poder regressar e gozar do aconchego da terra que a viu nascer. O journal of a visit to Madeira and Portugal, 1853-54, de Isabella de França, foi alvo de publicação bilingue: inglês e português, em 1970. Trata-se de uma iniciativa inédita e que esteve a cargo da Junta Geral do Distrito Autónomo do Funchal. Isabella Hurst de França (1797-1880) veio ao Funchal em lua-de-mel (e liquidar os bens que o morgado ainda possuía na ilha), na companhia do seu marido, o Morgado Henrique de França, tendo tido a oportunidade de privar com a elite madeirense e estrangeira, ao mesmo tempo que foi confrontada com o pouco desenvolvimento da ilha e das suas gentes. O jornal é composto por 8 capítulos e apresenta um número total de 263 páginas. Inclui ilustrações elaboradas pela própria autora. Oferece um prefácio e uma introdução. O relato inicia-se com a partida de Londres para o Funchal e termina com a passagem por Lisboa e o regresso a casa do casal. Isabella foi uma observadora atenta do modo de vida madeirense na época de oitocentos e o seu olhar, critico, e por vezes, mordaz, suscita alguma polémica. Eberhard Axel Wilhem, refere o diário da governanta alemã Augusta Werlich, intitulado na versão original por Reisetagebuch, e da qual faz parte um relato da passagem pela ilha da Madeira, sob o titulo Seis meses e meio na Madeira (1854-1855) que abrange 97 páginas. O manuscrito alemão encontra-se na posse da família Vidal, pois a governanta acompanhou esta família hamburguesa numa viagem que fizeram à Itália e à Madeira por recomendação médica. Permaneceram no Funchal entre 17 de novembro de 1854 e junho de 1855, tendo ficado alojados na Quinta dos Santos. Tiveram a oportunidade de conviver com a comunidade alemãs tendo participado em almoços, jantares, bailes e passeios a cavalo. Através deste relato foi possível verificar que os filhos do casal Vidal tinham aulas de línguas: português, espanhol e francês, com o professor Rodriguez Cascalho. A dama de companhia lamentou a falta de lojas de comércio no Funchal e queixou-se da longa espera pela chegada da correspondência e da falta de sabonete. Notou também a habilidade em bordar e classificou os madeirenses como muito belos. Durante a estada, aproveitou para dar passeios pela ilha e socializou igualmente com a elite madeirense. O diário de Mary Phelps (1822-1893) foi escrito enquanto a jovem, filha de Joseph Phelps, viveu no Funchal e permite caracterizar não apenas a família mas também aferir acerca da restante comunidade britânica residente no Funchal, do negócio do vinho, das relações entre a ilha e as autoridades nacionais e estrangeiras, bem como entender de que modo os ingleses se relacionavam com as gentes locais. Ao mesmo tempo, o leitor partilha as ansiedades, os medos, os desejos e os sonhos de uma adolescente. Trata-se de um documento manuscrito, composto por 14 cadernos e que se encontram depositados numa biblioteca londrina. Abarca os anos de 1839 a 1843. A memória familiar Victorian Hangover , da autoria de Frances Roper, está disponível on line e relata a história da família Hubbard, que tem ligações com a família Phelps, razão pela qual existe um capitulo dedicado à Madeira e aos Phelps. Contém o relato de uma viagem à Madeira, em 1954. Igualmente disponível numa versão online, temos Elisabeth Macquaire: 1809 Journal, onde se relata a passagem pelo Funchal entre os dias 12 a 19 de junho de 1809, numa viagem que o casal Macquaire fez com destino a South Wales. Elisabeth Macquarie foi a segunda mulher de Lachlan Macquarie, nomeado governador de South Wales, entre 1810 e 1821. Acompanhou o marido nesta viagem e enquanto viveu na Austrália viajou consideravelmente. O casal teve 2 filhos, uma rapariga e um rapaz. Foi ainda possível encontrar diários de viagem escritos por madeirenses, embora em número reduzido. Foram os casos de um relato e uma viagem de barco à volta da ilha da Madeira e dois registos de viagem espiritual já que os próprios autores identificam o trajeto/diário como uma peregrinação. A obra intitulada Vinte e um dias em bote, de Humberto Passos Freitas, apresenta como subtítulo “relatório de uma pequena excursão marítima em torno da Ilha da Madeira”. Foi publicada em 1923 e foi dedicada à esposa. Estamos perante um diário de viagem, já que o relato das peripécias desta viagem se encontra organizado, de forma cronológica. Num total de 130 páginas, Passos Freitas inicia a sua narrativa a 8 de outubro de 1923 e termina no dia 30 de setembro do mesmo ano. O relato está dividido em capítulos nomeadamente, o barco, a tripulação, as provisões e, por fim, a viagem. Reis Gomes assina uma obra intitulada Através de França, Suiça e Itália que apresenta como subtítulo “diário de viagem” e foi dedicado “aos amigos que tomaram parte na peregrinação de 1926”. O livro apresenta uma fotografia do autor e inclui 24 gravuras. Apresenta um total de 369 páginas e está dividido em capítulos, a saber, notas de viagem; Lourdes, Marselha; Nice; Mónaco; Génova; Pisa; Roma I, Roma II, Roma III, Roma IV, Nápoles, Pompeia; Assis; Loreto; Florença; Pádua; Veneza, Milão; Suíça; Lyon; Paray; Paris; Versailles e Bordéus que correspondem aos sítios por onde o autor passou, entre julho e agosto de 1926. Reis Gomes adverte o leitor de que não se tratam notas de viagem mas sim de “rápidos apontamentos tomados em toda a parte” e relembra que como se trata de uma peregrinação, guardará “recolhimento em relação a este assunto”. Antes da publicação, refere que “expurgou o caderno dos apontamentos mais pessoais” e pede desculpa pela “falta de interesse, os lapsos e pelo estilo telegráfico”. Reis Gomes saiu do Funchal no dia 5 de julho, pelas 21 horas, a bordo do “Formose” e chegou a Lisboa pelas 11h onde prosseguiu até La Rochela. Daí, tomou o comboio em direção a Lourdes. Os amigos que o acompanharam regressaram 15 dias antes do próprio, a bordo do vapor “Hoedic”. Maria Celina de Sauvayne da Câmara publicou, em 1899, um diário de viagem intitulado “De Napoles a Jersusalém”, obra que dedicou à avó. O livro não tem índice e as entradas estão organizadas por ordem cronológica e com um título: a bordo do Regina Margherita; Alexandria; Cairo, Jaffa; Jerusalém e Bethem. O relato inicia-se a 12 de março de 1898 e termina a 19 de abril do mesmo ano. Apos uma estada de 5 meses em Nápoles, a autora saiu a bordo do vapor “Regina Margherita”. Celina da Câmara intitula-se peregrina e, ao longo da sua narrativa, vai retratando os locais, descrevendo monumentos e pessoas, assim com a beleza das paisagens, ao mesmo tempo que fala dos seus estados de alma. O texto está repleto de estrangeirismos tais como bello; shocking ou revês. A peregrina (é assim que se autodenomina) termina o seu diário de viagem dizendo: “Deixei a Palestina (…) faz-me pensar que volto para a Europa, o centro da civilização com todos os seus defeitos, loucuras, ambições e misérias, que são o fito da humanidade irrequieta e nunca satisfeita com a sua sorte (…) justamente é esta hora das confidências a parte do dia em que mais vivemos pela imaginação! (…) a última página deste jornal que emudeceu e fechei”. Está aqui bem patente como o diário se ajusta adequadamente a uma introspeção, a um balanço da vida, a um (re)pensar que ajudará a retomar os ânimos e a seguir em frente. Todavia, esta passagem espelha igualmente que realidade e imaginação se encaixam, colocando eventualmente dúvidas quanto à verdade contida na diarística. No que diz respeito à obra de Carlos Olavo (1881-1958), Prisioneiro de guerra na Alemanha (1918), trata-se de notas escritas durante o período de cativeiro, pois o autor combateu na Flandres na Primeira Guerra Mundial como oficial miliciano de artilharia. Olavo  nasceu no Funchal a 7 de julho de 1881. Formado em Direito, na Universidade de Coimbra, foi expulso em 1907, por envolver-se em atividades políticas contra a Monarquia, pelo que só concluiu os estudos em 1908. Exerceu advocacia e foi nomeado secretário-geral do Governo Civil de Lisboa (1910-1911), secretário-geral do Tribunal Arbitral das Associações de Socorros Mútuos de Lisboa. Foi ainda deputado à Assembleia Nacional Constituinte (1911) e ao Congresso da República (1911-1915; 1915-1917; 1919-1921; 1921-1922; 1922-1925). Morreu em Lisboa a 16 de novembro de 1958. No preâmbulo, o autor explica, que “ellas sofrem, portanto, dos altos e baixos d’um estado d’espirito desigual que umas vezes era tomado d’uma viva excitação e outras cahia nos desânimos d’uma depressão doentia a que não eram estranhas nem as humilhações que me infligiram, nem as vicissitudes que me fizeram passar. Mas exaltado ou abatido, colérico ou sereno, o espirito só comunicou ao papel factos incontestáveis, impressões vividas, reflexões sinceras, observações exactas.” Esta publicação está disponível na Biblioteca Municipal do Funchal. Mais recentemente, em 2003, foi publicado mais um diário de guerra da autoria de Lídio Araújo. A obra “Os Bravos da picada” refere-se à 2ª Companhia do Batalhão Expedicionário 5014 que cumpriu serviço em Zobué, Moçambique entre novembro de 1973 e dezembro de 1974. O texto organizado por entradas cronológicas vai relatando o teatro de guerra desde a partida do contingente para o Ultramar até ao regresso a Lisboa, a bordo do boeing 707, Pedro Alvares Cabral, “onde não se canta, grita!” e cuja viagem culminou ao grito “Companhia, destroçar” que antecedeu o reencontro com as famílias em Figo Maduro. A obra inclui um epílogo e um conjunto de fotos, bem como a lista com os nomes de todos os membros da companhia. A obra de Irene Lucília Andrade, Um lugar para os dias, saiu à estampa em outubro de 2013. É composta por 7 capítulos que correspondem aos anos de 2007 a 2013 e tem um total de 283 páginas. As entradas estão organizadas por ordem cronológica. Estamos perante uma espécie de cartas dirigidas a um amigo (anónimo) onde a autora discorre sobre os dias que já passaram, relatando viagens, experiências, peripécias, anseios e sonhos, fazendo como que uma espécie de balanço da vida que se foi construindo. Termina dizendo que “aqui te deixo o que chamo “a vida sobre a vida”, ou como queiras, “um lugar para os dias”. Nos dias que correm, a diarística mudou o suporte. Abandonou o papel e substitui écran do computador. O mundo virtual está repleto de blogues alimentados diariamente e nos quais, o autor vai dando largas à sua imaginação, quer através de textos inéditos quer através de colagens ou fragmentos que ajudam a construir um perfil (real ou imaginário). Mantém a organização cronológica mas dá a possibilidade do texto ser partilhado/ publicado em tempo real embora também possa ser mantido em segredo. Aliás, a possibilidade de criar um perfil falso assegura não só o anonimato como poderá (ou não) aumentar a autenticidade. Bibliog.: BOGAERT, Catherine e LEJEUNE, Philipe, Le Journal intime, Histoire et anthologie, Les Editions Textuel, Paris, 2006; GANNET, Cinthia, Gender and the Journal: Diaries and Academic Discourse, Suny Press, 1992; MALLON, Thomas, A book of one’s own: People and their diaries, 1995; POPKIN, Jeremey, Rak, Julie, On Diary, Biographical Research Center, Hawaii University, 2009. Cláudia Faria (atualizado a 16.08.2016)

cadernos ilha

Coleção de 11 títulos de oito autores, fundada e dirigida por José António Gonçalves, entre 1988 e 2001. Inaugura-a com 20 Textos para Falar de Mim (Poemas de 1970-1985), qual “Litania insular”, título do derradeiro poema, em que desagua o geral discurso da ilha (originário da, escrito no e sobre “o dorso” da ilha), e este projeto editorial: “não sinto nunca a necessidade de escrever / um poema magnífico / como o silêncio / dum crepúsculo lento // creio que isto causa apreensão a qualquer artista / mas a obra urge surgir sem apetrechos decorativos, branca e nua / como uma ninfa em pântanos indescortináveis / e distribuir-se simples e concreta – um sorriso breve – / num rosto claro de mulher / ou como o pão fresco e saboroso / sobre a mesa / que bem o conhece e o espera // só assim será possível a conquista de espaços transparentes / na penumbra dos quotidianos aflitos e possessivos / e as manhãs possuirão aquela luz da novidade e da esperança / que apenas os barcos aprenderam a trazer até aos rebordos verdes / – trespassados pela monotonia ecoante do mar rasgando as rochas – / da ilha infatigavelmente prostrada no centro dos horizontes / aguardando certamente a chegada da gaivota calada e serena / para em cada voo erguer o grito do mar sob os céus mais infinitos”. Numa lírica de minúsculas e verso branco libérrimo ‒ assumida pelo octeto ‒, é nesta coletânea que, ainda assim, há visos de rima. No geral, não há rasgos formais a assinalar. Na página 2, explica-se a iniciativa, “fruto da constatação da imperiosidade de criação de um espaço literário aberto e responsável, integrado porém no espírito que presidiu aos alicerces do Movimento ILHA: afirmação cultural do âmago dos contornos que definem a insularidade como tema criativ”. Os volumes Ilha 1 e Ilha 2 eram de 1975 e 1979; os seguintes, de 1991, 1994, 2008: significava isso a necessidade de outra experiência, por autor, e não em grupo? Não só: temendo a asfixia de assunto em parcos cultores ilhéus, J. A. Gonçalves inaugura, antes do último título, e com título seu, Noites de Insónia (1998), a Coleção Livros de Cordel, extensiva aos que, também continentais, não tinham forçosamente afinidades eletivas com o arquipélago. Agora, impõe-se uma “temática insular” de autóctones ou residentes, com preferência pela poesia, que será exclusiva; e avança-se “derrotando o alheamento e sufocando lacunas – limando o calhau com a força do mar, ali mesmo, sempre presente como uma fronteira”. Além de convidar artistas locais para ilustração da capa e de prefaciar quatro dos partícipes, outra preocupação animava J. A. Gonçalves: a lembrança post mortem, e justo reconhecimento, de A. J. Vieira de Freitas (1940-1982) e Jorge Freitas (1921-1960), com, respetivamente, 14 Poemas Inéditos (n.º 2, 1988) e Alguns Poemas Insulares e Outros Textos (n.º 7, 1995). Daquele, atento ao social entre laivos surrealizantes, já Ilha 3 (1991) se quisera “homenagem póstuma”, com outros inéditos, cujo roteiro sensacionista de lugares nos adentrava no fenómeno ilhéu como estádio mais vasto da condição humana. Este interviera em edições coletivas entre 1952 e 1958, tendo lançado a expensas suas Alguns Poemas Insulares (1954), tão-somente seis, de sabor marinho, e parca originalidade; agora, acrescem 34 outros textos desde 1946 retirados de espólio mais largo. A soltura da voz, livre, sem peias vocabulares, mantém-se viva, refrescante, quer na reiterada reflexão sobre o fazer poético, quer nas associações insólitas e lições de vida deste velho companheiro de Herberto Helder e Carlos Camacho, em Poemas Bestiais (1954). Veja-se “Calcanhar d’Aquiles”, anúncio de exercícios por outros articulados nas décadas seguintes: “Sagitário feriu / o calcanhar do mundo / e homero e virgílio / escreveram os lusíadas / que luís vaz camões / escrupulosamente assinou. / Então, judas comprou uma guita / por trinta dinheiros / e içou a humanidade / ao infinito”. Ou estoutro: “Li hoje um poeta / Daqueles que fazem versos, / Só versos. / Que estúpido animal. / E pensarmos nós / Que há tanta besta desta / Em Portugal”. Dalila Teles Veras, emigrada desde 1957 em São Paulo, onde Madeira: Do Vinho à Saudade (n.º 3, 1989) teve 2.ª edição (1997), relembra a atividade vinícola, ou “via profana em cinco atos”, e, a par de evocações de gentes e momentos fortes (“Cena Domingueira”, “Bordadeira”, “Meu Avô José”, “Fragmento”, “Gosto de Cereja Madura”), revisita lugares-chave do turismo (Cabo Girão, Porto Santo): “De que divindade te alimentas / fantástica goela escancarada para os céus? / Falta-te o mar, sobram-te mistérios / e o assombro perene permanece em teu vale / prenhe de lendas e verde. //[…] Pequena e rendida, observo-te / frémito de medo e êxtase / e das flores do rochedo onde me agarro / faço um ramo agreste em oferenda / aos deuses deste lugar” (“Curral das Freiras”). A Mão que Amansa os Frutos (n.º 4, 1990), de Irene Lucília Andrade, é um eurítmico périplo em 26 etapas regulares: “Longos caminhos percorri / curvos (que é como eu gosto dos caminhos) / e descansei à sombra do silêncio / atrás de ocultos encontros”. Nomear os frutos é conjugar os elementos (em particular, terra e água) – discreta metáfora para cantar, após genesíacas reminiscências ou a “luz grega” de setembro, a reedificada Pasárgada que o poeta em si variamente colhe e acarinha. Essa euritmia volta, contudo, num alfabeto incompleto e solar, apesar de dor, dúvida e protesto se insinuarem. Antologia Verde (Poemas, 1973-1979; n.º 5, 1991), no nome completo José António de Freitas Gonçalves, é a primeira antologia deste, desde o coletivo Movimento até ao título esgotado A Crista de Neptuno. Se há poetas de antologia – no que isso representa de balanço regular e revisão de impurezas, fazendo-se novo rosto –, J. A. Gonçalves é um deles, na sua permanente inquietação. Explicita-se, logo, assumida “homenagem à ilha, fonte primeira da imagética que à palavra deu cor. É também a assunção da verdura – roupagem indisfarçável no corpo dos poemas escritos na juventude – que alimenta os textos coligidos […]”. Mais consistente, e coerente, será Aventura na Casa dos Livros (n.º 10, 2000). A par do discurso à volta do ‘livro’ (índice, biblioteca, guia, lombada e outros vocábulos da respetiva semântica), que não deixa de ser o desenvolvimento de um conceito resumido ao génesis de outro mundo – o universo da criação literária –, em que o sujeito também descansa ao sétimo dia (ver segundo poema), e pese, ainda, algum tom imperativo, os velhos encavalgamentos vão-se reduzindo a inflexões menos sonoras e, esbatido esse galope, impõe-se “retrato breve”, com diluição metafórica, fixando instantes, “crónica citadina”, poetas e músicos, amigos. Sobrevém o desejo de uma sintaxe, de maiúsculas e pontuação correntes, pulverizadas ou ausentes na produção anterior. Encerrando uma coleção decerto desigual, com sacrifício inclusive financeiro de J. A. Gonçalves, Esquivas São as Aves (n.º 11, 2001) está discretamente invadido de pequenos desaires, maus augúrios, vazio crescente… O verso é mais rápido, fechando em desconforto, quando não desinteresse. E outra é, enfim, a “Ilha Dilacerada”: “Tenho uma ilha dilacerada nas mãos / desfeita em bocados de terra quente e viva / explodindo o seu verde pelos meus dedos. // […] // É uma ilha dilacerada por ausências / com memórias de vinhos e de açúcares / na sua madeira carcomida pelo tempo.” Deve ser lido com As Sombras no Arvoredo (2004) ‒ início de outra coleção ‒, onde o poema “Destino” enuncia a preocupação crescente com o lugar, glosado em ilha, calhau, funcho, meada e tear do destino. Falta referir os números 6, 8 e 9: Carlos Nogueira Fino, Contemplação do Olhar (1992); São Moniz Gouveia, Cartas para um Tenente (1996); Teresa Souto, Um Olhar Além de Mim (1998). Aqui, é um tropel de sensações – “volúpia antiga” não isenta de interrogações – em estreia que aguarda confirmação. Na também estreante São Moniz Gouveia (assina, hoje, Laura Moniz), as várias frentes (caso de “W. B. Yeats e Batman Numa Banheira”) denunciam dispersão e aleatório atrás de um motivo firme em índices de sensualidade: um corpo feito sentidos, cuja consumação vencesse angústias e mágoa: “queria que fosses / um primeiro sentido do orgasmo / fome de sexo permanente / que se curva à luz solar / e eu manto de veludo quente / ruído de lágrimas / transpirada em gargalhadas / por toda a tua pele” (“Simbiose”). O continental Carlos Nogueira Fino há muito conquistara outra pátria. No primeiro de 71 sketches, vislumbra-se argumento de uma existência: “pátria pode ser a transparência / do chão onde se enxerta a alma / no mais puro perfume do silêncio // onde se acendem as íntimas janelas / que se abrem para as árvores”. Na irrupção de dícticos (os demonstrativos “este”, “esta”, a par de mais raros “aqui”, “agora”) e interlocução dirigida a uma segunda pessoa ‒ na participação de Ilha 4 (1994), ressalta um tom imperativo (“vem”, “assentemos”) ‒, percebe-se o espírito do lugar, convidando à contemplação de paisagens interiores. Bibliog.: ANDRADE, Irene Lucília, A Mão Que Amansa os Frutos, Funchal, s.n., 1990; FINO, Carlos Nogueira, Contemplação do Olhar, Funchal, José António Gonçalves/Grafimadeira, 1992; FREITAS, A. J. Vieira de, 14 Poemas Inéditos, Funchal, José António Gonçalves, 1988; FREITAS, Jorge, Alguns Poemas Insulares, Funchal, s.n., 1995; GONÇALVES, José António Freitas, 20 Textos para Falar de Mim, Funchal, José António Gonçalves, 1988; Id., Antologia Verde, Funchal, José António Gonçalves, 1991; Id., Aventura na Casa do Livros, Funchal, Correio da Madeira, 2000; Id., Esquivas São as Aves: Poemas, Funchal, Correio da Madeira, 2001; GOUVEIA, São Moniz, Cartas para um Tenente, Funchal, Correio da Madeira, 1996; SOUTO, Teresa, Um Olhar para além de Mim, Funchal, Correio da Madeira, 2000; VERAS, Dalila Teles, Madeira: do Vinho à Saudade, Funchal, José António Gonçalves, 1989. Ernesto Rodrigues (atualizado a 13.10.2016)

brandão, raul germano

Nascido no Porto a 12 de março de 1897, Raul Germano Brandão frequentou o curso de Letras da Universidade de Coimbra, mas acabaria por enveredar pela carreira militar por influência dos pais. Sem vocação para o Exército, seriam as letras o seu grande legado. Escreveu numerosos artigos em jornais e revistas; publicou contos, impressões de viagem, peças de teatro e ensaios históricos, entre os quais se podem destacar: Impressões e Paisagens (1890); A Farsa (1903); Os Pobres (1906); Húmus (1917); Memórias (1919-1933); Os Pescadores (1923); O Gebo e a Sombra, O Rei Imaginário, O Doido e a Morte (1923); As Ilhas Desconhecidas (1926); O Avejão (1929); Pobre de Pedir (1931). Óscar Lopes e António José Saraiva realçam que “o aspeto mais importante da obra de Raul Brandão é a sua dor de consciência perante a humanidade explorada” (SARAIVA e LOPES, 1987, 1035). Esta é uma característica transversal à sua obra, e que também se faz presente no livro de viagens As Ilhas Desconhecidas, no qual o autor narra uma viagem que fez aos arquipélagos dos Açores e da Madeira, descrevendo com mestria a paisagem, mas também a solitária e ímpar condição insular. Nesta obra, a par do deslumbre que sente perante a paisagem madeirense, Brandão mostra-se sensível à vida difícil que marca o quotidiano dos madeirenses. No capítulo “Visão da Madeira”, Raul Brandão escreve: “Nunca mais me esqueceu a manhã virginal da Madeira, as cores que iam do cinzento ao doirado, do doirado ao azul-índigo – nem a montanha entreaberta saindo do mar diante de mim, a escorrer azul e verde” (BRANDÃO, 2011, 179). Mas o deslumbramento pela Ilha, que nasce com a observação da paisagem marítima, não ignora as dificuldades adivinhadas na própria orografia: “Acentua-se a dureza, as chapadas, as ravinas, os cortes perpendiculares e cor de ferro, adivinha-se o drama que deve ter sido este parto, cheio de convulsões e de desmoronamentos, quando o grande cataclismo dilacerou e desmembrou o continente submerso, deixando patentes, neste resto, feridas que ainda hoje sangram” (Id., Ibid., 180). Nas páginas seguintes, Raul Brandão, fascinado pela paisagem da Ilha, narra os seus passeios, descrevendo o declive, as cores, as vistas dos picos mais altos. No entanto, passado o “primeiro entusiasmo”, declara: “Vejo tudo a frio. Esta ilha é um cenário e pouco mais – um cenário deslumbrante com pretensões a vida sem realidade e desprezo absoluto por tudo o que lhe não cheira a inglês. Letreiros em inglês, tabuletas em inglês e tudo preparado e maquinado para inglês ver e abrir a bolsa. Eles saem dos paquetes – e logo o Funchal se arma como um teatro” (Id., Ibid., 194 e 195). É “a frio” que conclui que os negócios do turismo, do álcool e do açúcar degradaram o povo e enriqueceram apenas alguns. A sua visão humanista leva-o a afirmar que, com o teatro “para inglês ver”, “lucraram os negociantes e os hoteleiros”, enquanto “cada vez se cava mais funda a separação entre as classes chamadas superiores e as outras”. “O vilão, que antigamente passava com papas de milho três vezes por dia e dormia feliz com toda a família num buraco térreo, é hoje um alcoólico inveterado, que até desaprendeu de rir” (Id., Ibid., 197). Diz mesmo que o álcool nem as mulheres deixou de fora, as quais “acompanham o homem no grogue e dão às crianças de mama chuchas de álcool”. Apesar das suas descrições impressionistas, descrevendo paisagens como quem pinta um quadro, não deixa de fazer um retrato amargo das gentes que vivem na Ilha, como se a paisagem tivesse contaminado o destino dos homens e das mulheres. Um destino anunciado logo ao avistar a Ilha, onde “a cada momento que passa, mais alto e mais escuro se me afigura o paredão que nos interceta o mundo. Só há uma vaga claridade para o lado do mar; o resto é negrume alcantilado e monstruoso colaborando com a espessura da névoa e o indistinto da noite. É o homem, subvertido, duas vezes isolado entre a montanha e o mar. É uma alma. E essa pequenina luz humilde chega a ser para mim extraordinária de grandeza: é uma estrela que me faz cismar” (Id., Ibid., 181). Todo o relato desta viagem à Madeira surge, assim, entre o encanto que a Ilha provoca, com as suas paisagens e o seu clima ameno, e a fria e real descrição das condições de vida das populações. A narrativa de viagem oscila entre o poema inspirado pela natureza e o carácter de reportagem crítica da realidade, exprimindo o significado que o mar e a terra encerram na condição insular. O próprio Raul Brandão reconhece, no início do livro, que este “é feito de notas de viagem, quase sem retoques”, embora amplie um ou outro quadro, sem tirar a frescura das primeiras impressões. “Não poder eu pintar com palavras alguns dos sítios mais pitorescos das ilhas, despertando nos leitores o desejo de os verem com os seus próprios olhos!…” (Id., Ibid., 10) O que se segue, contudo, é um quadro perfeito de uma época, pintado por um viajante que recusa a mera descrição impressionista, para traçar um retrato crítico que não é esbatido pela poesia da paisagem. Raul Brandão integrou a Geração de 90 (séc. XIX), a qual foi influenciada pela estética decadentista-simbolista de matriz parisiense. Seria um dos elementos do cenáculo portuense responsáveis pela elaboração do opúsculo Os Nephelibatas (1892), manifesto em prol da arte moderna e pastiche decadentista. O esteticismo e o ludismo decadente e libertário foram conceções que compartilhou com outras vozes suas contemporâneas, como as de António Nobre, Alberto de Oliveira, Júlio Brandão, Justino de Montalvão, D. João de Castro. Depois da fase “nefelibata” e do artificialismo dândi, Raul Brandão transitou para uma fase de responsabilização ética, na qual fundaria a sua sensibilidade estética. Os textos publicados no Correio da Manhã teriam um elevado sentido ético-social, refletindo sobre um mundo em crise de valores. As questões sociais e religiosas podem ser encontradas em obras como História d’um Palhaço (1896), enquanto o naturalismo se espelha em Impressões e Paisagens (1890). Parte integrante da sua obra é também o catastrofismo finissecular de pendor apocalíptico, acompanhado pela reivindicação da necessidade de uma revolução humanitarista, presente em obras como Húmus, Memórias e O Pobre de Pedir. As suas narrativas de viagens, onde se incluem as obras Os Pescadores e As Ilhas Desconhecidas, anteriormente mencionada, são verdadeiros quadros de paisagem ao jeito impressionista de quem pinta. Faleceu a 5 de dezembro de 1930, em Lisboa. Obras de Raul Germano Brandão: Impressões e Paisagens (1890); Os Nephelibatas (1892) (sob pseud. Luiz de Borja), História d’Um Palhaço (1896); A Farsa (1903); Os Pobres (1906); Húmus (1917); Memórias (1919-1933); Os Pescadores (1923); Teatro. O Gebo e a Sombra, O Rei Imaginário, O Doido e a Morte (1923); As Ilhas Desconhecidas (1926); O Avejão (1929); Pobre de Pedir (1931). Bibliog.: impressa: BRANDÃO, Raul, As Ilhas Desconhecidas. Notas e Paisagens, pref. António Machado Pires, Ponta Delgada, Artes e Letras, 2009; Id., As Ilhas Desconhecidas. Notas e Paisagens, Lisboa, Quetzal, 2011; NEPOMUCENO, Rui Firmino Faria, A Madeira Vista Por Escritores Portugueses (Séculos XIX e XX), Funchal, Empresa Municipal Funchal 500 anos, 2008; PIRES, António Machado, O Essencial sobre Raul Brandão, Lisboa, INCM, 1997; SARAIVA, António José e LOPES, Óscar, História da Literatura Portuguesa, Porto, Porto Editora, 1987; digital: REYNAUD, Maria João, “Raul Brandão e Vitorino Nemésio: Afinidades Espirituais e Estéticas”, Revista da Faculdade de Letras. Línguas e Literaturas, vol. XVIII, 2001, pp. 221-230: http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/3032.pdf (acedido a 26 jul. 2016); VIÇOSO, Vítor, “Raul Brandão”, in Camões. Instituto de Cooperação e da Língua: http://cvc.instituto-camoes.pt/seculo-xx/raul-brandao-35424.html#.Vz3rWfkrLIU (acedido a 26 jul. 2016).  Raquel Gonçalves (atualizado a 12.10.2016)

regionalismos madeirenses

Um povo vai herdando, das gerações anteriores, tradições, usos e costumes. A sua forma de falar a língua que utiliza quotidianamente também a obteve por essa mesma via. Porém, moldando-a segundo as suas cambiantes necessidades, altera-a, ganhando esta novos contornos. Passará para as gerações vindouras não como um todo imutável, mas como uma realidade em constante transformação. Caberá aos herdeiros preservar e valorizar toda esta riqueza linguística: a do passado (mesmo se em desuso), como são muitos arcaísmos, e a do presente (ainda em uso), tanto a criada, como a importada. Por vezes, alguns falantes, não sendo linguistas, mas possuindo um sentido muito apurado do valor dessa herança, vão intervindo no sentido de a conservar, procedendo consoante os meios de que dispõem. Sucedeu assim no arquipélago da Madeira, desde as primeiras décadas do séc. XX às do XXI, com os chamados “vocabulários” (pequenas publicações que ordenam, alfabeticamente, vocábulos considerados de cariz regional) ou “glossários” (listagens ordenadas alfabeticamente com definições breves ou alongadas de vocabulário usado nos trabalhos onde figuram) dos regionalismos. Estudar para identificar e classificar os regionalismos madeirenses (plano geográfico e dialetal) do passado e do presente (plano temporal e histórico) coloca várias questões, nomeadamente culturais (plano cultural e etnográfico), que quem se dedica à sua análise tem de equacionar. Quem recolheu os materiais existentes, concentrando-se em registar para não olvidar, não se terá, muitas vezes, questionado sobre o assunto, que, todavia, não foi nem será pacífico. Desde o início, vão sendo produzidos (e apenas alguns publicados), entre outra tipologia, artigos de periódicos na imprensa regional e nacional, vocabulários, livros com temáticas culturais ou com textos narrativos, glossários em dissertações e textos no espaço cibernáutico ou noutros meios de divulgação. Neles, constam recolhas linguísticas que, para um leigo na matéria, comportam dados fidedignos, mas que, em grande parte dos casos, se tornam problemáticos para um estudioso destes assuntos. O motivo da problemática é elementar: na base, nenhum deles se terá orientado por critérios científicos e o resultado final é um produto pessoal da exclusiva responsabilidade do autor que foi o “recolhedor” e o “decisor”. Logo, vai sendo anotado sob a designação de “regionalismo madeirense” o que cada autor considerou ser um “regionalismo” específico do arquipélago ou de cada uma das ilhas, com as referências mais recentes a recorrerem às mais antigas (que muitas vezes nem citam). Na maioria das recolhas, são elencados por ordem alfabética termos que os próprios consideram regionalismos da RAM, mas que, em muitos casos, já em 1950 não o seriam. É o caso das corruptelas, deturpações fonéticas próprias de um registo oral com forte marca popular como “arroibar” (“roubar”), “astrever-se” (“atrever-se”), “auga” (“água”) e “queto” (“quieto”) (PESTANA, 1970), “acarditar” (“acreditar”) e “próve” (“pobre”) (CALDEIRA, 1993). Helena Rebelo (REBELO, 2010) faculta, entre outros, os seguintes exemplos: “zdóiro” (“Isidoro”), “zabel” (“Isabel”), “zenebra” (“genebra”), “zango”/“zongo” (“zangão”) e “zenabre” (“zinabre”). As percentagens de elementos a excluir das listagens são consideráveis. A falta de critério científico para a inclusão de termos dessas listas em artigos, vocabulários, livros, glossários em dissertações, etc. tem sido o principal problema, impedindo que se lhes possa dar total credibilidade. Consequentemente, no início do séc. XXI, as obras que existem são apenas parcelas de um todo, isto é, um valioso património que aguarda a feitura de um dicionário específico. Portanto, é evidente que, apesar de o número de publicações ir aumentando anualmente, ainda está por publicar um verdadeiro dicionário que ultrapasse o mero levantamento pessoal e individual, limitado e defeituoso, dos vocabulários e glossários existentes. Antes de concretizar esta obra, é indispensável pensar, detalhadamente, sobre o tema. Interessa saber, linguisticamente falando, o que é um regionalismo. Como se identifica? Que critérios se podem usar para o distinguir de um termo que não o é? Desde quando se considera existirem regionalismos no arquipélago da Madeira? Que materiais comprovam a sua existência? É possível classificar como regionalismo um termo usado em várias áreas geográficas? Não será esta coexistência a própria negação da sua essência como regionalismo? O que é comum a duas ou três comunidades não deixará de ser específico e original, logo, próprio de uma região? Poderá haver afinidades entre regionalismos (termos da linguagem regional) e populismos (termos da linguagem popular)? Serão regionalismos os termos usados unicamente por uma camada da população ou terão de perpassar pelos vários estratos sociais? Definição e alcance global do conceito de “regionalismo madeirense” A proposta de definição avançada por Gouveia é bastante ampla, sendo, essencialmente, de âmbito etnográfico: “O regionalismo [...] constitui a manifestação desentranhada do sentimento coletivo, afeto da terra amoitado nas profundezas do inconsciente. Pelo que todo o processo posto em prática a fim de valorizar e distinguir esta ou aquela parcela de território nacional, em face do vagabundo estrangeiro, atraindo-o por aquilo que é diferente e ele anda cobiçoso de ver e sentir – este arvorar de bandeira do que há de nativo, revela arraigada virtude conservadora” (GOUVEIA, 1994, 142). Restringindo-o ao âmbito da linguagem, torna-se necessário delimitar aqui o conceito. Numa definição breve e redutora, um regionalismo madeirense será um termo, isto é, vocábulo, expressão, ditado, etc. próprio, porque específico e individualizante, da região que é o arquipélago da Madeira. Deste modo, terá de ultrapassar os limites de cada uma das duas ilhas habitadas e de ser comum a ambas. Para ser classificado como tal, deve, por conseguinte, definir-se pela sua origem (tendo em vista o plano geográfico e dialetal) e a sua evidente originalidade, sendo exclusivo desta área com fronteiras bem delimitadas. Portanto, o termo fundamenta-se, primeiramente, em critérios geográficos. Depois, é indispensável considerar que tem um cunho cultural e etnográfico. Pela sua motivação, e retomando a definição de Gouveia, os regionalismos remetem, frequentemente, para realidades extralinguísticas (e.g.: “bolo do caco”, “bailinho”, “poncha”, “tim-tam-tum”, REBELO, 2014), antes de assumirem uma manifestação linguística. É como se, depois de criar a “coisa”, fosse necessário dar-lhe um nome. Assim, a fim de contribuir para a vertente linguística da definição de “regionalismo”, devem ter-se em conta o critério geográfico, o cultural e, consequentemente, o histórico porque é a combinação destes três planos que permite distinguir regionalismos linguísticos próprios do arquipélago da Madeira dos de outras proveniências. A nível histórico e cultural, a sociedade – com as suas vivências particulares mais típicas – assume um cunho específico, distinguindo-se do todo nacional, da comunidade maior, ao longo do tempo. A cultura local é um motor impulsionador da criatividade linguística e vai originar a existência de múltiplos regionalismos madeirenses. Portanto, apenas se pode indicar como sendo um regionalismo madeirense o vocábulo (a expressão, o ditado, o topónimo, o antropónimo, a alcunha, etc.) que a comunidade linguística nacional (em que se inclui a regional) identificar como tal, pela pertença a esta área geográfica restrita e exclusiva. Reconhecer-se-á, assim, pela sua diferença relativamente ao todo nacional e internacional da língua portuguesa, devido às suas particularidades regionais. Posto isto, é possível distinguir três noções relacionadas com esta temática: a) verdadeiros regionalismos madeirenses (ou simplesmente regionalismos madeirenses), b) falsos regionalismos madeirenses (ou pseudorregionalismos madeirenses) e c) não regionalismos madeirenses. Em princípio, por definição, para ser um verdadeiro regionalismo (e.g.: “semilha”, “tapa-sol”), um termo não poderá pertencer a mais do que uma região. Se existe noutras áreas geográficas, passa a ser um falso regionalismo (e.g.: “levada”, “lapinha”, “pimpinela”). Provavelmente, neste último caso, será um termo antigo que a norma deixou de usar ou que sempre desconheceu por pertencer a outra variedade linguística. Também poderá ser um termo que foi levado (importação – plano histórico) de uma região para outra ou outras, havendo que descobrir o seu percurso e os motivos (históricos e culturais) que originaram a sua dispersão geográfica por mais do que uma região. Se, antes de vigorar noutras regiões, se formou na área madeirense, então é um regionalismo com alguma tendência para o não ser (e.g.: “bolo família”, “bolo do caco”). É sabido que o isolamento linguístico propicia a conservação de arcaísmos e a criação original de termos, enquanto os intercâmbios entre falantes de diversas proveniências levam à sua expansão, sendo esta uma força impulsionadora do enriquecimento lexical. Expressões, ditados, provérbios, etc. também vão surgindo destes momentos de trocas linguísticas. No entanto, muitos são os vocábulos considerados regionalismos que não o são, porque correspondem a vocábulos do nível comum da linguagem ou de outros níveis do registo informal (familiar, popular e calão), usados no território nacional e não apenas numa região, como por exemplo “comer” (“refeição”) e “bucho” (“estômago”) (PESTANA, 1970); “porrada” (“pancadaria”) (CALDEIRA, 1993, 116); “malha” (“sova”) (MATA, O Rabo do Gato, 1 set 2004). Estes deverão ser vistos como não regionalismos, embora alguns autores os tenham incluído nos seus vocabulários e glossários; são exemplos: “zabumba” (“bombo”/ “tambor”) e “zaragateiro” (“quem faz/arma zaragata”) (REBELO, 2010) Para saber como se pode identificar um regionalismo madeirense verdadeiro e genuíno, podem seguir-se diversos métodos. Um deles é a deslocação do investigador à região ou regiões que pretende comparar e a compilação, in loco, dos dados através de fontes diretas (foi o caso das recolhas feitas em todo o território nacional para a elaboração de atlas linguístico-etnográficos empreendidas pelo Centro de Linguística da Universidade de Lisboa). Este processo, que permite comprovar a real ou falsa originalidade dos elementos recolhidos, é contudo frequentemente substituído pela comparação de fontes indiretas, através de diversos materiais bibliográficos. Outro método para identificar regionalismos é o do inquérito a nativos, onde se comprova o conhecimento e o uso dos falantes da área em estudo. Outro, ainda, consiste no inquérito a falantes forasteiros, mas de língua portuguesa, ou seja, que não são da área geográfica em estudo, para atestar o desconhecimento dos regionalismos tidos como madeirenses. A incompreensão poderá ser um indício para identificar se são ou não regionalismos porque, por regra, falantes de outras variedades geográficas não conhecem os termos tidos como madeirenses (e.g.: “escarpiada”, “bolo de mel”). É reconhecido que, por exemplo, “semilha” (“batata”) e “batata” (“batata-doce”) são regionalismos madeirenses que os habitantes empregam diariamente, diferenciando-os, e que os forasteiros não destrinçam sem um contacto prévio com a realidade regional. Materiais existentes: artigos, vocabulários, livros, glossários e outros levantamentos Os materiais bibliográficos em que se fundamenta a existência de regionalismos linguísticos têm vindo a enriquecer-se ao longo dos tempos. A tradição de registar listas específicas desta área geográfica é antiga. Falta, porém, cientificidade às obras que listam regionalismos madeirenses. Não se sabe, por exemplo, o ponto preciso da recolha dos vocábulos, nem quais e quantos foram os informantes consultados. Os vários autores intitulam as obras dizendo tratar-se de vocabulário: do arquipélago da Madeira (SILVA, 1950), da ilha da Madeira (CALDEIRA, 1993), de um ponto específico da ilha da Madeira (MARQUES, 1985 e SANTOS, 2013), de outros tempos (FIGUEIREDO, 2004). Dá-se conta dos que têm pertinência para o estudo específico dos regionalismos madeirenses, sobretudo concentrados no léxico, o tópico mais estudado, embora houvesse outras dimensões gramaticais/linguísticas a considerar, nomeadamente a da fonética, a da morfologia e a da sintaxe. Publicações dispersas em periódicos Os jornais e as revistas foram sempre um meio privilegiado de difusão das especificidades da linguagem regional. Genericamente, abordam-se os levantamentos lexicais feitos em periódicos através de uma síntese comparativa geral (Fig. 1). A nível nacional e regional, diversos foram os títulos da imprensa que divulgaram os regionalismos madeirenses. Pretende-se que a sistematização seja o mais exaustiva possível, embora a tarefa seja difícil, dada a dispersão geográfica e temporal das publicações. Reagrupam-se as que se conseguiram identificar segundo o âmbito regional ou nacional, distribuindo-as em blocos de 25 anos, os quartéis dos sécs. XX. Não há, em 2015, dados consistentes para os sécs. XIX e XXI. [table id=66 /] No âmbito nacional, há várias revistas da especialidade, isto é, relacionadas com a língua portuguesa, que se interessam pela temática dos regionalismos madeirenses, editando alguns artigos. Na Revista Lusitana, dirigida por Leite de Vasconcelos, Urbano Soares é o primeiro a publicar uma lista organizada com definições, como anexo às suas recolhas da tradição oral madeirense. Como refere António Carvalho da Silva, trata-se de “um glossário explicativo (quase sempre através de sinónimos) do vocabulário madeirense” (SILVA, 2008, 68) composto por 330 termos, mas cerca de 150 vocábulos serão “formas oralizantes” ou corruptelas populares e não verdadeiros regionalismos madeirenses. Na Folha de Viana (em 1916), e depois na Revista Lusitana (em 1920), onde surge com o título “Palavras do Arquipélago da Madeira”, Emanuel Ribeiro dá a conhecer a sua recolha de regionalismos madeirenses, que, posteriormente, veio a ter uma edição em livro. No segundo quartel do séc. XX, embora não tenha por objetivo registar regionalismos madeirenses, visto ter um caráter etnográfico, surge, no Boletim de Filologia, a dissertação de Kate Brüdt, utilizando o método “palavras e coisas” da área da geografia linguística. Embora não apresentando uma recolha lexical, o texto contém termos relacionados com a realidade cultural madeirense, nomeadamente a casa (e.g.: “casa de colmo”), a mobília, os aparelhos de moagem, os meios de transporte, os instrumentos agrícolas, o cultivo do linho e a tecelagem. A maior parte das palavras registadas pertence à terminologia de atividades tradicionais comuns a muitas regiões do país e não só, mas podem encontrar-se alguns arcaísmos regionais. Entre 1945 e 1947, Jaime Vieira dos Santos concebe uma compilação importante de palavras que denomina “Vocabulário do Dialecto Madeirense”, distribuída por vários volumes (do VIII ao XI) da Revista de Portugal, Série A, Língua Portuguesa. O autor, como quase todos os outros mencionados, inclui corruptelas e variantes populares da língua portuguesa e muitos vocábulos dados como madeirenses que também são comuns a outras regiões do território português. Ainda nesta revista, em 1939-1940, Eduardo Antonino Pestana publica, sob o título “A Linguagem Popular da Madeira”, um conjunto de vocábulos posteriormente incluídos no glossário do segundo volume de Ilha da Madeira. Também ele regista elementos que não serão especificamente regionais. Na mesma revista, Sebastião Abel Pestana assina diversos estudos relacionados com questões linguísticas que poderão ter interesse para o tema dos regionalismos, nomeadamente o intitulado “Notas de linguagem”. No terceiro quartel do séc. XX, entre 1952 e 1958, António Marques da Silva escreve nove artigos sob o título “Linguagem Popular da Madeira” no Boletim Mensal da Sociedade de Língua Portuguesa (anos III a VIII). No mesmo periódico, em 1960, 1961 e 1963, este autor dá continuidade à recolha e às reflexões em três artigos intitulados “Sobrevivência do Falar Antigo”. Marques da Silva retrata a linguagem e a realidade rural da freguesia de S. Jorge nos anos 20 e 30, período em que leciona na escola primária daquela freguesia, na costa norte da ilha da Madeira. Em 1964 e 1965, Sebastião Pestana publica “O Falar da Ilha da Madeira” (I e II) na Revista de Portugal, Série A, Língua Portuguesa, respetivamente nos volumes 29 e 30. Em finais do séc. XX, os jornais e as revistas nacionais – essencialmente títulos de âmbito mais técnico e académico – que até aqui dão alguma importância à linguagem regional, desaparecem e não são substituídos por novos periódicos, pelo que as publicações dispersas relativas à temática dos regionalismos madeirenses se concentram na imprensa regional. A nível regional, no primeiro quartel do séc. XX, vão aparecendo publicações, textos e artigos sobre o tema. No Heraldo da Madeira, em 1914, Alberto Artur Sarmento, com o pseudónimo Dr. Kahl, tece algumas reflexões em oito artigos. O autor refere origens, influências, fenómenos, áreas, sentidos e formas do léxico na ilha da Madeira, indicando a origem geográfica das fontes das palavras e expressões que faculta: algarvia, árabe, castelhana e inglesa. Acrescenta fenómenos correntes como a formação de palavras, as alterações de género, a duplicação de prefixos e a importação de estrangeirismos (sobretudo anglicismos), mas nem todas as suas informações estão comprovadas. No segundo quartel do mesmo século, no Arquivo Histórico da Madeira, em 1939, Manuel Higino Vieira divulga o artigo “Bêbado Tarraço (Nótula Explicativa)”, sobre esta expressão por ele considerada regionalismo madeirense. Em 1949, Alberto F. Gomes publica cinco artigos intitulados “Achegas Para um Estudo do Dialecto Insular” em Das Artes e da História da Madeira (do volume I ao V). Neste trabalho, com muitos exemplos, não constam propriamente definições de termos regionais; Gomes refere as diferentes origens e proveniências das palavras do dialeto regional, nomeadamente estrangeirismos e o que considera serem vocábulos comuns ao Brasil, que, à partida, serão arcaísmos portugueses. No quinto artigo, centra-se nas alcunhas, ou seja, os termos depreciativos usados para identificar socialmente as pessoas. No terceiro quartel do séc. XX, nomeadamente ao longo de 1964, no periódico regional Voz da Madeira, Abel Marques Caldeira assina 26 artigos, sob o título “Expressões e Ditos da Linguagem Popular Madeirense”. No mesmo periódico, a 9 de junho de 1964, Sebastião Pestana publica “O Falar da Ilha da Madeira”. Neste artigo, o autor apresenta palavras e expressões da linguagem madeirense, referindo sobretudo Eduardo Antonino Pestana e o seu “A Linguagem Popular da Madeira”. Anteriormente, em 1952, no Diário de Notícias, Horácio Bento de Gouveia escreve “Da Linguagem Falada e Escrita”. No mesmo jornal, em 1971, publica “Linguajar do Brasil, Linguajar da Madeira” e, em 1972, “A Expressão Arcaica da Nossa Gente”. No último quartel do séc. XX, os jornais madeirenses continuam a interessar-se pela temática da linguagem regional, nomeadamente o Diário de Notícias e o Eco do Funchal. Por exemplo, em 1975, no Eco do Funchal, encontra-se o texto de Manuel Ferreira Pio “Toponímia e Dialectos Regionais” (Toponímia) e, no Diário de Notícias, em 1974, um conto de Jorge Sumares, “Mai Maior qu’Essei Serras” (Falar(es) na Escrita). A partir dos anos 80, a imprensa regional continua a dar cobertura ao assunto. No Jornal da Madeira, em 1986, Nuno Filipe publica “Vocabulário Madeirense” e, em 1994, Paula de Lemos redige três artigos intitulados “Linguagem Popular Madeirense”, nos quais destaca curiosidades lexicais, para um continental, de termos e expressões que considera tipicamente madeirenses e que retira de trabalhos de autores anteriores. A revista Sexta do Tribuna da Madeira trouxe, em 2013, a rubrica “Regionalismos”, dedicada à definição sumária de um regionalismo (e.g., “nojência”, de 16 ago. 2013), havendo nesse conjunto alguns que não o serão. Nessa mesma revista do semanário, em crónicas dedicadas à língua portuguesa, “Os Porquês do Português” e “Errare Humanum Est: um por semana”, Helena Rebelo retoma, pontualmente, o tema dos regionalismos madeirenses, como “vestuário”, “pimpinela”, “semilha”, “lapinha”, “no Porto Moniz”, “caminhar de casa”, etc. Sendo assim, nas múltiplas publicações dispersas, as referências aos regionalismos podem ser feitas de modo direto ou indireto. De maneira mais explícita, esporadicamente, a imprensa madeirense, as revistas e os jornais com menor ou maior tiragem, vão publicando artigos e reportagens relacionados com a linguagem regional, fazendo menção aos regionalismos. Designadamente, no Diário de Notícias, as crónicas dominicais de Marta Caires são um exemplo de textos jornalísticos não informativos com lexemas de uso corrente na ilha da Madeira, assim como expressões e algumas construções em que a sintaxe ganha um relevo marcadamente madeirense. É impossível registar todos os artigos existentes. Contudo, indicam-se alguns mais significativos. As revistas Xarabanda e Islenha são casos exemplares a este nível. A primeira, tendencialmente etnográfica, concebida e dirigida pelo grupo musical homónimo, divulga recolhas que vão sendo realizadas, como as de Marcial Morera (1992), José Rosado (2003), Naidea Nunes (2004) e Helena Rebelo (2005-2006). A Islenha, mais de traço científico, divulga trabalhos de António Carvalho da Silva (1997 e 2008) e o projeto de publicação do Atlas Linguístico-Etnográfico da Madeira e do Porto Santo, do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa (CLUL), apresentado por Helena Rebelo e Naidea Nunes, e publica uma síntese do livro de Ana Cristina Figueiredo. Além destas duas revistas, outras há com uma incidência mais local, como acontece com as revistas municipais, ou de cariz mais temático, como as concebidas por entidades oficiais, ou associativas, com relevância para o estudo dos regionalismos. Os vocabulários A preocupação de publicar em livro as recolhas lexicais tem início na segunda década do séc. XX e prolonga-se pelo séc. XXI. Surgiram assim os vocabulários de regionalismos madeirenses, que não são numerosos. Dos quatro existentes, um é patrocinado por uma editora nacional; dois têm a chancela de instituições regionais; e um corresponde a uma edição de autor. De Emanuel Paulo Ribeiro, o primeiro vocabulário é dado à estampa no Porto, tendo um prefácio de Cláudio Basto. O conteúdo tinha sido parcialmente publicado num jornal continental. O autor anotou, por curiosidade os termos que considerou serem regionais e específicos da ilha da Madeira durante uma estada na Região. Assinala que nenhum dos vocábulos registados se encontrava no dicionário de Cândido de Figueiredo (edição de 1913), ou seja, que não faziam parte do léxico geral do português, e confirma que tinham cariz regional. Cândido de Figueiredo terá aproveitado muita desta informação para a dicionarizar, introduzindo pela primeira vez regionalismos madeirenses num dicionário de língua portuguesa. A edição em livro do vocabulário de Emanuel Ribeiro é aumentada, totalizando cerca de 350 termos tidos como madeirenses. O número não coincide, nem com a contagem de António Carvalho da Silva, nem com a de Ana Cristina Figueiredo. A lista de Emanuel Ribeiro é a primeira recolha de termos madeirenses tidos como regionalismos, embora outros antes dele se tivessem interessado pelo assunto (foi o caso de Mariana Xavier da Silva, cf. REBELO e GOMES, 2014). Apesar de breve (36 páginas no total), será o trabalho mais genuíno dos levados a cabo até 2015 porque, contrariamente aos vocabulários posteriores, não comporta termos que, comprovadamente, não são madeirenses. Contudo, a maioria das entradas reporta-se à flora (plantas, arbustos ou termos relacionados) e à fauna (sobretudo peixes e termos afins, incluindo os de atividades como a pesca). No ano de 1950, surgem dois vocabulários. Um deles é de Fernando Augusto da Silva, um dos autores do Elucidário Madeirense e uma figura incontornável do cenário cultural madeirense da época. Intitula-se Vocabulário Popular do Arquipélago da Madeira. Alguns Subsídios para o seu Estudo e tem publicação patrocinada pela Junta Geral do Funchal. O outro é da autoria de Luís de Sousa. Recebe o título Dizeres da Ilha da Madeira. Palavras e Locuções e é uma edição do próprio autor. A propósito desta obra, nesse mesmo ano, João Cabral do Nascimento publica o artigo “Existem Palavras e Locuções Madeirenses?” no Arquivo Histórico da Madeira. Numa avaliação sumária, mas pertinente, Cabral do Nascimento começa por afirmar que, na obra de Sousa, são registadas palavras e expressões comuns a outros territórios de língua portuguesa, mencionando em particular o facto de o português do Brasil ter muito em comum com a Linguagem Popular da Madeira. Critica o trabalho de Luís de Sousa por este considerar madeirenses palavras e expressões que são usadas também noutras regiões portuguesas, como “fertuadela” (“dor viva e rápida”), “porrada” e “porradaria” (“muita quantidade”) e “pupu” (“excremento”). No entanto, elogia o autor por ter evitado o registo de deturpações e variantes populares. Estas apreciações de Cabral do Nascimento aplicam-se a grande parte dos levantamentos. Neste sentido, as duas publicações de 1950 assemelham-se: são ambas recolhas de vocabulário pouco desenvolvidas, comportando um conjunto lexical assaz limitado. Quanto ao propósito específico, são distintas. Fernando Augusto da Silva pretende recolher regionalismos de cariz popular de todo o arquipélago. O facto de indicar que se trata de termos exclusivamente populares, isto é, usados pelo povo (supostamente a camada iletrada da população), remete para a problemática da variação social. A nível dialetal, não faz referências explícitas e concretas ao local onde recolhe os vocábulos que lista. Os termos atribuídos, e.g., ao Porto Santo são apenas oito: “brasida” (“brázida” em Antonino Pestana), “carreireiro”, “escarpiada” (“escrapiada” em Antonino Pestana, e “escorpiada” em Abel Marques Caldeira), “meia-volta”, “nateiro”, “portossantense”, “profeta” e “rancho”. Depreende-se, portanto, que todo o restante vocabulário será exclusivo da ilha da Madeira. Já Luís de Sousa refere que a sua recolha se reporta apenas à Madeira, delimitando-a geograficamente, e tenta não listar corruptelas, o que Cabral do Nascimento sublinha como positivo. Luís de Sousa opta por mencionar as fontes bibliográficas consultadas, tendo mérito por isso, uma vez que reconhece que o seu levantamento não é único. Tido habitualmente como o vocabulário mais completo e mais representativo do português falado na ilha da Madeira, em 1961, 11 anos após os dois anteriores, é editada a obra de Abel Marques Caldeira, Falares da Ilha: (Pequeno) Dicionário da Linguagem Popular Madeirense. Com alterações e, sobretudo, adições de expressões, é reeditado em 1993. Este trabalho, no entanto, apresenta-se como pouco fiável no que diz respeito ao elenco de regionalismos, listando pseudorregionalismos e não regionalismos, sem contar com corruptelas. Em síntese, apesar das limitações que comportam, estes quatro vocabulários publicados são contributos individuais para o estudo dos regionalismos madeirenses, havendo que olhar para eles como isso mesmo e, portanto, com alguma reserva. São produzidos em mais de um século, a par de publicações na imprensa (tanto em jornais como em revistas), dos glossários em trabalhos académicos (dissertações e teses), de livros de cariz regional, envolvendo temáticas culturais. Estas quatro listagens de léxico considerado como regional integram um vasto conjunto incontornável de referências para o estudo dos regionalismos madeirenses, embora exijam uma consulta crítica. Livros temáticos sobre a Madeira No princípio do séc. XXI, existem várias publicações, também em livro, da área da cultura, que tratam temas das tradições regionais, nas quais se encontram aspetos relacionados com a linguagem. Apresentam-se alguns que se destacam por ordem cronológica. O livro de Eduardo Antonino Pestana intitulado Ilha da Madeira II: Estudos Madeirenses recobre uma área alargada da cultura e das tradições madeirenses, essencialmente do âmbito da etnografia e da etnologia. No domínio da linguagem, encontra-se, por um lado, uma “Recensão Crítica”. Trata-se de uma resposta à interpretação de Francis Millet Rogers (que desenvolveu em 1940, com publicação em 1946 e 1948, estudos sobre a pronúncia dos arquipélagos portugueses) quanto à formação do plural em “-i” – regionalismo morfológico e fonético madeirense. Por outro lado, este livro apresenta a “Linguagem Popular da Madeira”, levantamento lexical que constitui um capítulo do segundo volume da obra. A recolha de Pestana é vasta, embora contenha imprecisões no que se refere aos regionalismos, já que comporta um grande número de corruptelas. Além disso, inclui muitos não regionalismos. Porém, divulga algumas das especificidades dos regionalismos a nível continental, essencialmente em ambiente académico, dada a amplitude que a Revista de Portugal, Série A, Língua Portuguesa tinha. A crónica romanceada Minha Gente, de Marques da Silva, possui um glossário, concebido e publicado juntamente com a obra, no Funchal, em 1985, revestindo-se de particular importância para quem pretender dedicar-se ao estudo dos regionalismos madeirenses. Este pequeno glossário, denominado “Vocabulário e Expressões do Norte da Ilha”, apresenta-se em anexo ao texto literário, registando muitas variantes populares ou corruptelas. Em 2013, a DRAC edita uma compilação das publicações dispersas relacionadas com a língua portuguesa e o glossário em Linguagem Popular da Madeira. Como esta obra, há muitos textos literários de diversos autores que são fundamentais para compreender a temática dos regionalismos madeirenses. É o caso da ficção de Horácio Bento de Gouveia, que propicia, por exemplo, os estudos de Elisete Almeida “Particularidades dos Falares Madeirenses na Obra de Horácio Bento de Gouveia” e “Antiguidade e Modernidade na Linguagem de Horácio Bento Gouveia”, assim como um levantamento relacionado com as comidas e as bebidas regionais, de Thierry dos Santos. Além das obras literárias, Gouveia escreve crónicas sobre as particularidades regionais da língua portuguesa. No seu livro Canhenhos da Ilha, por exemplo, inclui “A Língua do Brasil e de Portugal”, referindo a proximidade entre o português falado na Madeira e no Brasil. Entre finais do séc. XIX e finais do séc. XX, encontram-se também diversos livros que, não tendo uma incidência direta na língua, mencionam alguns dos seus aspetos, designadamente os de Francisco Lacerda, Francisco de Freitas Branco e Rui Santos. Glossários em dissertações e teses Entre o segundo e o terceiro quartéis do séc. XX, no campo da dialetologia, com orientação do Professor Lindley Cintra, e apresentadas à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, surgem algumas dissertações de licenciatura em Filologia Românica dedicadas ao estudo dos “falares” do arquipélago da Madeira. Nestas, há levantamentos lexicais organizados em glossário. Datada de 1939, a dissertação de Deolinda Bela de Macedo intitula-se Subsídios para o Estudo do Dialecto Madeirense. Por se tratar da primeira monografia linguística que é realizada sobre a ilha da Madeira, reveste-se de grande importância, embora seja, como o próprio título indica, um contributo. Isso é visível no glossário que apresenta. Em 1952, Maria do Carmo Noronha Pereira conclui Tentativa de um Pequeno Atlas Linguístico da Madeira e Algumas Considerações sobre Particularidades Fonéticas, Morfológicas e Sintácticas do Falar Madeirense. As formas genéricas “Madeira” e “madeirense”, presentes no título, referem-se apenas à ilha. No glossário, a autora inclui o material recolhido através de um inquérito, assim como palavras e expressões registadas em conversa livre, tendo o cuidado de indicar a localidade onde são ouvidas. Elisabeth Aurora Gundersen Pestana, em 1954, redige a dissertação Subsídios para o Estudo da Linguagem dos Bamboteiros (Funchal). A autora afirma que o falar dos bomboteiros (“bamboteiros”) constitui uma linguagem sub-regional e não um calão: “A linguagem dos bamboteiros apresenta características fonéticas, morfológicas e sintáticas diferentes das do dialeto. […] Tem não só um léxico, mas também a sua fonética, a sua morfologia, a sua gramática, enfim, embora muito limitadas” (PESTANA, 1954, 117 e 119). A terceira parte da tese é o glossário. Nele, a autora regista muitas formas da linguagem popular que ela própria indica serem comuns a Trás-os-Montes, Minho, Douro, Alentejo e Algarve. Inclui palavras relacionadas com a realidade dos bomboteiros, nomeadamente nomes de navios, bem como partes e peças das “cabritas” (“barcos com menos de três metros de comprimento”) e das canoas (“barcos de três a quatro metros”). Inclui, ainda, vocábulos de influência inglesa usados na comunicação com os estrangeiros, como por exemplo: “chiqueman” (“muito bom”, “de boa qualidade”), “camóne” (“siga”), “bói” (“rapaz”), “bossa” (“capataz”), entre outras palavras de uso mais geral. Em 1961, Maria Ângela Leotte Rezende apresenta o estudo Canhas e Câmara de Lobos: Estudo Etnográfico e Linguístico. O glossário constitui a terceira parte da dissertação, registando termos das áreas agrícola e piscatória, mas também vocábulos correntes das duas localidades em estudo. João da Cruz Nunes escreve Os Falares da Calheta, Arco da Calheta, Paul do Mar e Jardim do Mar em 1965. No capítulo denominado “Lexicologia”, o autor refere derivação, composição, alterações semânticas, derivação imprópria, onomasiologia, polissemia, estrangeirismos e arcaísmos. O glossário está organizado por campos semânticos: “terra”, “acidentes de terreno”, “fenómenos atmosféricos e meses”, “plantas”, “bananeiras”, “batata”, “cana sacarina”, “cereais”, “vinha”, “árvores”, “flores”, “animais”, “aves”, “insetos e répteis”, “mar”, “pesca”, “peixes e mariscos”, “o Homem”, “vida de relação”, “vida infantil”, “alimentação”, “habitação e utensílios domésticos”, “iluminação”, “vestuário e adornos”, “festas e vida religiosa”, comportando, ainda, “varia” e “locuções”. Na Universidade de Coimbra, para a Dialetologia, houve dissertações de licenciatura sobre a variedade do Português falado na Madeira, com orientação do Professor Paiva Boléo. Em 1945, Maria de Lourdes Monteiro apresenta o estudo Porto Santo, Monografia Linguística, Etnográfica e Folclórica. No glossário, a autora assinala algumas palavras que ela própria afirma não aparecem registadas na quinta edição do Dicionário de Cândido de Figueiredo e outras que são usadas em sentido novo, ou seja, diferente do que está dicionarizado. É importante destacar que a publicação deste estudo é repartida por três volumes da Revista de Filologia Portuguesa (1945, I, 340-390; II, 28-92; III, 90-151), tendo, portanto, difusão nacional. Em 1956, Carlos Lélis da Câmara Gonçalves defende o trabalho Influência Inglesa na Ilha da Madeira: Contributo para um Estudo Linguístico e Histórico. Por estar inacessível em 2015, não se sabe a sua importância para o estudo dos regionalismos, nomeadamente dos empréstimos. A partir do último quartel do séc. XX, com a criação, em 1988, da Universidade da Madeira e a abertura das licenciaturas em Letras, sobrevêm teses de doutoramento e de mestrado da autoria de docentes e discentes. Referem-se, exclusivamente, as que contêm glossários em que poderá haver regionalismos madeirenses. Em 2002, a tese de doutoramento de Naidea Nunes, O Açúcar de Cana na Ilha da Madeira: do Mediterrâneo ao Atlântico. Terminologia e Tecnologia Históricas e Atuais da Cultura Açucareira, regista alguns termos que a autora defende terem surgido na ilha com o grande desenvolvimento da produção açucareira nos sécs. XV e XVI, nomeadamente “açúcar de panela” (açúcar de inferior qualidade, não purgado, elaborado num recipiente chamado “panela”, designação que se estendeu à América Latina, e.g. à Venezuela e à Colômbia); “açúcar mascavado” (açúcar não refinado, retirado do fundo das formas, denominado “açúcar mascavo” no Brasil; este termo passou para outras línguas como o inglês); “engenho” (moinho de cana-de-açúcar movido a água, inovação técnica renascentista que surge na ilha da Madeira em substituição do “trapiche”, moenda de pedra movida por animais); “rapadura” (crostas grossas de mel ou açúcar caramelizado que ficam coladas no fundo das caldeiras e que são rapadas para usar como rebuçado ou desfazer em mel). São termos característicos da produção açucareira, importante realidade madeirense, tendo alguns deles grande difusão no Atlântico (Canárias, Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe e Brasil). Ana Cristina Figueiredo, em 2004, apresenta a tese de mestrado Palavras d’Aquintrodia: Contribuição para o Estudo dos Regionalismos Madeirenses. No glossário, a autora compila termos que considera serem os regionalismos mais utilizados, evidenciando tratar-se de um critério de escolha pessoal. Apesar de reconhecer lacunas nas recolhas existentes, procura abranger o maior número possível de campos semânticos da realidade madeirense: “bordado Madeira”, “frutos”, “profissões”, “saúde”, “folclore”, “atividades lúdicas”, “produtos hortícolas”, “vestuário”, “transportes”, “relações interpessoais”, “flora”, “corpo humano”, “animais”, “pesca/vocabulário marítimo”, “tradições”, “utensílios/objetos”, “agricultura”, “culinária/gastronomia” e “vocabulário de uso geral”. Na publicação em livro da dissertação, Palavras d’Aquintrodia (Estudo sobre Regionalismos Madeirenses), em 2011, a autora aumenta o número de entradas lexicais do glossário de 322 para 350, como menciona. Em 2007, a tese de doutoramento de Thierry dos Santos, De Ilhéus a Canga, de Horácio Bento de Gouveia: a Narrativa e as suas (Re)escritas (com uma Proposta de Edição Crítico-Genética e com uma Tradução Parcial do Romance para Francês), apresenta um glossário com algumas palavras e expressões, consideradas como regionais, presentes na obra de Horácio Bento de Gouveia. Na introdução ao glossário, escreve: “algumas palavras têm, ao ver de Horácio Bento, uma clara coloração insular pela frequência com que eram ou são usadas no arquipélago em causa: ‘ajeitivar’, ‘assacanhar’, ‘bilhardar’, ‘cramar’, ‘empesar’, ‘ilharga’ e ‘matina’”, sublinhando tratar-se de “termos ora arcaicos ora regionais” (SANTOS, 2007, 367) que o escritor incorpora na sua escrita. Em 2013, Maria Florentina Silva Santos, na sua tese de mestrado, À Luz das Palavras Quase Esquecidas. Contributo para o Estudo dos Regionalismos na Ponta do Sol, elabora um glossário, em que inclui palavras não estudadas na tese de Ana Cristina Figueiredo, sendo, no seu entender, muito utilizadas e representativas do concelho da Ponta do Sol. Procura evitar as comuns a outras regiões do país. No glossário da dissertação, depois da comparação com dicionários da língua portuguesa, o método seguido por Ana Cristina Figueiredo, conclui que, dos 160 vocábulos estudados, 77 são vocábulos e expressões exclusivos da Madeira, ou seja, regionalismos não registados nos dicionários de língua portuguesa consultados, ou que não apresentam o mesmo significado. Do total, 13 vocábulos ocorrem também noutras regiões do país e no Brasil, considerando a autora que na sua maioria, são arcaísmos. Estas diferentes abordagens dos termos tidos como regionalismos madeirenses realçam o interesse da temática no meio académico. Outros meios de recolha e divulgação Evidencia-se que, desde a década de 80 do séc. XX, além da imprensa, os meios de comunicação social vão, pontualmente, tratando de forma geral, o tema dos regionalismos madeirenses. É o caso do programa Cá Nada da RTP-Madeira, emitido entre 2009 e 2011, e de outros em diversas rádios e televisões nacionais e regionais. Contudo, o meio privilegiado tem sido a Internet. Entre outros, salienta-se o blogue O Rabo do Gato, escrito pela jornalista Lília Mata e iniciado em 2009, que, segundo a própria autora, regista a “memória das palavras, expressões e outras curiosidades da linguagem da minha terra. Sobre o ‘madeirense’” (MATA, O Rabo do Gato). Sendo natural da freguesia do Caniço de Cima, concelho de Santa Cruz, Lília Mata elenca palavras e expressões aí usadas no tempo da sua infância e que considera terem continuado a ser utilizadas pelas pessoas mais idosas da localidade. Também na Internet, o artista plástico Ricardo Barbeito, na sequência da instalação intitulada A Bilhardice, concebe a divulgação online em que se encontra o texto de Helena Rebelo “A Arte de Criar Palavras ou de ‘Bilhar’ à ‘Bilhardice’”. Tipologia dos regionalismos Para a classificação dos diferentes tipos de regionalismos (vocábulos e expressões), pode utilizar-se um critério gramatical, identificando regionalismos: lexicais, fonéticos, semânticos, sintáticos e morfológicos. Os regionalismos fonéticos, como “aquintrodia” (“aqui no outro dia”) são, por definição, na maior parte das vezes, variantes populares de vocábulos ou expressões que existem na língua padrão. Alguns deles podem recobrir várias componentes, sendo, simultaneamente, lexicais e morfológicos ou morfológicos e semânticos. É o caso de “dentinho” (de “dente” + “-inho”), que não é diminutivo de “dente”, mas uma nova unidade lexical com o significado de “petisco”. Optou-se, pois, por outro critério tipológico, embora também ele levante questões metodológicas. Assim, procura-se uma abordagem que se baseie na origem do termo, que pode ser concomitantemente linguística e extralinguística, ou seja, histórica, geográfica e cultural. A escolha deste critério justifica-se porque os regionalismos surgem, muitas vezes, de realidades e vivências regionais, logo, extralinguísticas. Neste sentido, optou-se por classificar os regionalismos madeirenses como arcaísmos, populismos, estrangeirismos/empréstimos, neologismos e usuais/correntes. Contudo, torna-se evidente que, mais do que classificar os regionalismos, importa questionar a sua origem, a natureza do seu uso e a sua extensão em cada período histórico. Para cada um dos tipos apresentados, dar-se-ão alguns exemplos. Arcaísmos O que é um arcaísmo? Nesta classificação, é um vocábulo antigo que foi corrente ou comum até finais do séc. XIX, que poderá persistir na fala de alguma população idosa, mas que estará em vias de extinção. Para determinar e confirmar a classificação de arcaísmos atribuída aos regionalismos, utilizam-se, a título exemplificativo, como corpus lexicográfico de exclusão nos começos do séc. XXI, algumas referências incontornáveis, como o Dicionário de Morais Silva, o Elucidário de Viterbo, o Dicionário de Regionalismos e Arcaísmos (DRA) de Leite de Vasconcelos, o Dicionário de Cândido de Figueiredo, o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa e o Dicionário de Falares dos Açores de João Barcelos. Muito do léxico recolhido pelos autores dos vocabulários madeirenses e dos glossários académicos são certamente formas do português antigo, arcaico ou medieval, conservadas nas ilhas devido à data do povoamento e ao isolamento geográfico. Sucedeu assim nos arquipélagos da Madeira e dos Açores. Trata-se de um fenómeno de “congelamento linguístico” de palavras e formas do português antigo nas regiões mais isoladas. Deolinda de Macedo salienta que, nas populações rurais e analfabetas da ilha da Madeira, se encontra um português conservador “revestido de muitas das suas formas medievais” (MACEDO, 1939, 3). Porém, alguns arcaísmos são falsos regionalismos, por serem vocábulos ou expressões que são conservados em várias regiões do país, nomeadamente no Minho, em Trás-os-Montes, nas Beiras, no Alentejo, no Algarve e nos Açores, mas também no Brasil e nos crioulos de base lexical portuguesa, sobretudo de Cabo Verde e de S. Tomé e Príncipe. Estas regiões de colonização tendem a conservar o português falado nos sécs. XV e XVI. Deste modo, cada um dos vocábulos merece um estudo mais aprofundado para se compreender a sua origem e o seu percurso histórico-geográfico, a fim de, cientificamente, se comprovar a sua classificação como arcaísmo e verdadeiro regionalismo madeirense, ou seja, a sua pertença exclusiva à RAM. Maria de Lourdes Monteiro afirma que a linguagem do porto-santense conserva palavras arcaicas. No entanto, alguns exemplos dados pela autora também são usados na ilha da Madeira. Dos vocábulos referidos, “escarpiada” parece ser específico da Ilha do Porto Santo, sendo praticamente desconhecido na ilha da Madeira. Nos Açores, encontra-se a denominação “carpiada” para designar um “pão de leite pequeno, feito com farinha de trigo e de milho, ovos e açúcar (em Santa Maria). Também lhe dão o nome de escaldada. No Faial, chama-se brendeiro e em S. Jorge merendeira” (BARCELOS, 2008, 157). Provavelmente, “carpiada” e “escarpiada” terão uma base lexical comum. Corresponderiam a uma confeção semelhante que terá divergido ao longo do tempo. É difícil saber a sua origem e conhecer o percurso da palavra, assim como aferir o seu significado original. Contudo, pensa-se ser um arcaísmo, dado que não se regista em nenhuma das referências de exclusão consultadas. Além disso, ocorre em vocabulários regionais. Para exemplos de arcaísmos regionais, consultam-se os quatro vocabulários da Madeira referidos. Fornecem-se de seguida as respetivas definições: “abicar” e “abicar-se” (“precipitar pessoa ou coisa, apressar, atirar, deixar cair, deitar ao chão e precipitar-se, suicidar-se, atirar-se”); “freimaço” (“arrelia, impaciência”); “gerno” (“coisa nenhuma, nada”, registado em VASCONCELOS, Dicionário… como “conjunto do que produz a terra: feijão, milho, vinho, cebola, azeite, etc., de generu”); “poita” (“âncora ou pedra que é utilizada como âncora de pequenos barcos”, por analogia, na RAM, apresenta o significado de “traseiro, rabo”, SANTOS, 2013, 109); “quinar” (“dar-se mal, bater com o nariz na parede”; costura: “vincar para fazer pregas ou refegos em tecido”); “quinau” (“opinião, conselho”); “sobre si/sobressi” (“pessoa pouco faladora, de pouca iniciativa, indivíduo bonacheirão”, mas pode também “pessoa aparvalhada, sem tino”). Nenhum destes termos se encontra no Elucidário de Viterbo, de modo a confirmar o seu carácter arcaico, embora sejam reconhecidos como tal pelos falantes. Alguns destes vocábulos caíram em desuso como “gerno”, mas outros continuam a ser usados, como “abicar” e “abicar-se”. A classificação de arcaico relativamente a vocabulário que, sendo antigo, continua a usar-se com alguma frequência é, aliás, controversa. É o caso, por exemplo, de “azougar”/“azoigar”/“azagar” (“morrer”, falando de animais, mas também empregue para humanos com valor depreciativo); “bisalho”/“bizalho” (“frangainho implume, pintainho” e “criança”); “charola” (pequena armação piramidal onde se colocam produtos da terra para oferecer à paróquia nas festas religiosas); “furado” (túnel cavado à mão); “poio” (“socalco, pequeno trato de terreno, pedaço de terra de cultivo”). Joaquim Viterbo regista “heréu” (Heréus), com as seguintes formas: “hereé” (“herdeira”, 1347), “hereés” (“herdeiros”2, 1286) e “heréo” ou “eréo” (“herdeiro”, 1318) (VITERBO, 1966, 2, 313). Na ilha da Madeira, o nome “heréu” designa o proprietário, enquanto herdeiro de águas de regadio das levadas particulares. Leite de Vasconcelos atesta esta palavra como “administrador da receita e despesa das levadas”, explicando que “Os donos das levadas arrendam-nas a donos de campos vizinhos, que gastam umas tantas horas por quinzena e pagam um tanto por cada hora. (Madeira, 1896)” (VASCONCELOS, Dicionário…). Como o “heréu” é o proprietário das levadas, esta palavra poderá ter origem em “herdeiro”. O Dicionário de Leite de Vasconcelos averba “herees”, “herel” e “hereo” como formas antigas do vocábulo “herdeiro”, o que é evidenciado por Viterbo. Ao falar da irrigação, Maria de Lourdes Monteiro refere “heréu ou proprietário”, mas a autora parece não considerar haver aí um regionalismo do Porto Santo e, talvez por isso, não a regista no glossário. Em 2015, não é seguro se este termo é, como parece, um regionalismo madeirense. Maria Ângela Rezende também não atesta, no glossário, “heréu ou proprietário”, que destaca no texto da sua dissertação. O termo “heréu” está, nestas duas teses, sempre associado a “levada particular”. Assim, relacionada com “heréu”, a palavra “levada” ocorre como regionalismo nas referidas teses, embora seja um falso regionalismo. Existe com o mesmo significado no continente português, nomeadamente na Beira, como refere Leite de Vasconcelos no Dicionário…: “Ling. da Madeira ‘rego grande de água descoberta, como na Beira, destinado a regas’”. Joaquim Viterbo, na segunda entrada de “levada”, define este termo do seguinte modo: “não é, propriamente, o açude, dique ou marachão que faz retroceder ou altear as águas, mas sim a corrente ou veio das mesmas águas” (VITERBO, 1984, II, 362). Na Madeira, devido à necessidade de construção de um sistema de canalização de água da costa norte para a costa sul, sendo necessário ter alguém responsável pela distribuição da água de rega, assim como o pagamento de uma verba para manutenção das levadas privadas, usam-se vocábulos da família de “levada”. São, essencialmente, os seguintes termos: “levadeiro” (definido como “homem que cuida das levadas e da distribuição das águas de regadio”, mas também, por analogia, como “aquele que manda servir ou serve as bebidas nas festas familiares ou recreativas”). Leite de Vasconcelos define este nome como termo específico da Madeira: “encarregado da distribuição das águas das levadas, e do aviso em que hão-de utilizá-las” (VASCONCELOS, Dicionário…) Fernando Augusto da Silva regista a forma “levadage”: “tributo ou pensão que os heréus dão para as despesas da conservação das levadas” (SILVA, 1950, 94); e Maria Florentina Silva Santos averba o termo “levadagem” como “valor pago pelos proprietários de terras pela utilização da água de rega” e “atribuição da água de rega aos terrenos” (SANTOS, 2013, 104). O tema do arcaísmo regional é abordado por Alberto Artur Sarmento, que refere palavras e expressões que considera serem arcaísmos, a maior parte das quais caiu em desuso. Também Alberto Gomes, em Das Artes e da História da Madeira, escreve: “No estudo do nosso dialeto, encontramos curiosos termos caídos em desuso nas diversas regiões do país, mas que se conservam ainda aqui – talvez pela circunstância especial do nosso isolamento – e são empregados pelo povo” (GOMES, 1949, II, 195). Estes dois autores classificam os regionalismos (madeirenses) como arcaísmos e populismos. Todavia, os exemplos que facultam remetem essencialmente para falsos regionalismos, não se considerando, por isso, pertinente destacá-los. Sucede o mesmo com Horácio Bento de Gouveia, nos seus escritos gerais sobre a linguagem regional da Madeira: “Da linguagem falada e escrita” (1952), “Linguajar do Brasil, linguajar da Madeira” (1971) e “A expressão arcaica da nossa gente” (1972), publicados no Diário de Notícias, assim como em “A língua do Brasil e de Portugal”. No seu livro Canhenhos da ilha, destaca formas de expressão antigas e a proximidade entre o português falado na Madeira e no Brasil. Sabe-se que, no povoamento do arquipélago da Madeira, como no dos Açores e do Brasil, além de outros territórios, participam povoadores de quase todas as províncias portuguesas, incluindo o Algarve, embora com predomínio da população do Norte do país. Para o estudo dos arcaísmos no território português, mas contemplando também a Galiza, é particularmente interessante verificar a semelhança que existe entre o vocabulário regional da Madeira e o galego, o de Trás-os-Montes, o do Minho, o do Douro Litoral, o das Beiras, o da Extremadura, o do Alentejo, o do Algarve e o dos Açores. O projeto Atlas Linguístico-Etnográfico de Portugal e da Galiza (ALEPG), iniciado em 1970, é um grande contributo para essa finalidade. Populismos A criatividade linguística de quem é pouco escolarizado foi sempre muito produtiva; veja-se por exemplo, para a ilha da Madeira, a linguagem da personagem representada no conto “Mai Maiores qu’Essei Serras” de Jorge Sumares e, para o Porto Santo, a transcrição apresentada por José Rosado em “Linguagem Popular Portossantense”. Deste modo, a linguagem popular pode assumir diversas vertentes. Existem as variantes usadas essencialmente pelas camadas menos escolarizadas da população, destacando-se aí as rurais, variantes que surgem sobretudo por analogia e por motivos de expressividade, características da linguagem popular. Serão, em princípio, populismos madeirenses, e.g.: “belamento”/“balamento”, “estepilha” e “peste” (“Ah, seu peste!”). Devem considerar-se também as corruptelas, com alterações fonéticas características, por vezes, de formas antigas, bastante difundidas, e que por isso podem ser específicas de uma região, e.g.: “galatrixa” por “lagartixa”, “vaginha” por “vagem” e “zipela”/“zpela” por “erisipela”. Alguns destes vocábulos podem ser populismos comuns a várias regiões do país e não são verdadeiros regionalismos madeirenses. Como se verifica, os populismos são formas específicas do falar do povo, do registo ou da língua popular, como indica o próprio nome. Diversos autores escrevem acerca dos populismos, não os dissociando dos regionalismos, por considerarem que a linguagem popular corresponde à linguagem regional. Em “Populismo Madeirense VII”, Alberto Sarmento regista termos usados pelo povo que, embora possam ser considerados regionalismos madeirenses, poderão não corresponder a populismos: “banano” (“pessoa ou coisa muito grande”); “broquilho”/“burquilho” (“bruto”; alcunha coletiva dos habitantes do Porto da Cruz: “broquilhos”); “burjaca” (“estômago”). Alberto Gomes, em “Achegas para um Estudo do Dialecto Insular III”, escreve que: “alguns termos [são] criados por associação de ideias e por espírito de comparação” (GOMES, 1949, 208), o que vai ao encontro da definição supra mencionada de “populismos”. Ilustra o seu ponto de vista com vários exemplos, incluindo os seguintes: “aduelas” (“arcos de vasilhame” e “costelas”), “furabardo” (“pássaro” e “pessoa metediça”) e “ninho de melro” (“ninho de pássaro” e “barrete usado no alto da cabeça”). Ernesto Gonçalves, na sua publicação “Apontamentos. 1- Algo sobre o Falar Madeirense”, trata as formas verbais da terceira pessoa do plural no pretérito perfeito do indicativo como populismos da RAM, mostrando, porém, que são comuns à região do Minho. Veja-se a desinência –um/-om, em vez de –am, nos exemplos: “vendêrum” ou “vendêrom” e “crescêrum” ou “crescêrom”, coexistindo com as formas desnasalizadas “vendêro” e “crescêro”. Como se encontra esta alteração fonética em falantes de outras regiões de língua portuguesa, este caso remete para a questão dos falsos regionalismos. Segundo alguns especialistas, haverá endemismos da fauna e da flora madeirenses. Tal acontece, nomeadamente, com as denominações populares que se referem a peixes (“algorreiro” – “Diz-se do peixe espantadiço, ou desconfiado que não faz caso da isca” e “gata” – “É colhido acidentalmente nos aparelhos das espadas, pelos pescadores de Câmara de Lobos e de Machico”, NUNES, 1953, 142), aves e plantas: “bis-bis”, “pombo-trocaz”, “orquídea-da-serra”, “cedro-da-Madeira”, “buxo-da-rocha”, “malfurada”, “farrobo” ou “ensaião”, “pássaras”, “goivo-da-rocha” e “massaroco” (o atual símbolo da Madeira). Em princípio, estas designações serão regionalismos madeirenses. Os nomes que o povo dá aos seres vivos (assim como às coisas) do quotidiano podem ser exemplos de populismos regionais, com ou sem pendor arcaico. Mesmo se há uma tendência para fazer coincidir a noção de “populismo” com a de “regionalismo”, teoricamente, elas deverão distinguir-se, porque a primeira remete para o aspeto social, enquanto a outra é de caráter geográfico, sendo, então, comum às diversas camadas sociais de uma região. Todavia, nem sempre é evidente a diferença entre as duas noções, essencialmente devido à escolarização crescente da população. Sublinhe-se que, à partida, quem usa populismos não terá tanta tendência para empregar estrangeirismos, a não ser no caso dos ex-emigrantes e familiares ou dos profissionais com poucas qualificações académicas que contactam com turistas, como era o caso dos “bomboteiros”. Estrangeirismos ou empréstimos Os estrangeirismos correspondem a empréstimos, porque são termos importados de outras línguas, podendo ou não sofrer adaptações para se adequarem às características fonéticas e morfológicas da língua de acolhimento. Ocorrem por necessidades denominativas e comunicativas. Refira-se, para começar, o termo “tratuário”, do francês trottoir, para denominar a parte da rua onde andam os peões ou seja, o passeio. Como escreve Aline Bazenga, a palavra “tratuário” aparecerá no léxico regional madeirense acompanhada da forma “trotoário”, “revelando opções de adaptação distintas à língua portuguesa, sendo hibridismos (radical da língua francesa com sufixo português –ário)” (BAZENGA, 2015, 116). A autora verifica que não é possível datar a entrada deste termo no léxico madeirense. No entanto, propõe como hipótese a introdução no vocabulário insular nos finais do séc. XIX, época marcada pela influência francesa na sociedade portuguesa. Outro regionalismo madeirense de importação é o vocábulo inglês shandy (bebida que resulta da mistura de cerveja com, nomeadamente, gasosa), que, no restante território nacional, é denominado pelo termo “panachê” (do francês panaché). Um dos empréstimos mais usados e generalizados no arquipélago será, sem dúvida, o vocábulo corrente “semilha” (“batata”), do espanhol semilla (“semente”), neologismo a partir do qual surgem as formas derivadas “semilheira” (de “semilha” + sufixo “–eira”), para designar a planta que dá a semilha, e “semilhal” (de “semilha” + sufixo “–al”), para denominar uma grande quantidade de semilhas. A nível cultural, ao longo da história do arquipélago madeirense, são diversas as influências estrangeiras recebidas (mouras, guanches, inglesas, francesas, espanholas, italianas, alemãs, etc.), contactos que nem sempre deixam vestígios linguísticos. No entanto, a temática dos estrangeirismos está presente nas primeiras publicações dispersas e nas dissertações de licenciatura sobre a RAM. Para Alberto Sarmento, os empréstimos, “elementos heterogéneos, rudes, muitas vezes casuais e sujeitos a sucessivas transformações, são os que se observam derivados de palavras estrangeiras, mormente no Funchal” (SARMENTO, 1914, IV, 1), provavelmente por ser a área com mais contactos linguísticos com o exterior. Alberto Gomes indica: “Pouco há a registar quanto a estrangeirismos. Embarcadiços regressados das Américas, do Cabo da Boa Esperança, da Trindade, têm sido portadores dalguns estrangeirismos […] são em pequeno número e de difícil fixação” (GOMES, 1949, I, 149). Quanto às dissertações, Deolinda Bela de Macedo apresenta formas do inglês, adaptadas fonética e morfologicamente à língua portuguesa, que considera fazerem parte do vocabulário madeirense. Maria Ângela Rezende, no final do capítulo dedicado à morfologia, em “Etimologia popular”, regista “Palavras formadas por influência inglesa”. João da Cruz Nunes, no capítulo sobre lexicologia, inclui alguns “estrangeirismos”. Os vocabulários madeirenses também averbam alguns empréstimos, nomeadamente “afe-nafe”/“afenafe” e “nafe-nafe” (“meio embriagado, semiembriagado”, do inglês half and half); “ambra”/“âmbria”/“ambre” (“fome”, do espanhol hambre), assim como “angra” (“fome”, do inglês hungry); “bomboteiro” (indivíduo que vende produtos a bordo dos vapores que visitam o Funchal, do inglês bumboat); “camone” (“vamos, siga”, do inglês come on); “chimeca”/“chomeca”/“chumeca” (pessoa magra e enfezada e com defeito no nariz, pessoa de pequena estatura, do inglês shoemaker); “grogada” e “grogue” (“aguardente” e “cálice de aguardente”, do inglês grog); “maneja” (“gerente”, do inglês manager); “monim” (“dinheiro”, do inglês money); “naice” (“bom”, do inglês nice); “naifa” (“navalha”, do inglês knife); “poncha” (bebida feita com aguardente, açúcar, limão e água, do inglês punch); “quique” (“pontapé”, do inglês kick). Apesar da maior proximidade geográfica e de maiores contactos linguísticos com o castelhano, essencialmente das Canárias, o vocabulário registado revela poucas influências dessa língua, parecendo haver predomínio dos anglicismos, o que se explica, acima de tudo, pela presença dos ingleses que se fixaram na Ilha, mas também pela emigração para a África do Sul. Das Canárias, encontra-se a palavra “gofio”/“gófio”: “prato regional das Canárias, feito de cevada tenra, torrificada na panela ou no forno e depois preparada em forma de papas” (SOUSA (1950, 82-83). Abel Marques Caldeira refere “tabaibeira” (a planta) e “tabaibo” (o fruto), assim como uma referência ao espanhol em “semilha”. A forma “tenerifa” (“boganga”), registada em Eduardo Pestana, será também de origem espanhola ou canária. Nas últimas décadas do séc. XX, devido à emigração, sobretudo para a Venezuela e para a África do Sul, alguns vocábulos de origem castelhana e inglesa tornaram-se correntes. A este propósito, Maria Filomena Santos inclui alguns empréstimos ingleses atuais: “gamse” (“chiclete ou pastilha elástica”, “gam” nos Açores) e “stique” (“bebedeira; embriagar-se ou andar nos copos”). Acrescenta alguns da Venezuela, nomeadamente “mira” (“imigrante vindo da Venezuela” e, por extensão semântica, também “todos os imigrantes”) e “passapalo” (“dentinho ou petisco”), característico da Ponta do Sol, onde há uma elevada percentagem de madeirenses que estiveram emigrados na Venezuela. No que se refere a esta última influência, é possível incluir outros empréstimos, como “arepa”, “empanada” e “pão de jamón”, introduzidos na região através dos emigrantes de torna-viagem, que trazem consigo novos gostos e hábitos gastronómicos da Venezuela. Não são, por isso, neologismos, mas exemplos de estrangeirismos correntes. Neologismos regionais Os neologismos serão as novas palavras criadas dentro da variedade madeirense, resultantes da criatividade da população local, em parte motivada pelo isolamento geográfico ou por necessidade denominativa de novas realidades extralinguísticas, etnográficas, sociais e culturais que não existem noutros territórios. No que se refere à cronologia, tendo em conta a datação utilizada para a classificação dos arcaísmos, consideram-se neologismos regionais os vocábulos que parecem ter sido criados na RAM nos sécs. XX e XXI. Exemplos de criatividade da população madeirense serão: “bolo família” (bolo feito de farinha, ovos, mel de cana, especiarias, frutos secos e frutas cristalizadas), sendo semelhante ao “bolo de mel” e ao “bolo preto”, mas maior, por ser para toda a família; “chinesa” (“café com leite servido em chávena grande”) e “chino” (“café preto servido em chávena grande”); “emboseirar” (“acumular coisas sem nexo”, “tomar assento como uma pessoa muito gorda”, “estar estendido a descansar”), “emboseirado” (indivíduo que está sempre sentado sem fazer nada) e “aboseirar-se” (“sentar-se”, “não fazer nada”, “descansar”), forma registada por Maria Florentina Santos (SANTOS, 2013, 62); “horário” (o autocarro, inicialmente denominado “camioneta”, terá passado a denominar-se “horário” devido à criação de ligações regulares entre os meios rurais e a cidade do Funchal, com horários estabelecidos); “mexelote” ou “caralhinho” (o pau da poncha); “olho-de-boi” (diz-se das lanternas que são como holofotes); “pé-de-cabra” (bebida tonificante ou fortificante de cerveja preta com vinho tinto, cacau, leite e ovo); “picadinho” (carne de vaca – ou de porco, de frango ou outra, podendo ser também de polvo ou de peixe – cortada em cubos – ou em quadrados, pedaços, bocados, etc. – e frita com tomate, louro, alho, cebola e cogumelos, com molho de natas, maizena ou bechamel, pimenta, piripiri e água, servido com batata frita, azeitonas e tomate); “tapa-sol” (“persiana”, palavra composta de “tapa” + “sol”). É neologismo lexical madeirense a expressão “fazer uma levada”, que surge a partir do nome “levada”. Esta expressão é específica da Madeira porque só nesta região existem passeios junto às levadas; sendo muito usual entre os madeirenses e os turistas, tornou-se conhecida nacional e internacionalmente. Alguns dos neologismos apresentam significações regionais resultantes da especialização do significado de palavras existentes noutras regiões do território nacional e de outras áreas. Muitos são bastante frequentes, apresentando grande vitalidade e produtividade porque são motivados pelas necessidades linguísticas dos falantes que os usam. Usuais ou correntes Os regionalismos usuais ou correntes podem ser arcaísmos (que se mantêm vivos), populismos, estrangeirismos ou empréstimos e neologismos regionais. Correspondem aos vocábulos mais conhecidos e usados no arquipélago da Madeira pela generalidade dos falantes (de todos os estratos sociais), não só nas zonas rurais, mas também nas áreas urbanas. Alguns são amplamente conhecidos, como “carro de cesto” (do Monte), “carro do Monte” ou “carro de vimes”, comummente usado com o nome “cesto” (feito de vimes, tradicionalmente usado para transportar pessoas do Monte para o Funchal). Associado a este meio de transporte, ocorre o nome do seu condutor, “carreiro”. Outros regionalismos lexicais e semânticos usuais ou correntes são, e.g.: “batata”/“batatas” (“batata-doce”, “habitante dos Açores”, mas também “punhadas, socos”); “bilhardar”, “bilhardeira”, “bilhardice” (“coscuvilhar”, “coscuvilheira”, “coscuvilhice”); “dentinho” (aperitivo para beber, petisco com que se abre o apetite para o vinho ou para a aguardente); “desterrar” (“estragar, prejudicar”); “joeira” (“papagaio de papel”); “poio”; “semilha”; “tapa-sol” (em São Paulo, no Brasil, este termo tem vindo a designar o resguardo usado nos carros estacionados para proteger o volante do sol); “trapiche” (“casa de doentes mentais”, “confusão”). Salientam-se os regionalismos que estão associados à realidade etnográfica da RAM, cada vez mais divulgada, através de atividades culturais destinadas ao turismo, que procura o que é típico e genuíno da região. É igualmente valorizada pela população madeirense, devido, em particular, aos meios de comunicação social, que tendem a realçar o património regional. Dos regionalismos lexicais mais usuais, muitos são denominações de comidas, bebidas e tradições populares. Alguns exemplos: “baile” ou “bailinho” (“grupo folclórico”, “folclore tradicional e popular”, tipo de música que é dançado e a atuação de um grupo folclórico); “bolo do caco” (pão de trigo madeirense, de forma redonda e achatada, cozido numa pedra ou num caco de ferro); “bolo família” (que os madeirenses levaram para o Brasil); “bolo preto” (bolo semelhante ao de família, mas mais pequeno); “braguinha” (instrumento musical típico da Madeira, populismo que terá sido levado pelos madeirenses para o Havai, estando na origem do famoso ukulele havaiano); “brinquinho” (instrumento musical típico da Madeira, mas também diminutivo de “brinco”, conjunto de pessoas que visitam as casas, sobretudo no Natal e no fim do ano, tocando e cantando); “carne de vinho e alhos” (carne de porco preparada com molho de vinho e alhos, típica do Natal); “chinesa” e “chino”; “colar de rebuçados” (rebuçados embrulhados e ligados para formarem um colar, que se compra nos arraiais); “mango” (fruto pequeno e específico da Madeira, distinto de manga, que é o mesmo fruto, mas maior e vindo de fora); “mel de abelha” e “mel de cana” (a distinção poderá não ser específica do arquipélago, mas existe onde há, em simultâneo, cultivo de cana-de-açúcar e produção de mel com o sumo extraído desta planta); “niquita” (“bebida feita de brisa maracujá, um dos vários tipos de refrigerante conhecidos pela marca brisa, e gelado de ananás, com ou sem álcool”, que terá sido “originalmente criada em 1985, ano em que a canção ‘Nikita’ de Elton John estava na moda, daí o seu nome”: “Niquita”, Wikipedia); “panelo” (tradição antiga do Seixal, que consiste num “almoço, preparado por famílias e amigos que se juntam no último domingo de janeiro. É semelhante ao cozido à portuguesa, com carnes, enchidos, batatas, semilhas e couves, cozinhado ao ar livre com lenha, numa grande panela”, o “panelo”: “Panelo”, Wikipédia); “pé-de-cabra”; “pero” (fruto mais pequeno do que a maçã que ocorre em algumas regiões de Portugal), “pera” (que designa sobretudo o abacate) e “pereira” (a árvore que dá pera abacate ou o abacateiro); “poncha” (bebida preparada com água, aguardente e açúcar; inicialmente preparada com limão, foi posteriormente feita com várias frutas); “rajão” (instrumento musical típico da Madeira); “rebuçados de funcho” (feitos de anis ou erva-doce); “tim-tam-tum” (licor feito de vinho, chá preto, frutos secos, baunilha, passas e canela, preparado para o Natal). Os regionalismos constituem um valioso património linguístico e cultural do arquipélago da Madeira. O estudo das palavras e coisas regionais permite conhecer o português que durante séculos se falou no arquipélago, ganhando, em alguns casos, nova vida. 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