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Pode afirmar-se hoje em Portugal, juridicamente falando, que a autonomia regional é um conceito relativamente recente na organização do Estado português, surgido após a revolução de Abril de 1974 e coincidindo com as regiões autónomas dos Açores e da Madeira, a que correspondem geograficamente os arquipélagos dos Açores e da Madeira, tendo a sua consagração na arquitetura constitucional do Estado sido feita com a publicação da Constituição da República de 1976 (Autonomia política e legislativa regional; Autonomia política regional). Em coerência epistemológica, devemos afirmar que, apesar de tudo, a palavra “autonomia” é um termo familiar no passado das sociedades insulares, embora presente com diferentes traços precetivos, funcionais e relacionais, em função dos diversos contextos históricos em que se foi realizando, de tal forma que é possível falar de “autonomias” anteriores à autonomia regional. A este propósito e numa incursão histórica deste tema, que transcende, naturalmente, a análise a que nos propomos e, por esta razão, a não fazemos, é fundamental a leitura de trabalhos como os de FERREIRA (1994) e MONJARDINO (1990). Em síntese, podemos afirmar que se caracterizam genericamente as regiões autónomas, em Portugal, como figuras de direito constitucional, enquanto pessoas coletivas de direito público e no exercício de uma descentralização territorial plena, ao nível jurídico-constitucional do Estado português (MIRANDA, 1997). Com esta configuração e ação públicas, pode considerar-se que detêm as regiões a capacidade de, a nível intrarregional, afirmarem essa especificidade e se evidenciar na organização de atos e ritos cívicos de cunho regional (eleições regionais), na utilização de símbolos (bandeira, hino, “brasão de armas”) e com instrumentos de construção de uma identidade regional, necessária ao seu reconhecimento como entidade autónoma; a nível externo, essa afirmação revela-se nas tomadas de posição em torno do entendimento político do conceito de autonomia e no confronto relacional entre os governos regionais e o Governo da República. Para cumprimento da sua missão, a arquitetura da CRP prevê, sem qualquer paralelo na história constitucional portuguesa, para cada região, um edifício jurídico-constitucional assente num modelo com um sistema político, com órgãos de governo próprio: o Governo Regional e Assembleia Regional, em que aquele é politicamente responsável perante esta e a soberania da República é representada, em cada região, por um Representante da República (que veio substituir o Ministro da República, na 6.ª revisão da CRP, em 2004). Parece pacífico o entendimento, também, que nos leva no sentido de considerar que a consagração da autonomia no texto constitucional e em toda a construção formal e legal subsequente, com realce para os estatutos político-administrativos aprovados para cada região, teve como génese impulsionadora, mais do que um perfil dogmático construído a priori, uma vontade de dar resposta às aspirações políticas e anseios das populações insulares, bem como, a ação dos órgãos de governo próprio regionais, consubstanciadas em lei e na regulamentação que lhe subjaz, e que lhe marcam assim um indelével sentido dinâmico e de permanente evolução. A este propósito é, aliás, sintomático, o primeiro diploma regional da Madeira (DLR n.º 1/76/M, de 21 de julho) que, definindo o campo de ação desta região autónoma, lhe vaticina como competências próprias, e dos seus órgãos de governo, o seguinte: “os poderes necessários para solucionar qualquer problema que se prenda com a dependência de qualquer serviço público” (art. 1.º). Compreender, portanto, os processos de autonomia regional nas regiões autónomas, volvidos mais de 39 anos após a sua consagração no texto constitucional, passa inevitavelmente por levar em consideração a dimensão político-ideológica que acaba caracterizando esta mesma autonomia e acaba por lhe dar o necessário robustecimento, pela sua natureza evolutiva e dinâmica, que se vai construindo diariamente. Esta dimensão, com expressão na conceção de um projeto político próprio, orientado por valores e pelos interesses específicos de cada Região, está de resto presente na definição de objetivos e finalidades, nas opções e prioridades dos programas de governo, nas decisões sobre a aplicabilidade de normativos nacionais à Região, na organização e gestão políticas dos setores de governação, na dimensão pragmático-administrativa que se traduz na prática de administração pública, na gestão de recursos e na atividade legislativa no que se refere à organização política dos serviços públicos, na criação de normas regionais e na adaptação regulamentadora dos normativos nacionais à especificidade regional; enfim, na dimensão sociopolítica de afirmação da especificidade regional, que se prende com vivência política insular no plano intrarregional e no plano das relações nacionais (ALVES, 2012). Todo este “edifício” da autonomia regional, construído e em permanente construção, comporta, portanto, em si, fundamentalmente, uma componente política. É que, abandonado de vez o paradigma anterior, típico dos sistemas políticos centralizados, as regiões autónomas, em Portugal, entram naquilo que se pode considerar um novo ciclo do seu desenvolvimento. Este fenómeno, que se verificou, por exemplo, na Finlândia, em Itália, Espanha e, também, Portugal, está ligado à democracia e à democratização do Estado, pela aplicação do princípio da aproximação entre os cidadãos e os centros de decisão (CANÁRIO, 2008). Reportando pois, esta análise na área educativa, e fazendo uma leitura sobre aquilo que vem ocorrendo nas regiões autónomas em Portugal, no pós 25 de Abril de 74, somos levados à constatação de que, no contexto do sistema educativo nacional, maxime, regulado pela Lei de Bases do Sistema Educativo (lei n.º 46/86, de 14 de outubro , alterada pelas leis n.os 115/97, de 19 de setembro e 49/2005, de 30 de agosto) e no quadro das autonomias regionais, assiste-se a uma regulação autónoma educativa, que assume características próprias em cada uma das regiões. No que à RAM diz respeito, esta regulação resulta de um amadurecido processo de adequação das políticas nacionais à especificidade regional e da estratégia que os diversos governos regionais atribuem à educação na construção do respetivo projeto político regional. Estas características regionais detetam-se, sobretudo, na apropriação do projeto nacional para a área da educação, à luz do interesse regional, quando os governos regionais “realinham” este projeto, definindo-lhe políticas próprias, ou “refocalizam” as orientações e as prioridades e criam, consequentemente, um projeto político regional na área educativa. É certo que este projeto desenvolve o modelo nacional definido pelo centro (Estado), mas concebe-o no quadro de novas circunstâncias políticas e funcionais, até porque, na hierarquia administrativa estadual, as regiões não se confundem com a organização desconcentrada da administração educativa do Estado. De resto, estas circunstâncias têm vindo, ao longo do tempo, a traduzir-se politicamente em fatores determinantes e que são de natureza sociocultural, atividades económicas principais e outras, bem como, na forma como a educação se articula com outros setores de governação; e, funcionalmente, em estratégias consagradas em soluções orgânicas e estruturais, encontradas em função destas opções. Tendo a CRP de 1976, como se viu, entre as suas vocações, a da garantia da regionalização, por correspondência às legítimas aspirações dos povos insulares (MIRANDA, 1982), deve dizer-se que a sua consagração se viria a fazer, no entanto, de forma setorial, como o exemplo da área da educação é paradigmático. Ora, desde logo, o passo fundamental, na Madeira, correspondeu à aprovação do Estatuto Político-Administrativo Provisório da Região Autónoma da Madeira: o DL n.º 318-D/76, de 30 de abril, logo de seguida alterado pelo DL n.º 427-F/76, de 1 de junho. Essencialmente, tratou-se de consagrar a autonomia político-administrativa evidenciada na CRP, através de órgãos de governo próprio, no sentido em que estes prosseguissem a realização do interesse público na Madeira, sem prejuízo de se manter a integridade da soberania do Estado português. No dizer daquele DL n.º 318-D/76: “Art.º 2.º - 1. A autonomia político-administrativa da Região Autónoma da Madeira não afeta a integridade da soberania do Estado e exerce-se no quadro da Constituição e do presente Estatuto. 2. A autonomia da Região da Madeira visa a participação democrática dos cidadãos, o desenvolvimento económico-social e a promoção e defesa dos interesses regionais, bem como o reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses”. Assim, tendo como marco habilitante a Constituição e, fundamentalmente, o referido Estatuto Político-Administrativo Provisório da Região Autónoma da Madeira, é com a publicação do DL n.º 364/79, de 4 de setembro, que se dá início por forma legislativa à transferência de competências nas áreas da educação e da investigação científica do Estado para a RAM (como se pode ver pelas composições ministeriais dos governos constitucionais de Portugal, estas duas áreas andaram sob a mesma tutela, no período após a Revolução de Abril, até sensivelmente os anos 80 do séc. XX). A comprová-lo, refira-se o conteúdo preambular que o referido Decreto-Lei em si mesmo encerra, quando afirma o seguinte: “A concretização desta autonomia nos domínios da educação e investigação científica impõe que se efetue a transferência dos serviços periféricos do respectivo ministério e claramente se definam as atribuições que nestas matérias pertençam à esfera da autonomia regional e aquelas que se reservam ao Governo da República”. Deve dizer-se, desde logo, que este Decreto-Lei assume não só a importância de ser o primeiro e único ato até à data com esta dimensão legal a proceder a tal transferência, mas também o facto de perdurar na sua validade até aos nossos dias, na medida em que não foi revogado por nenhum outro, e ter, naquilo que são as suas linhas essenciais, uma atualidade na repartição competencial entre o Estado e a Madeira nas matérias da educação (ALVES, 2012). Compulsado o conteúdo deste diploma, pode concluir-se, sem esforço, que o elenco de matérias objeto de transferência não radicou em nenhum trabalho de natureza científica, nem assentou em nenhum estudo que inventariasse as competências regionais e consequente repartição material de competências com o Estado; mas num elencar, dir-se-ia de cariz empírico e claramente pragmático, daquelas que, naquele momento, eram as áreas de ação do Ministério da Educação e Investigação Científica na Madeira, coincidentes até com um período de ação especial em que se desmantelou todo um edifício legislativo e regulamentar do Estado, que a Revolução de 1974 fez cair, substituindo-o por outro (id.). Uma análise morfológica ao conteúdo do citado DL n.º 364/79 leva-nos no sentido de constatar que ficam praticamente separadas as funções legislativa e executiva e, destas, fica em exclusivo na tutela do Estado, através do ministério da tutela, o impulso relativamente à primeira daquelas funções. Concretizando, dispõe o art. 1.º, n.º 1, do referido Decreto-Lei, o seguinte: “Cabe ao Ministério da Educação e Investigação Científica, relativamente à Região Autónoma da Madeira, definir e garantir a aplicação dos princípios gerais do sistema nacional de educação e das matérias cuja competência é reservada ao ministério no termos do subsequente Art.º 2.º”; para logo o art. 2.º, n.º 1, dispor: “É da competência do Ministério da Educação e Investigação Científica, com incidência sobre a Região Autónoma da Madeira e com audição do respectivo Governo, e sem prejuízo da reserva de competência legislativa da Assembleia da República [art. 164º da CRP]”: “1 – A definição por via legislativa: […]”. À RAM ficam cometidas funções de natureza executiva, ou mesmo operacional/administrativa, como se depreende do art. 3.º e seguintes, do citado diploma: “São atribuições dos órgãos de Governo da Região Autónoma da Madeira, no âmbito da educação e no domínio da sua competência territorial: […]”. Entre estas, ficam cometidas as atribuições de: “garantir” (art. 3.º, 1., alínea a); “proporcionar” (art. 3.º, 1., alínea c) e d); “apoiar” (arts. 3.º, 1., alínea e) e j), e 11.º, alínea b); “organizar” (art. 8.º, 1., alínea d); “coordenar” (art. 6.º, 1., alínea e)), para dar também alguns exemplos que ilustram a intenção do legislador em utilizar expressões em natureza de tempo verbal (ação típica da função executiva), o que reforça o entendimento relativamente ao facto de se estar perante o poder executivo cometido à RAM, isto é, o poder de executar as medidas de âmbito nacional. Circunscrito, assim, o campo de ação da Madeira, para efeitos deste DL n.º 364/79, ao nível da ação administrativa, conclui-se pois que o mesmo acaba por se repercutir naquilo que, no âmbito do direito administrativo, se qualifica como de matéria competencial administrativa regional. Isto é, dir-se-á que as competências administrativas regionais nesta área educativa se integram, assim, na função administrativa através da qual se realiza a satisfação das necessidades coletivas da população, nas suas múltiplas variáveis: acesso ao ensino, ação social escolar, colocação de docentes, supervisão das escolas, etc., quer através de uma atividade jurídica formal – normativa e não normativa –, quer através de uma atividade material (AMARAL, 2006). Ainda, e num plano constitucional, a função administrativa regional significa a relevância da Região Autónoma como pessoa coletiva de direito público, aplicando o direito administrativo e nesse contexto incorporando o conjunto de toda a administração pública. A principal e genérica competência administrativa regional é representada pela atribuição, por via constitucional direta, de um “poder executivo próprio” (art. 227.º, n.º 1, alínea g), da CRP). Quer isto dizer que a RAM, através dos seus órgãos próprios, maxime, o Governo Regional, tem competência administrativa também própria, que não lhe é delegada pelo Estado (GOUVEIA, 2007). Ora, isto faz, portanto, com que a Madeira possa ter explorado todo um campo de ação executiva de pendor governativo, o que levou a que se tenha dado início, com referência ao citado DL n.º 364/79, a toda uma panóplia de diplomas de natureza regulamentar, reforçando-se aqui, assim, um efetivo sentido de política educativa regional; mas, sem prejuízo de nalguns casos se ter ensaiado, também, a via legislativa, o que vem provar, ademais, uma evolução e um querer ir mais além do texto do diploma. É neste contexto, citando as mais relevantes, que assumem destaque as iniciativas de caráter legislativo, ancoradas em opções de política educativa regional com forte afirmação numa matriz regional, como os casos do Regime Jurídico de Autonomia, Administração e Gestão das Escolas da Madeira (DLR n.º 4/2000/M, de 31 de janeiro, alterado pelo DLR n.º 21/2006/M, de 21 de junho); do Estatuto das Creches e Estabelecimentos de Infância e Pré-Escolar da Madeira (DLR n.º 25/94/M, de 19 de setembro, revogado pelo DLR n.º 16/2006/M, de 2 de maio) e do Estatuto da Carreira Docente da Madeira (DLR n.º 6/2008/M, de 25 de fevereiro, alterado pelo DLR n.º 17/2010/M, de 18 de agosto) (ALVES, 2013). Apresentado assim este enquadramento, no qual a “autonomia” como discurso ideológico sobre o território é, portanto, resultado das lutas simbólicas entre os agentes interessados num espaço determinado, mas é também um processo contínuo de elaboração identitária, que se cruza com produções contínuas de identidade dos atores sociais. Como memória coletiva, alimenta as memórias individuais, mas é, também ela, permanentemente reconstruída por elas (MENDES, 1996, 140). Ademais, dir-se-á que a teoria dos sistemas autopoiéticos de Luhman (LUHMAN, 2012) tem aqui, também, um papel na compreensão dos fenómenos de autorreferencialidade dos sistemas educativos: os sistemas alteram-se a si próprios, de um modo imprevisto, por intermédio da descoberta de novas estruturas. A criação de uma administração aberta à influência dos movimentos sociais, seja por força da influência política, ou até partidária, ou mesmo pela adesão não organizada, ajudou a criar redes problemáticas que deixaram uma memória no sistema (WATZLAWICK, 1996). Um “olhar”, assim, sobre esta dimensão é verificar, portanto, a resposta dada pela governação educativa regional. Ora, pode considerar-se que os primeiros governos regionais definem o desenvolvimento e a socialização como eixos estruturantes da autonomia da Madeira, se bem que a socialização se constitua também em condição do desenvolvimento (“na formação do governo [...] duas preocupações foram dominantes. Uma, a de encontrar garantias de eficiência dirigente e de coerência política, no sentido de ser concretizado o programa com que nos apresentamos no último congresso regional do PSD: autonomia, desenvolvimento, socialização”, Programa do II Governo Regional da Madeira, 1980-1984, p. 3). Assim, nos primeiros governos regionais (do I ao III, seguramente, dos anos de 1976 até 1980), a preocupação dominante centra-se nas matérias de educação e ensino (núcleo central); nos IV e V governos (déc. de 80), a preocupação é no sentido de reorientar estrategicamente a ação, dando relevo para as políticas de juventude (no Programa do IV Governo, o setor da educação está incluído na epígrafe das “Políticas de Juventude”, o que parece paradigmático, sendo que, nas leis orgânicas da Secretaria Regional do IV e V governos, DRR n.os 12/88/M, de 26 de abril e 23/88M, de 27 de dezembro, respetivamente, a área da juventude está integrada mesmo na tutela da Secretaria Regional de Educação, que, no V Governo Regional (1988-1992), acaba tendo a designação de “Secretaria Regional de Juventude e Emprego”. Isto, sem prejuízo de ainda nesta fase se colocar uma preocupação de atender a realidades específicas, como o caso da modalidade da educação especial (“19.1. não obstante a querela que ainda subsiste quanto à integração deste sector na Educação e Cultura, entendeu-se a nível regional que as conexões que apresenta com a saúde e a segurança social justificam a sua integração no âmbito da Educação”, Programa do III Governo Regional, 1980-1984, p. 107); havendo depois novo realinhamento, onde a sobreposição estratégica das anteriores políticas de educação e juventude é visível, mas onde se coloca já a área da educação nos “vetores estratégicos” (ancorados na área dos “recursos humanos”), de parceria com o “emprego”, tendo presente a sua importância para o desenvolvimento da Madeira (Programa do VII Governo Regional da Madeira, 1997-2000, p. 10). Para este efeito, não será com certeza despiciendo o facto da integração de Portugal na UE e o papel que esta assume neste contexto de desenvolvimento, também, das regiões periféricas como a Madeira. De resto, todo este projeto abrange um sentido claro de promoção da elevação do nível cultural das populações e desenvolvimento global da Região, de acordo com os seus recursos e potencialidades; concretizar a modernização requerida pelos contextos nacional e europeu, e ao mesmo tempo, criar condições para o desenvolvimento da economia (vide a este propósito o Programa Operacional Plurifundos da RAM-POP Madeira 1990-1993. Medida 1, Modernização das infraestruturas educativas de base, pp. 182-184). Uma última fase corresponderá, grosso modo, àquela que se vivencia até à atualidade e que podemos assinalar que teve o seu início no VIII Governo Regional (2000-2004). Aqui deteta-se uma síntese entre as fases anteriores, sendo que, de parceria com um sentido fundacional, onde se reafirma a necessidade de “reforçar a intervenção dos órgãos de governo próprio da Região, na organização e programação do sistema educativo” (Programa do VIII Governo Regional da Madeira, 2000-2004, p. 17), se almeja mais na área da educação, fazendo com que esta alargue os seus muros, não saindo nuns casos (formação profissional, desporto, educação especial), saindo mesmo noutros (juventude, emprego, que transitam para a tutela da Secretaria Regional dos Recursos Humanos (art. 3.º, do DRR n.º 5/2007/M, de 23 de julho)), ou regressando outras (cultura, que retorna à tutela da Secretaria Regional de Educação e Cultura (art. 6.º, do DRR n.º 5/2007/M, de 23 de julho)), passando a deter novas subáreas (novas tecnologias, comunicações, colocadas pela primeira vez na tutela da Secretaria Regional de Educação no VIII Governo Regional (art. 7.º, do DRR n.º 43/2000/M, de 12 de dezembro que, nos governos antecedentes, já deteve e passa a abranger, fruto uma vez mais do conceito alargado da educação na sociedade madeirense)). Este é, aliás, o sentido atual constante do XI Governo Regional, cujo suporte em sede no seu programa de governo assinala as áreas da ciência, educação e formação, em conjugação e numa resposta complementar (Programa do XI Governo Regional da Madeira, 2011-2015, p. 145). A análise descrita dita-nos, assim, que a evolução da educação na Madeira, no período após a “regionalização”, se vai conseguindo por patamares. Cada um destes passos corresponde a um tempo político próprio e às respostas que nesse mesmo momento urge atender, sempre dentro de uma forte ligação às necessidades sociais do momento e, também, diga-se, a uma experiência governativa que se vai acumulando naquelas respostas; que dita, também ela, condições que melhor aconselham a interpretar os interesses regionais, numa relação estreita e intensa, consequência da longevidade resultante da maioria de suporte partidário que vem assegurando a estabilidade dos 11 governos regionais desde o início da “regionalização”. Os governos regionais da Madeira, saídos de eleições regionais, sempre ganhas com maioria absoluta pelo Partido Social Democrata da Madeira, têm a sua temporalidade correspondente aos seguintes períodos: 1976-1978; 1978-1980 (remodelação do Governo e substituição do primeiro presidente); 1980-1984; 1984-1988; 1988-1992; 1992-1996; 1996-2000; 2000-2004; 2004-2007; 2007-2011; 2011-2015. As evolutivas mudanças e formas de ir enquadrando, no setor da educação, as subáreas antes identificadas, acabam sendo resultado de processos de reorientação e formulação das políticas educativas, para acompanhar o desenvolvimento do projeto mais vasto da sociedade madeirense de cada momento, que os governos regionais pretendem renovar e desenvolver, sempre numa perspetiva de abordagem da educação, lato sensu, mas no plano regional. Ora, esta realidade remete-nos, consequentemente, para uma análise macro que parece identificar, nestes mais de 30 anos de autonomia regional na educação, duas visões distintas, ainda que complementares no tempo, da educação e do seu papel na sociedade madeirense, a que vêm correspondendo duas visões, também elas políticas e de tempo político. Um primeiro momento corresponde ao período de criação das instituições regionais e ao assumir das competências, consequência do processo de “regionalização” da educação que se iniciou em 1976 e foi seguramente até ao fim do III Governo Regional (1980-1984). Aqui, toda a orientação política educativa está vocacionada para uma visão socializante e igualitária da educação. As medidas tomadas privilegiam as relações com a cultura e desenvolvem o desporto como vias de formação integral, que podem dar enquadramento à referida visão socializadora da educação (“só através da educação, isto é, do desenvolvimento harmónico e integral das potencialidades individuais postas consciente e voluntariamente ao serviço da comunidade serão possíveis o progresso e bem estar sociais” (Programa do I Governo Regional da Madeira, 1976-1980, p. 67); “o primado da nossa acção político-governativa é a preocupação com as classes mais desfavorecidas. O objetivo é a socialização, mas sem dogmas” (Programa do III Governo Regional da Madeira, 1980-1984, p. 5). É nesta época que se recorre a uma figura designada na altura como “educação permanente” (assim designada no cap. 10.7.1 do Programa do I Governo Regional da Madeira, 1976-1980, p. 70). Através desta, prestam-se conhecimentos complementares, em função dos interesses dos indivíduos, com destaque para a escolarização da população, seja a nível da escolaridade obrigatória (alfabetização), seja a nível da obtenção de outros graus escolares. A este propósito, aliar-se-iam várias medidas de reforço às orientações definidas, quer pela mobilização de recursos internos ou admitindo a possibilidade de apoios externos, quer, ainda, através de programas articulados com a subárea da cultura, através da criação de bibliotecas escolares (ALVES, 2012; ibid., 2013). Neste contexto de mobilização interna é sintomático o esforço ao nível da criação de condições favoráveis ao funcionamento de novos cursos (ano propedêutico inscrito no DL n.º 364/79, art. 3.º, n.º 2 e DRR n.º 6/79M, art. 37.º); ou a criação de cursos intensivos para complemento de habilitações; ou, ainda, numa campanha de alfabetização de adultos, admitindo-se a possibilidade de apoio da UNESCO (Programa do I Governo Regional da Madeira, 1976-1980, p. 69) e o contacto com a experiência mexicana (Relatório de Actividades da Secretaria Regional de Educação e Cultura da Madeira: Primeiro Levantamento de Áreas de Intervenção. Janeiro/Dezembro, vol. 1, 1978, pp. 20-29). Um segundo momento, a que corresponderá uma nova visão, é aquele onde, volvida uma época de afirmação, se iniciam os tempos de consolidação das instituições. É, também, um momento do consequente abandono da matriz nacional e do assumir pleno do que se poderá considerar uma identidade de cariz regional. Esta realidade coincide com o advento dos anos seguintes a 1980, fundamentalmente, com o IV Governo Regional (1984-1988). Este assume como seu propósito, nesta área, materializado depois na sua ação e visão das políticas educativas, a transição para uma outra visão e missão da educação, ao privilegiar outras subáreas: a formação profissional, a educação especial, a infância, a juventude e o emprego (“inicialmente circunscrita às áreas do ensino e do desporto, o alargamento de âmbito de acção da Secretaria Regional da Educação, ocorrido em 1984, transferiu para a sua tutela os sectores das creches e jardins de infância, da educação especial, da juventude e da formação profissional”, (Relatório de Actividades da Secretaria Regional da Educação da Madeira, 1978-1988, p. 1). A análise a exercer sobre esta intenção política conduz no sentido de entender que a organização e sistematização das políticas educativas se encontram na conjugação das políticas do ensino, da formação profissional e do emprego, para corresponder a uma visão de pendor mais pragmático e imediato, dir-se-ia colocando a educação ao serviço do interesse regional; e, embora, se mantenha alguma função socializadora (paradigma do momento anterior), uma outra função, a da capacitação profissional, ganha agora maior importância. Acredita-se que a mudança social é feita a partir do trabalho como fonte de rendimento e critério de vida e, por isso, o Governo Regional a perspetiva numa política integrada com a juventude (“XVI –Política para a Juventude, 1. Princípio Orientador, Prossecução de uma política que tenha por principal objetivo a formação da juventude e satisfação dos seus anseios, dando real expressão económica, cultural e social ao conceito de Política Global e Integrada de Juventude”, Programa do V Governo Regional da Madeira, 1988-1992, p. 78). Ou seja, a importância que é atribuída à formação profissional e à inclusão do emprego, na educação, inscrevem-se na estratégia política de articular várias valências para dinamizar mecanismos de coordenação intersetorial, indispensáveis ao prosseguimento de uma política globalizante de educação. Ainda, constata-se que a reinterpretação do conceito de educação merece, depois, um sentido evolutivo nos governos regionais seguintes, sendo que, no VIII Governo Regional (2000-2004), coincidindo com o início deste século, se ensaia uma nova abertura do conceito para áreas mais abrangentes, mas também mais próximas de toda a globalização social, como as novas tecnologias e as comunicações (“[…] temos de prosseguir, sempre em mudança. Atentos aos novos sinais que despontam na sociedade, bem como aos efeitos das novas tecnologias, cada vez mais rápidos. Prosseguir é alterar comportamentos e definir novos objetivos, num mundo que é diferente cada dia que passa.”, Programa do VIII Governo Regional da Madeira, 2000-2004, pp. 7-8); havendo aqui, portanto, um alargamento do conceito que o remete para uma dimensão estratégica de futuro, onde a sua ligação à ciência e à formação, traduzidas na inovação, aparecem como determinantes em termos de qualificação da população da Madeira e mesmo de uma, dir-se-ia afirmação regional, isto sem perder, no entanto, a atualidade, ao colocar, p. ex., na modalidade educativa da educação especial a dimensão inclusiva (que transpõe o universo escolar e lhe dá um sinal de continuidade às realidades que atende), designadamente, aos adultos portadores de deficiência (reabilitação); e, também, na modalidade da formação profissional, conferindo-lhe uma dimensão de qualificação, em vez de formação (substitui-se mesmo o vocábulo que designa a direção regional desta área, que passa a chamar-se Direção Regional de Qualificação Profissional, em vez de Formação Profissional – DRR n.º 1/2000/M, de 17 de janeiro, art. 5.º, n.º 1, d), dando também aqui um sinal de atualidade, que encara esta área como indo para além do sentido formativo stricto sensu, integrando uma dimensão de certificação profissional e de reconhecimento de competências, à luz das novas realidades europeias. Este segundo momento de visão integrada da educação, para além das funções mencionadas antes, transporta ainda uma perspetiva funcionalista da educação, enquanto corpus complexo, ao mesmo tempo unitário e compreensivo, onde é possível traduzir uma pluralidade de políticas que devem manter entre si estreita coesão e articulação para atender, também ela, a uma complexa realidade sociológica da Madeira. Ora, esta visão assim delineada acaba rompendo com a ideia clássica das políticas educativas puras, centradas na educação, como área principal, uma vez que esta surge na sua formulação de ação e governação políticas em igualdade de tratamento com outras subáreas como: educação especial, qualificação profissional, emprego, juventude, novas tecnologias e as comunicações. A análise circunstancial factual, anteriormente exercida, sobre a fórmula de organização política (BARROSO, 2005, 85) e, consequentemente, orgânica da governação educativa na Madeira, desde a “regionalização”, leva à conclusão de considerar a existência, na Madeira, de um subsistema educativo regional. Tratar-se-á de um subsistema com características e especificidades próprias, resultado de a sua conceção assentar numa resposta que se foi construindo, essencialmente, em função das referidas especificidades regionais e dos projetos políticos dos diferentes governos regionais, e da forma como estes foram olhando para o setor educativo na sociedade na Madeira. Funcionalmente, esta fórmula organizativa, tem-se vindo a construir numa visão essencialmente de pendor centralizante da administração regional deste mesmo subsistema, mas admitindo a possibilidade, ainda que ténue, de uma desconcentração funcional, mediante o diálogo com as escolas e demais parceiros educativos, prevendo-se, em determinados casos, uma partilha da decisão e um coenvolvimento na gestão administrativa, indiciadores de um caminho descentralizante a poder ser iniciado de forma até ao momento embrionária (ALVES, 2012; id., 2013). A construção deste subsistema regional, no quadro nacional, faz-se respeitando as regras nacionais do sistema modelar educativo do Estado português que, de resto, assumidamente e por via normativa expressa, entendeu, no seu percurso histórico e político-constitucional, devolver, transferindo certas e determinadas competências à RAM. Este enfoque conduz, numa evolução própria de um modelo dinâmico, à construção em permanência de um subsistema educativo de índole regional. Mas, com características específicas e claramente limitado, já que se apresenta, sem atentar diretamente contra o sistema de modelo nacional, apesar de em certos aspetos poder ir mais longe, não copiando ou replicando, mas inovando pela criação de regras de organização e administração e introduzindo, ainda, métodos de gerir a individualidade e as especificidades regionais (BALL, 2001; BARROSO, 2005). Este pressuposto deve assim ser entendido como decorrência, mas também característica fundamental, do sentido que ao subsistema regional se quis atribuir, na medida em que se encontra inscrito até no diploma fundador da transferência de competências na área educativa para a RAM (o DL n.º 364/79): “2 – compete aos órgãos de Governo próprio da Região Autónoma da Madeira assegurar o correto desenvolvimento da ação educativa da Região, promovendo a aplicação dos princípios gerais do sistema nacional de educação” (art. 1.º, n.º 2). Acresce, ainda, nos números 3 e 4 deste mesmo art. 1, preverem-se medidas de inter-relação entre os departamentos nacionais de educação, tutelados pelo Ministério da Educação e os serviços da Secretaria Regional de Educação, nomeadamente, através de estudos e ações e apoio técnico e científico-pedagógico, podendo conduzir à elaboração de planos anuais e plurianuais, mas tendo presente a garantia da “efetividade e equilíbrio inter-regional no sistema nacional de educação na Região Autónoma da Madeira” (art. 1.º, n.º 3). Por outro lado, este mesmo diploma fundador define aquilo que entende como medida paramétrica e limites, ao considerar que: “entende-se por sistema nacional de educação o conjunto de estruturas oficiais, particulares ou cooperativas que desenvolvam ações públicas no âmbito das atribuições do Ministério da Educação e Investigação Científica” (art. 20.º). Ora, este fenómeno que nos surge, pode configurar, como sustentam Baumgartner e Jones, citados por Howlett & Hamesh (HOWLETT e HAMESH, 1995, 185), as consequências das mudanças que resultam do partir dos sistemas. De resto, a sustentação do que apresentamos e que ocorre de forma evolutiva na Madeira com a educação, é no sentido em que a descentralização territorial provocada com a criação da RAM e consequente regionalização ao nível da administração educativa, se traduz, efetivamente, num fragmentar do modelo de regulação da administração do sistema educativo único e estatal, introduzindo-lhe aquilo que aqueles autores designam por “mudanças marginais”, e que mais não são do que alterações, por vezes pouco visíveis ou percetíveis em termos macro, que não põem em causa a essência do próprio sistema nacional. Ademais, estas mudanças têm surgido no contexto da Madeira, vimo-lo antes, como fruto de uma aprendizagem social feita pelos agentes políticos que, a cada momento e no contexto da resposta que tem de ser encontrada, organizam as estruturas governativas, para de forma imediata, e pragmática, encontrar as melhores soluções, desenvolvendo aquilo que configurará uma política de ação tipicamente de decisão gradualista e personalizada, ao nível das políticas dos governos regionais e dos responsáveis pela área da educação, que, partindo do quadro da política educativa nacional, têm buscado traçar uma estratégia própria de resposta aos desafios colocados pela sociedade madeirense. Neste sentido, poderemos assinalar ainda uma forma típica de exercer a política educativa, tal como a descreve Dror (DROR, 1993). Isto é, aplicar as políticas nacionais educativas, mas traçando na sua implementação uma estratégia para trilhar já um percurso próprio (ou, como defendem Halpin e Troyna (HALPIN e TROYNA, 1995), através de políticas de Education Policy Borrowing). Em parceria, este caminho percorrido por tal subsistema acaba acompanhando a própria autonomia regional, que se vai construindo, também ela, em moldes semelhantes aos descritos, conduzindo à definição de um perfil próprio na execução das políticas na RAM. Este crescimento, e depois desenvolvimento, de um subsistema educativo regional resulta, fundamentalmente, de duas ideias-chave: primeiro, uma lógica de crescimento para acompanhar aquilo que o Estado concebe para a educação; e, depois, uma filosofia de inovação e desenvolvimento, para adaptar este sistema estatal à realidade social e às especificidades regionais (DALE, 1999). De facto, e como se assinalou, embora se assista a uma continuidade das regras nacionais, registam-se ruturas a nível das práticas e da forma de as colocar no terreno, o que acaba por conduzir a uma administração autónoma que resulta, por um lado, com o corte relativamente à cadeia hierárquica do Estado (consequência da autonomia política e administrativa de que a Madeira goza) e, por outro, de forma mais construtiva, criando as condições necessárias a conceber e implementar as soluções mais adequadas às necessidades, às expetativas e aos recursos regionais da Madeira, enquanto região autónoma. Bibliog.: ALVES, J. E., Modelos Jurídicos de Organização das Escolas, Coimbra, Datajuris, 2012; id., “Passado, Presente e Futuro da Governação Educativa na Região Autónoma da Madeira”, Revista Portuguesa de Educação, n.º 26, 1, 2013, pp. 349-376; AMARAL, D. F., Curso de Direito Administrativo, 3.ª ed., vol. 1, Coimbra, Almedina, 2006; BALL, S. J., “Directrizes Políticas Globais e Relações Políticas Locais em Educação”, Curriculo Sem Fronteiras, n.º 1 (2), 2001, pp. 99-116; BARROSO, J. Políticas Educativas e Organização Escolar, Lisboa, Universidade Aberta, 2005; CANÁRIO, R., “A Escola: das ‘Promessas’ às ‘Incertezas’”, Educação Unisinos, n.º 12, 2, mai.-ago. 2008, pp. 73-81; DALE, R., “Specifying Globalization Effects on National Policy: a Focus on the Mechanisms”, Journal of Education Policy, n.º 14, 1, 2001, pp. 1-17; DROR, Y., Public Policymaking Reexamined, New Brunswick, Transaction Books, 1993; FERREIRA, J. M., “Os Regimes Autonómicos dos Açores e da Madeira”, in MATTOSO, J. (dir.), História de Portugal, vol. 8, Lisboa, Editorial Estampa, 1994, pp. 176-195; GOUVEIA, J.B. (2007), A Autonomia Legislativa das Regiões Autónomas Portuguesas, Lisboa, EDIUAL, 2011; HALPIN, D., e TROYNA, B., “The Politics of Education Policy Borrowing”, Comparative Education, n.º 31, 3, 1995, pp. 303-310; HOWLETT, M., e HAMESH, M., Studying Public Pollicy, Oxford, Oxford University Press, 1995; LUHMAN, N., Introduction to Systems Theory, Cambridge, Polity Press, 2012; MENDES, J. M., “O Regionalismo como Construção Identitária. O Caso dos Açores", Revista Crítica de Ciências Sociais, n.º 45, 1996, pp. 127-142; MIRANDA, J., Manual de Direito Constitucional, 2.ª ed., vol. 1, Coimbra, Coimbra Editora, 1982; id., Estudos de Direito Regional, Lisboa, LEX, 1997; MONJARDINO, Á., “Raízes da Autonomia Constitucional”, Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1990, pp. 885-909; MORIN, E., Sociologia, Lisboa, Publicações Europa América, 1984; Programa do I Governo Regional da Madeira (1976-1978); Programa do II Governo Regional da Madeira (1978-1980); Programa do III Governo Regional da Madeira (1980-1984); Programa do IV Governo Regional da Madeira (1984-1988); Programa do V Governo Regional da Madeira (1988-1992); Programa do VI Governo Regional da Madeira (1992-1996); Programa do VII Governo Regional da Madeira (1996-2000); Programa do IX Governo Regional da Madeira (2004-2007); Programa do X Governo Regional da Madeira (2007-2011); Programa do XI Governo Regional da Madeira (2011-2015); Programa Operacional Plurifundos da Região Autónoma da Madeira: Operação integrada de desenvolvimento 1990-1993. Funchal: Governo Regional da Madeira – Vice-Presidência e Coordenação Económica – Direcção Regional de Planeamento; Relatório de Actividades da Secretaria Regional de Educação e Cultura: Primeiro Levantamento de Áreas de Intervenção. Janeiro / Dezembro. 1.º volume: Ensino. Madeira SREC/78; Relatório de Actividades da Secretaria Regional de Educação da Madeira, 1978-1988; WATZLAWICK, P., Pragmática da Comunicação Humana, São Paulo, Editora Cultrix, 1996. J. Eduardo M. Alves (atualizado a 07.07.2016)

astronomia

A resolução de um telescópio (capacidade de separar objetos pontuais muito próximos no céu, como estrelas) melhora com o aumento do seu diâmetro e com a diminuição do comprimento de onda (λ) escolhido para a observação (no caso da luz visível, p. ex., vermelho, verde ou azul). No entanto, na superfície da Terra, em poucos locais se consegue uma resolução melhor do que o chamado limite do seeing, com 1” a 2” (segundo(s) de arco; 1”=1/3600 do grau), pois a radiação de objetos celestes tem de atravessar toda a turbulenta atmosfera: nesta perspetiva, a partir dos 10cm de diâmetro todos os telescópios valem o mesmo. O Hubble Space Telescope (HST) é, por isso, tão relevante, por estar no espaço. Igualmente relevantes, são os locais na Terra com boa qualidade para a observação astronómica (bom seeing). A Madeira é um desses locais. O seeing diurno é significativamente diferente do seeing noturno. Os telescópios solares são colocados em torres com dezenas de metros de altura e em locais com céu limpo, excelente seeing, baixa humidade, poucos escapes de aviões e pouca poeira no ar. Durante os anos 60 e 70 do séc. XX, desenvolveram-se técnicas de medição de seeing. A Joint Organization for Solar Observations (JOSO) liderou os estudos diurnos que incluíram a Madeira. Os estudos do seeing noturno foram liderados por Merle F. Walker, do Observatório de Lick, Califórnia (EUA). A técnica desenvolvida por Walker, o polar star trailing method (PSTM), utiliza um telescópio refrator (com lentes) de 15cm de diâmetro (a que se chama polaris trail telescope – PTT), rigidamente fixo ao solo (e.g., com uma base de betão) e com a objetiva a 2-3m de altura. A Estrela Polar é observada no hemisfério norte (onde se inclui a Madeira) e a estrela Oct (σ) no hemisfério sul, por se manterem quase imóveis enquanto a noite avança (estão aproximadamente alinhadas com o eixo de rotação da Terra). Fazem-se exposições fotográficas com alguns minutos de duração, ficando registado um trilho. Este é depois comparado com os trilhos-standard do Observatório de Lick (3m) (Fig. 1), sendo estimado um valor para o seeing. Devido a alterações gerais de longo prazo na atmosfera, as medições de seeing devem ser feitas ao longo de vários anos. Por outro lado, para medir o seeing tem de se utilizar exatamente o mesmo equipamento nos vários locais que se pretende comparar.   [caption id="attachment_866" align="aligncenter" width="504"] Fig. 1- Padrões de seeing do Observatório de Lick (3m). Estes começam nos 0.75”, embora o seeing excelente se defina como inferior a 0.5”. O seeing é considerado bom para valores de 1-2” Fonte: HARLAN e WALKER, 1965, 248.[/caption] Os melhores locais do mundo para a observação astronómica encontram-se entre as latitudes 30º e 40º (N ou S), onde o ar marítimo tropical é estável e flui de forma laminar. A chamada “camada de inversão de temperatura” (aí, esta aumenta com a altitude, em vez de diminuir), com espessura de 400-800m, funciona como uma tampa e cria condições de ar limpo e seco acima do seu topo. No lado leste dos grandes anticiclones oceânicos, junto a correntes frias, a camada de inversão baixa. Assim, picos localizados perto de costas ou em ilhas são os melhores locais (estando a Madeira nessa situação privilegiada), havendo também hipóteses para picos com altitude superior a 2100m em regiões áridas interiores e para pequenos planaltos com vento moderado (ter vento calmo é pior). Neste caso, até telescópios próximos do solo têm bom seeing, apesar de a pior camada atmosférica ser nos 10-40m mais próximos do solo. O problema das zonas interiores é que a degradação do ar estável marítimo sobre terra é bem rápida. Se o seeing for (quase) sempre fantástico num dado local, este não precisa de ter a grande maioria das noites do ano limpas para ser bom. De facto, “um telescópio num bom local montanhoso obtém cerca de 160 noites limpas e escuras por ano [40%]” (DISNEY, 1981, 133). À melhor noite astronómica possível chama-se fotométrica, quando é possível fazer medições do brilho das estrelas com alta precisão (1%) durante, pelo menos, seis horas seguidas e o vento é inferior a 64km/h. Noites com menos horas seguidas de céu descoberto chamam-se espectroscópicas. As exigências para um bom local astronómico são as seguintes (de notar que na Madeira é possível passar quase todos os critérios): 1) latitude entre 30ºN e 30ºS, para se ter acesso a uma maior fração da esfera celeste e a mais horas de noite por ano; 2) cobertura por nuvens mínima (e.g., locais entre 10ºN e 40ºN), com uma elevada percentagem de céu limpo; 3) elevada transparência do ar: acima de 2-3 km em locais continentais ou acima da camada de inversão em ilhas ou costas (ar seco); 4) céu escuro (sem poluição luminosa); 5) turbulência ótica (seeing) mínima: o ideal é um pico numa ilha, com uma orografia convexa e, pelo menos, 16º de inclinação da vertente, de forma a que o vento turbulento possa fugir para os lados; o local específico ficaria num bordo, do lado do vento dominante; 6) humidade relativa inferior a 90% e vento inferior a 54 km/h; 7) pouca vegetação e, de preferência, rochas espalhadas em torno do local; 8) ausência de emissão rádio; 9) sem perspetivas de futura deterioração de alguma das condições 1) a 8); 10) ausência de atividade sísmica/vulcânica; 11) baixos custos de manutenção e operação; 12) bons acessos; 13) eletricidade e água próximas; 14) comodidade das instalações (e.g., altitudes superiores a 3000 m são desconfortáveis); 15) proximidade da instituição/país-mãe (redução de custos); 16) um país politicamente estável. Da antiguidade portuguesa à descoberta da Madeira e à primeira metade do séc. XX A astronomia em Portugal É possível que o círculo de 95 pedras do Cromeleque dos Almendres, perto de Évora (o maior da Península Ibérica no género), tenha por base orientações astronómicas, como era comum em monumentos do género na mesma altura um pouco por toda a Europa (e.g., Stonehenge, em Inglaterra). Com uma datação entre 6000 e 3000 a.C., este é provavelmente a primeira manifestação astronómica em Portugal. Os árabes, que ocuparam Portugal em várias fases durante cerca de 300 anos, introduziram conhecimento astronómico que remonta ao séc. VIII. Logo a partir do século seguinte, a cuidadosa tradução árabe da obra de Ptolomeu, o Al-Magiste (O Maior, mais tarde Almagesto na versão em latim) surge em Portugal. Pouco antes do arranque de Portugal como nação, o ensino formal inicia-se, ligado ao clero e depois aos burgueses. Os mestres eram licenciados e conduziam os estudos gerais, que, mais tarde, geraram as universidades, já com mestres estrangeiros (a de Lisboa foi criada em 1290). Os portugueses que o podiam fazer preferiam as universidades estrangeiras pois que, durante um século, só se estudou Direito. O Tratado de Astronomia de Afonso Dinis (1334) é considerado a primeira obra astronómica publicada em Portugal (por um português), embora seja ainda muito astrológica. A astronomia verdadeira (henriquina) só se iniciou em Portugal quase 100 anos depois. O próprio infante D. Henrique  era um fervoroso estudioso da astronomia, tendo contagiado o pai (D. João I) e o irmão D. Duarte. Este foi até o primeiro a sugerir o uso da Estrela Polar para a determinação da latitude à noite. De facto, para se fazerem em segurança viagens longínquas no oceano, a astronomia tinha de estar presente: orientação pelo Sol e pelas estrelas, com instrumentos trazidos pelos árabes, como o astrolábio e outros. O quadrante terá sido utilizado pela primeira vez por um português (Diogo Gomes), em Cabo Verde (1462), devendo muito a expansão portuguesa à ciência náutica avançada (matemática e astronomia). No séc. XVI, os Jesuítas iniciam a educação nacional (liceal) nos seus colégios com mestres portugueses, incluindo a astronomia. Eram os únicos que conseguiam manter a população portuguesa com algum nível de cultura, mesmo que mais para o lado do crer do que do saber. Em 1722, foi inaugurado o primeiro observatório astronómico português, o do Palácio Real, três décadas mais tarde totalmente destruído pelo grande terramoto de 1755. Chegou a ter relevância internacional, graças aos padres cientistas italianos que o utilizavam – a primeira observação astronómica feita num observatório astronómico permanente em Portugal (eclipse lunar) teve publicação, em 1724, na Philosophical Transactions of the Royal Society, a revista científica mais conceituada do mundo de então. Na altura, a moda europeia da astronomia também chegou a Portugal. No séc. XVIII, os Oratorianos passam também a ter a responsabilidade do ensino em Portugal (incluindo astronomia), ganhando a exclusividade após a expulsão dos Jesuítas, em 1759, e sendo protegidos como pedagogos modernos. No Convento das Necessidades, em Lisboa, mantinham um laboratório de Física, contudo a escassez de astrónomos portugueses era evidente, de tal maneira que o país teve de recorrer a estrangeiros para marcar as nossas fronteiras no ultramar. Portugal era um país onde falar de ciência era motivo de zombaria. Até então, a Universidade de Coimbra (UC) nunca ensinara mais do que línguas e filosofia. A reforma pombalina cria a Faculdade de Matemática e reforma a de Filosofia para incluir astronomia e outras ciências. As invasões francesas do início do séc. XIX e a fuga da família real para o Brasil perturbaram o funcionamento do país, e a educação não era então uma prioridade. Seguiram-se as guerras liberais e a instabilidade política. Só no virar do século a Casa Pia colmatou a falta de ensino intermédio, ensinando línguas e ciências (incluindo astronomia), mal disfarçando as três gerações sem a educação da classe média portuguesa. Os liceus nacionais (um em cada capital de distrito) foram criados em 1836 por Passos Manuel, mas só com a substancial melhoria das redes viária e ferroviária conseguiram, umas décadas mais tarde, os alunos e professores chegar em bom número às escolas. As universidades não deixaram Passos Manuel criar um Instituto de Ciências Físicas e Matemáticas onde se ensinaria astronomia. Os investigadores continuaram a ser autodidatas e a escassez de astrónomos portugueses manteve-se. Vergonhosamente, em 1850 Portugal não respondeu a um pedido internacional de observação de uma estrela para determinar a sua distância (era crítica a participação de Portugal, por se encontrar no extremo da Europa), de nada tendo servido a existência dos dois observatórios nacionais, em Lisboa e em Coimbra. O séc. XX começou com grandes planos reais de mais reformas, que foram anulados pela República e, logo a seguir, pelos graves problemas económicos do país. Os planos de fomento dos anos 50 a 70 pretendiam recolocar Portugal no caminho do progresso e da ciência, o mesmo acontecendo com a Revolução de 25 de abril de 1974 e a entrada de Portugal na CEE, em 1986. Contudo, ainda que parcialmente se tenham conseguido alguns progressos, nunca se logrou resolver o problema da dívida galopante, que já no presente século atingiu níveis nunca vistos. A Madeira astronómica Em meados do séc. XIV, organizou-se a primeira expedição do Estado português às Canárias para ocupação de novas terras, sendo que estas, a Madeira e os Açores já eram conhecidas pelos europeus (e.g., italianos e catalães). Logo em 1431, os dividendos do açúcar madeirense ajudaram o infante D. Henrique a reestruturar fisicamente a UC e a criar aí cadeiras de matemática e astronomia, decisivas para os avanços científicos na navegação pelos astros. Com o Tratado de Alcáçovas (1479) (Tratados (até séc. XVIII)), as Canárias passaram para a posse espanhola e, assim, foi na Madeira que os marinheiros e pilotos nacionais se continuaram a treinar nas técnicas modernas (e.g., astronomia), no extremo sul do território nacional. A partir da déc. de 30 do séc. XVI, e durante 300 anos, a pirataria (Corso e pirataria) fez parte da estratégia político-económica dos franceses e ingleses (e, mais tarde, dos holandeses), que pretendiam conquistar os espaços comerciais portugueses e espanhóis. Foram especialmente ferozes os ataques dos corsários franceses, em 1566, à Madeira e dos argelinos ao Porto Santo (Porto Santo), em 1617. Houve expedições científicas (incluindo também objetivos astronómicos) promovidas por reis que tinham a obscura subfunção de espionagem, descrevendo em pormenor as povoações visitadas (e.g., Funchal), especialmente os seus fortes e a sua capacidade militar. No séc. XVI já estavam a astronomia, matemática, ciências náuticas e afins bem avançadas na Madeira (por oposição a áreas como a medicina): em 1570, os Jesuítas fundam o seu Colégio no Funchal (formalmente instituído em 1575 por D. Sebastião). A partir de 1615, terão sido construídos telescópios para equipar alguns colégios jesuítas em Portugal. De facto, o padre jesuíta francês Laval fez observações astronómicas na Madeira, entre fevereiro e abril de 1720, no Observatório do Funchal, no Colégio dos Jesuítas, cujo bom tempo elogiou: com um quadrante e uma luneta de 6m de distância focal, mediu a longitude e a latitude pelo Sol e pela Lua. Observou uma ocultação de Vénus pela Lua, mediu o diâmetro do Sol e a passagem meridiana de três satélites de Júpiter. Meio século mais tarde, o Observatório do Funchal mantinha-se em plena utilização, agora sob tutela do Estado. A Quinta do Monte Palace Hotel, que pertencia aos Jesuítas, acabaria por ser vendida, nessa altura, em hasta pública. De 25 de dezembro de 1753 a 9 de janeiro de 1754, esteve no Funchal uma expedição de astrónomos franceses liderada por De Bory para fazer observações que regulassem as cartas hidrográficas, com recurso à astronomia, tendo sido recebidos de forma agressiva pelo povo, devido à fama de piratas que os franceses então ainda tinham. Escolheram para posto de observação uma casa bem no centro do anfiteatro funchalense, tendo medido a longitude e a latitude do Funchal com o recém-inventado sextante, graças a ocultações estelares pela Lua, a observações dos satélites de Júpiter e a observações diretas de estrelas. Em 1768, o capitão James Cook (Cook, James) passa na Madeira a caminho do Taiti, onde observou o trânsito de Vénus. Na tripulação, seguia o astrónomo Charles Green, que acabou por falecer durante a viagem. Thomas Heberden (Heberden, Thomas), médico no Funchal, fez observações astronómicas entre 1763 e 1768 (longitude), publicadas em 1790. Em 1789, Jean Joseph D’Oquigny foi encarregado pelo Governo português de estudar vários aspetos da física e da história natural da Madeira e Bowdich (Bowdich, T. E.) fez medições astronómicas no Funchal (determinação da latitude graças a observações da Lua, a partir da casa do cônsul britânico); mas foi o Dr. Franks quem recebeu um prémio, por determinar a latitude e a longitude do Funchal na mesma altura, com grande precisão. A 10 de março de 1843, Anne Blandy, irmã de Charles Blandy, fez observações de um cometa na Madeira, quer a olho nu, quer com um telescópio. Manuel Ferreira Pestana, nascido na Ribeira Brava, doutorou-se em matemática em Coimbra no início do séc. XIX e aí desempenhou o cargo de ajudante do Observatório Astronómico, enquanto o também madeirense Jacinto António de Sousa (Sousa, Jacinto António de) se doutorou na Faculdade de Filosofia de Coimbra, em 1858, e foi escolhido como um dos representantes portugueses na observação do eclipse solar total, dois anos depois, em Espanha. Na mesma altura, o funchalense Luiz da Costa Pereira (Pereira, Luís da Costa (1819-1893)) formou-se em matemática em Coimbra e, uns anos mais tarde, publicou Leituras sobre Astronomia. A propósito de uma “memorável” oposição de Marte (ocorrida a 5 de setembro de 1877), o astrónomo amador Nathaniel Everett Green observou este planeta a partir da Madeira de 19 de agosto a 4 de outubro desse ano, devido à “reputação de céu limpo” da ilha. Montou o primeiro observatório a leste do Funchal, a uma altitude de 360m, mas a 14 de setembro mudou-se para os 660m de altitude: “[esperávamos] imagens com excelente definição mas, aparentemente, correntes de ar quente e frio em conflito afetaram seriamente [as observações]” (GREEN, 1877, 39). Mesmo assim, Green viu melhor Marte a partir da Madeira do que colegas seus na Irlanda com um telescópio quatro vezes melhor. Mudou de local quatro vezes, tendo conseguido duas noites soberbas, entre as que tiveram céu limpo (um pouco mais de metade do total; dois terços dessas noites foram, no mínimo, boas). Confirmou, pela primeira vez, a existência de uma atmosfera em Marte (com nuvens e tudo), claramente menos densa que a da Terra, e ainda detetou poeira; verificou a diminuição das calotes polares e desmistificou os canais escuros antes observados por Schiaparelli, mas invisíveis a partir da Madeira (fig. 2). Green agradeceu a William Hinton e família, especialmente pelo alojamento e alimentação, bem como a Charles R. Blandy, pelo seu interesse nas observações e pela sua disponibilidade. [caption id="attachment_869" align="aligncenter" width="251"] Fig. 2- Imagem do planeta Marte. Segundo Green, este foi, sem comparação, o seu “melhor desenho feito na Madeira” Fonte: GREEN, 1879, 132.[/caption] Outro grande momento para a astronomia na Madeira foi a visita do famosíssimo Charles Piazzi Smyth (com a esposa), astrónomo real da Escócia, de maio a julho de 1881. Embora Tenerife (Canárias) fosse, claramente, a sua preferência (já lá tinha estado em 1856), as difíceis relações anglo-espanholas na altura, devido a Gibraltar, levaram-no à Madeira. Aqui, efetuou observações espectroscópicas solares de forma a confirmar as recentes teorias na área. Instalou o observatório no Jones’ Private Hotel (antiga casa do cônsul dos EUA – Qt. do Carvalho) (Quintas Madeirenses), a 80m de altitude, na altura fora da cidade do Funchal. Utilizou um helióstato e redes de dispersão. Embora só 10% dos dias tenham sido em condições, estes foram de excelente qualidade. Detetou grupos espectrais cruciais, confirmou a “grande risca de hidrogénio” (Hα) e a risca Hβ como genuinamente largas, pois não havia região nebulosa no espectro que não fosse resolvida nas mais bem definidas riscas (fig. 3). Descobriu riscas de oxigénio e confirmou, pela primeira vez de forma inequívoca, a difícil risca dupla do “provisoriamente chamado ‘hélio’” (PIAZZI SMYTH, 1882, 15), um novo elemento da recém-criada tabela periódica de Mendeleev. [caption id="attachment_979" align="aligncenter" width="645"] Fig. 3- Aqui ilustra-se bem o que permitiu um excelente espectrógrafo num excelente local (Madeira): descobrir duas, três ou mais riscas espectrais (espectro de baixo – Piazzi Smyth) onde antes se pensava existir uma única ou apenas duas riscas (espectro de cima – Langley) (PIAZZI SMYTH, 1882, 38).[/caption] A 14 de novembro de 1896, Anderson observou a chuva de meteoros a partir das Leónidas da Madeira, tendo contado 29. O posto de observação era na Qt. Cuibem, no Caminho do Til (Funchal), depois Qt. Deão, entretanto desaparecida (urbanizada), à exceção de algumas árvores. Talvez sejam ainda as mesmas que na altura das observações de Anderson o obrigaram a utilizar uma janela superior do edifício da quinta, virada a sudeste. Em agosto de 1924, o astrónomo amador E. A. L. Attkins observou Marte a partir da Madeira, em mais uma espetacular oposição. Instalou-se a 550m de altitude, no Monte Palace Hotel (fig. 4). Em metade das 13 noites em que observou, o céu esteve quase perfeitamente estável, tendo visto Marte com facilidade e uma sua calote polar bem definida. Em 1892, esteve na Madeira uma missão americana a fazer observações de latitude e longitude astronómicas (por triangulação com marcos no Paul da Serra e Forte de São Tiago – Funchal (Arsenal de Santiago)). A Direção dos Trabalhos Geodésicos e Topográficos observou em 1914, no Forte de São Tiago (origem do sistema), o azimute astronómico de um dos lados da triangulação com o Paul da Serra. Em 1936, fizeram-se novas medições de triangulação (novos marcos), utilizando para origem o marco astronómico da ilha de Porto Santo (Porto Santo). Uns anos depois, a Missão Hidrográfica observou 15 estrelas para a medição da latitude e 12 estrelas para medir a longitude (erro inferior a 0.1”). [caption id="attachment_875" align="aligncenter" width="427"] Fig. 4- Fotografia Attkins e o seu telescópio de 22 cm de diâmetro, no Monte Palace Hotel. Fonte: MCKIM, 2003, 197.[/caption] O mundo astronómico de então Já em 1730 Newton sugeria, no seu tratado de ótica, os topos de montanhas acima das nuvens como locais ideais para observatórios astronómicos, de forma a fugir à turbulência atmosférica. Mas só no séc. XIX se começou a procurar tais locais (fora das grandes cidades). Os britânicos, e.g., fugindo ao seu péssimo clima, instalaram um observatório na África do Sul em 1820, o Royal Observatory of the Cape of Good Hope, que chegou a ser visitado por John Herschel de 1834 a 1838, durante uma expedição pioneira a locais potenciais para a astronomia no hemisfério sul; seguiram-se, uns anos depois, o Observatory of Transvaal (1909) e o de Pretória (1934). Outros países europeus fizeram o mesmo, bem como os americanos (Observatório de Yale, instalado em 1925 na África do Sul e em 1952 transferido para o Mt. Stromlo, na Austrália; Observatório de Boyde-Bloemfontain, na África do Sul, instalado em 1927 pela Universidade de Harvard, depois de ter sido transferido do Peru, onde se encontrava desde 1889), que já se tinham iniciado no estabelecimento de observatórios no topo de montanhas na Califórnia, como o Observatório Astronómico de Lick no Mt. Hamilton, desde 1888. De julho a outubro de 1856, Piazzi Smyth fez observações astronómicas em Guajara (2714m; Tenerife) com um telescópio de 18cm de diâmetro, espectrómetro, polarímetro e detetor de infravermelhos (ainda se encontram aí os restos do seu observatório). Conseguiu um excelente seeing em cinco de seis noites. Segundo os responsáveis canários “estavam sempre dispostos a favorecer os propósitos dos cientistas de qualquer país” (MARTIN, 2009, 16). A Madeira entre os melhores (1950-1981) No pós-Segunda Guerra Mundial, cada instituição/indivíduo deixou de fazer ciência próximo de casa e passou a considerar os melhores locais possíveis, nem que ficassem do outro lado do mundo, passando assim as viagens aéreas intercontinentais a ser rotina. As complexas tecnologias inerentes aos novos telescópios tornavam-nos dispendiosos, e a união de várias instituições para a gestão de observatórios astronómicos passou a ser padrão (e.g., a Association of Universities for Research in Astronomy (1957) e o National Optical Astronomical Observatory (EUA); os Royal Observatories (Reino Unido) e o ESO – Observatório Europeu do Sul, logo a partir de 1953). Na euforia do pós-guerra, foi inaugurado, em 1948, o Hale Telescope, o maior e mais bem equipado telescópio do mundo (5 m de diâmetro), no Mt. Palomar, Califórnia, já planeado desde 1929. Em 1967, os EUA detinham dois relevantes observatórios: um no Havai (Mauna Kea, 4200m, bem acima da camada de inversão) e outro no Chile, em Cerro Tololo, a 2200m de altitude. Merle Walker estudou ambos desde 1965, obtendo 63% de noites fotométricas e 15% extra de espectroscópicas para o último local e 56% e 20%, respetivamente, para o primeiro. O seeing de ambos valia entre 1” a 1.5”. Mas o primeiro grande telescópio nacional americano foi inaugurado apenas em 1973 (4m; Kitt Peak, Arizona), 15 anos após a escolha do local. Os planos americanos para um telescópio espacial (iniciados em 1974) implicavam cerca de 10 telescópios de 5 m na superfície terrestre para investigações complementares. Assim, encorajava-se um Northern Hemisphere Observatory (NHO), com telescópios grandes, cuja oportunidade a Europa (Reino Unido, em particular) não enjeitou. Em janeiro de 1954, doze astrónomos de renome de seis países europeus (Alemanha, Bélgica, França, Reino Unido, Holanda e Suécia) declararam-se a favor da instalação de um grande telescópio europeu no hemisfério sul. A preferência ia para a Namíbia ou África do Sul, após a confirmação da qualidade do seeing. A Holanda já detinha neste último país um observatório em Hartebeespoort desde esse ano (e até 1978), após uma primeira instalação em Joanesburgo, em 1938. As medições de seeing iniciaram-se em 1955 com um telescópio de 25 cm (análise dos anéis de difração de estrelas). Nas décs. de 50 e 60, ainda havia uma grande variedade de métodos para aferir a qualidade do céu. O ESO arrancou em 1962, com a participação formal de cinco países (Alemanha, Bélgica, França, Países Baixos e Suécia), e no ano seguinte La Silla (Chile) foi escolhido como potencial local, seguindo o exemplo dos americanos: o ESO ocupou o local desde 1969. Após estudos que se prolongaram até 1970-72, a Namíbia/África do Sul foram definitivamente excluídas da lista. O primeiro grande telescópio do ESO foi inaugurado em La Silla em 1976 (ESO 3,6m), e em 1989 foi a vez do New Technology Telescope (NTT). O plano do Very Large Telescope (VLT; quatro telescópios de 8 m e outros quatro de 2 m) foi então elaborado e conceptualmente testado em La Silla, de forma a ser colocado num local ainda melhor (Cerro Paranal, 1998-2001). Quanto ao hemisfério norte, os alemães estiveram em Tenerife a fazer medições (em 1959), mas apanharam uma tempestade de poeira do Saara na atmosfera, o que os desapontou. De 1966 a 1970, estudaram a Grécia e Calar Alto (2165 m; SE de Espanha), obtendo medianas de seeing idênticas: 0.6”. Principalmente devido ao forte apoio de Espanha (construção de estrada, fornecimento de água e eletricidade), que ficou com 10% do tempo de observação, este último local foi o preferido pelo recém-criado Max-Planck Institute fur Astronomie. Em 1973-75, foi transferido da Alemanha o telescópio Schmidt 0,8 m e inaugurou-se um novo, de 1,2 m. Em 1979, foi a vez de um de 2,2m, enquanto em 1985 foi inaugurado outro de 3,5 m. Apesar das 240 noites por ano em que é possível observar e das 160 com mais de seis horas limpas, o local não é brilhante em termos de seeing: ar continental, camada de inversão alta, a que acresce a poluição luminosa de grandes cidades próximas. Foi, há poucos anos, abandonado pelos alemães e entregue ao cuidado exclusivo de Espanha. Os Franceses estudaram vários locais na Europa continental, o México e também Izaña (Tenerife). Acabaram por optar pelo Havai, em colaboração com o Canadá (telescópio de 3.6m), apenas tendo como base curtas exposições de planetas (feitas com um telescópio de 62cm). Na área específica da astronomia solar, a Joint Organization for Solar Observations (JOSO), fundada em 1969, em Itália, por 11 países da Europa ocidental (incluindo Portugal), pretendia colocar um observatório solar internacional num excelente local (Large [European] Earth-based Solar Telescope – LEST). Em 1970-76, estudou-se 40 locais no Mediterrâneo e Atlântico (a turbulência por cima de água é menor do que sobre terra), construindo perfis de temperatura até 15km de altitude e obtendo, assim, informação sobre toda a atmosfera causadora do seeing. Os três locais finalistas foram Tenerife e La Palma (Canárias) e a ilha da Barreta (mid-lake location; Faro, Portugal). Para uma decisão final, os dois primeiros foram estudados com telescópios em torres rígidas 10-20 m acima do solo, mas a Barreta nunca. A JOSO, entretanto, terminou, sem cumprir os seus objetivos, embora se tenha instalado telescópios solares nas duas ilhas das Canárias. Logo após a Segunda Guerra Mundial, em 1946, o presidente da Royal Astronomical Society (RAS), Harry Hemley Plaskett, propôs um novo grande telescópio britânico de 2.5m, em homenagem a Newton (Isaac Newton Telescope – INT), mas só em 1959 se iniciou a sua construção no recém-criado polo de Herstmonceux (Sussex) do Royal Greenwich Observatory (RGO), sendo inaugurado em 1967. Após terem participado, em 1954, na reunião inicial para a criação do ESO, os britânicos foram os únicos a sair antes de 1962, quando o ESO foi formalmente criado, daí terem avançado por conta própria para a instalação de um NHO. Em 1965, o Science Research Council (SRC) foi instituído e, para a astronomia, foi buscar o RGO ao almirantado e o Royal Observatory of Edinburgh (ROE) ao Serviço Civil Britânico. Nesta altura, o diretor do ROE, Hermann A. Brück, propôs a instalação de observatórios a latitudes mediterrânicas, rapidamente secundado por outros astrónomos influentes e pelo próprio SRC: o NHO, um telescópio de 4m num local espetacular. Em 1967, os britânicos ainda utilizavam um observatório em Itália (Mt. Porzio-Catone), bem pior do que os do Havai (americanos) ou os de La Silla (Chile; ESO). Como no caso dos americanos e dos outros países europeus, o hemisfério sul avançou mais depressa do que o hemisfério norte: em 1950, foi inaugurado um observatório astronómico no Mt. Stromlo (Austrália) e, em 1964, o de Siding Spring (1130m). Em 1973, também o UK Schmidt Telescope (1,2 m) é aqui instalado, bem como, em 1974, o Anglo-Australian Telescope (AAT, 3,9 m). Naturalmente, os observatórios na África do Sul passaram para segundo plano. O NHO teve um comité inicial liderado por Fred Hoyle (1969-1971), com quatro milhões de libras disponíveis para a instalação de um grande observatório em 1974-1975. Para definir o local, em 1970 iniciou-se o Site Testing Project do SRC e, após uns meses de liderança do RGO, em abril de 1971 este passou para a responsabilidade do ROE: o Planning Committee era liderado por George Harding, e Mr. Bennet Mc Innes foi designado project officer, tendo-se revelado um organizador entusiástico e hábil. McInnes agregou as primeiras equipas de testadores de seeing que visitariam topos de montanhas no Mediterrâneo, mas também, inicialmente, Izaña (Tenerife), aproveitando um observatório de infravermelho do Imperial College já instalado no local. McInnes discutiu a metodologia com o perito Merle Walker e construiu três conjuntos telescópicos PTT exatamente iguais, que foram utilizados na campanha que durou até ao final de 1975 para selecionar o melhor entre três locais (sul de Itália, sudeste de Espanha e ilhas Canárias), estudando-os com o apoio de jovens estudantes, mas, infelizmente, sem simultaneidade de observações nos três locais. Um ano e meio de observações em 1972-73 revelou o sul de Itália fraco, enquanto no sudeste de Espanha “não foram autorizadas medições próximas de Calar Alto [aos britânicos] uma vez que já havia informação suficiente dos estudos alemães” (BRÜCK, 1974, 45). Já em fevereiro de 1972, Hosie (RGO) mencionava questões políticas a dificultar testes no sul de Espanha. As Canárias foram, então, identificadas como um bom local, confirmando a sugestão de Walker (Tenerife (Izaña, 2391m), estudada 11 meses em 1972, e La Palma (Fuente Nueva, 2366m), só agosto e setembro de 1972, mas J. B. Alexander (RGO) já a tinha também estudado em 1971). Em 1972, foi inaugurado em Izaña o telescópio de 1,6 m do Imperial College (Reino Unido), coletor de fluxo de infravermelho: era o protótipo do britânico UKIRT 3.8m, que foi instalado no Havai em 1979. “Em [novembro de] 1972 tornou-se óbvio que as ilhas Canárias tinham mais a oferecer do que os outros locais mas problemas políticos/diplomáticos com Espanha para a colocação de telescópios britânicos foram considerados insuperáveis” (MCINNES, 1984, 176): Espanha pretendia concessões em Gibraltar por troca com a colocação de um observatório britânico e obrigou a equipa a regressar a Tenerife uns meses depois. O SRC decidiu, então, criar uma segunda lista de locais, juntando aos dois das Canárias também o Havai e a Madeira, todas ilhas com perfil topográfico semelhante. No confuso ano de 1973, quando houve desentendimentos e demissões entre astrónomos de renome, apenas o Havai era visto como alternativa às Canárias. Após março de 1974, o SRC ouviu a comunidade astronómica britânica e retransferiu a responsabilidade do NHO para o RGO em abril de 1975. Brück, deixando o cargo de diretor do ROE após 20 anos, reportava no relatório anual de 1974 (escrito em 1975) que as medições de seeing se iniciaram de forma contínua nesse ano no Havai e nas Canárias (embora também se tenham iniciado medições na Madeira no decurso do mesmo ano, esta foi ignorada no relatório). O ROE largou, então, o NHO, mas manteve a responsabilidade do UKIRT no Havai e, até 1976, as operações com a câmara Schmidt em Itália (Mt. Porzio). As medições de seeing nos dois locais das Canárias prolongaram-se até novembro de 1975 (em La Palma até 1976). Entretanto, o SRC já tinha aprovado o conjunto Isaac Newton Group (ING) de três telescópios para o NHO, num local de primeira classe: 1m, 2.5m e de 4.5m. Entre agosto e dezembro de 1974 o Havai, a Madeira, La Palma e Izaña mantêm-se como hipótese quando uma colaboração formal entre Espanha e o Reino Unido se iniciou para os locais canários, agora incluindo uma equipa internacional em La Palma, sob liderança do Prof. Francisco Sanchez (Universidade La Laguna) e a participação de países nórdicos (Holanda, Dinamarca e Suécia). O SRC pretendia uma decisão final no verão de 1975 e, de facto, a mesma foi tomada a meio desse ano, quando o RGO já planeava com Espanha a instalação do NHO em La Palma, “o local claramente favorito do ponto de vista de cobertura de nuvens e seeing” (HUNTER, 1976, 200): apenas 5% das noites eram perdidas devido à poeira do Saara. Os acordos internacionais foram assinados no final de 1975, embora só formalizados em maio de 1979. A divisão de La Palma do RGO foi criada em 1982, o Jacobus Kapteyn Telescope (JKT) 1m iniciou observações em 1984, o INT 2.5m foi aí inaugurado em 1985 e o William Herschel Telescope (WHT) 4.2m em 1987, então o terceiro maior telescópio do mundo, estreado 200 anos depois do telescópio original de William Herschel. Os britânicos tiveram de alterar o nome de NHO para Roque de los Muchachos Observatory, sendo o ING apenas uma parte deste. Graham Smith assume a liderança do RGO em janeiro de 1976, com instruções do SRC para dar máxima prioridade ao NHO. Logo nesse ano, o INT termina o seu serviço no Reino Unido para ser transferido para La Palma. Para muitos, o RGO foi condenado à morte precisamente devido à saída do INT do Reino Unido. Já em 1975 escrevia o seu diretor “Que nuvens carregadas obscurecem o caminho a seguir!” (Id., ibid., 192). Em 1981, Alexander Boksenberg torna-se diretor do RGO, sucedendo a Graham Smith, e, exatamente seis anos depois, McInnes assume aí o posto de secretário e chefe do pessoal. Após, ironicamente, em julho de 1984 se terem comemorado os 100 anos do Meridiano de Greenwich, a SERC (ex-SRC) decidiu, em 1986, mover o RGO para Cambridge. Em abril de 1989, o RGO saiu do Castelo de Herstmonceux e em 1990 concretizou-se a transferência de forma definitiva. O epílogo deu-se em 1998 quando o RGO fechou (juntando-se os respetivos restos ao ROE), sobrevivendo apenas como museu. Nas Canárias, a camada de inversão localiza-se, geralmente, entre os 1000 m e os 1400 m, acima dos quais o ar é especialmente seco e transparente. Em 1958, R. O. Redman recomendou Tenerife para instalar um observatório de Cambridge. A pretexto de um eclipse solar (quase) total no ano seguinte, instalou-se em Izaña (2391 m; Tenerife) um pequeno observatório astronómico espanhol associado à Universidade de La Laguna. De 1963 a 1975, quando é criado o Instituto de Astrofísica de Canárias, a Universidade de Bordéus instala em Izaña um telescópio e colabora com os astrofísicos de Tenerife, especialmente com Francisco Sánchez Martínez, que passou quase toda a déc. de 60 a efetuar medições da qualidade do céu noturno. Em 1969, o Governo espanhol instalou aí um telescópio solar de 25 cm numa torre de 13 m e, na sequência, o JOSO percorreu todas as Canárias com uma avioneta, estudando La Palma e Izaña de 1971 a 1979 com um seeing monitor: em um quarto dos dias, Izaña tem seeing diurno inferior a 1”, 30% melhor do que La Palma. Contudo, as medições noturnas mostram La Palma excecional no que respeita ao seeing, devido a uma orografia favorável (convexidade da montanha, em declive até ao oceano, desviando o vento norte dominante para os lados), sendo Izaña pior, mesmo que com 2/3 das noites boas (apenas 8-10% perdidas devido à poeira do Saara, principalmente em julho-agosto). Em 1974, o Prof. Sánchez Martínez reúne com as autoridades científicas espanholas (CSIC) para preparar um observatório em La Palma: Espanha construiria a estrada de acesso (uma versão florestal ficou pronta em 1976), restaurante, alojamento, água e eletricidade e os seus astrónomos teriam direito a 20% do tempo de observação. Depois do acordo internacional de 1979, em 29 de junho de 1985 foram solenemente inaugurados (por quatro famílias reais e seis chefes de estado europeus) os dois observatórios internacionais canários (ING e Nórdico). Dados de 1984 a 1993 indicam para La Palma 76% das horas como espectroscópicas, metade das quais com seeing inferior a 1”; só 2% das noites mais escuras do ano são inutilizadas devido à poeira do Saara. Passadas três décadas, as Canárias têm acordos no campo da astronomia com mais de 60 instituições de 20 países. Renato Antero da Costa Carvalho, meteorologista português falecido em 2006, esteve envolvido com a JOSO. Em Portugal, em 1970, para além da ilha da Barreta, estudou-se a ilha da Culatra (Algarve), Sines e a ilha do Pessegueiro. Numa lista inicial de 15 finalistas, Faro (Barreta) e Sines mantinham-se (low-level oceanic sites, que evitavam efeitos orográficos). Na fase de testes seguinte (1973-75; Working Group 1 – Site testing), foi a vez do também português J. Tavares se envolver. A ilha da Barreta foi estudada de julho a agosto de 1974 por Cornelius “Kees” Zwaan, da Universidade de Utrecht: os ventos vêm do mar até 300 m de altitude e acima dos 2-3 km; o seeing médio é de 0,6” (idêntico ao de Tenerife), e, mesmo assim, os cálculos para Faro começaram a 1km, ainda dentro da camada turbulenta, enquanto para Tenerife o foram a partir dos 3800 m (mais alto do que o pico Teide). Em Faro, a turbulência nos 10-17 km é bem menor do que em Tenerife, mas nem por isso existe em Portugal qualquer observatório solar. Após visitas em fevereiro de 1973 e abril de 1974, os Franceses consideraram o norte de Portugal como hipótese para o seu grande telescópio (3,6 m), o qual acabou, no entanto, por ser colocado no Havai. De realçar que também existiam planos portugueses para instalar um observatório no norte do país, certamente com o envolvimento do Prof. Manuel de Barros, cujo nome foi dado ao Observatório Astronómico do Porto. A ilha do Fogo (Mt. Liso da Fonte; 2700 m), no então arquipélago português de Cabo Verde, foi estudada pelos britânicos de maio a julho de 1973, mas o ativo vulcanismo, a poeira na atmosfera e o facto de a ilha ser côncava na face virada para os ventos dominantes levaram-nos a riscá-la da lista de hipóteses. Também propensa a vulcanismo (fumarolas), a ilha do Pico (2351m), nos Açores, teve igualmente visitas dos britânicos, mas as dificuldades de (eventuais) futuros acessos e a alegada orografia desfavorável no que respeita ao seeing levaram a preferência para a Madeira. Mesmo assim, Walker, já em 1976, mantinha esta ilha açoriana como hipótese, por lhe parecer ideal a forma da montanha, independentemente da opinião dos britânicos sobre o assunto. O caso da Madeira O ensino superior na Madeira até aos anos 80 do séc. XX resume-se à Escola Médico-Cirúrgica do Funchal (1837-1910), extinta pelo diretor de Saúde Pública Dr. Ricardo Jorge. A partir de 1917, durante alguns anos, funcionou na Madeira uma escola de pilotagem marítima com um curso de dois anos, que, entre outras disciplinas, lecionava astronomia geral e navegação astronómica. Após a letargia e até retrocesso que foi o séc. XIX em Portugal, é natural, p. ex., que só em 1914 a altura do pico Ruivo (1861m) tenha sido medida com exatidão por Alfredo Durão. A carta geográfica com escala de 1 para 25.000, executada no terreno pelo Instituto Geográfico e Cadastral em 1915 e publicada em 1938, continuou a ser utilizada; a versão do séc. XXI atualizou a rede viária, extensões urbanas e pouco mais. Só a partir de 1901, muito lentamente, começou a tomar forma a rede viária da Madeira (demorou várias décadas). As vias de comunicação eram, então, “sem contestação possível, as piores de todo o nosso país […] não merecia[m] o nome de estradas” (SILVA e MENEZES, I, 1978, 800). A estrada regional até Santana (Santana) só ficou pronta em 1968, o que encorajou os estudos de McInnes na encumeada Alta não muitos anos mais tarde. Em 1939-40, a Pousada do pico Ruivo foi construída, pois “apesar da dificuldade [da sua] ascenção muitas personagens ilustres [o] têm visitado […] atraídas […] pelo particular interesse que oferece aos cultores das ciências físico-naturais” (Id., ibid., III, 395). Em meados do séc. XX, a Junta Autónoma dos Portos do Arquipélago da Madeira editou uma publicação anual que incluía as tabelas do nascimento e ocaso do Sol no Funchal ao longo do ano (de 10 em 10 dias). Também por esta altura (anos 40), o posto meteorológico do Monte possuía um heliógrafo, enquanto o do Funchal, além de idêntico equipamento, incluía também dois solarógrafos e um solarímetro. Os problemas políticos de 1972 na colocação de telescópios britânicos nas Canárias trouxeram a oportunidade de a Madeira aparecer no “mapa astronómico internacional”, cimentada como alternativa a partir do final de 1973, tendo-se até iniciado medições de seeing em outubro do mesmo ano. Antes, em junho, o general Franco abdicou do Governo de Espanha, mas as convulsões políticas só acalmaram após a sua morte, em novembro de 1975. Os locais do mundo onde a camada de inversão surge, de forma continuada, associada ao lado leste de grandes anticiclones oceânicos situam-se nos oceanos Atlântico (norte – Madeira, Canárias; sul – África do Sul), Pacífico (Califórnia, no norte, e Chile, no sul) e Índico (Austrália ocidental). A primeira menção escrita do vento de nordeste como dominante na Madeira (interior da ilha) foi feita por De Bory em 1753-54. Em 1601, o francês Jean Mocquet já referia o “ar doce e temperado” e “o serão mais agradável do mundo” na Madeira (DES CILLEULS, 1961, 12). Os ventos amenos e calmos no mar foram apontados por Thomas Heberden, na déc. de 1750, como a razão do excelente clima da Madeira (Clima e meteorologia); mais de um século depois (1881), Piazzi Smyth alterou a explicação (humidade), mesmo que registando o vento nordeste de Lisboa à Madeira (mas que corre todo o Atlântico até à linha do Equador). A Selvagem Pequena foi estudada pela JOSO (Zwaan) em 1970-1972, mas a primeira excursão principal a uma montanha acima da camada de inversão foi na Madeira, com um grupo de Meudon, seguindo-se R. Hammersehleg, que conduziu observações em 1972 no pico do Areeiro (1818m), apoiado pela Junta Nacional de Investigação Científica (JNICT). Os resultados, no entanto, foram dececionantes. Talvez devido aos pioneiros estudos da JOSO, em 1971 Walker incluía a Madeira na lista de potenciais locais astronómicos, juntamente com as Canárias. Devido aos problemas políticos nas Canárias, o pico Ruivo foi estudado durante 10 dias, em agosto de 1973: como o seu miradouro era muito frequentado e havendo dificuldade em aí instalar um observatório, passou-se para um local muito próximo, a encumeada Alta ou cumiada Alta (1784m). O regime meteorológico da encumeada Alta é muito semelhante ao de La Palma, embora com menos influência da poeira do Saara. Revelou-se, topograficamente, o local ideal na Madeira: como em La Palma, a montanha é convexa na vertente norte, estando esta virada para os ventos dominantes de N/NE, forçando o ar a desviar-se para os lados, sem subir. Ainda no séc. XIX, Orlando Ribeiro (Ribeiro, Orlando) verificou que a encumeada Alta é dominada por ventos de nordeste dois terços do ano. Os observadores britânicos estudaram a encumeada Alta entre 1973 e 1975, durante 15 meses. No início, acamparam em tendas, mas ao fim de uns meses construíram uma cabana de madeira (fig. 5). Registaram apenas seis meses de tempo excelente (verão/outono), embora o ano tenha sido (aparentemente) pior do que o normal. As observações na encumeada Alta foram feitas em dois locais diferentes (fig. 6). No pior (pico no lado sul), de janeiro a novembro de 1974, e no melhor (pico norte), de maio de 1974 a junho de 1975. Para além da questão de o ano ter sido pior do que o normal, McInnes compila tudo num ano “médio” (jan.-dez.), prejudicando, assim, os melhores resultados da Madeira. O número de horas limpas é ligeiramente inferior ao das Canárias devido à latitude ser um pouco superior, e a poluição luminosa já era pior na Madeira do que em La Palma. Em 1976, Walker continua a listar Tenerife e a Madeira entre os melhores locais atlânticos, juntas com a fantástica La Palma. Para além destas ilhas, no hemisfério norte só menciona o Havai. A encumeada Alta, para além do seu potencial astronómico, é também uma zona de enorme valor botânico, com duas espécies endémicas raras (está na Rede Natura 2000) (Flora – Espécies protegidas, raras ou extintas).   Fig. 5 - Fotografia da cabana de madeira instalada pela equipa de McInnes em Fuente Nueva, La Palma (em cima, à esq.; foto de Lluís Tomas Roig), como exemplo da que terá existido na encumeada Alta, que tem as suas ruínas mostradas na fig. de baixo (vista para sudeste, da parede noroeste): a lareira ficava ao centro e tinha um cano metálico por cima, para a saída dos fumos para o exterior; a porta de entrada fica à esq.. Em cima, à dir., com ajuda de uma vista de cima destas ruínas (via Google Earth), apresentam-se as partes principais da acomodação na encumeada Alta (o norte fica para cima).    Fig. 6 - Fotografias dos restos dos dois pilares de betão colocados por McInnes na encumeada Alta para apoio do telescópio que fez as medições do seeing. À esq., o pilar (sul), com os piores resultados (na foto, vê-se também o marco geodésico do ponto mais alto da encumeada Alta, nos 1784m) e à dir., o pilar norte. McInnes mediu 44% (76%) de noites fotométricas (espectroscópicas) para o Havai, 41% (62%) para a Madeira, 56% (68%) para Tenerife (Izaña) e 53% (81%) para La Palma. Curiosamente, os resultados pré-normalização (devido às diferentes latitudes) colocaram a Madeira em primeiro lugar. Os valores fotométricos das Canárias são excelentes, uma vez que estão no máximo mundial previsível para qualquer local. Quanto ao seeing, a percentagem de noites no ano com valor inferior ou igual a 1” é de 41% em La Palma, 27% em Tenerife, 33% no Havai e 51% na Madeira, ou seja, embora com menos noites limpas por ano, a Madeira tem excelente seeing com mais frequência (quase duas vezes mais em relação a Izaña). A Madeira tem durante 2/3 do ano a camada de inversão com o topo entre os 1000 m e os 2400 m; embora os picos aparentem ser baixos demais (1800 m), os 62% de noites descobertas sugerem que quase sempre estão acima da camada de inversão, nesse período “mais baixo”. No 1/3 do ano (inverno/primavera), a camada de inversão tem o topo mais alto que os 1800 m. O papel central de James Bennet McInnes nos estudos para o NHO justifica falar um pouco mais sobre a sua pessoa. Nasceu em 1929 em Edimburgo, Escócia, e aí viveu com os pais até 1960, quando casou, mudando-se dentro da mesma cidade. Estudou física na Universidade de Edimburgo, no início dos anos 50, tendo-se dedicado a estudos da aurora boreal. Em 1960, ingressou como experimental officer no Satellite Tracking Group, seguindo satélites artificiais, tendo este grupo, em 1963, transitado para o ROE, antes de McInnes assumir as funções de officer do projeto de medições de seeing para o NHO. Assim que saiu deste, em 1976, McInnes manteve-se no ROE (até 1987), como secretário, a tratar de assuntos administrativos. De outubro de 1987 a abril de 1989, transferiu-se para o RGO, em Sussex, como chefe do pessoal, tendo-se reformado depois, ainda antes da saída definitiva do RGO para Cambridge, em 1990. Acabou de forma abrupta a estadia dos astrónomos britânicos na Madeira. O estudante Andrew Harry Carter, de 18 anos, faleceu num acidente na encumeada Alta no dia 8 de maio de 1975. Pelo menos, essa é a data oficial, conforme noticiada pelos dois jornais regionais da Madeira (DNM e JM) (Diário de Notícias; Jornal da Madeira) e pela nota de óbito no jornal The Scotsman de Edimburgo, no dia 10 do mesmo mês. Uma concatenação dos dois relatos jornalísticos madeirenses (com algumas pequenas notas extra de testemunhas, ex-bombeiros que participaram na missão de salvamento): “cerca das 3 horas da madrugada, Andrew Carter perdeu a vida ao se despenhar de um rochedo, de uma altura aproximada de 400 metros [na verdade, 20 metros]. Encontrava-se na casa de observação com dois companheiros. Segundo um dos seus dois camaradas, o rapaz sentira-se indisposto e saíra para (tentar) vomitar; desequilibrou-se, caiu da altura de (mais de) 5 metros e fraturou uma perna. Devido ao nevoeiro, não tendo dado conta de que estava à beira dum precipício, Carter, mesmo com a perna partida, tentando endireitar-se e agasalhar-se quis mudar de posição. Voltou-se e caiu no abismo.” (DNM, 1975, 8). Quanto aos pormenores do alerta e salvamento: “Um elemento da missão, Martin Berkeley, deslocou-se ao Posto Meteorológico do Pico do Arieiro tendo alertado os Bombeiros Municipais do Funchal [BMF] e a Polícia de Segurança Pública [PSP] às 6h45 para socorrer Andrew Carter, que havia caído. Após a chegada dos BMF, cuja ambulância ficou no Areeiro à espera do ferido, Martin Berkeley conduziu-os ao sítio onde se encontrava a vítima, pela vereda que liga o Pico do Areeiro ao Pico Ruivo, a partir do meio do percurso com a companhia do médico Dr. Rui Silva, conhecido praticante de montanhismo; [foram] longas horas de caminho, com material às costas [BMF], frio intenso [máxima de 4ºC], nevoeiro cerrado e entre precipícios [seguiram amarrados juntos com uma corda. Nas proximidades do Pico Ruivo, o Dr. Rui Silva seguiu sozinho para o local, à frente de toda a gente, tendo sido o primeiro a chegar e não tendo lá encontrado ninguém; andou à procura do corpo até à chegada dos bombeiros. Pelas 10h30,] os BMF chegaram ao local onde o ferido tinha sido deixado (encostado à casa/abrigo) mas não o encontraram. Foram mais seis horas de trabalho para localizar e remover o cadáver, despedaçado e mutilado. Martin ficou muito perturbado quando viu o corpo do colega. [Houve muita dificuldade em encontrar o corpo no meio dos pedregulhos; foi o Dr. Rui Silva quem o encontrou próximo da casa, já dia claro, sem nevoeiro] e foi depois transportado [numa maca improvisada] pelos bombeiros até ao cemitério de Santana (casota/capela), [a pé até abaixo do pico das Pedras e depois de carro]. Eram já 19h30 quando os bombeiros regressaram aos quartéis. Hoje (dia 9 de maio) será realizada a autópsia à vítima”(Id., ibid., 8 e Id., ibid., 7). A autópsia foi efetuada no cemitério de Santana sob responsabilidade do Ministério Público de Santa Cruz, constando no Conservatório do Registo Civil de Santana que “Andrew Harry Carter [faleceu às] 20h00 do dia sete de maio [de 1975; causa da morte:] fractura do crânio; […] vai ser sepultado no cemitério de Inglaterra” (ASSENTO DE ÓBITO, 1975). Há, assim, uma discrepância de sete horas entre a hora da morte estimada pela autópsia e a inferida pela informação dada por Martin Berkeley, quando deu o alarme 11 horas depois (pelas 7h). O funcionário da Estalagem do Areeiro mencionou que dois dos astrónomos aí estiveram “na farra” na noite anterior à da desgraça. Bennet McInnes, presumivelmente o “terceiro astrónomo”, não foi visto por ninguém durante todo o tempo de busca e resgate do corpo. Mas escreve, nove anos depois: “Apesar da zona [encumeada Alta] parecer bastante segura, houve lá um acidente fatal. Numa noite escura um observador saiu para uma pequena caminhada, porque se estava a sentir mal e achou que o ar fresco lhe faria bem; infelizmente desequilibrou-se e caiu por uma encosta inclinada. O outro observador localizou-o algum tempo mais tarde, inconsciente e numa posição quase inacessível; fez o que pôde para o manter em segurança e para o manter quente antes de ir buscar ajuda. A equipa de salvamento levou algumas horas a chegar ao local e, quando tal aconteceu, o homem ferido já tinha morrido. Este trágico acidente levou o trabalho na Madeira ao seu término, apenas umas poucas semanas antes [do planeado]” (MCINNES, 1984, 176-177). O consulado britânico entregou uma placa de reconhecimento aos BMF, em nome do ROE, embora em 2011 tenha afirmado desconhecimento da ocorrência. Infelizmente, também não constam registos desta nos arquivos da PSP nem nos dos BMF. Coincidentemente, a RAS reuniu em assembleia ordinária no dia seguinte ao da morte de Andrew Carter (9 de maio de 1975), 24 horas depois de concluído o resgate do corpo por parte dos BMF. Não há, nas atas da reunião (vide SMITH, 1975), qualquer alusão à morte do malogrado astrónomo. Já o relatório do ROE, relativo ao ano de 1975, não menciona o que quer que seja sobre o NHO – o projeto tinha passado para as mãos do RGO em abril desse mesmo ano, mas ainda havia vários observadores no terreno em 1975 (Madeira, La Palma, Havai). Pelo relevante papel que teve na recuperação do corpo de Andrew Carter, resume-se aqui a vida do Dr. Rui Silva, que também teve direito a uma placa de agradecimento do ROE. Nasceu a 15 de agosto de 1919 no Funchal e faleceu no dia 7 de dezembro de 2011, com 92 anos. Estudou medicina em Lisboa e exerceu-a no Hospital dos Marmeleiros, no Funchal (Hospitais). Não cobrava as consultas a quem não podia pagar. Dos quatro aos 85 anos, fez da serra o seu passatempo, tendo-se especializado em escalada. Na déc. de 60, dedicou-se à vertente mais técnica desta, quer em cerro, quer em basalto, com a utilização de novos materiais e técnicas e a abertura de vias de acesso a picos madeirenses dificílimos (e.g., Torres e pico do Gato; pico Cidrão; pico das Torres; Torre do Curraleiro; montado do Paredão). Foi um dos maiores escaladores portugueses de todos os tempos. A astronomia não lhe passou ao lado, especialmente por ter um irmão (Rafael) entusiasta desta ciência, que faleceu pouco depois de si. Observou várias vezes a chuva de meteoros das Perseidas do pico Ruivo, em agosto. Uma vez que ajudou à implementação no terreno dos programas de conservação e proteção da Freira-da-Madeira (Fauna – Espécies protegidas, raras ou extintas), em sua homenagem foi inaugurado, em 2012, no pico do Areeiro, o Centro da Freira-da-Madeira Dr. Rui Silva, onde também se expõe parte do seu espólio alpinista. A redescoberta da Madeira para um observatório astronómico (1994-1996) Principalmente devido aos planos do Hubble Space Telescope (HST), em 1984-85, a astronomia no solo continuava a ser fundamental a nível mundial, como o demonstra a criação da comissão IAU Commission on Site Identification and Protection. Exatamente nessa mesma altura (1984-1985), arrancou em Portugal a primeira licenciatura em Astronomia (Física/Matemática aplicada) da história do país, na Universidade do Porto (UP), e, a partir de 1987, a JNICT, precursora da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), passou a considerar a Astronomia como uma das áreas científicas com direito a financiamento. No ano seguinte, foi criado o Centro de Astrofísica da Universidade do Porto (CAUP), sob liderança da Prof.ª Teresa Lago. O acordo de pré-adesão de Portugal ao ESO foi assinado a 10 de julho de 1990 (a adesão formal teve lugar em 2001). O país iniciou, de imediato, o treino de novos astrónomos (especialmente no estrangeiro) e criou algumas infraestruturas nacionais (centros de investigação). Uma destas, que constava no acordo de pré-adesão, era a ressurreição do plano de um observatório astronómico na Madeira, desta vez apenas nacional, uma perspetiva muito atrativa e que não devia ser excluída a longo prazo, mesmo que pudesse ser mais vantajoso recorrer a observatórios internacionais que já existiam, como os do ESO. Os editores da Messenger, revista do ESO, congratulavam-se, em junho de 1993, com as verbas nacionais destinadas à astronomia e ainda com os “planos atuais para estabelecer um observatório nacional na ilha da Madeira [aberto à cooperação internacional], considerado uma aposta de relevância nacional e em discussão a nível governamental” (WEST, 1993, 8). Estava prevista uma decisão final nesse mesmo ano, com início da construção em 1994. De uma forma paralela, aparentemente independente, o Prof. Theodor Schmidt-Kaler (Universidade de Bochum (UB)) esteve ligado a uma proposta para o VLT (12 m) nos anos 80, que não foi implementada; propôs depois, junto com Gerhard Schnur, um grande telescópio alemão, de 10 m, o Deutsches Gross Teleskop (DGT), tendo o apoio governamental chegado em 1986, mas com obrigação do desenvolvimento da indústria na região alemã em torno da mesma universidade. Assim, criou-se o Optical Science and Technology Centre (Optik-Zentrum), que também desenvolveu uma montagem especial para o DGT: uma armação, o próprio tubo do telescópio e os apoios do secundário em fibra de carbono em estilo HexaPod – SVELT ou SVELTE (Six Variably Extended Legs Telescope). Em 1987-89, iniciou-se a lenta construção de um protótipo de 1,5 m de diâmetro, que só ficou concluído em 1994. É nesta altura que a hipótese La Silla é trocada pela Madeira. De facto, de fevereiro de 1992 a maio de 1993, a UB estudou o seeing na África do Sul, em Sutherland, com o método de star-trailing (telescópio Questar de 9 cm, que 20 anos antes fora utilizado na Grécia e em Espanha), de forma a comparar esse local com Gamsberg (Namíbia) e com ESO/La Silla. O objetivo era aí instalar um HexaPod de 3,5 m, mas só 40% das noites tiveram condições para medições, com mediana de seeing 0.5”, comparável com os valores em La Silla medidos em 1971-72 e, pelo menos em número de noites limpas, com os resultados de McInnes para a Madeira. A primeira publicação da UB onde a Madeira é mencionada data de 1993: pretendia-se mais de 200 noites limpas por ano e um excelente seeing para um projeto de monitorização de quasares (de facto, procurava-se um observatório alemão no hemisfério norte que fosse a contraparte do do ESO no hemisfério sul). Coincidentemente com o trabalho da UB, em 1994, no Joint European and National Astronomical Meeting (JENAM), ironicamente em Edimburgo, a Prof.ª Teresa Lago apresentou o póster “A new observatory in northern europe – Madeira”. De facto, existiam, então, dificuldades para a instalação do VLT no Chile, o que levou o ESO a estabelecer, ainda nesse ano, o grupo de trabalho ESO Search for Potential Astronomical Sites (ESPAS), com a participação da Prof.ª Teresa Lago (até 1996). A proposta de Gamsberg, na Namíbia, estava em cima da mesa e, apesar de o problema do Chile se ter resolvido entretanto, considerou-se pertinente continuar com os trabalhos da Comissão para a promoção de atividades astronómicas entre o ESO e países não-membros. Na reunião do ESPAS de março de 1996, fez a Prof.ª Teresa Lago “uma proposta detalhada, incluindo pormenores do observatório e as infraestruturas associadas no local, bem como a criação de um instituto de investigação de apoio no Funchal, [que] foi submetida em 1995, a pedido do Governo; aguarda-se agora aprovação pelo Ministro, havendo abertura para cooperação internacional, incluindo em projetos de instalação de telescópios” (SARAZIN, 1996, 7). Entretanto, de 23 a 30 de novembro de 1995, o Prof. Schmidt-Kaler visita, de forma exploratória, três locais na Madeira: pico Ruivo de Santana, encumeada Alta e pico Ruivo do Paul. Foi acompanhado por Josef Gochermann (físico) e Ralf Vanscheidt (matemático), todos da UB. As medições do seeing começaram logo no dia seguinte (Ralf Vanscheidt), e em meados de dezembro foi lançado um anúncio a pedir colaboradores para a campanha (orçamentada em mil contos), que decorreria durante todo o ano civil de 1996 e veio a ser aprovada pelo reitor a 2 de janeiro desse ano. Após o Departamento de Física da Universidade da Madeira (UMa) (Universidade da Madeira) se ter envolvido no projeto (Hanna Nencka, que aí lecionava astronomia), 15 alunos foram divididos em grupos de três: i) Angelino Gonçalves, Dina Vieira e Márcia Marques; ii) Arlindo Cruz, José Laurindo Sobrinho e Rui Baptista; iii) Carla Faia, Irene Freitas e Marco Sardinha; iv) Maria Graça Gomes, Orlando Silva e Sónia Abreu; v) Duarte Gouveia, Duarte Vasconcelos e Sidónio Pestana. O ano de 1996 iniciou-se com o Prof. Schmidt-Kaler já fora do projeto HexaPod. Em entrevista ao DNM de 7 de dezembro de 1995 (após a semana das visitas exploratórias), este professor tinha proposto o pico Ruivo do Paul como o melhor local da Madeira, “consideravelmente mais adequado do que a zona do Pico Ruivo de Santana” (ROCHA, 1995, 7), onde os ventos e as nuvens eram constantes; haveria turbulência na encumeada Alta, sendo a situação, previsivelmente, melhor no Paul da Serra, com ar estável marítimo inalterado (mar 3,7 km a NNE, de onde também vem o vento; por trás, os ventos podem escapar livremente; nas raras vezes em que o vento sopre de E ou SE, há aí planos suaves cobertos de vegetação; cf. 10 km de distância do mar no caso do pico Ruivo de Santana e encumeada Alta). Os quinze Students Taking Observational Research Measurements (STORM) frequentaram um curso intensivo de iniciação à astronomia, que incluiu o contacto com o telescópio Questar (para medir o seeing) e visitas aos três locais. O plano de trabalhos de cada grupo era o seguinte: i) estudar, de forma sequencial, cada um dos três locais, em intervalos de cinco dias; ii) ao final da tarde do dia escolhido, confirmar, com um telefonema para o Instituto de Meteorologia, as boas condições meteorológicas para essa noite; iii) durante a visita a cada local (toda a noite), fazer duas exposições fotográficas (6 + 6 min.) em três momentos (uma hora antes do nascer e depois do pôr-do-Sol; outro a meio da noite), de forma a medir o seeing (graças a uma de 26 estrelas previamente selecionadas por passarem mais próximo do que 10º do zénite); em simultâneo, registar dados meteorológicos (temperatura, humidade, direção do vento) e, se possível, estimar o número de horas “boas” para observações; iv) enviar a película para digitalização e processamento na UB. Mas as coisas começaram mal: os primeiros três meses de 1996 passaram sem disponibilidade de transporte nem de equipamento para a equipa STORM. Foi o Centro de Ciência e Tecnologia da Madeira (CITMA) a apoiar o projeto com uma tenda, sacos-cama, mantas térmicas, lanternas, mochilas, botas de montanha e impermeáveis, resolvendo o problema do transporte mediante a contratação de um serviço de táxi: o motorista, Sr. Abreu, acabou por ser a pessoa que mais vezes foi aos locais estudados. Finalmente, a 1 de abril iniciaram-se as observações. A interseção/colisão entre os planos do ESO/ESPAS/Prof.ª Teresa Lago e a UB (Ralf Vanscheidt) tornou-se evidente com um telefax urgente enviado por este a 15 de julho de 1996, a solicitar ao STORM o ponto de situação, após contacto da Prof.ª Teresa Lago, como representante da comunidade astronómica portuguesa: a UB precisava de informações detalhadas para conseguir apoio nacional para o projeto, assumido até então como uma “iniciativa pessoal”; foi-lhe exigida a confirmação do envolvimento da comunidade astronómica portuguesa no projeto e “a Prof. Lago [deu] conta de ainda não estar envolvida ou ao corrente do que se está a passar. Gostaria de saber quem são os responsáveis pelas medições na Madeira” (VANSCHEIDT, 1996). Ralf Vanscheidt pediu os negativos com observações feitas até a data, um relatório sobre o estado do equipamento e informações sobre os apoios recebidos da UMa e do CITMA. O pacote completo foi-lhe enviado pelo STORM até ao final de julho. Como se não bastassem os “problemas políticos”, em setembro de 1996 começaram a surgir problemas graves de equipamento que não permitiam fazer observações: nem a máquina fotográfica, nem o sensor de temperatura funcionavam bem. O projeto foi então suspenso, uns meses mais tarde, de forma definitiva. De facto, a 11 de dezembro, a então responsável pela astronomia na UMa, Hanna Nencka, reuniu com Laurindo Sobrinho. Na sequência da reunião, este redigiu uma ata, divulgada por toda a equipa STORM, onde se manifestavam as intenções de Hanna Nencka em levar ao reitor uma proposta para criação de um Grupo de Astronomia para continuar as medições de seeing de forma autónoma (com apoio científico de Marek Demianski e equipamento próprio) e ainda a opinião de que “não podem ser só os alemães ou os continentais a tomarem conta de tudo. O observatório deve ser internacional e a UMa deve ter a sua quota parte de participação […] Congelar o envio de dados e informações para a Alemanha até que a situação seja esclarecida.” (Ata, 1996). Também se propunha divulgar a astronomia nas escolas para aumentar o número de alunos de física. A questão ficou arrumada quando numa entrevista ao DNM, publicada no dia 17 de dezembro de 1996, o ministro da Ciência e Tecnologia, Prof. Mariano Gago, afirmou que a construção do observatório na Madeira era, para já, inviável, mesmo não estando em causa as condições oferecidas pela Madeira (tão boas como as das Canárias), mas sim o “interesse da comunidade astronómica internacional” (ROCHA, 1996, 6), não parecendo ser o momento certo para avançar com o observatório. Após uma sondagem por 17 instituições e organismos governamentais na Europa, EUA e países do hemisfério sul, as respostas obtidas (da parte de alguns deles) em relação a uma eventual utilização do observatório foram todas negativas (por estarem em contenção e indisponíveis para dispensar pessoal para a Madeira, não conseguindo sequer assegurar estruturas semelhantes nos respetivos países), aparentando não ser (ainda) necessário um observatório na Madeira. Esta conclusão estava em nítido contraste com o otimismo do Prof. Schmidt-Kaller um ano antes, quando disse que “a comunidade científica internacional provavelmente disputará a possibilidade de utilizar um telescópio na Madeira” (ROCHA, 1995, 7). O Ministro disse ainda aguardar resposta das instituições em falta antes de tomar uma decisão final (prevista para março de 1997). Acrescentou que “a qualificação científica da Madeira como novo local apropriado para observações deve prosseguir até ao fim, para se obterem dados totalmente conclusivos” (ROCHA, 1996, 6). Para o ministro não era provável que a situação de desinteresse internacional mudasse até 2006. É curioso que já em junho de 1994 o Prof. Ferraz-Mello (IAU e Observatório de São Paulo) tinha proposto oito anos de medições na Madeira para a demonstrar como um bom local. No final de 1997, a UB exigiu o envio de todo o equipamento que era sua pertença. Na sequência de tudo isto, a Madeira nunca conseguiu entrar na Site List para o Extremely Large Telescope (ELT) do ESPAS, mantendo-se, até abril de 1997, como "site not yet investigated". A não continuidade do projeto Madeira tornou-se evidente em 2000, quando já não aparece a Prof.ª Teresa Lago na lista de membros da ESPAS. Nesse mesmo ano, a Madeira também já não é mencionada como estando associada ao projeto HexaPod da UB. Com os seus próprios percalços, este só foi instalado no Chile (Cerro Armazones) em 2006. Como testemunha das intenções da altura, cinco das salas da UMa, as siglas IAF (Instituto de Astronomia do Funchal), nomeadamente na Sala do Senado (fig. 7). [caption id="attachment_893" align="aligncenter" width="355"] Fig. 7 - Fotografia da Sala do Senado da UMa – Penteada com iniciais do Instituto de Astronomia do Funchal (IAF), que nunca foi criado.[/caption] A prevista instalação do observatório astronómico na encumeada Alta incluía a construção de uma estrada de acesso, desde a achada do Teixeira. Este ponto terá também colidido de forma crítica com os interesses ambientalistas de boa parte dos atores em todo o processo. Quanto a resultados, só foram observados cinco meses, de 1 de abril a 31 de agosto de 1996, de forma contínua (106 saídas): 57% das noites foram limpas no pico Ruivo de Santana, 50% na encumeada Alta e apenas 39% no pico Ruivo do Paul. Sem apresentar dados concretos, a UB mencionou maus valores de seeing, atribuindo-os à instabilidade da montagem devido ao vento, dizendo não ter feito uma análise quantitativa como deveria ser por terem faltado os apoios. A astronomia na Madeira no virar do século (1998-2013) O terceiro estudo na história da ilha acerca das condições do céu noturno e do seeing foi feito de 1 de fevereiro de 2008 a 5 de março de 2009 (58 semanas, ao longo de 13 meses completos). Desta vez, oito locais tiveram uma visita semanal (zona A), quinzenal (zonas B e C) ou mensal (B2 e B3) (figs. 8a,b). Ilídio Andrade, então aluno do curso de Astronomia, e Pedro Augusto foram os observadores. Foi um projeto de “elevado esforço físico e intelectual em que nunca se voltou para trás” (ANDRADE, 2009, 14): as deslocações eram feitas em automóvel e a pé, com o total de cerca de 80 itens (50kg) de equipamento repartido pelos dois observadores. [caption id="attachment_990" align="alignright" width="762"] Fig. 8 – a): Os oito locais estudados, em três zonas (A, B e C) (ANDRADE, 2009, 36).[/caption]       Fig. 8 (cont.) – b): Fotografias dos oito locais (em todos, a vista é para norte). Da esq. para a dir. e de cima para baixo (rodado), incluindo altitudes: A1 - Juncal (1796m); A2 – achada Grande (1580m); B1 – achada do Teixeira (1590m); B2 – encumeada Alta (1784m); B3 – pico Ruivo de Santana (1862m); C1 – Loiral (1403m); C2 – pico Ruivo do Paul (1640m); C3 – Bica da Cana (1620m) (ANDRADE, 2009, 39-42). Os estudos de campo, de facto, começaram no dia 13 de novembro de 2006, com a simulação diurna dos primeiros percursos combinados (de automóvel e a pé). Durante mais de um ano, prepararam-se as visitas formais, medindo o horizonte em todos os locais, construindo a base elevatória, decidindo a estratégia para o transporte do material (tendo-se inventado um saco/mochila especial para o efeito, com 354 l de capacidade) e definindo o setup mais adequado para que as observações tivessem sucesso (fig. 9), para além de estimar o seu tempo total (cerca de 70 min.). A preparação de cada saída começava dois dias antes, com o carregamento de todas as pilhas e baterias e, já no próprio dia, com a colimação e alinhamento do telescópio e a verificação das previsões meteorológicas (modelos) no site do Instituto de Meteorologia.   [caption id="attachment_923" align="aligncenter" width="606"] Fig. 9 - Setup para as medições do seeing: 1 - Telescópio Mizar; 2 - Base elevatória; 3 - CCD; 4 -Barlow 3X com filtro Johnson B (azul); 5 - Bateria de 12V/20Ah (7kg); 6 - Adaptador para isqueiro de automóvel; 7 - PC portátil; 8 - Grampo universal para segurar telescópio à montagem (funcionando como contrapeso a todo o equipamento colocado no lado oposto); 9 – Ferros para prender a base ao solo (com a ajuda de areia, que se coloca por baixo da base). Utiliza-se uma ocular de 25mm para focar o telescópio antes de colocar a CCD (em 3), uma bússola para o apontar para norte (Estrela Polar) e um nível de bolha para garantir que a base fica horizontal (adaptado de ANDRADE, 2009, 67).[/caption] O método utilizado para as medições de seeing foi o de Walker (exposição com um detetor eletrónico CCD de trilhos da Estrela Polar – fig. 10), mas para se conseguir visitar, numa mesma noite, vários locais, inventou-se uma plataforma especial para o telescópio (figs. 11 e 12): leve, sólida, rígida (não oscilando para ventos inferiores a 50 km/h) e flexível (várias latitudes/inclinações). Para além da medição do seeing, registava-se também a temperatura e humidade relativas do ar, a velocidade e direção (qualitativas) do vento e recolhia-se ainda informações qualitativas sobre a cobertura de nuvens. Foi também medido o brilho do céu noturno (direções zénite; a 45º de elevação para o Norte, Sul, Este e Oeste – fig. 13), a partir de 4 de abril de 2008. Os resultados destas observações feitas até 26 de setembro (seis meses) só são em bom número para o Juncal (A1) e a achada Grande (A2): valor típico de 21.0 mag/arcseg2 para o Zénite, Norte e Oeste, ficando as outras duas direções 0.5 magnitude mais brilhantes (devido à zona litoral Funchal – Santa Cruz – Machico). Isto significa que a Madeira tem algo a melhorar para se classificar, pelo menos, com “bom” no que respeita ao brilho do céu noturno (21.5 mag/arcseg2).    a)                                                                              b)           Fig. 10 – Exposição de 5min. de um trilho da Estrela Polar. Há saturação, já que cada pixel é exposto durante 4 segs. a) Imagem obtida pela CCD; b) Percurso da Estrela Polar em relação à parábola teórica: é a partir da diferença que se calcula o valor do seeing (adaptado de ANDRADE, 2009, 66 e 98).   [caption id="attachment_932" align="aligncenter" width="343"] Fig. 11 - Fotografia do telescópio Mizar Tal-1 da UMa, refletor newtoniano com 11cm de diâmetro, utilizado nas medições.[/caption]   a)                                                                  b)    Fig. 12 – a) A base elevatória vista de lado; note-se os dois parafusos que controlam o ângulo de inclinação (até 2.5º); b) pormenor da cama almofadada da base elevatória, onde o telescópio Mizar assenta perfeitamente. Fonte: ANDRADE, 2009, 53 e 57.   [caption id="attachment_941" align="aligncenter" width="442"] Fig. 13 - Base, construída por Andrade e Augusto, de apoio ao medidor do brilho do céu, conferindo-lhe 45º de inclinação (no caso da fig.). Também pode ser colocado em posição vertical, encostando-o ao plano inclinado, na sua face mais próxima (ANDRADE, 2009, 186) – medição do Zénite.[/caption] No período de 1 de fevereiro de 2008 a 5 de março de 2009, as noites boas (fotométricas + espectroscópicas) foram, em percentagem, as seguintes, para cada local: Juncal (41%+4%), achada Grande (27%+7%), achada do Teixeira (27%+0%), encumeada Alta (39%+0%), pico Ruivo de Santana (35%+0%), Loiral (29%+0%), pico Ruivo do Paul (32%+0%) e Bica da Cana (25%+0%). Há, assim, uma clara diferença entre os locais, sendo os mais baixos os piores (~1600m; incluindo o “candidato dos anos 90” pico Ruivo do Paul), com valores de 25-34%. Mas só um dos mais altos (~1800m) se destaca, o Juncal. De facto, quer o pico Ruivo de Santana, quer a consagrada encumeada Alta têm valores algo baixos. Quanto ao vento, este só teve a direção estimada de 4 de julho de 2008 a 5 de março de 2009 (8 meses). Como esperado, o vento de norte domina em todos os locais (num mínimo de dois terços das vezes, o vento sopra de N, NW ou NE). Finalmente, o seeing, este foi medido durante os 13 meses. Dos 36 trilhos obtidos, 26 (72%) foram-no em condições fotométricas. Os resultados só são estatisticamente significativos para os seguintes três locais (medianas com erros): Juncal (2.2”±1.6”), achada Grande (2.0”±1.8”) e achada do Teixeira (1.9”±1.4”). Estes valores são equivalentes a cerca de 1” num telescópio de 2 m de diâmetro. Acresce que até 3 m de altura do solo pode haver efeitos perturbadores da atmosfera (seeing local), pelo que estes valores têm de ser considerados conservativos, possivelmente pecando por excesso. As ondas rádio, como a luz visível, fazem parte do espectro eletromagnético, mas são invisíveis ao olho humano, tendo comprimentos de onda da ordem dos centímetros aos metros. São detetáveis com equipamento específico, acoplados a radiotelescópios, cuja forma típica é uma antena parabólica. Devido aos longos comprimentos de onda, a resolução dos radiotelescópios é baixíssima, razão por que se desenvolveu a técnica da interferometria, em que vários, em conjunto, observam o mesmo objeto no céu, com resolução equivalente à de uma parabólica com o diâmetro da distância máxima entre os elementos. Contudo, o poder coletor continua a ser proporcional apenas à soma das áreas das parabólicas utilizadas. A Very Long Baseline Interferometry (VLBI) utiliza radiotelescópios espalhados pelo planeta, conseguindo resoluções 50 vezes melhores do que a do HST, que está no espaço. Em particular, a European VLBI Network (EVN) centra muitas antenas na Europa, mas combina-as com outras na África, Ásia e até na América (Porto Rico). Um radiotelescópio na ilha da Madeira seria uma grande oportunidade para aumentar a qualidade destas observações ao permitir reduzir a falha do meio-Atlântico que está presente em observações atuais com o VLBI (fig. 14). Os radiotelescópios, por serem tão sensíveis, devem ser colocados em locais remotos, longe de interferência, idealmente em vales em altitude, não muito cavados (horizontes amplos, sem obstáculos visuais de altura superior a 0º a toda a volta) e pouco expostos a ventos fortes (velocidades médias inferiores a 50 km/h ou a 70 km/h, no caso de rajadas).   [caption id="attachment_944" align="aligncenter" width="430"] Fig. 14 - O EVN tem o grosso das suas 18 antenas na Eurásia. A mais ocidental destas está em Madrid (Ro). Para se chegar à seguinte, para oeste, tem de se saltar o Atlântico, até Porto Rico (Ar). Existe uma antena no hemisfério sul, na África do Sul (Hh). Seria muito útil colocar uma antena na Madeira (Ma) para reduzir a infame falha do meio-Atlântico. Fonte: AUGUSTO, 2011, 16.[/caption] Na ilha da Madeira, após uma seleção inicial de sete locais feita por peritos em 1999 (Roy Booth, Richard Davis, Gavril Grueff), entre 2003 e 2007 foi estudada no terreno a meteorologia, a interferência rádio e o perfil de horizonte de três locais candidatos: nenhum ultrapassou 36 km/h em rajadas de vento; todos com bons horizontes; dois (no concelho do Porto Moniz, a 1200 m de altitude) não têm interferência rádio relevante (20 vezes melhores que as recomendações mínimas da International Astronomical Union (IAU) para um rádio-observatório), revelando-se com excelente potencial para a instalação de uma antena VLBI. Uma grande vantagem da Madeira, e.g. em relação aos Açores, é ser sismicamente estável, vulcanicamente inativa e virtualmente imune a furacões. Mesmo sem radiotelescópio, em 1999, durante a tempestade de meteoros das Leonidas, fizeram-se observações no rádio na Madeira (utilizando antenas de automóveis). A UMa, fundada em 1988, abriu vagas para as estreantes licenciaturas em Física – ramo de Ensino e Física – ramo de Investigação logo no ano letivo de 1990-1991, mas só em 1992-1993 o corpo docente foi reforçado com quatro professores estrangeiros, passando então a ser oferecida aos alunos do ramo ensino a cadeira de Introdução à Astronomia. Mas houve outras cadeiras de física com componentes astronómicas (estudo e construção de pequenos telescópios, buracos negros e estrelas de neutrões), tendo a Prof.ª Teresa Lago, em 1994, apresentado um seminário sobre estrelas na UMa. Houve várias consequências colaterais da existência do projeto STORM na Madeira em 1996. A apresentação de um póster no 6.º Encontro Nacional de Astronomia e Astrofísica (ENAA), que até conseguiu o título de Melhor Póster, mostrou a Madeira ativa em astronomia. Levaram-se alunos do 8.º ano de físico-química a uma sessão de observação no pico Ruivo, incluindo pernoita. Fizeram-se várias observações do cometa Hale-Bopp no início de 1997 (pico Ruivo de Santana). Ainda a colaboração na divulgação da astronomia, participando ativamente no programa Astronomia no Verão do Ciência Viva. A astronomia solidificou-se de vez na Madeira no início de 1998, após a contratação do primeiro doutor na área pela UMa (Pedro Augusto). Este iniciou o trabalho com pedidos de financiamento interno (UMa) e externo (FCT), que tiveram sucesso: telescópio de 30cm de diâmetro e detetores CCD adquiridos em 1999, observatório astronómico, estudo para um radiotelescópio e projeto científico em galáxias ativas com equipa hispano-heleno-britânica nos anos imediatos (2000 a 2004). Com a contratação de um assistente (Laurindo Sobrinho) e a permanência na UMa de vários bolseiros, em junho de 2000 foi formalmente criado o Grupo de Astronomia (GAUMa) (Grupo de Astronomia da UMa) dentro do Departamento de Matemática da UMa. Este teve a particularidade de abrir as suas portas a interessados em astronomia em geral (e.g., professores dos ensinos básico e secundário), inclusive a astrónomos amadores. O repto não foi acolhido por alguns destes, que formaram, em 2001, o Núcleo Regional da Associação Portuguesa de Astrónomos Amadores (APAA). No entanto, as relações entre o GAUMa e a (mais tarde) Associação de Astrónomos Amadores da Madeira (AAAM) foram sempre sãs. Logo a começar, a 8 de setembro de 2001, houve uma colaboração conjunta entre o GAUMa, a AAAM e uma equipa internacional liderada por dois astrónomos profissionais (W. Hubbard e R. Hill, do Lunar & Planetary Laboratory (LPL) da University of Arizona) para a observação de uma ocultação de uma estrela pelo satélite Titânia de Urano (saiu em 2009 uma publicação com 153 autores, quatro dos quais associados à Madeira – três amadores e um profissional). Em julho de 2000, no X ENAA, é aprovada a organização do XI ENAA pela UMa, no Funchal, a ter lugar em 2001. Em setembro de 2000, chega uma tonelada e meia de livros e revistas do Reino Unido, que constituiu a base da Biblioteca de Astronomia e Astrofísica da UMa, tendo por doador principal o Prof. Emérito Rod Davies (Jodrell Bank Observatory): nos começos do séc. XXI, a Biblioteca tinha mais de 6000 volumes, quase todos em inglês, incluindo os primeiros volumes de várias revistas (e.g., Monthly Notices of the Royal Astronomical Society), o que fazia dela uma das mais importantes bibliotecas de astronomia do país (fig. 15). [caption id="attachment_947" align="aligncenter" width="440"] Fig.15 - A maior parte  da coleção de Astronomia da UMa foi instalada, em 2000, na sala de documentação do Centro de Competência de Ciências Exatas e da Engenharia.[/caption] Foi, assim, entre todo este frenético ambiente que, em 26 e 27 de julho de 2001, se realizou na UMa o XI ENAA, tendo sido na sua sessão de abertura publicamente autorizada a instalação do Observatório Astronómico na encumeada Alta pelo Presidente do Governo Regional da Região Autónoma da Madeira (RAM), com as palavras: “a região não é rica e tem poucos recursos […], tem de procurar novas estratégias de desenvolvimento” (FREITAS, 2001, 9). Ainda na sequência do XI ENAA, em outubro de 2001, escrevia-se no DNM que até os Açores já tinham um observatório, sendo que a Madeira tem céus com melhor qualidade, criticando-se também o GRM por relegar o local para fora da encumeada Alta (que foi o que, de facto, aconteceu, tendo sido proposta a achada do Teixeira). Ao XI ENAA veio a grande maioria dos astrónomos profissionais do país, especialmente graças aos apoios conseguidos para suportar integralmente o custo das viagens e a estadia de todos os participantes (fig. 16). O XI ENAA foi, também, um excelente pretexto para lançar as, desde então, anuais Semanas da Astronomia: durante uma semana, faz-se o encontro com o público com sessões de observação diurnas e noturnas, palestras, exposições, filmes e outras atividades (abertos ao público em geral e/ou estudantes). Durante muitos anos, a Semana de Astronomia encerrou com uma AstroFesta durante toda a noite na achada do Teixeira (fig. 17). A fama das Semanas da Astronomia já extravasou Portugal, especialmente após a publicação de um artigo em revista internacional sobre as mesmas. [caption id="attachment_950" align="aligncenter" width="355"] Fig. 16 - Fotografia de grupo dos participantes no XI ENAA no exterior do edifício da UMa – Penteada.[/caption]     [caption id="attachment_953" align="aligncenter" width="569"] Fig. 17 - Fotografia da primeira Astrofesta na história da Madeira, realizada em 19 e 20 de julho de 2002.[/caption] No ano letivo de 2001/2002, com o acordo de seis unidades da UMa e tendo por mentor Pedro Augusto, iniciou-se nesta universidade a Licenciatura em Engenharia de Instrumentação e Eletrónica – Ramo de Astronomia, tendo sido, inclusivamente, amplamente divulgada pelo DNM, de janeiro a julho de 2002, em separatas mensais sobre a UMa. Estas incluíram uma breve descrição da investigação em astronomia na UMa, numa altura em que o GAUMa tinha sete elementos remunerados. Pretendia-se criar um Centro de Astronomia de razoável dimensão. Os projetos do GAUMa, de instalação de um observatório na achada do Teixeira destinada a alunos e ao público em geral, do curso inédito na UMa e o projeto do radiotelescópio foram também publicitados em 2002, num artigo de fundo do referido jornal. Em março de 2004, o texto “Observatório por um Canudo” (PASSOS, 2004, 7) fez manchete na imprensa madeirense, pois aquele ainda aguardava armazenado a sua instalação na achada do Teixeira, desde abril de 2001, faltando apenas 2500 €, “que a Universidade disse não ter” e que “em 2002 a Câmara de Santana […] afirmou resolver em 15 dias. […] Potencial de observação desaproveitado [e] perda de um pólo de desenvolvimento científico” (Id., ibid.,). De facto, uns meses antes, um projeto de investigação financiado pela FCT, que incluía cientistas ucranianos, foi cancelado devido à inexistência do observatório. Dois meses depois, uma base de betão e uma vedação foram finalmente colocadas pela Câmara de Santana na achada do Teixeira e o observatório astronómico efetivamente montado pela UMa a 14 de outubro de 2004. Contudo, a cúpula foi destruída cinco dias depois de ter sido montada, devido à força do vento (160 km/h). Felizmente, tinha sido feito um seguro, mas o novo observatório volta a aguardar, agora desde julho de 2006, nova instalação na achada do Teixeira. Foi também a partir de 2006 que o GAUMa se colocou à disposição do público de expressão portuguesa do mundo inteiro, criando a secção “Pergunte ao Astrónomo” na sua página da Internet. Em abril de 2014, esta secção comportava quase 200 respostas a milhares de perguntas comuns que têm sido feitas ao GAUMa. Em junho de 2007, foi inaugurado o Laboratório de Astronomia e Instrumentação da UMa (LAI), que se destina a armazenar equipamento e a ser utilizado para apoio às atividades do GAUMa, bem como a aulas de astronomia em vários cursos da UMa. Entre os visitantes ilustres que o LAI já teve, destacam-se a Prof.ª Teresa Lago, em 2007, e o casal Prof. Rod e Mrs. Beth Davies, em 2008. Para a promoção de discussões científicas internas no GAUMa, de outubro de 2006 a abril de 2012, realizaram-se 28 Sextas Astronómicas, as quais começavam sempre por um tema quente discutido ao jantar, prosseguindo-se a noite, conforme o estado do tempo, ou com observações com os telescópios/equipamento do GAUMa (com o objetivo de o utilizar de novas formas – fig. 18), ou com trabalho no LAI, usualmente para aprofundamento do tema científico em pesquisas bibliográficas e online, ou para estudo/melhoria de equipamento. Começaram por ter uma frequência mensal (última sexta-feira de cada mês), mas nem sempre se conseguia o quórum de três pessoas. O Ano Internacional da Astronomia 2009 (Ano Internacional da Astronomia) na RAM implicou uma paragem das “Sextas Astronómicas” desde meados de 2008 até ao início de 2010, sendo que, após uma média bimestral em 2010 e 2011, desde novembro de 2013 só se realizaram mais dois eventos destes (separadas por um mês, em março e abril de 2012). [caption id="attachment_956" align="aligncenter" width="479"] Fig. 18 - A 27 de outubro de 2007, o asteróide Pallas foi identificado de forma inequívoca em imagens em bruto com a CCD e o telescópio Meade do GAUMa. As magnitudes astronómicas de Pallas e de duas estrelas de referência são indicadas entre parêntesis.[/caption] Em 2011, doutorou-se Laurindo Sobrinho na especialidade de Física matemática, com uma tese sobre buracos negros. Desta forma, assegurou-se a continuidade de pelo menos um doutorado profissional da área da Astronomia na Madeira (UMa), em permanência desde 1998. Já lá vão 16 anos seguidos, numa universidade que comemorou em 2014 os 25 anos de idade. Astronomia amadora Tradicionalmente, os amadores de astronomia dedicam-se à observação dos objetos celestes mais brilhantes a olho nu (planetas, nebulosas, cometas e estrelas brilhantes), mesmo que recorrendo a binóculos e telescópios. Estes tornaram-se acessíveis aos amadores da RAM a partir dos anos 60 do séc. XX. Por esta altura, na comunicação social madeirense abundavam fotos de objetos astronómicos captadas pelos grandes observatórios mundiais de então, e os amadores da RAM começaram também a dedicar-se à fotografia, acoplando máquinas fotográficas aos seus telescópios. Mesmo assim, como os comerciais eram caros por serem construídos de forma quase artesanal, restava-lhes penosamente construir o próprio telescópio, muitas vezes recorrendo aos vidros das vigias dos navios. Abrasivos, pez, óxido de ferro em pó e placas de cera de abelhas eram utilizados no seu polimento e o espelhamento era feito com nitrato de prata. O processo completo poderia levar muitos meses. Houve três pioneiros madeirenses na construção de telescópios: i) Rui Aguilar Antunes, em conjunto com seu tio, Raul Camacho (1962 a 1966). Tendo sido pioneiro na RAM, Rui Aguilar prosseguiu nesta atividade durante muito tempo e nos começos do séc. XXI tinha cerca de 10 no seu portfólio (e.g., um refletor newtoniano de 31 cm de diâmetro – fig. 19); ii) Toríbio Câmara, já falecido, construiu um telescópio refletor newtoniano de 20 cm de diâmetro no início da déc. de 70; iii) De 1965 a 1971, Luís Vasconcelos Gomes Barreto construiu oito telescópios (fig. 20), um deles de tipo Cassegrain, um feito complexo, pois o espelho secundário tem uma superfície hiperbólica. Em janeiro de 1971, o JM publicou uma entrevista com este astrónomo, incluindo uma foto sua da Lua na primeira página. Na altura, dedicava-se também à venda de telescópios por ele construídos a entusiastas madeirenses para “observações [pois que] para a construção de telescópios exige-se paciência e perseverança”. Mencionou, ainda, pretender fundar uma associação de amadores (de notar que a APAA só foi fundada em 1976) e que “acharia oportuna a construção de um observatório público” apesar do “ceticismo do público madeirense em geral [perante a astronomia]” (ABREU, 1971, 5). [caption id="attachment_959" align="aligncenter" width="303"] Fig. 19 - Fotografia do primeiro telescópio construído na Madeira (1962-1966) por Rui Aguilar e Raul Camacho. Foto de Rui Aguilar.[/caption]   [caption id="attachment_962" align="aligncenter" width="308"] Fig. 20 - Fotografia do terceiro telescópio construído por Luís Barreto, nos anos 70 do séc. XX (com o próprio ao lado).  Foto de Luís Barreto.[/caption]  Em 1996, iniciou-se em Portugal o programa Astronomia no Verão, promovido em todo o país pelo Ciência Viva, uma iniciativa de divulgação da ciência do Ministério da Ciência e do Ensino Superior. O programa iniciou-se na Madeira e em Porto Santo pela mão de Máximo Ferreira, responsável pelo Museu de Ciência da UL. De facto, foram oferecidos, por este museu, telescópios Mizar, como o que a UMa possui (fig.11), a escolas da Madeira (e à UMa) com o objetivo principal de dinamizar a Astronomia no Verão, mas também apoiar outras atividades durante o ano. Fernanda Freitas, professora de físico-química e uma entusiasta pela astronomia, foi em 1996-1997 orientadora de estagiárias do curso de Ensino de Físico-Química da UMa, tendo chegado a pertencer ao respetivo Departamento de Química. Foi a ela que coube acolher o Mizar na universidade (trazido por Máximo Ferreira em abril de 1997) e dinamizar a Astronomia no Verão na Madeira logo a partir desse ano, com a ajuda de alguns elementos do STORM. No Porto Santo, ficou responsável Maria José Vital, da respetiva Escola Básica e Secundária, de 1998 a 2000, após uma primeira visita de Máximo Ferreira (com apoio de elementos do STORM). A partir de 2001, a organização da Astronomia no Verão em toda a RAM passou para as mãos da AAAM. A progressiva facilidade de aquisição e acessibilidade económica de telescópios de grande qualidade (e.g., Celestron e Meade) fizeram desmoronar o interesse mundial pela construção destes aparelhos (Madeira incluída), mas não o interesse pela astronomia amadora na RAM. De facto, em 2001 é fundado o Núcleo Regional da APAA, destinando-se à divulgação da astronomia nas escolas e junto do público da RAM em geral. E apenas dois anos mais tarde este transforma-se na AAAM, com primeira Assembleia Geral realizada a 22 de fevereiro de 2003, “tendo em vista dar um maior impulso à astronomia, em parceria com instituições similares” (GÓIS, 2003, 15). Em 2006, foi inaugurada uma sede da AAAM no Madeira Magic (Funchal), aí tendo funcionado durante uns anos. A partir de 2009, aproveitando o Ano Internacional da Astronomia, as atividades da AAAM e do GAUMa começaram a ser quase sempre comuns. A Semana da Astronomia, p. ex., já é partilhada desde então e a colaboração é constante ao longo do ano, para atividades de divulgação. Bibliog. impressa: AA.VV, Histoire de L’Académie Royale des Sciences – Année MDCCLXXII. Seconde Partie. Avec les Mémoires de Mathématique & de Physique, pour la Même Année, tirés des registres de cette Académie, Paris, Imprimerie Royale, 1776; ABREU, A., “Sob o signo dos astros… Os ‘amadores’ da Astronomia constroem ‘galáxias’ de ambição! Cada vez mais longe é o lema ditado pelos vidros dos telescópios – uma entrevista com Luís de Vasconcelos Barreto”, Jornal da Madeira, 31 de jan. de 1971, p. 5; ANDRADE, I. G., Medições do Seeing em Oito Locais da Ilha da Madeira e seu Estudo Comparativo, Relatório de Projeto da Licenciatura em Engenharia de Instrumentação e Electrónica (ramo de Astronomia) apresentado à Universidade da Madeira, Funchal, 2009; ASSENTO DE ÓBITO n.º 37, mç. n.º 3, registo no “Diário” sob o n.º 3024, Conservatória do Registo Civil de Santana, 11h30, 12 de maio de 1975, declarante João Carlos Pereira Ferreira de Andrade, conservador António David Mendes de Sousa e Freitas; ATA da reunião de Laurindo Sobrinho (STORM) com a responsável pela astronomia na UMa (Hanna Nencka), assinada por todos os 15 elementos do grupo STORM, 11 de dez. de 1996; AUGUSTO, P., “Procura de um Local para um Rádio Telescópio na Ilha da Madeira”, Gazeta de Física, vol. 34, 2011, pp. 14-18; BRÜCK, H. A., “Royal Observatory, Edinburgh”, Quaterly Journal of the Royal Astronomical Society, vol. 15, 1974, pp. 38-49; COULMAN, C. E., “Fundamental and Applied Aspects of Astronomical ‘Seeing’”, Annual Review of Astronomy and Astrophysics, vol. 23, 1985, pp. 19-57; DES CILLEULS, J., “Les Grands Voyages de Jean Mocquet, Apothicaire du ‘Cabinet des Singularitez’ de Louis XIII aux Tuileries”, Revue d'Histoire de la Pharmacie, 49e année, n.º 168, 1961, pp. 10-17; DISNEY, M. J., “New Techniques and Telescopes in Optical Astronomy”, The Observatory, vol. 101, 1981, pp. 133-142; E.M., Diário de Notícias (Madeira), 9 de maio de 1975, p. 8; FERREIRA, M., Para a História da Astronomia em Portugal, Lisboa, CTT – Correios de Portugal, 2002; FREITAS, S., “Observatório regional recebe ‘luz verde’”, Diário de Notícias (da Madeira), 27 de jul. de 2001, p. 9; GÓIS, F., “As Estrelas Variáveis”, Revista Mais (Suplemento Diário de Notícias da Madeira), 2 de mar. de 2003, p. 15; GREEN, N. 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(ed.), “ESO Search for Potential Astronomical Sites (ESPAS) – Minutes of the Working Group Spring Meeting”, 8 de maio de 1996, pp. 1-14: https://www.eso.org/gen-fac/pubs/astclim/espas/espas_minutes.ps (acedido a 17/02/2015). Pedro Augusto José Laurindo de Góis Nóbrega Sobrinho (atualizado a 07.10.2016)

centro de ciências matemáticas

Em 1991, a comissão instaladora da Univ. da Madeira (UMa) nomeou coordenadores a fim de criarem os departamentos de física e de matemática desta universidade. Alguns determinantes geográficos e demográficos desta tarefa requereram particular atenção. Por um lado, o isolamento geográfico torna a colaboração científica e pedagógica muito mais difícil e onerosa, quando comparada com outras regiões continentais. Por outro lado, a atratividade da ilha poderia ser uma vantagem importante e, com uma política consistente de desenvolvimento, a Madeira teria a oportunidade de se tornar um local de investigação qualificada e de ponta. A base demográfica era de cerca de 220 mil habitantes, com um potencial de cerca de 1100 estudantes a terminar o ensino secundário por ano, o que era muito marginal. Como consequência, a sustentabilidade de uma academia independente na ilha teria de estar ancorada na excelência: a universidade não devia deixar que os seus melhores alunos partissem para o continente a fim de prosseguirem estudos. A excelência serviria para parar esse êxodo e, inversamente, deveria ser tão visível que houvesse estudantes do continente e de outros países que se sentissem atraídos para frequentar a UMa. Com base nestas considerações, foram feitos todos os esforços para tentar solucionar estes problemas. Em particular, foi proposto que se desenvolvessem interações entre os departamentos e as escolas secundárias locais para que os melhores alunos frequentassem a UMa; e que se efetuasse um recrutamento de docentes universitários com as melhores qualificações possíveis, concentrando-se num número limitado de campos de investigação moderna, com especial atenção para a possibilidade de um diálogo interdisciplinar, de modo a poder aproveitar todas as sinergias nesta pequena e isolada comunidade e, em particular, a estabelecer a UMa como um fórum internacional de investigação e de colaboração científica, com o fim de quebrar o isolamento e de produzir excelência e visibilidade a nível internacional. Foi esta terceira linha estratégica que levou à criação do CCM, cujos membros fundadores foram: Margarida Faria, Gueorgui Litvinchuk, Ludwig Streit, Ana Abreu, Ana Isabel Cardoso, Custódia Drumond, Maribel Gonçalves, Sandra Mendonça, José Luís da Silva (análise e aplicações); José Castanheira da Costa, Hanna Nencka, António Pires (física matemática), e Mikhail Benilov, Joannes Hagel, Vladimir Konotop, Mário Cunha (física teórica). O primeiro diretor do CCM foi o Prof. Dr. Ludwig Paul Ary Evert Streit que em 1991, antes mesmo da criação do centro, iniciou um programa de convites a eminentes investigadores, programa desenvolvido de forma sistemática desde então. O CCM foi formalmente criado pelo despacho n.º 22/96, do Ministério da Educação, publicado no Diário da República, I série B, de 31/05/1996. Funcionamento do CCM O CCM pretendia estimular a investigação local e alcançar reconhecimento internacional. Para gerir estas duas metas, era necessário um funcionamento sustentável e fiável. Com esse fim, o CCM acolheu, desde 1991, os Madeira Math Encounters, onde se apresentavam dez a vinte visitantes internacionais. Estes encontros internacionais decorriam duas vezes por ano, na primavera e no verão, e focavam, de cada vez, um tema principal de investigação, incentivando a investigação colaborativa, tanto com os cientistas locais, como entre os próprios visitantes. Até agosto de 2014, o CCM organizou 42 encontros internacionais deste género. Para além destes encontros regulares, organizaram-se conferências especiais a uma escala maior e mais convencional, tais como: A NATO, Advanced Study Institute, Stochastic Analysis and Applications in Physics, de 6 a 19 de agosto de 1993, com 92 participantes de 18 países; os resultados desta atividade foram publicados num livro com o mesmo título, na série C, intitulada Mathematical and Physical Sciences, da Kluwer Academic Publisher (vol. 449). Uma conferência internacional sobre métodos de ondeletas (wavelets), organizada a pedido de alguns colegas da Universidade do Minho: Workshop on Wavelets and their Applications, de 4 a 11 de agosto de 1994, focando temas como Multiresolution Analysis, Spline Wavelets, Filtering, Visual Processing in Neural Systems, Image Analysis in Synthetic Systems, Multifractal Formalism and Turbulence, Analysis of Gaussian Fields; da lista dos palestrantes neste encontro, destacam-se investigadores como o Prof. J. Atick (Rockefeller University, Nova Iorque), o Prof. M. Holschneider (CPT, CNRS, Marselha), o Prof. S. Jaffard (ENPC, Noisy-le Grand), o Prof. K. Jetter (Univ. de Duisburg) e o Prof. V. Wickerhauser (Washington, Univ. St. Louis). A conferência internacional de comemoração do 150.º aniversário de W. K. Clifford, com o título New Trends in Geometrical and Topological Methods, decorrida entre 30 de julho e 5 de agosto de 1995; esta conferência contou com 64 participantes (regionais, nacionais e internacionais), tendo sido apresentadas 46 palestras e dois pósteres. Muitas das apresentações da conferência foram publicadas no vol. 203 da série Contemporary Mathematics da American Mathematical Society. Entre os investigadores de renome internacional que nela participaram contam-se W. Abikoff (EUA), S. I. Amari (Japão), A. Connes (França), M. Dell’Antonio (Itália), B. Iversen (Dinamarca), D. Kastler (França), Monty Chisholm and Roy Chisholm (Inglaterra). Em 1998, foi organizada a Low Dimensional Topology Conference, com diversos participantes internacionais e 20 oradores convidados. Ainda em 1998, o CCM organizou, em colaboração com o Madeira Tecnopolo, um encontro sobre Extended Systems: Control, Learning and Self-Organization, que contou com 20 oradores convidados. Sobretudo no início do funcionamento do CCM, alguns oradores (C. DeWitt-Morette, B. DeWitt, Yu. Kondratiev, Ph. Combe, M. Sirugue-Collin, Ludwig Streit, W. Karwowski, J. Carot, J. Klauder, entre outros) ministraram cursos intensivos e especialmente orientados para a formação dos elementos mais jovens do CCM, nomeadamente: “Complexidade e autómatos”, por Ph. Combe (Univ. de Aix-Marseille); “Análise Ruído Branco”, por Ludwig Streit (Bielefeld; UMa); “Um convite para a análise estocástica”, por Yu. Kondratiev (Kiev, Bielefeld); “Infinite Dimensional Analysis”, por Yu. Kondratiev (Kiev, Bielefeld); “Measure theory”, por W. Karwowski (Varsóvia) e, por fim, “Sistemas não lineares”, por M. Sirugue-Collin (CPT-CNRS, Marselha). O CCM teve como diretores o Prof. Dr. Ludwig Paul Ary Evert Streit (1991-2006) e o Prof. Dr. José Luís da Silva (2006-). Visitantes e domínios de investigação Até agosto de 2014, o CCM levou à UMa mais de duas centenas e meia de investigadores, de pelo menos 30 países. Alguns deles regressaram repetidas vezes, sobretudo os que publicaram em conjunto com membros do CCM ou que colaboraram na formação dos elementos mais jovens. Para além da matemática, estes investigadores pertenciam a domínios variados de investigação, como por exemplo a física, a informática, a economia, as ciências sociais, a astronomia e outros. Entre os investigadores, podemos destacar: Sergio Albeverio (Bona), Bryce DeWitt (Univ. do Texas), Cecile DeWitt-Morette (Univ. do Texas), Takeyuki Hida (Nagoya), John Klauder (Florida), Nicolai Krylov (Minnesota), Michael Röckner (Bielefeld), Giuseppi Da Prato (Pisa), Boris Rozovsky (Providence), Bernt Oksendal (Oslo), John Clark (St. Louis), Hui-Hsiung Kuo (Louisiana), Philippe Blanchard (Bielefeld), Rui Vilela Mendes (Lisboa), Christopher Bernido e Maria Victoria Carpio-Bernido (Jagna), Luís Vazquez (Univ. Complutense de Madrid), Giulia Di Nunno (Oslo), Youssef Ouknine (Marraquexe), Habib Ouerdiane (Túnis), Frank Proske (Oslo), Jürgen Potthoff (Mannheim), Thomas Deck (Mannheim), Nobuaki Obata (Nagoya). Entre os professores que passaram pelo CCM, em conferências especiais internacionais ou nos Madeira Math Encounters, também de âmbito internacional, destacam-se: K. Aase (Bergen); Sergio Albeverio (Bona); Gueorgui Alfimov (Moscovo); F. Bagnoli (Florença); M Barber (Viena); F. Benth (Univ. de Oslo); C. Bernido (Jagna); Ph. Blanchard (Univ. de Bielefeld; D. Bollé (Univ. Católica de Lovaina); A. Brandão (GFM, Univ. de Lisboa); Ch. Buisson (Lyon); M. Camarinha (Univ. de Coimbra); E. Carlen (Georgia Tech.); Carot (Ilhas Baleares); M. V. Carpio-Bernido (Jagna); F. Celada (Génova/Nova Iorque); F. Cipriano (GFM, Univ. de Lisboa); John Clark (Washington University, St. Louis); Ph. Combe (Univ. de Aix-Marselha); J. N. Costa (Univ. de Coimbra); A. B. Cruzeiro (GFM, Univ. de Lisboa); M. Danech-Pajouh (Arcueil); Giuseppi Da Prato (Pisa); T. Deck (Univ. de Mannheim); Bryce DeWitt (Univ. do Texas); Cecile DeWitt-Morette (Univ. do Texas); Alastair Edge (Univ. de Durham); J. Froehlich (Viena); L. Fronzoni (Univ. de Pisa); David Gabai (Princeton University); A. Galves (S. Paulo); Yu. Gaididei (Bogolyubov Institute for Theoretical Physics, Ucrânia); Fritz Gesztesy (University of Missouri, Columbia); Ignacio Gonzalez-Serrano (Univ. da Cantábria); M. Gordon (Grenoble); M. Grothaus (Univ. de Kaiserslautern); Rached Hachaichi (Univ. de Túnis el Manar); J. Hagel (CERN, Genebra); G. S. Hall (Univ. de Aberdeen); T. Hida (Univ. de Nagoya); H. K. Henssen (Univ. de Trondheim/SISSA, Trieste); Raouda Jenane-Gannoun (Univ. de Túnis El Manar, Tunísia); Salvador Jiménez (Univ. Politécnica de Madrid); Witold Karwowski (Institute of Physics, Opole University); Dinkar Khandekar (Bombaim); John Klauder (University of Florida); Th. Klinger (Kiel); P. Kokov (Marienborg); Yu. Kondratiev (Univ. de Bielefeld); V. Konotop (UMa); Nicolai Krylov (Minnesota); T. Kuna (Univ. de Bielefeld); H.-H. Kuo (Baton Rouge); Y.-J. Lee (Univ. de Tainan); P. LeGal (Marselha); F. Leite (Univ. de Coimbra); P. Leukert (Univ. de Bielefeld); Silvana de Lillo (Università Degli Studi Di Perugia); Ricardo Lima (CPT-CNRS, Marselha); Boris Malomed (Tel Aviv University); W. Man’ko (Lebedev Inst.); C. M. Marle (Univ. Paris VI); M. Marques (CMAF); R. Vilela Mendes (CFMC); H. Nencka (UMa); E. van Nimwegen (Berkeley/Santa Fé); H. Nijmeijer (Univ. de Twente); David Nualart (Univ. de Barcelona); B. Oksendal (Oslo); M. J. Oliveira (GFN/Univ. Aberta); A. Ornelas (Univ. de Évora); H. Ourdiane (Túnis); G. Pasi (Milão); A. Pelster (TU Stuttgart); R. A. Marques Pereira (Trento); Ismael Perez-Fournon (Univ. da Cantábria); Th. Pierre (Marselha); R. F. Picken (IST); Galina Pritula (Kharkov); Stefan Rauch-Wojciechowski (Linköping University); A. Reis (Univ. de Coimbra); Michel Remoissenet (Univ. de Bourgogne); J. Rezende (Univ. de Lisboa); Anis Rezgui (Univ. de Túnis El Manar); Gerald Rickayzen (Univ. de Kent, Inglaterra); Augusto Rodrigues (Univ. do Porto); M. Roeckner (Univ. de Bielefeld); Boris Rozovsky (Providence); F. Russo (Univ. de Paris VI); G. Roepstorff (RWTH Aachen); Th. Schmidt-Kaler (Univ. de Bochum); M. Sirugue-Collin (CPT-CNRS, Marselha); R. Streater (King’s College); S. Takenv (Osaka Institute of Technology); Juan Trujillo (Univ. de La Laguna); G. F. Us (Univ. de Kiev); G. Vảge (Univ. de Trondheim); L. Vazquez (Univ. Complutense de Madrid); V. Vekslerchik (Kharkov); I. Volovich (Moscow’s Steklov Mathematical Institute); H. Watanabe (Okayama University of Sciences); W. Westerkamp (Univ. de Bielefeld); S. R. Wojciechowski (Univ. de Linköping); J. A. Yan (Institute of Applied Mathematics, Academia Sinica); J. C. Zambrini (GFM, Univ. de Lisboa); Yi-Cheng Zhang (Friburgo); G. Zimmermann (Johannes Gutenberg University of Mainz). Resultados O resultado mais valioso do CCM diz respeito ao desenvolvimento dos recursos humanos, pois alguns membros universitários mais jovens obtiveram impulsos essenciais para o seu trabalho de tese por parte dos convidados do CCM, o que lhes permitiu produzir investigação de ponta internacionalmente reconhecida, apesar de pertencerem a um grupo isolado de uma universidade pequena e recente. Este impacto positivo perdura para além dos seus estudos. A produtividade deste centro também pode ser constatada pelas publicações científicas originais, devidas, em parte ou na totalidade, ao trabalho desenvolvido no CCM. Financiamento As atividades sustentadas pelo CCM não teriam sido possíveis sem o apoio financeiro continuado da UMa, da Fundação para a Ciência e Tecnologia, da UE, da Fulbright Portugal, do Centro de Ciência e Tecnologia da Madeira e de outras entidades que colaboraram na vinda de investigadores ao CCM. Com essa base, o CCM conseguiu ganhar outros financiamentos, através da participação em projetos de investigação financiados por programas internacionais, como os projetos Capital Humano e Mobilidade para implementação de redes europeias de investigação; Dynamics, Stochastics, Complexity, de 1994-96. Instituições participantes: Univ. d’Aix-Marseille, Univ. de Bielefeld, Univ. Complutense de Madrid, King’s College de Londres, Instituto Superior Técnico; Discrete Mathematics Network-DIMANET, 1994-96; o projeto da UE NEMO para estudar a estrutura das redes de colaboração Europeia de Investigação e Desenvolvimento (European R&D), geradas pelos sucessivos programas quadro da EU; Nonlinear phenomena in optical communication lines, NATO Linkage Grant, 1996-98; Studies in Gaussian and non-Gaussian analysis, TMR – Marie Curie Research Training Grants, 1997-2000; Análise de Ruído Branco, JNICT/DAAD (Programa bilateral Portugal/Alemanha), 1996-98; Gaussian and non Gaussian analysis, MCT/ICCTT (Programa bilateral Portugal/Tunísia), 1998-2001; Análise estocástica em dimensão infinita, GRICES/CNRS (Programa bilateral Portugal/Marrocos), 2000-2003; Estudos de processos de Poisson fracionários, GRICES/CNRS (Programa bilateral Portugal/Tunísia), 2000-2003; Análise Estocástica para processos de Poisson fracionários, GRICES/CNRS (Programa bilateral Portugal/Marrocos), 2004-2005. Aprovado apenas pela parte de Marrocos; Análise em dimensão infinita e estocástica: Teoria e aplicações, GRICES/ICCTT (Programa bilateral Portugal/Tunísia), 2002-2004; Analyse en dimension infinie avec emphase en applications, GRICES/ICCTT (Programa bilateral Portugal/Tunísia), 2004-2005, aprovado apenas pela parte da Tunísia; Propriedades assintóticas de redes não lineares, JNICT/CNPq (Programa bilateral Portugal/Brasil), 1995; Análise em dimensão infinita e aplicações FCT-POCTI, FEDER, 2002-2004; Infinite Dimensional Analysis and Applications in Statistical and Quantum Physics FCT-POCTI, 2007-2010; Plasma & membrane supported catalytic gasoline fuel processor using hydrogen selective membranes, 2001-2003, EU, projeto ENK5-CT-2000-00346. Outros participantes: DaimlerChrysler AG (Alemanha), Johnsons Matthey Plc. (Reino Unido), Mikrowellen Umwelt Technologie GmbH (Alemanha), Centre d’Energétique – ARMINES (França); Integrate approach to designing high intensity discharge lighting systems, 2002-2004; EU, projeto NNE5/2001/282. Outros participantes: Association pour le développement de la physique atomique (França), GE Lighting (Inglaterra), Knobel AG (Suíça), Thorn Europhane (França), Luxmate WSW (Alemanha), SINAPSE (França), Univ. de Montpellier II (França), Foundation Research and Technology – Hellas (Grécia), TRL Limited (Inglaterra), Mairie d’Albi (França). O CCM trabalhou em consórcio com universidades na Alemanha, Áustria, França, Holanda, Irlanda e Reino Unido. O CCM teve, ainda, projetos de investigação e desenvolvimento concedidos por entidades nacionais, tais como: Theory and modelling of plasma-cathode interaction in high-pressure arc discharges, 2000-2004, FCT; Modes of current transfer to cathodes of high-pressure arc discharges and their stability, 2005-2009, FCT, projeto POCI(PPCDT)/FIS/60526/2004; Cathode spots in high-pressure DC gas discharges: self-organization phenomena, 2009-2012, FCT, projeto PTDC/FIS/68609/2006; Modelling, understanding, and controlling self-organization phenomena in plasma-electrode interaction in gas discharges: from first principles to applications, 2013-2015, FCT, projeto PTDC/FIS-PLA/2708/2012; Networks: Real world Models and Mathematical Analysis, FCT, 2004-2006, Projeto POCI/MAT/58321/2004; Simetrias da distribuição da matéria no espaço-tempo, STRIDE, 1992; Análise Ruído Branco: Desenvolvimento da análise estocástica e aplicações nas ciências, STRIDE, 1992; Nonlinear phenomena in physical systems: Solitons and Chaos, PRAXIS XXI, 1996-99; Criação, Diagnóstico e Modelização de Plasmas reativos, PRAXIS XXI, 1996-99; Processos estocásticos não lineares e complexos: Teoria matemática e aplicações à física, PRAXIS XXI, 1996-99; Desenvolvimento de rádio galáxias: o desenvolvimento da Astronomia na Universidade da Madeira, PRAXIS XXI, 1998; Modelização e Investigação Experimental das Manchas nos Elétrodos em Arcos no Ar e no Vácuo, CRUP, 1996-97. Avaliações Em 1993, o CCM candidatou-se a centro da FCT, sendo periodicamente avaliado por painéis internacionais de investigadores. A primeira avaliação, relativa ao biénio 1994-1995, realizou-se em 1996 sendo o jovem centro classificado como Muito Bom e obtendo um financiamento programático para minorar o isolamento. Avaliações subsequentes, após a visibilidade internacional, levaram o CCM ao patamar de Excelente em dois biénios. Em 1997, o CCM constituiu uma Comissão Permanente de Aconselhamento Científico formada pelos Profs. Doutores Philippe Blanchard (Univ. de Bielefeld), Rui Vilela Mendes (Lisboa) e Luís Vazquez (Univ. Complutense de Madrid), que desde então ajudou a conduzir esta unidade de investigação. A partir de janeiro de 2015, o CCM passou a ser um polo do Centro Internacional de Matemática e Aplicações (CIMA). Bibliog. impressa: Arquivo do CCM da UMa; “Palestras na UMa Promovem Intercâmbio de Conhecimentos”, Jornal da Madeira, 20 fev. 1993; “Estudos Avançados da NATO na Universidade da Madeira”, Jornal da Madeira, 06 ago. 1993; “Cientistas da NATO Reunidos na Madeira”, DN Madeira, 7 ago. 1993, p. 5; SOUSA, J., “Estudos Avançados da NATO Preparam o Séc. XXI”, Jornal da Madeira, 7 ago. 1993; “Matemática Une Cientistas em Curso de Verão no Funchal,” Notícias da Madeira, 15 ago. 1993; GOMES, D., “Cientistas Podem Atrair Turistas”, Jornal da Madeira, 7 ago. 1993; “Investigação na UMa Reconhecida no País”, Jornal da Madeira, 18 jul. 1994; GONÇALVES, R., “Um Passo de Qualidade para a Universidade da Madeira”, Jornal da Madeira, 23 ago. 1993; ROCHAS, L., “Matemática e Física na ‘Linha da Frente’”, DN Madeira, 14 ago. 1994, p. 6; “Ciências Matemáticas obteve um ‘Muito bom’”, DN Madeira, 12 abr. 1997, p. 8; PEREIRA, F., “UMa Aberta à Comunidade Científica Internacional”, DN Madeira, 17 ago. 1997, p. 18; L. S. L., “Matemáticos Encerram Encontro”, DN Madeira, 19 ago. 1997, p. 2; MARTINS, R., “Matemática Avaliada com ‘Excelente’”, DN Madeira, 10 maio 2000, p. 8; FARIA, M. e STREIT, L., “Centro de Ciências Matemáticas (CCM)”, DN Madeira, 29 maio 2002, p. 4; digital: www.ccm.uma.pt (acedido a 2 fev. 2015). Custódia Mercês Reis Rodrigues Drumond José Luís da Silva (atualizado a 22.09.2016)

diretiva da união europeia

A diretiva é um ato jurídico da União Europeia (UE), em geral, de natureza legislativa. Os atos jurídicos adotados pelas instituições da UE – regulamentos, diretivas, decisões, recomendações e pareceres – encontram-se tipificados no art. 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e podem qualificar-se como atos legislativos e atos não legislativos. O Tratado de Lisboa (2009) operou uma simplificação da tipologia dos atos jurídicos da UE ao mesmo tempo que introduziu, expressamente, a distinção entre atos legislativos (TFUE, art. 289.º), atos delegados (TFUE, art. 290.º) e atos de execução (TFUE, art. 291.º). As diretivas adotadas através do processo legislativo ordinário ou, em casos específicos, de um processo legislativo especial, constituem atos jurídicos com a qualificação de atos legislativos (“diretivas legislativas”) (TFUE, arts. 289.º, n.º 1 a 3). As diretivas podem também ser “delegadas” e de “execução”. As diretivas legislativas e as diretivas dirigidas a todos os Estados-membros são publicadas no Jornal Oficial da União Europeia e entram em vigor na data por elas fixada ou no vigésimo dia após a publicação; as diretivas que indiquem um destinatário são-lhe notificadas, produzindo efeitos após a notificação (TFUE, art. 297.º). Atentas as suas caraterísticas, as diretivas constituem os atos jurídicos vocacionados para a harmonização das ordens jurídicas nacionais com o direito da UE. A diretiva pode caracterizar-se como um ato interestadual e de cooperação (distinta do regulamento enquanto ato de subordinação), que desempenha uma função essencial no sistema de repartição de atribuições entre a UE e os Estados-membros. No domínio da livre circulação, o recurso a estes instrumentos jurídicos revelou-se essencial à concretização das liberdades fundamentais no espaço da UE. Tal como qualquer ato jurídico, a adoção de diretivas encontra-se delimitada pelo princípio da atribuição (art. 5.º, n.º 1 e 2 do Tratado da União Europeia (TUE)), do qual decorre a necessidade de terem como base jurídica uma norma do tratado. A adoção de diretivas pode ser determinada pelas normas dos tratados ou, na ausência dessa definição, por opção das instituições, caso a caso, no respeito dos processos aplicáveis e do princípio da proporcionalidade (TFUE, art. 296.º). Na hierarquia das fontes do direito da UE, as diretivas são instrumentos de direito derivado, encontrando-se assim, subordinadas aos tratados e à Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (TUE, arts. 1.º e 6.º, n.º 1), aos acordos internacionais e aos princípios gerais do direito da UE. Natureza e regime jurídico De acordo com o art. 288.º do TFUE, “A diretiva vincula o Estado-membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios”. Com base nesta definição, importa evidenciar os aspetos caraterizadores das diretivas. Vinculação dos Estados-membros destinatários A partir deste elemento da definição legal é possível concluir que as diretivas têm apenas como destinatários os Estados. Sem prejuízo das considerações infra sobre o efeito direto das normas de uma diretiva, o facto de estes atos jurídicos se dirigirem somente aos Estados-membros, obrigando-os a um dado resultado, permite compreender a função que desempenham na harmonização das legislações nacionais pois, em determinados domínios afigura-se mais adequado serem os Estados a introduzir, nos respetivos ordenamentos jurídicos, as alterações necessárias à concretização de um objetivo comum. É ainda possível concluir que as diretivas não têm aplicação geral, salvo quando se dirijam a todos os Estados-membros. Apesar do elemento literal apontar para esta interpretação, “a diretiva constitui normalmente uma forma legislativa ou de regulamentação indireta” qualificada como “um ato com alcance geral” (ac. Gibraltar/Conselho, proc. C-298/89, col. 1993, p. I-3605; também, ac. Kloppenburg, proc. 70/83, col. 1984, p. 1075). A determinabilidade dos destinatários não prejudica o alcance geral e, portanto, a natureza normativa de uma diretiva “desde que se verifique que essa aplicação se efetua em virtude de uma situação objectiva de direito ou de facto definida pelo ato e relacionada com o seu objectivo” (ac. Gibraltar/Conselho, proc. C-298/89, col. 1993, p. I-3605; também, ac. Zuckerfabrik, proc. 6/68, col. 1968, p. 595; ac. Compagnie Française Commerciale et Financière, proc. 64/69, col. 1970, p. 221; ac. Roquette Frères, proc. 242/81, col. 1982, p. 3213; ac. Astéris, procs. 97/86, 193/86, 99/86 e 215/86, col. 1988, p. 2181; ac. Buckl, procs. C-15/91 e C-108/91, col. 1992, p. I-6061). A característica de generalidade das diretivas também não é prejudicada pela consagração de limitações ou exceções de natureza temporária ou de alcance territorial (ac. Gibraltar/Conselho, proc. C-298/89, col. 1993, p. I-3605). Em síntese, a diretiva é um ato normativo, logo, de caráter geral e abstrato. Obrigação dos Estados membros destinatários quanto ao resultado a alcançar. Liberdade de escolha da forma e dos meios de concretização do resultado As diretivas vinculam os Estados membros a uma obrigação de resultado, isto é, à concretização de um determinado objetivo, confiando-lhes a escolha dos meios para o fazer. A obrigação de um Estado-membro adotar todas as medidas para alcançar o resultado prescrito é uma obrigação coerciva, que decorre do art. 288.° do TFUE e das próprias diretivas, a qual se impõe a todas as autoridades nacionais, incluindo, no âmbito das suas competências, os órgãos jurisdicionais (ac. Verbond van Nederlandse, proc. 51/76, col. 1977, p. 55; ac. Marshall, proc. 152/84, col. 1986, p. 723; ac. Marleasing, proc. C-106/89, col. 1990, p. I-4135; ac. Kraaijeveld, proc. C-72/95, col. 1996, p. I-5403). A obtenção do resultado pressupõe uma atuação mediadora do Estado ao qual cabe adotar as medidas de execução adequadas a integrar as disposições da diretiva no ordenamento jurídico nacional. A diretiva não goza de aplicabilidade direta na ordem interna, porquanto o Estado destinatário tem de adotar um ato de transposição para o direito nacional dos objetivos da diretiva. O ato de transposição não constitui um ato de receção, nem de transformação da diretiva pois os Estados estão obrigados a transpor com fidelidade o seu conteúdo. A transposição conforme com a diretiva decorre do primado do direito da UE, assim como dos princípios consagrados no art. 4.º, n.º 3 do TUE (ac. Inter-Environnement Wallonie, proc. C-129/96, col. 1997, p. I-7411). Nesta medida, a transposição parcial, seletiva ou limitada a parte do território de um Estado-membro é contrária ao direito da UE. A transposição de uma diretiva para direito interno não exige uma transcrição formal e literal das suas disposições numa norma legal expressa e específica, podendo ser suficiente um regime jurídico geral, desde que este garanta a plena aplicação da diretiva de forma suficientemente clara e precisa “a fim de que, na medida em que a diretiva cria direitos para os particulares, estes os possam conhecer na totalidade e invocá-los, eventualmente, perante os tribunais nacionais” (ac. Comissão/Países Baixos, proc. C-190/90, col. 1992, p. I-3265; também ac. Comissão/Alemanha, proc. 29/84, col. 1985, p. 1661; ac. Comissão/Bélgica, proc. 247/85, col. 1987, p. 3029; ac. Comissão/Alemanha, proc. C-217/97, col. 1999, p. I-5087). Um Estado-membro não pode invocar disposições, práticas ou situações da sua ordem jurídica interna para justificar a inobservância das obrigações resultantes do direito da UE, designadamente, a obrigação de transpor uma diretiva (ac. Comissão/Itália, proc. C-212/99, col. 2001, p. I-4923; ac. Comissão/Espanha, proc. C-195/02, col. 2004, p. I-7857; ac. Comissão/Itália, proc. C-119/04, col. 2006, p. I-6885; ac. Comissão/Bélgica, proc. C-422/05, col. 2007, p. I-4749). Acresce que a inexistência num determinado Estado-membro de uma atividade a que se refere a diretiva não liberta esse Estado da obrigação de adotar medidas legislativas ou regulamentares que assegurem a transposição adequada de todas as disposições da diretiva (ac. Comissão/Países Baixos, proc. C-339/87, Col. 1990, p. I-851; ac. Comissão/Grécia, proc. C-214/98, col. 2000, p. I-9601; ac. Comissão/Irlanda, proc. C-372/00, col. 2001, p. I-10303; ac. Comissão/Reino Unido, proc. C-441/00, col. 2002, p. I-4699; ac. Comissão/Bélgica, proc. C-422/05, col. 2007, p. I-4749). As medidas nacionais de transposição devem ter o caráter de atos vinculativos, devidamente publicitados, com força jurídica para revogarem as disposições incompatíveis com a diretiva; assim sendo, as práticas administrativas não podem ser consideradas como constituindo uma execução válida das obrigações impostas pelo tratado (ac. Comissão/Itália, proc. 168/85, col. 1986, p. 2945; ac. Comissão/Alemanha, proc. C-58/89, col. 1991, p. I-4983; ac. Comissão/Irlanda, proc. C-235/91, col. 1992, p. I-5917). Para além dos Estados-membros estarem obrigados a dar ao ato de transposição um conteúdo conforme com a diretiva, estão também obrigados a respeitar o prazo limite fixado na própria diretiva e a comunicar à Comissão as medidas implementadas. Com base nos princípios da solidariedade e da lealdade (TUE, art. 4.º, n.º 3) a jurisprudência europeia afirmou que impende, igualmente, sobre os Estados uma obrigação de abstenção, ou seja, a obrigação de, no decurso do prazo de transposição, se absterem de adotar medidas passíveis de comprometer seriamente o resultado da diretiva (ac. Inter-Environnement Wallonie, proc. C-129/96, col. 1997, p. I-7411; ac. Stichting Zuid-Hollandse Milieufederatie, proc. C-138/05, col. 2006, p. I-8339; ac. Comissão/Bélgica, proc. C-422/05, col. 2007, p. I-4749). Por se entender que a diretiva obriga os Estados desde a sua entrada em vigor no ordenamento jurídico da UE, e não apenas a partir da respetiva transposição, o Tribunal de Justiça afirmou existir também uma obrigação de ação sob a forma da adoção progressiva de “medidas concretas para, de imediato, aproximar a sua regulamentação do resultado prescrito pela referida diretiva”, designadamente quando o Estado-membro beneficia excecionalmente de um prazo de transposição mais longo (ac. Mangold, proc. C-144/04, col. 2005, p. I-9981). Cabe aos Estado-membros a escolha da forma adequada para o ato de transposição. A liberdade de escolher a forma e os meios de obtenção do resultado representa o respeito pela autonomia institucional e procedimental das ordens jurídicas nacionais. No entanto, as diretivas são frequentemente muito precisas e detalhadas (“diretivas de pormenor”), com vista a uma harmonização exaustiva; nestes casos o próprio conteúdo da diretiva limita a escolha das medidas nacionais de implementação. A liberdade de escolha da forma e dos meios está subordinada à obrigação dos Estados destinatários adotarem todas as medidas necessárias à plena implementação e à obtenção do resultado da diretiva (ac. Colson, proc. 14/83, col. 1984, p. 1891; ac. Emmott, proc. C-208/90, col. 1991, p. I-4269). Incumprimento do Estado destinatário. Efeito direto Há incumprimento, por parte do Estado destinatário, quando este não procede à transposição de uma diretiva no prazo fixado ou quando a transposição é errada ou insuficiente. Um Estado-membro incumpre as obrigações que lhe incumbem por força da diretiva de que é destinatário quando não adota, no prazo fixado, as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à diretiva. Em face desse incumprimento, não releva a alegação de que a transposição está iminente nem a invocação de disposições, práticas ou situações da sua ordem jurídica interna (ac. Comissão/Portugal, proc. C-276/98, col. 2001, p. I-1699; ac. Comissão/França, proc. C-147/00, col. 2001, p. I-2387 ac. Comissão/Alemanha, proc. C-383/00, col. 2002, p. I-4219; ac. Comissão/Alemanha, proc. C-74/02, col. 2003, p. I-9877). De igual modo, “o facto de um Estado-membro alegar ter fixado objetivos mais ambiciosos do que os prosseguidos por uma diretiva não é suscetível de o dispensar de dar cumprimento às exigências previstas na diretiva (ac. Comissão/Irlanda, proc. C-282/02, col. 2005, p. I-4653; também ac. Comissão/França, proc. C-292/99, col. 2002, p. I-4097). Quando uma diretiva não estabelece expressamente um prazo para a sua transposição pelos Estados membros, pressupõe-se que esta deva ocorrer num “prazo razoável” pois “uma diretiva cuja transposição pudesse ficar indefinidamente suspensa ficaria privada de conteúdo e desprovida de efeito útil” (ac. Comissão/Irlanda, proc. C-282/02, col. 2005, p. I-4653). Também a transposição incorreta ou incompleta faz com que o Estado-membro destinatário incorra em incumprimento (ac. Comissão/Itália, proc. 91/79, col. 1980, p. 1099). O não cumprimento das obrigações estabelecidas pela diretiva, e pelo art. 4.º, n.º 3 do TUE, pode determinar a abertura de um processo por incumprimento, junto do Tribunal de Justiça da UE (TFUE, arts. 258.º a 260.º), ou dar lugar à interposição de uma ação de responsabilidade civil extracontratual, nos tribunais nacionais. A responsabilidade civil extracontratual do Estado faltoso pressupõe a compreensão do efeito direto das diretivas. O princípio do efeito direto do direito originário, reconhecido pela jurisprudência europeia no ac. Van Gend en Loos (proc. 26/62, col. 1963, p. 205), significa que, quando dotada de determinadas características, uma norma é suscetível de criar direitos individuais cuja salvaguarda compete aos tribunais nacionais. Afirma-se, portanto, que as normas dos tratados são passíveis de conferir aos particulares direitos de que estes se podem prevalecer perante a ordem jurídica nacional invocando diretamente as normas europeias, sem que seja necessária a intermediação de um ato do Estado-membro que as integre na respetiva ordem jurídica. No que respeita a normas de direito derivado constantes de diretivas, e atenta a necessidade da existência de um ato de transposição, a questão do respetivo efeito direto também se colocou desde cedo. A jurisprudência europeia afirmou que seria incompatível com o caráter vinculativo das diretivas não reconhecer que as obrigações por elas impostas possam ser invocadas pelos interessados. Atendendo a que, por via de uma diretiva, a UE impõe aos Estados a obrigação de adotar uma determinada conduta, o efeito útil daquele tipo de atos jurídicos ficaria diminuído se os particulares fossem impedidos de os invocar perante os órgãos jurisdicionais nacionais (ac. Van Duyn, proc. 41/74, col. 1974, p. 1337). Assim, reconhece-se que, mesmo não existindo um ato de transposição das normas de uma diretiva para a ordem jurídica interna (atento que, como ficou dito, as diretivas carecem de aplicabilidade direta) tais disposições podem ser constitutivas de direitos subjetivos, ou seja, criam direitos na esfera jurídica dos particulares que estes podem invocar junto dos tribunais nacionais, mesmo contra o direito nacional aplicável. Do efeito direto das diretivas resulta ainda que os Estados não podem invocar, nas relações com os particulares, uma diretiva não transposta (efeito direto inverso) (ac. Kolpinghuis, proc. 80/86, col. 1987, p. 3969). Note-se ainda que o reconhecimento do efeito direto não extingue a obrigação da respetiva transposição pelo Estado-membro destinatário (ac. Emmott, proc. C-208/90, col. 1991, p. I-4269). Em síntese, o desrespeito pelo Estado da obrigação de transpor correta e integralmente uma diretiva que pretende consagrar determinados direitos, não pode impedir os particulares de invocarem os correlativos direitos subjetivos (efeito direto reflexo). Resulta também da jurisprudência assente que o efeito direto apenas se produz relativamente a normas de uma diretiva com um conteúdo claro, preciso e incondicional, e que esse efeito ocorre somente após o termo do prazo fixado para a transposição da diretiva e no caso de incumprimento dessa obrigação por parte do Estado, ou de transposição incorreta para a ordem jurídica nacional (ac. Ratti, proc. 148/78, col. 1979, p. 1629; ac. Becker, proc. 8/81, col. 1982, p. 53; ac. Colson, proc. 14/83, col. 1984, p. 1891; ac. Marshall, proc. 152/84, col. 1986, p. 723). Verificadas estas condições, um particular pode adotar uma conduta conforme com as normas da diretiva, ao invés de se subordinar às normas nacionais não compatíveis com as primeiras. De igual modo, pode demandar o Estado faltoso e reclamar dele a reparação adequada pelas perdas e danos resultantes da não transposição de uma diretiva (ação de responsabilidade civil extracontratual), pois “a plena eficácia das normas comunitárias seria posta em causa e a proteção dos direitos que as mesmas reconhecem enfraquecida se os particulares não tivessem a possibilidade de obter reparação quando os seus direitos são lesados pela violação do direito comunitário imputável a um Estado-membro” (ac. Francovich, proc. C-6/90, col. 1991, p. I-5357). Reconhece-se, assim, o princípio da responsabilidade do Estado pelos prejuízos causados aos particulares, por violação do direito da UE, ou seja, por incumprimento das obrigações impostas numa diretiva e do dever geral de tomar as medidas necessárias a assegurar a execução do direito da União (TUE, art. 4.º) e, consequentemente, a obrigação de eliminar as consequências ilícitas dessa violação. Nesta medida, apesar da ação judicial contra o Estado faltoso ser proposta junto dos tribunais nacionais, segundo as respetivas regras processuais, a apreciação do mérito da causa é feita à luz dos princípios e normas do direito da UE (ac. Colson, proc. 14/83, col. 1984, p. 1891; ac. Kolpinghuis, proc. 80/86, col. 1987, p. 3969; ac. Marleasing, proc. 106/89, col. 1990, p. 1839). O direito à reparação pressupõe a verificação cumulativa de três condições: (i) que o resultado estabelecido pela diretiva inclua a atribuição de direitos aos particulares; (ii) que o conteúdo desses direitos possa ser identificado com base nas disposições da diretiva; e (iii) que exista um nexo de causalidade entre a violação da obrigação que incumbe ao Estado e o prejuízo sofrido pelas pessoas lesadas (ac. Brasserie du Pêcheur e Factortame, procs. C-46 e C-48/93, col. 1996, p. I-1029). Efeito direto vertical e efeito direto horizontal As normas de uma diretiva, dotadas de caráter claro, preciso e incondicional são, como se viu, constitutivas de direitos subjetivos oponíveis aos Estados-membros quando estes incumpram a obrigação de adequada transposição (efeito direto vertical). A jurisprudência da UE foi também chamada a pronunciar-se sobre o eventual efeito direto horizontal das diretivas, ou seja, sobre a possibilidade de serem constitutivas de direitos subjetivos invocáveis em litígios entre privados. A este respeito o Tribunal de Justiça recusou o efeito horizontal das diretivas ao afirmar que o respetivo caráter vinculativo existe apenas relativamente ao “Estado-membro destinatário”. Daqui decorre que “uma diretiva não pode, por si só, criar obrigações na esfera jurídica de um particular e que uma disposição de uma diretiva não pode ser, portanto, invocada, enquanto tal, contra tal pessoa” (ac. Marshall, proc. 152/84, col. 1986, p. 723; também ac. Kolpinghuis, proc. 80/86, col. 1987, p. 3969; ac. Dori, proc. C-91/92, col. 1994, p. I-3325; ac. Marshall II, proc. C-271/91, col. 1993, p. I-4367; ac. El Corte Inglés, proc. C-192/94, col. 1996, p. I-1281; ac. Wells, proc. C-201/02, col. 2004, p. I-723; ac. Pfeiffer, procs. C-397/01 a C-403/01, col. 2004, p. I-8835). Apesar de as diretivas não imporem obrigações aos particulares, o dever de os tribunais interpretarem o direito nacional em conformidade com o resultado e os efeitos jurídicos pretendidos por uma diretiva (interpretação conforme), pode ter como efeito prático excluir uma das partes em litígio da proteção conferida pela legislação nacional. Nestes casos, alguma doutrina entende estar-se perante um “efeito horizontal incidental” (conforme decorre das decisões: ac. CIA Security, proc. 194/94, col. 1996, p. I-2201; ac. Unilever Italia, proc. C- 443/98, col. 2000, p. I-7535). Madeira Sem prejuízo da aplicação uniforme do direito originário e derivado da UE, importa ter em conta que a RAM é qualificada pelo ordenamento europeu como região ultraperiférica, prevendo-se a possibilidade de serem adoptadas medidas específicas relativas às condições de aplicação dos tratados, em concreto, nos domínios da política aduaneira e comercial, política fiscal, zonas francas, políticas de agricultura e pescas, aprovisionamento de matérias-primas e bens de consumo de primeira necessidade, auxílios estatais, condições de acesso a fundos estruturais e a programas horizontais (TFUE, art. 349.º). Bibliog.: CUNHA, P. Pitta e, Direito Europeu: Instituições e Políticas da União, Coimbra, Almedina, 2006; DUARTE, Maria Luísa, União Europeia: Estática e Dinâmica da Ordem Jurídica Eurocomunitária, vol. I, Coimbra, Almedina, 2011; CHALMERS, D. et alii, European Union Law, 2.ª ed., Cambridge, Cambridge University Press, 2010; CRAIG, P. e De BURCA, G., EU Law. Text, Cases and Materials, 5.ª ed., Oxford, Oxford University Press, 2011; CRAIG, P., “The Legal Effect of Directives: Policy, Rules and Exceptions”, Legal Research Papers Series, n.º 24, ag. 2009, pp. 349-377; DASHWOOD, A. et alii, Wyatt and Dashwood's European Union Law, 6.ª ed., Oxford, Hart, 2011; FOSTER, N., Foster on EU Law, 4.ª ed., Oxford, Oxford University Press, 2013; GORJÃO-HENRIQUES, M., Direito da União, 6.ª ed., Coimbra, Almedina, 2010; KACZOROWSKA, A., European Union Law, 3.ª ed., Oxon, Routledge, 2013; LOUIS, J. V., Les Règlements de la Communauté Économique Européenne, Bruxelles, Presses Universitaires de Bruxelles, 1969; MARTINS, A. M. Guerra, Curso de Direito Constitucional da União Europeia, Coimbra, Almedina, 2004; QUADROS, Fausto de, Direito da União Europeia, Coimbra, Almedina, 2013; TÜRK, A. H., The Concept of Legislation in European Community Law: A Comparative Perspective, Kluwer Law International, 2006; WEATHERILL, S., Cases and Materials on EU Law, 10.ª ed., Oxford, Oxford University Press, 2012. Paula Vaz Freire (atualizado a 24.07.2016)

decisão da união europeia

A decisão é um ato jurídico da União Europeia (UE). Os atos jurídicos adotados pelas instituições da UE – regulamentos, diretivas, decisões, recomendações e pareceres – encontram-se tipificados no art. 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE). O Tratado de Lisboa (2009) operou uma simplificação da tipologia dos atos jurídicos da UE ao mesmo tempo que introduziu, expressamente, a distinção entre atos legislativos (TFUE, art. 289.º), atos delegados (TFUE, art. 290.º) e atos de execução (TFUE, art. 291.º). As decisões podem ter a natureza de atos legislativos, atos delegados ou atos de execução. Tal como qualquer ato jurídico, a adoção de decisões encontra-se delimitada pelo princípio da atribuição (art. 5.º, n.os 1 e 2 do Tratado da União Europeia (TUE)), do qual decorre a necessidade de terem como base jurídica uma norma do tratado. A adoção de decisões pode ser determinada pelas normas dos tratados ou, na ausência dessa definição, por opção das instituições, caso a caso, no respeito dos processos aplicáveis e do princípio da proporcionalidade (TFUE, art. 296.º). As decisões legislativas e as decisões não legislativas sem destinatário são de publicação obrigatória; as decisões que indiquem um destinatário são notificadas aos seus destinatários, só produzindo efeitos após essa notificação (TFUE, art. 297.º). Na hierarquia das fontes do direito da UE, as decisões são instrumentos de direito derivado, encontrando-se, assim, subordinadas aos tratados e à Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (TUE, arts. 1.º e 6.º, n.º 1), aos acordos internacionais e aos princípios gerais do direito da UE. Natureza e regime jurídico De acordo com o artigo 288.º do TFUE, “a decisão é obrigatória em todos os seus elementos. Quando designa destinatários, só é obrigatória para estes”. Nos termos desta definição, a decisão é um ato obrigatório em todos os seus elementos pelo que não pode ser aplicada de forma incompleta, seletiva ou parcial. Trata-se de um ato que obriga quanto à forma, aos resultados e aos meios. As decisões podem ter um ou vários destinatários, vinculando apenas estes, ou não designar qualquer destinatário. O Tratado de Lisboa conferiu à decisão uma natureza mais ampla ao introduzir a distinção entre decisões com destinatário e decisões sem destinatário. No primeiro caso, os destinatários são determinados ou determináveis, pelo que a decisão constituiu um ato individual e concreto (ac. Confédération Nationale des Producteurs de Fruits et Legumes, proc. 16/72 e 17/72, col. 1972, p. 175). Podem ser destinatários de uma decisão os Estados-membros, as pessoas singulares ou coletivas. As decisões sem destinatário são dotadas de carácter geral e abstrato, configurando-se como atos normativos. As decisões normativas constituem orientações genéricas no âmbito das políticas da UE sendo, designadamente, o instrumento de base da política externa e de segurança comum (TEU, arts. 42.º a 46.º). As decisões têm aplicabilidade direta tanto quando tenham como destinatários um Estado-Membro, uma pessoa singular ou coletiva, como quando não designam destinatários. Efeito direto As decisões que têm como destinatários os Estados-membros gozam de efeito direto. Entende a jurisprudência europeia que seria incompatível com o efeito vinculativo que o artigo 288.° do TFUE reconhece à decisão excluir a possibilidade das pessoas interessadas invocarem a obrigação nela prevista. Assim, uma disposição de uma decisão dirigida a um Estado-membro, quando impuser ao destinatário uma obrigação incondicional suficientemente clara e precisa, pode ser invocada contra esse Estado pelos particulares perante os tribunais nacionais (efeito direto vertical) (ac. Grad, proc. 9/70, col. 1970, p. 509; ac. Hansa Fleisch, proc. C‑156/91, col. 1992, p. I‑5567). As decisões dirigidas aos Estados não podem ser invocadas contra um particular, ou seja, não têm efeito direto horizontal (ac. Carp, proc. C-80/06, col. 2007, p. I-329). Uma decisão que tenha por destinatários uma pessoa singular ou uma pessoa coletiva pode produzir efeito direto horizontal. É o caso, por exemplo, das decisões da Comissão em matéria de defesa da concorrência as quais podem ser invocadas pelos agentes de mercado afetados pelas práticas anticoncorrenciais. De acordo com o disposto no artigo 299.º do TFUE, as decisões que imponham obrigações pecuniárias a pessoas que não o Estado constituem título executivo, aplicando-se à execução as normas de processo civil nacionais. Madeira Sem prejuízo da aplicação uniforme do direito originário e derivado da UE, importa ter em conta que a RAM é qualificada pelo ordenamento europeu como região ultraperiférica, prevendo-se a possibilidade de serem adotadas medidas específicas relativas às condições de aplicação dos tratados, em concreto, nos domínios da política aduaneira e comercial, política fiscal, zonas francas, políticas de agricultura e pescas, aprovisionamento de matérias-primas e bens de consumo de primeira necessidade, auxílios estatais, condições de acesso a fundos estruturais e a programas horizontais (TFUE, art. 349.º). Bibliog.: CUNHA, P. Pitta e, Direito Europeu: Instituições e Políticas da União, Coimbra, Almedina, 2006; DUARTE, Maria Luísa, União Europeia: Estática e Dinâmica da Ordem Jurídica Eurocomunitária, vol. I, Coimbra, Almedina, 2011; CHALMERS, D. et alii, European Union Law, 2.ª ed., Cambridge, Cambridge University Press, 2010; CRAIG, P. e De BURCA, G., EU Law. Text, Cases and Materials, 5.ª ed., Oxford, Oxford University Press, 2011; CRAIG, P., “The Legal Effect of Directives: Policy, Rules and Exceptions”, Legal Research Paper Series, n.º 24, ago. 2009, pp. 349-377; DASHWOOD, A. et alii, Wyatt and Dashwood's European Union Law, 6.ª ed., Oxford, Hart, 2011; FOSTER, N., Foster on EU Law, 4.ª ed., Oxford, Oxford University Press, 2013; GORJÃO-HENRIQUES, M., Direito da União, 6.ª ed., Coimbra, Almedina, 2010; KACZOROWSKA, A., European Union Law, 3.ª ed., Oxon, Routledge, 2013; LOUIS, J. V., Les Règlements de la Communauté Économique Européenne, Bruxelles, Presses Universitaires de Bruxelles, 1969; MARTINS, A. M. Guerra, Curso de Direito Constitucional da União Europeia, Coimbra, Almedina, 2004; QUADROS, F. de, Direito da União Europeia, Coimbra, Almedina, 2013; TÜRK, A. H., The Concept of Legislation in European Community Law: A Comparative Perspective, The Hague, Kluwer, 2006; WEATHERILL, S., Cases and Materials on EU Law, 10.ª ed., Oxford, Oxford University Press, 2012. Paula Vaz Freire (atualizado a 24.06.2016)

igrejas neopentecostais

As igrejas neopentecostais resultam de um desdobramento da tradição pentecostal encetada no início do séc. XX. Trata-se de manifestações cristãs contemporâneas que creem na atualidade dos dons do Espírito Santo concedidos aos apóstolos no Pentecostes e, em consequência disso, proclamam a restauração ou renovação da experiência carismática. Porém, não raramente são percecionadas como igrejas pós-pentecostais (SIEPIERSKI, 1997) isi-pentecostais ou pseudo-pentecostais (CAVALCANTI, 2008). Não se pretendendo neste âmbito discutir e definir os conceitos e as fronteiras diferenciadoras das «gerações» e teologias pentecostais, a designação «igrejas neopentecostais» pretende tão-só nomear uma «nova via» do cristianismo pentecostal. Neste sentido, lembramos aqui, sumariamente, as origens, as semelhanças e algumas divergências que geraram roturas com os grupos predecessores. O movimento pentecostal começou por surgir entre as comunidades metodistas americanas do chamado «movimento de santidade», que proclamava a regeneração e o despertamento dos crentes. Em 1906, na cidade de Los Angeles, pelo testemunho de um pequeno grupo acerca do batismo no Espírito Santo mediante a experiência da glossolalia (prática de falar línguas desconhecidas e estranhas), o movimento prosperou, expandiu-se mundialmente e foi popularizado pelo Avivamento da Rua Azusa (SYNAN, 2009). No entanto, alguns também vêm nele um protesto contra o racionalismo moderno, a formalidade e a apatia espiritual das igrejas históricas (REIS, 2006). Do mesmo modo, as novas comunidades pentecostais emergem de um processo de avivamento espiritual onde, em resposta ao menor fervor dos pioneiros pentecostais, o apelo, tanto à renovação e aprofundamento da experiência carismática (HINN, 1990), como ao uso do poder que existe em proferir a Palavra de Deus (HAGIN, 2000), assume um lugar privilegiado. Concomitantemente às congéneres pentecostais, as igrejas neopentecostais caracterizam-se por uma forte ênfase na celebração do Pentecostes. Além da proclamação da experiência dos apóstolos descrita no livro dos Atos dos Apóstolos, estas igrejas creem que este evento e as profecias contidas nos livros de Isaías e de Joel e do testemunho de João Batista nos Evangelhos cumprem-se em nossos dias. Se, por um lado, partilham a matriz cristã protestante na contestação do papel da autoridade doutrinal da Tradição na Igreja Católica, da infabilidade papal e do dogma mariano. Em contrapartida, o seu pentecostalismo não deixa de ser entendido como uma adaptação à cosmovisão do cristianismo católico mediante “uma sacramentalidade de substituição, cheia de atos rituais e simbólicos” (SANTOS, 2000, 54). As igrejas neopentecostais também herdam das igrejas pentecostais uma interpretação comum da atualidade da ação do Espirito Santo (pneumatologia) traduzida em experiências de línguas, profecias, visões e sonhos. Em contraponto, esta relação individual tem sido contestada, tanto pelo perigo das orientações extra bíblicas (VIEIRA, 1995), como pelo facto de a Bíblia deixar de ser a única regra de fé e prática. Todavia, embora doutrinariamente estejam mais próximas do cristianismo pentecostal no que respeita à relação direta e pessoal do crente com Deus, em matéria eclesiástica, e ao contrário do regime de governo congregacional (não hierárquico) típico dos pentecostais, a forma de organização neopentecostal está mais próxima do governo episcopal (hierárquico). Um outro aspeto de diferenciação a sublinhar é o facto de as igrejas neopentecostais serem frequentemente conhecidas pelas ênfases na doutrina da prosperidade (HAGIN, 2001; TADEU 2008) e nas práticas de exorcismo e cura exorcistas e taumatúrgicas (TADEU, 2001; Id., 2014). Para além da discussão doutrinária, o neopentecostalismo trata de entender a fé como uma atitude positiva que visa responder aos dilemas do sofrimento humano, nomeadamente a pobreza e a doença. Em consequência do fluxo de imigração sentido na Madeira desde o final do séc. XX, nomeadamente de origem brasileira, assistiu-se à profusão de novas comunidades cristãs carismáticas. Entre as igrejas neopentecostais estabelecidas na Região identificámos, não necessariamente por ordem cronológica, a Igreja Universal do Reino de Deus, a Igreja Mundial do Poder de Deus, a Igreja Evangélica Assembleia de Deus Pentecostal, a Igreja Comunidade Evangélica da Ilha da Madeira, a Igreja Cristãos do Evangelho Pleno, a Igreja Nova Apostólica, a Congregação Cristã e ainda comunidades de carácter nacional tais como a Igreja Maná, a Catedral de Vida e a Associação Cristã do Renovo (inicialmente fundada na ilha da Madeira sob a designação Igreja Zoe). Tendo em conta a escassez de fontes de arquivo e historiográficas, bem como a ausência de uma instituição ou entidade agregadora e representativa, cremos que o número de comunidades existentes possa ser substancialmente superior às 11 supracitadas. É ainda de referir que o crescimento numérico das comunidades neopentecostais caracteriza-se por ser rápido mas irregular. Embora possamos aferir um número significativo de igrejas e a facilidade com que são fundadas novas comunidades a partir da fragmentação de outras, verifica-se, por outro lado, a falta de consistência de alguns grupos que rapidamente se dissolvem. Todavia, trata-se de um desfecho que não pode deixar de ser compreendido à luz da partida de muitos imigrantes brasileiros devido à escassez de trabalho na ilha e da abertura de novas comunidades similares e consequente «transferência» de membros. Apesar da realidade neopentecostal insular revelar uma pluralidade de igrejas várias e distintas, essa multiplicidade caracteriza-se pela recorrência a um tema comum: a afirmação da sua identidade e a legitimação da sua experiência cristã num dos dogmas fundadores do paleocristianismo, o Pentecostes. Como sublinhámos, pese embora as dificuldades impostas pela escassez de fontes para a elaboração de uma reflexão que substancie as várias realidades enumeradas, sublinhamos a necessidade de futuras investigações que terão de suplantar este desafio metodológico. Bibliog.: CAVALCANTI, R., «Pseudo-Pentecostais: Nem Evangélicos, Nem Protestantes», Revista Ultimato, n.º 314, set.-out. 2008 [ed. online: http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/314/pseudo-pentecostais-nem-evangelicos-nem-protestantes]; HAGIN, Kenneth E.,  A Palavra de Deus, um Remédio Infalível, Rio de Janeiro, Graça Editorial, 2000; Id., Chaves Bíblicas para a Prosperidade Financeira, Rio de Janeiro, Graça Editorial, 2001; Id., A Autoridade do Crente, Rio de Janeiro, Graça Editorial, 2002; HINN, Benny, Bom dia Espírito Santo, São Paulo, Bompastor, 1990; SANTOS, Luís Aguiar, «O Protestantismo em Portugal (Sécs. XIX-XX): Linhas de Força da sua História e Historiografia», Lusitânia Sacra, Lisboa, Centro de Estudos de História Religiosa – Universidade Católica Portuguesa, 2.ª Série, n.º 12, 2000, pp. 37-64; SIEPIERSKI, Paulo, «Pós-Pentecostalismo e Política no Brasil», Estudos Teológicos, vol. 37, 1997, pp. 47-61; SYNAN, V.,  O Século do Espirito Santo, São Paulo, Editora Vida, 2009; REIS, Luís, «1.º Centenário do Movimento Pentecostal Moderno», Novas de Alegria, n.º 759, abr. 2006, pp 32-33; TADEU, Jorge, Cura Divina: Como Receber e Manter, Lisboa, Publicações Maná, 2001; Id., Acerca de Finanças, Lisboa, Publicações Maná, 2008; Id., Como Lutar Contra o Diabo, Lisboa, Publicações Maná, 2014; VIEIRA, Jaime Torres, O Mito da Saúde e Prosperidade, Lisboa, NIFRA, 1995. Simão Daniel Cristóvão Fonseca (atualizado a 27.11.2015)